Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1074/18.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/04/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: ELEITO LOCAL EM REGIME DE MEIO TEMPO
PENSÃO DE APOSENTAÇÃO
CUMULAÇÃO DE RENDIMENTOS
Sumário:I. Os eleitos locais em regime de meio tempo não se integram no regime dos eleitos locais em regime de permanência, nos termos do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30/06, na sua última redação.
II. Os eleitos locais em regime de meio tempo não se encontram abrangidos pelo artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, na redação dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, não estando impedidos de cumular a pensão de aposentação com o vencimento pelo cargo autárquico.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

C..., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 11/07/2018, que no âmbito do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, movido contra a Caixa Geral de Aposentações, julgou a intimação improcedente e absolveu a Entidade Demandada do pedido, de condenação a cessar qualquer ação ou omissão, referente à suspensão do pagamento da pensão paga ao Autor e a revogação de todos os atos eventualmente praticados com vista à referida suspensão do pagamento da pensão e a condenação a continuar a liquidar mensalmente a pensão.


*

No recurso interposto formulou o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

A. Violou a douta sentença, na interpretação e na aplicação, o disposto no nº 2 do artigo 2º e os artigos 18 e 19 da lei nº 29/87, de 30/06, na atual redação, ao ter decidido que o recorrente exerce as suas funções de vereador a meio tempo em regime de permanência, devendo ainda ser revogada a decisão nesta matéria porquanto afronta e entra em clara contradição com o teor do acórdão n.º 96/2005 do Tribunal Constitucional que expressamente afasta os eleitos locais a meio tempo do regime aplicável ao exercício de funções em permanência;

B. Subsidiariamente, diga-se que mesmo que se entenda que o exercício de funções de vereador a meio tempo é enquadrável no regime do exercício de funções em regime de permanência a verdade é que, ainda assim, mesmo nesse caso, tal facto não pode significar, sem mais e só por si, que o regime do artigo 9 da Lei n.º 52-A/2005 na atual redação também é aplicável aos eleitos locais a meio tempo até porque uma questão é o enquadramento das funções dos eleitos locais a meio tempo para efeitos da Lei nº 29/87, de 30/06, na atual redação, questão distinta é o exercício de funções a tempo inteiro ou a meio tempo para efeitos do previsto na Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na atual redação;

C. A única grande novidade que a Lei nº 83-C/2013, de 31/12 aportou quanto ao campo de aplicação subjetivo da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, foi a de passar a abranger não só cargos políticos, mas também cargos públicos, sendo que em matéria de cargos políticos, com as alterações que a Lei nº 83-C/2013, de 31/12 introduziu no artigo 9º da Lei n.º 52-A/2005 de 10/10 o legislador manteve o elenco que constava do artigo 10º na redação original e acrescentou mais dois cargos políticos, no entanto, na alínea a) do nº 2 do art.º 9º da Lei nº 52-A/2005, onde procedeu à enumeração expressa dos cargos políticos cuja acumulação determina o efeito previsto no nº 1 do mesmo normativo, o legislador manteve, inalterada, a referência aos eleitos locais em regime de tempo inteiro, ou seja, os eleitos locais em regime de meio tempo não estão nem nunca estiveram enumerados nas várias versões e redações da Lei n.º 52-A/2005 que se sucederam no tempo;

D. Donde, apesar de no corpo do n.º 2 do artigo 9º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10 o legislador empregar o vocábulo “nomeadamente” o elemento histórico da interpretação jurídica conduz à conclusão de que caso o legislador pretendesse que os eleitos locais a tempo parcial ficassem abrangidos pelos limites às cumulações no artigo 9º tê-lo-ia dito expressamente, aliás, bastaria ao legislador, nessa hipótese, fazer constar no mesmo normativo de forma genérica a expressão “eleitos locais”, isto é, sem especificar e distinguir se a tempo inteiro ou meio tempo, sendo que, interpretação diversa retiraria qualquer sentido útil à menção expressa aos eleitos locais em regime de tempo inteiro;

E. A decisão judicial tem um entendimento contrário à doutrina existente sobre a mesma matéria, desde logo é um entendimento contrário aos ensinamentos da autora M... que defende de forma clara o seguinte: “(…) Os eleitos locais que exercem o mandato em regime de meio tempo não estão incluídos no elenco dos cargos políticos do artigo 10 da Lei n.º 52-A/2005 de 10 de Outubro pelo que podem acumular a sua aposentação ou reforma com a remuneração a meio tempo.” – Vide - Os Eleitos Locais, publicado pela Associação de Estudos de Direito Regional e Local, 2017, página 99.

F. A decisão é ainda contrária aos entendimentos da CCDRN e da CCDRC que publicaram vários pareceres jurídicos nos quais vieram tais organismos da Administração Central defender que os mandatos em regime de meio tempo (como o caso do recorrente) não estão abrangidos pelos artigos 9 º e 10 º da lei nº 52- A/2005, de 10/10, nem na redação anterior nem na atual redação, isto é, os eleitos locais a meio tempo podem acumular a sua aposentação ou reforma com a remuneração a meio tempo – vide – pareceres identificados nas alegações de recurso e cujo teor se dá aqui por reproduzido;

G. O sentido da decisão judicial aqui em causa é ainda completamente contrário à decisão judicial proferida no âmbito do Processo n.º 69714.4BECTB, Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, proferida no dia 10 de Março de 2016, já transitada em julgado na qual é igualmente requerida a Caixa Geral de Aposentações e ali requerente um vereador que tal como o recorrente também exercia funções a meio tempo e onde se decidiu que os eleitos locais a meio tempo não se encontram abrangidos pelo artigo 9º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 dado que tal norma apenas se aplica aos eleitos locais em regime de tempo inteiro;

H. Acresce que pelo elemento literal, nunca poderia ser aplicado ao Recorrente o regime constante dos artigos 9 e 10 da Lei n.º 52-A/2005, na atual redação, não cabendo ao interprete (no caso, o julgador) das normas estender o âmbito de aplicação de uma norma conferindo-lhe um sentido e alcance que nem sequer encontra apoio na letra da lei, sobretudo quando a lei em causa é uma lei lesiva e restritiva-concretizadora de um direito fundamental - direito à pensão do recorrente - para lá disso, o tribunal ad quo também ignorou o elemento sistemático, pondo mesmo em causa a unidade do sistema jurídico dado que fez uma leitura do n.º 1 do artigo 9 desacompanhada da leitura integrada também do n.º 2 do mesmo artigo 9 e do artigo 10, donde, ao estender, por recurso à analogia ou à interpretação extensiva, o âmbito de aplicação de tal norma dos artigos 9 e 10 da Lei n.º 52-A/2005, na atual redação ao Recorrente, violou a sentença, na aplicação e interpretação, disposto no artigo 9 do código civil e o artigo 18 da Constituição;

I. O artigo 9º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, na sua atual redação é apenas aplicável aos eleitos locais em regime de tempo inteiro, isto é, este regime nunca foi aplicável, ao longo das sucessivas redações da lei, aos eleitos locais em regime de meio tempo, sendo que, uma vez que os eleitos locais que exercem o mandato em regime de meio tempo não estão incluídos no elenco dos cargos políticos do artigo 10º da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, podem acumular a sua aposentação ou reforma com a remuneração a meio tempo.

J. Ao assim não ter entendido, violou a douta sentença, na interpretação e na aplicação, o disposto nos artigos 9 e 10 da Lei n.º 52-A/2005 de 10 de outubro, na atual redação, designadamente na redação dada pela Lei n.º 83-C/2913, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2014), pelo que, deverá a mesma decisão ser revogada e ser proferida nova decisão que interprete e aplique tais normativos legais nos termos defendidos nas presente alegações e conclusões deste recurso;”.

Pede que o recurso seja julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e a sua substituição que outra que julgue o pedido procedente.


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A ora Recorrida, notificada, não apresentou contra-alegações, nada tendo dito ou requerido.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso, assistindo razão ao Recorrente, por erro de julgamento ao considerar que o artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 52-A/2005, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, contempla os eleitos locais em regime de meio tempo.

Aderindo aos fundamentos do recurso, conclui pela procedência do recurso.


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Notificado do parecer do Ministério Público, o Recorrente veio aderir aos fundamentos do parecer.

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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, tratando-se de um processo urgente.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em decidir se a decisão judicial recorrida enferma dos seguintes vícios:

1. Erro de julgamento, na interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 2.º e dos artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 29/87, de 30/06, ao julgar que os eleitos locais a meio tempo exercem as funções em regime de permanência;

2. Do erro de julgamento quanto à aplicação dos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2014) aos eleitos locais em regime de meio tempo.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

A) Por despacho, da Direção da CGA, de 10.8.2017, o requerente foi aposentado, tendo sido considerada a sua situação em 30.12.2016, nos termos do art 43º do EA. O valor da pensão para o ano de 2016 foi de €: 3.703,64 – ver doc nº 2 da pi.

B) O requerente é pensionista da Caixa Geral de Aposentações – ver docs juntos aos autos.

C) Na sequência das eleições autárquicas de 1.10.2017, o requerente foi eleito vereador junto do Município de O... – por acordo.

D) O requerente foi nomeado vereador em regime de meio tempo – ver doc nº 4 da pi.

E) O requerente passou a auferir uma remuneração mensal no montante base ilíquido de €: 1.160,14 – ver doc nº 5 da pi.

F) Por ofício de 30.4.2018 a CGA comunicou à CM de O... o seguinte:

Assunto: exercício de funções políticas por pensionistas da CGA – Lei nº 52-A/2005, de 10.10 – vereador a meio tempo

Informo V Exas de que foi tomada devida nota do inicio de funções nesse Município, como vereador a meio tempo, do aposentado nº 8167..-00, C…, em 21.10.2017, pelo que a pensão irá ser suspensa a partir do próximo mês de junho, com efeitos a essa data, com criação da respetiva dívida.

Mais se informa de que a regra de limitação às acumulações, prevista no art 9º da Lei nº 52-A/2005, de 10.10, por força da redação introduzida pelo art 78º da Lei nº 83-C/2013, de 31.12, passou a abranger genericamente o exercício de funções politicas ou públicas prestadas a qualquer título nos serviços da administração central, regional e autárquica, bem como noutras entidades que, pela sua orgânica, sejam consideradas de caráter público, pelo que o critério que vem sendo seguido é o de considerar que os eleitos locais em regime de meio tempo também estão abrangidos pelo nº 1 daquele preceito – ver doc nº 6 da pi.

G) O requerente tomou conhecimento da comunicação que antecede – por confissão (art 15 da pi).

H) A presente instância teve início a 6.6.2018 – ver pi.

I) O agregado familiar do requerente é constituído pelo próprio, pela esposa e três filhas uma das quais estudante – ver docs juntos aos autos.

J) O rendimento mensal do requerente é o que aufere da pensão, no valor de €: 3.742,53 e o que lhe vem sendo pago como vereador a tempo parcial, no valor de €: 1.160,14 – ver docs juntos aos autos.

K) A esposa do requerente aufere cerca de €: 1.100,00/ mês – ver docs juntos aos autos.

L) O requerente, além das despesas com alimentação, vestuário, comunicações e outras, paga mensalmente prestação de crédito à habitação – ver docs juntos aos autos.”.

DE DIREITO

Importa entrar na análise dos fundamentos do recurso, segundo a sua ordem de precedência.

1. Erro de julgamento, na interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 2.º e dos artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 29/87, de 30/06, ao julgar que os eleitos locais a meio tempo exercem as funções em regime de permanência

Sustenta o Recorrente que incorre a sentença recorrida em erro de julgamento ao enquadrar os eleitos locais a meio tempo no regime de permanência.

Invoca que a sentença começa por reconhecer que os eleitos locais a meio tempo não podem ser incluídos no lote dos eleitos locais a exercer funções em regime de permanência, como decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 96/2005, mas depois altera o seu entendimento.

O exercício de funções como vereador a meio tempo não se pode qualificar como exercício de funções em regime de permanência, distinguindo-se desse regime, que abrange os vereadores a tempo inteiro.

Defende que os eleitos locais a meio tempo não se enquadram no regime de permanência, configurando um terceiro grupo de eleitos, que não se confunde com os eleitos em regime de permanência.

Sustenta que segundo o Parecer da Procuradoria-Geral da República, Proc. n.º 27/90, os vereadores em regime de meio tempo, não cabem na previsão dos artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 29/87, de 30/06.

Vejamos.

Perante os factos que se dão como provados, extrai-se que o Autor, aposentado e pensionista da Caixa Geral de Aposentações por despacho de 10/08/2017, nas eleições autárquicas realizadas em 01/10/2017, foi eleito vereador no Município de O..., tendo sido nomeado vereador em regime de meio tempo, a contar de 21/10/2017.

Em 30/04/2018 foi notificado do ofício da Caixa Geral de Aposentações da intenção de suspender a pensão de aposentação a partir de junho de 2018, por aplicação da regra de limitação às acumulações, prevista no artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, de 10/10, por força da redacção dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, passando a abranger o exercício de funções políticas e públicas prestadas a qualquer título, abrangendo os eleitos locais em regime de meio tempo.

Considerando os factos apurados resulta ser aplicável o Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30/06, da sua última redação, dada pela Lei n.º 53-F/2006, de 29/12, visto o Autor ser vereador em regime de meio tempo.

Os eleitos em regime de meio tempo têm o seu regime remuneratório previsto no artigo 8.º da Lei n.º 29/87, de 30/06, epigrafado, “Remunerações dos eleitos locais em regime de meio tempo”.

Diferencia-se do regime dos eleitos locais em regime de permanência, a que se referem os artigos 6.º e 7.º do citado regime.

Do mesmo modo, quanto à respetiva distinção, resulta do disposto no n.º 2 do artigo 2.º.

No mesmo sentido decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 96/2005, datado de 23/02/2005, Processo n.º 682/2002, publicado no Diário da República n.º 63/2005, Série II de 31/03/2005, nos termos seguintes:

A partir da Lei 22/2004 são, assim, fundamentalmente quatro as situações em que se podem encontrar os eleitos locais: a) em regime de permanência e exclusividade; b) em regime de permanência com acumulação de outras funções não remuneradas; c) em regime de permanência com acumulação de outras funções remuneradas; d) em regime de meio tempo.”.

Em face do exposto, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento ao decidir que os vereadores em regime de tempo parcial se integram no regime de permanência e ao entender que “o regime vigente para os vereadores em regime de meio termo compreende em traço comum central com os de tempo inteiro”.

Pelo que, enferma a sentença recorrida em erro de julgamento quanto à consideração do Autor, enquanto eleito local em regime de meio termo, no regime dos eleitos locais em regime de permanência, procedendo as conclusões de recurso nesta parte.

Porém, a procedência do erro de julgamento da sentença recorrida sobre a consideração do Autor no regime de permanência dos eleitos locais, nada nos diz sobre a aplicação do disposto do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, que altera o regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos de autarquias locais, aos eleitos locais em regime de meio tempo, quanto a saber se pode ou não o Autor cumular a pensão com o vencimento como eleito local em regime de meio termo, exigindo que se conheça dos demais fundamentos do recurso.

2. Do erro de julgamento quanto à aplicação dos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2014) aos eleitos locais em regime de meio tempo

Tendo presente a factualidade supra descrita, importa apurar se incorre a sentença recorrida em erro de julgamento ao aplicar o disposto no artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na sua última redação, dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, que aprova a Lei do Orçamento de Estado para 2014, à situação do Autor, pensionista e eleito local em regime de meio tempo, daí resultando não poder o Autor cumular a sua pensão de aposentação com a remuneração de vereador a meio tempo.

O regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos de autarquias locais, encontra-se previsto na Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na redação que foi dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12.

Estabelece o artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, com a epígrafe “Limites às cumulações”, o seguinte, que ora se transcreve para melhor explanação:

1 - O exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas por pensionista ou equiparado ou por beneficiário de subvenção mensal vitalícia determina a suspensão do pagamento da pensão ou prestação equiparada e da subvenção mensal vitalícia durante todo o período em que durar aquele exercício de funções.

2 - O disposto no número anterior abrange, nomeadamente:

a) O exercício dos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, membro do Governo, Deputado à Assembleia da República, juiz do Tribunal Constitucional, Provedor de Justiça, Representante da República, membro dos Governos Regionais, deputado às Assembleias Legislativas das regiões autónomas, deputado ao Parlamento Europeu, embaixador, eleito local em regime de tempo inteiro, gestor público ou dirigente de instituto público autónomo;

b) O exercício de funções a qualquer título em serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o setor empresarial municipal ou regional e demais pessoas coletivas públicas;

c) As pensões da CGA, nomeadamente de aposentação e de reforma, as pensões do CNP, as remunerações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade auferidas por profissionais fora da efetividade de serviço, bem como aos titulares de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de institutos públicos, de entidades administrativas independentes e de entidades pertencentes aos setores empresariais do Estado, regional e local.

(…)” (sublinhados nossos).

Quanto à enunciação dos “Titulares de cargos políticos”, estabelece o artigo 10.º da citada Lei n.º 52-A/2005, o seguinte:

Para efeitos da presente lei, consideram-se titulares de cargos políticos, sem prejuízo do disposto no artigo anterior:

a) Os deputados à Assembleia da República;

b) Os membros do Governo;

c) Os Representantes da República;

d) O Provedor de Justiça;

e) Os governadores e vice-governadores civis;

f) Os eleitos locais em regime de tempo inteiro;

g) Os deputados ao Parlamento Europeu;

h) Os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira.

i) Os membros dos Governos Regionais;

j) Os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas.” (sublinhados nossos).

Da leitura dos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na redação que foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, resulta não constarem expressamente os eleitos locais em regime de meio tempo, pois ambos os preceitos se referem apenas aos eleitos locais em regime de tempo inteiro.

Essa circunstância não é obstativa que unanimemente se entenda que os eleitos locais em regime de meio tempo são membros dos órgãos deliberativos e executivos dos Municípios e das Freguesias, como previsto no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 29/87, de 30/06, na redação aplicável e, consequentemente, sejam titulares de cargos políticos.

De resto, também a sentença recorrida enquadrou a situação jurídica do Autor como vereador a tempo parcial, na titularidade de um cargo político, isto é, que sendo o Autor vereador “assume o exercício de funções políticas, como eleito local”.

A discórdia radica em saber se o artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, de 10/10, na redação que foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 tem ou não aplicação aos vereadores em regime de meio tempo, tendo a sentença recorrida respondido afirmativamente, nos termos da fundamentação, que ora se transcreve:

Atento o exposto, e retornando ao art 9º da Lei nº 52-A/2005 na redação aplicável, dada pela Lei nº 83º-C/2013, de 31.12, o exercício de funções de vereador em regime de meio tempo por pensionista terá de se enquadrar na previsão do art 9º, nº 1 da citada lei.

Por um lado, pelo exercício de funções de vereador o requerente aufere remuneração e subsídios e, por outro lado, tal exercício ocorre em regime de permanência a tempo parcial ou meio tempo.

O facto da situação dos eleitos locais em regime de meio tempo não estar expressamente prevista, na enumeração exemplificativa do art 9º, nº 2 e do art 10º (atenta a remissão para o art 9º) da Lei, de limite à cumulação, não invalida que não se enquadre na previsão, geral, do nº 1 do art 9º. Este preceito passou a abranger todos aqueles que exercem quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas e sejam pensionistas, situação que determina a suspensão do pagamento da pensão durante todo o período em que durar aquele exercício de funções (de eleito local).

Assim sendo, ao pensionista que, nas circunstâncias do requerente, exerça funções de eleito local, em regime de permanência a tempo parcial, remuneradas é devida a suspensão do pagamento da respetiva pensão.

Aliás este entendimento é o que esteve na base da alteração operada pela LOE para 2014 – Lei nº 83-C/2013, de 31.12 – na Lei nº 52-A/2005, de 10.10, tratando-se de mais uma das medidas orçamentais para alcançar as metas traçadas pelo acordo de ajuda financeira externa (FMI/ BCE/ Comissão da EU) – Memorando de entendimento sobre as condicionalidades de política económica, acordado com a Comissão Europeia, e do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras, assinado com o FMI. O grave problema de desequilíbrio financeiro vivido no país, nos anos de 2011 a 2014, exigiu medidas orçamentais que justificaram uma profunda reforma das regras de aposentação e reforma em que se inclui a imposição de limites à cumulação do percebimento de pensão e remuneração por eleito local pensionista.

O interesse público na estabilidade orçamental com equilíbrio das finanças públicas assim o ditou, impondo o art 9º, nº 1 da Lei nº 52-A/2005, na redação dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31.12, limitações à cumulação de remuneração pelo exercício de funções de eleito local e respetiva pensão. Situação em que o requerente se encontra.”.

Como antecede, a sentença recorrida enferma do erro de julgamento em enquadrar os eleitos locais em regime de meio tempo, no regime de permanência, mas tal em nada influi quanto à resposta a dar à questão decidenda, não sendo relevante para efeitos de determinar a aplicabilidade ou não dos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 52-A/2005, por neles não se aludir a tal designação, nem tais preceitos se referirem a essa diferenciação.

A questão não é de fácil resposta, exigindo uma interpretação que não se limite à letra da lei.

Apresenta-se consensual que anteriormente a tal alteração à Lei n.º 52-A/2005, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, em matéria de cumulações vigorava o entendimento que o artigo 79º do Estatuto da Aposentação, na redação que lhe foi dada pelo D.L. n.º 179/2005, de 02/11, não se aplicava aos eleitos locais aposentados, pelo que até à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2014, um vereador aposentado que exercesse funções em regime de meio tempo numa autarquia, não teria de optar entre o vencimento e a respetiva pensão.

Por outro lado, extrai-se da alteração introduzida pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 ao artigo 10.º da Lei n.º 52-A/2005, que quanto ao elenco dos titulares de cargos políticos, foram aditadas as alínea i) e j), mas sem que tivessem sido aditados os eleitos locais em regime de meio tempo.

É de conceder que o legislador ao alterar os artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 52-A/2005, conheça a distinção de regimes associados aos eleitos locais em regime de permanência e em regime de meio tempo, considerando tais regimes terem há muito sido introduzidos no Estatuto dos Eleitos Locais.

Por outro lado, existindo o claro intuito de clarificação na alteração legislativa dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 ao artigo 10.º da Lei n.º 52-A/2005 quanto ao elenco dos titulares de cargos políticos, ao incluir as duas referências a que se referem as alíneas i) e j) do artigo 10.º – os membros dos Governos Regionais e os deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas –, sobre os quais nunca se suscitou qualquer dúvida sobre a sua qualidade de titulares de cargos políticos, não aproveitou o legislador a mesma oportunidade para incluir os eleitos locais a meio tempo.

Do mesmo modo, não se refere a tais eleitos locais a meio tempo no elenco previsto na alínea a), do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005.

Não obstante se entender que houve o propósito de clarificação, não se pode afirmar que tenha existido um propósito de alargamento.

Não existindo elementos seguros do ponto de vista dos critérios de interpretação da norma jurídica que o legislador que aprovou a Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 tenha querido alargar o âmbito material de aplicação do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005 aos eleitos locais em regime de meio tempo, tanto mais que também não os previu no artigo 10.º, não existem argumentos interpretativos sólidos para defender que a alteração legislativa quis passar a abranger os eleitos locais em regime de meio tempo, quando anteriormente, nos termos dos regimes anteriores, não se encontravam abrangidos.

O artigo 9.º não alterou o seu respetivo âmbito, mantendo a referência aos eleitos locais em regime de tempo inteiro, em nenhuma ocasião se referindo aos eleitos locais em regime de meio tempo, enquanto titulares de cargos políticos, como tal previstos no Estatuto dos Eleitos Locais.

Neste sentido, é de entender que ao ora Autor, eleito local em regime de meio tempo, não é aplicável o artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, na redação dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12.

Em consequência, assiste razão ao Recorrente, procedendo as conclusões do recurso, enfermando a sentença recorrida dos erros de julgamento ora apreciados.


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Em consequência, será de conceder provimento ao recurso e, em substituição, revogar a sentença recorrida e julgar o pedido procedente.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Os eleitos locais em regime de meio tempo não se integram no regime dos eleitos locais em regime de permanência, nos termos do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30/06, na sua última redação.

II. Os eleitos locais em regime de meio tempo não se encontram abrangidos pelo artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, na redação dada pelo artigo 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, não estando impedidos de cumular a pensão de aposentação com o vencimento pelo cargo autárquico.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus respetivos fundamentos, em revogar a decisão recorrida e, em substituição, conceder provimento ao pedido, condenando a Caixa Geral de Aposentações a cessar qualquer atuação com vista à suspensão da pensão de aposentação do Autor, nos exatos termos peticionados.

Sem custas – artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do Regulamento de Custas Processuais.

Registe e Notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marchão)

(Nuno Coutinho)