Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05814/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/11/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCIDENTE DE REFORMA DE ACÓRDÃO.
FUNDAMENTOS.
ISENÇÃO DE CUSTAS. NOÇÃO.
ARTº.4, Nº.1, AL.F), DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.
Sumário:1. Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.666, nº.1, do C.P.Civil). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.666, nº.2, e 669, nº.1, do C.P.Civil; artº.125, do C.P.P.Tributário).

2. A possibilidade de dedução do incidente de reforma da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12.

3. No que, especificamente, diz respeito ao incidente de reforma de acórdão, admite o legislador (a partir da reforma do C.P.Civil introduzida pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12) que as partes possam deduzir tal incidente, nos termos das disposições combinadas dos artºs.669 e 716, do C. P. Civil (aplicáveis ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.).

4. O recorrente deve considerar-se uma pessoa colectiva de direito privado, de base associativa (cfr.artº.157, do C.Civil), sem fins lucrativos, que goza do estatuto de utilidade pública, o qual lhe foi atribuído ao abrigo do regime previsto no dec.lei 460/77, de 7/11 (cfr.actualmente o dec.lei 391/2007, de 13/12). Encontramo-nos, portanto, perante uma pessoa colectiva privada à qual foi atribuído o estatuto de utilidade pública e que a doutrina denomina como pessoa colectiva de mera utilidade pública.

5. As pessoas colectivas de mera utilidade pública, como é o caso dos clubes desportivos, estão, em abstracto, abrangidos pela norma de isenção de custas prevista no citado artº.4, nº.1, al.f), do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.).

6. A figura da isenção de custas concretiza uma situação de gratuitidade dos actos processuais em abstracto. A isenção subjectiva constante do artº.4, nº.1, al.f), do R.C.P. é, igualmente, motivada por um elemento objectivo consubstanciado no interesse público prosseguido pelas pessoas ou entidades a quem é concedida. Por outro lado, tal isenção não reveste natureza absoluta, antes tendo carácter condicional, conforme se retira, além do mais, dos nºs.5 e 6 do mesmo normativo.

7. A norma sob exame faz depender a isenção subjectiva em matéria de custas, no tocante às pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, da verificação de dois pressupostos de legitimidade processual:
a-Quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou;
b-Para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.

8. Estamos, portanto, perante uma isenção de custas com características condicionais, desde logo, na medida em que somente funciona em relação a processos concernentes às suas especiais atribuições das entidades abrangidas pela isenção ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto ou, ainda, pela própria lei. Nesta perspectiva, a examinada isenção não abrange, nomeadamente, as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que estas entidades celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“SPORT ……………………..”, com os demais sinais dos autos, notificado do acórdão datado de 8/8/2012 e exarado a fls.229 a 246 dos presentes autos, deduziu o incidente de reforma de acórdão quanto a custas, ao abrigo dos artºs.669, nº.1, al.b), e 716, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário (cfr.fls.253 e 254 dos autos) alegando, em síntese:
1-No acórdão cuja reforma quanto a custas se pede foi decidido negar provimento ao recurso interposto pelo ora requerente e confirmar a decisão recorrida que se mantém na ordem jurídica;
2-Mais tendo sido decidido condenar o recorrente e ora requerente em custas;
3-No entanto, o requerente é uma pessoa colectiva privada, sem fins lucrativos e dotada de utilidade pública legalmente reconhecida nos termos do dec.lei 460/77, de 7/11, conforme despacho publicado na 2ª. série do D.R. de 23/8/1986, tudo de acordo com documento que junta;
4-Prevê o artº.4, nº.1, al.f), do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), que as pessoas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas atribuições ou em defesa dos interesses que lhe estejam especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável, gozam de isenção de custas;
5-Esta é uma isenção subjectiva que aproveita ao requerente no âmbito dos presentes autos, precisamente por ter actuado na defesa dos seus interesses legítimos;
6-Pelo que, ao condenar o recorrente em custas, o acórdão reformando não teve em consideração a isenção prevista no citado artº.4, nº.1, al.f), do R.C.P., pelo que deverá ser reformado;
7-Termos em que, se requer a reforma do douto acórdão quanto a custas, ao abrigo do disposto no artº.669, nº.1, al.b), do C.P.Civil.
X
Notificado do requerimento a suscitar o presente incidente, o recorrido (Fazenda Pública) nada arguiu.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do deferimento do presente incidente (cfr.fls.273 dos autos).
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Dispensados os vistos legais, atenta a simplicidade das questões a decidir, vêm os autos à conferência para deliberação (cfr.artºs.670, nº.1, e 716, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P. P.Tributário).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.666, nº.1, do C.P.Civil). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.666, nº.2, e 669, nº.1, do C.P.Civil; artº.125, do C.P.P.Tributário).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.671 e 677, do C.P.Civil).
A possibilidade de dedução do incidente de reforma da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12 (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.400/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/10/2011, rec.497/11; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5ª. edição, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág.928 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.321 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e seg.).
No que, especificamente, diz respeito ao incidente de reforma de acórdão, admite o legislador (a partir da reforma do C.P.Civil introduzida pelo dec.lei 329-A/95, de 12/12) que as partes possam deduzir tal incidente, nos termos das disposições combinadas dos artºs.669 e 716, do C. P. Civil (aplicáveis ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.).
No caso “sub judice”, do acórdão exarado nestes autos, na parte posta em crise com este pedido de reforma, consta do dispositivo do mesmo a condenação em custas do recorrente e ora requerente, em consequência de se ter negado provimento ao recurso e se ter confirmado a sentença recorrida, assim tendo ficado vencido na presente lide (cfr.artº.446, do C.P.Civil).
Apesar disso, entende o requerente que o acórdão reformando não teve em consideração a isenção prevista no citado artº.4, nº.1, al.f), do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), a qual se lhe aplica, pelo que deverá ser reformado neste segmento de condenação em custas.
A norma constante do citado artº.4, do R.C.P., aprovado pelo dec.lei 34/2008, de 26/2, diploma que se aplica ao presente processo quanto ao procedimento de custas, consagra o seguinte, na parte que interessa aos presentes autos:
“Artigo 4.º
Isenções
    1 - Estão isentos de custas:
    “…”
    f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
    “…”
    5 - Nos casos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido.
    6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s) e t) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respectiva pretensão for totalmente vencida.

Antes de mais, dir-se-á que o recorrente/requerente se deve considerar uma pessoa colectiva de direito privado, de base associativa (cfr.artº.157, do C.Civil), sem fins lucrativos, que goza do estatuto de utilidade pública, o qual lhe foi atribuído ao abrigo do regime previsto no dec.lei 460/77, de 7/11 (cfr.actualmente o dec.lei 391/2007, de 13/12). Encontramo-nos, portanto, perante uma pessoa colectiva privada à qual foi atribuído o estatuto de utilidade pública e que a doutrina denomina como pessoa colectiva de mera utilidade pública (cfr.ac.T.C.A.Sul, 12/8/2011, proc.4880/11; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, Almedina, 1990, pág.565 e seg.; Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, 10ª. edição, Almedina, 1991, pág.396 e seg.).
As pessoas colectivas de mera utilidade pública, como é o caso dos clubes desportivos, estão, em abstracto, abrangidos pela norma de isenção de custas prevista no citado artº.4, nº.1, al.f), do R.C.P. (cfr.Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.186).
A figura da isenção de custas concretiza uma situação de gratuitidade dos actos processuais em abstracto. A isenção subjectiva constante do artº.4, nº.1, al.f), do R.C.P. é, igualmente, motivada por um elemento objectivo consubstanciado no interesse público prosseguido pelas pessoas ou entidades a quem é concedida. Por outro lado, tal isenção não reveste natureza absoluta, antes tendo carácter condicional, conforme se retira, além do mais, dos nºs.5 e 6 do mesmo normativo (cfr.Salvador da Costa, ob.cit., pág.177).
A norma sob exame faz depender a isenção subjectiva em matéria de custas, no tocante às pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, da verificação de dois pressupostos de legitimidade processual:
1-Quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou;
2-Para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.
Estamos, portanto, perante uma isenção de custas com características condicionais, desde logo, na medida em que somente funciona em relação a processos concernentes às suas especiais atribuições das entidades abrangidas pela isenção ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto ou, ainda, pela própria lei. Nesta perspectiva, a examinada isenção não abrange, nomeadamente, as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que estas entidades celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições (cfr.Salvador da Costa, ob.cit., pág.188 e 189).
Nestes termos, a isenção subjectiva em causa apenas vigorará face aos ditos processos concernentes às especiais atribuições das entidades abrangidas pela isenção ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, mais cumprindo a tal pessoa o ónus de provar essa especial afectação processual, conforme resulta do artº.342, nº.1, do C. Civil.
Voltando ao caso concreto, do acórdão reformando extrai-se que o recorrente/requerente intentou a presente reclamação de acto de órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal nº.3492-1994/102924.0 e aps. em que surge como executado, o qual corre seus termos no 4º. Serviço de Finanças de Loures, tendo por objecto despacho que determinou a sua notificação com vista ao pagamento integral dos valores em débito, relativos a dívidas fiscais e à segurança social existentes até 31/07/96, ao abrigo do regime previsto no dec.lei 124/96, de 10/8, despacho este de que foi notificado em 20/1/2012 e com vista ao pagamento da quantia de € 41.467,72, resultante do apuramento da diferença entre o valor da dívida inicial corrigida no montante de € 67.957,68 e as receitas do totobola/jogos sociais que proporcionalmente lhe foram distribuídos, no valor de € 26.489,96 (cfr.nºs.4 e 22 do probatório do acórdão reformando).
Face ao referido, deve concluir-se que o recorrente/requerente é executado (como qualquer outro contribuinte que deve à Fazenda Pública) em processo de execução fiscal, tendo sido notificado no âmbito do mesmo com vista ao pagamento da dívida exequenda restante e contra tal acto tendo deduzido reclamação de acto de órgão de execução fiscal. Pelo que, o presente processo nada tem a ver com as especiais atribuições do recorrente/requerente enquanto clube desportivo abrangido pela isenção em exame, tal como nada tem a ver com a defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei. Assim sendo, justifica-se a condenação em custas.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente este incidente de reforma de acórdão, ao que se procederá na parte dispositiva.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em INDEFERIR A REQUERIDA REFORMA DO ACÓRDÃO exarado a fls.229 a 246 do presente processo.
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Condena-se o recorrente/requerente em custas pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) U.C. (cfr.artº.7 e Tabela II, do R.C.Processuais).
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 11 de Dezembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)