Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05822/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2012
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:NOTIFICAÇÃO.
CARTA REGISTADA / REGISTO SIMPLES.
Sumário:1.No pressuposto de que as cartas, dirigidas ao seu domicílio fiscal, sob registo, para notificação do teor das liquidações tributárias, foram aceites pelos serviços dos CTT e entregues, por estes, no destino, isto é, na morada constante dos subscritos, torna-se conforme com a normalidade assumir que o conteúdo da correspondência chegou ao domínio do conhecimento dos legítimos representantes da sociedade notificanda.

2. Não se pode falar em violação do art. 28.º Regulamento de Serviço Público de Correios (RSPC) - aprovado pelo DL. 176/88 de 18.5. -, quando o versado registo simples traduz uma inovação, face ao tipo de correio registado aí, em geral, regulamentado, decorrente da necessidade, de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, com a cobertura de diplomas legais nascidos em momento e realidade, posterior, diferente, da contemporânea daquele Regulamento.

3. No âmbito do procedimento e processo tributários, não se verifica qualquer indício de que o legislador, sabendo, obviamente, da existência e operação do dito registo simples, quando, no art. 38.º n.º 3 CPPT, prescreveu a efetivação de determinadas notificações por carta registada, haja querido excluir essa modalidade de entrega, disponibilizada pelos serviços postais nacionais, para alguma da correspondência fiscal, sobretudo, aquela que é, periodicamente, destinada a milhares/milhões de contribuintes.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I
CONSTRUÇÕES …………….., L.DA, contribuinte n.º ……………. e com os demais sinais constantes dos autos, deduziu oposição a execução fiscal (e apensos), contra si instaurada, por dívidas de IRC e juros compensatórios, dos anos de 2007 a 2009.
No Tribunal Tributário de Lisboa, foi proferida sentença que a julgou improcedente, decisão visada, pela oponente, no presente recurso jurisdicional, cuja alegação integra estas conclusões: «
A) - A douta sentença recorrida fez incorrecto julgamento da matéria de facto contida nos números 5, 7 e 9 dos factos provados constantes da referida sentença.
B) – Com efeito, o print da base de dados de “pesquisa de objectos” dos CTT não constitui prova que as notificações para pagamento voluntário das liquidações que deram origem à dívida exequenda tenham sido efectuadas com carta registada.
C) – Na verdade, segundo os n º 1, 2 a) e 4 a) e c) do artigo 28º do Regulamento dos Correios, a cada carta registada corresponde um recibo, o qual é entregue ao remetente e por sua vez, o levantamento subsequente, por parte do destinatário, da referida carta é também objecto de um recibo, o qual fica na posse dos CTT.
D) – Ora, o print da base de dados de “pesquisa de objectos” dos CTT, não preenche nenhum dos requisitos previstos no artigo 28º do Regulamento dos CTT.
E) – Aliás, constituindo o registo postal das notificações com carta registada um elemento externo do próprio procedimento das notificações das liquidações, a mera junção do print da base de dados de “pesquisa de objectos” dos CTT, transformaria o processo de liquidação e cobrança do imposto num procedimento fechado e inacessível com o inerente esvaziamento jurídico-constitucional do direito á notificação por parte dos administrados/contribuintes.
F) – A douta decisão recorrida fez não só um incorrecto julgamento da matéria de facto bem como uma incorrecta interpretação e aplicação do n º 1 do artigo 39º do CPPT, conjugado com o artigo 28º do Regulamento dos Correios.

Termos em que deve ser autorizada a junção dos documentos com dispensa de multa e ser o presente recurso julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida e ordenado o correspondente arquivamento da execução fiscal. »
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Não foram formalizadas contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido de que o recurso deve improceder e manter-se o julgado.
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Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
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II
Está consignado, na sentença: «
III. Fundamentação
III.1 De facto:
Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. A ora oponente foi objecto de uma inspecção externa por parte dos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Leiria em execução da ordem de serviço n.º ……………., tendo por objecto os exercícios de 2007, 2008 e 2009, e por âmbito IRC e IVA (cf. cópia do projecto de relatório de inspecção tributária a fls. 3-30 do processo administrativo, adiante designado PAT).
2. Em sede da inspecção tributária referida no ponto anterior foram propostas correcções meramente aritméticas à matéria tributável da ora oponente relativamente a IRC dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, das quais resultou imposto a pagar (cf. cópia do projecto de relatório de inspecção tributária a fls. 3-30 do processo administrativo, adiante designado PAT).
3. Em 17 de Fevereiro de 2011 foi remetido à ora oponente através de correio registado o ofício emitido na mesma data pelos serviços da direcção de finanças de Leiria destinado a dar-lhe conhecimento do projecto de relatório de inspecção tributária e a convidá-la a pronunciar-se sobre o mesmo em sede de audiência prévia (cf. cópia do ofício e registo postal a fls. 1 e 2 do PAT).
4. Em 28 de Março de 2011 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º …………………., referente ao do exercício de 2007 da ora oponente, da qual resultou o valor a pagar de EUR 199.154,25, correspondendo EUR 20.022,05 a juros compensatórios e EUR 15,82 a juros de mora (cf. demonstração de liquidação, a fls. 61-62 do PAT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5. A demonstração de liquidação referente à liquidação adicional de IRC n.º …………………, referente ao do exercício de 2007 da ora oponente, foi expedida em 1 de Abril de 2011 através de correio postal registado sob o registo com a referência “RY…………..”, endereçado à ora oponente com a morada postal “CLS da Coita …………2500-789”, tendo sido recepcionada em 6 de Abril de 2011 (cf. demonstração de liquidação, a fls. 61-62, print da base de dados de “pesquisa de objectos” dos CTT a fls. 41, todas do PAT).
6. Em 28 de Março de 2011 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º ………………., referente ao do exercício de 2008 da ora oponente, da qual resultou o valor a pagar de EUR 654.150,75, correspondendo EUR 43.684,92 a juros compensatórios e EUR 14,09 a juros de mora (cf. demonstração de liquidação, a fls. 64-65 do PAT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
7. A demonstração de liquidação referente à liquidação adicional de IRC n.º ……………….., referente ao do exercício de 2008 da ora oponente, foi expedida em 5 de Abril de 2011 através de correio postal registado sob o registo com a referência “RY……………”, endereçado à ora oponente com a morada postal “CLS da ……………. 2500-789”, tendo sido recepcionada em 7 de Abril de 2011 (cf. demonstração de liquidação, a fls. 64-65, print da base de dados de “pesquisa de objectos” dos CTT a fls. 45, todas do PAT).
8. Em 28 de Março de 2011 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º ……………….., referente ao do exercício de 2009 da ora oponente, da qual resultou o valor a pagar de EUR 602.627,50, correspondendo EUR 18.437,95 a juros compensatórios e EUR 0,66 a juros de mora (cf. demonstração de liquidação, a fls. 69-70 do PAT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
9. A demonstração de liquidação referente à liquidação adicional de IRC n.º ……………………, referente ao do exercício de 2009 da ora oponente, foi expedida em 7 de Abril de 2011 através de correio postal registado sob o registo com a referência “RY……………..”, endereçado à ora oponente com a morada postal “CLS da ……………. 2500-789”, tendo sido recepcionada em 11 de Abril de 2011 (cf. demonstração de liquidação, a fls. 69-70, print da base de dados de “pesquisa de objectos” dos CTT a fls. 49, todas do PAT).
10. Foi emitida pelo SF de Caldas da Rainha a certidão de dívida n.º 2011/380550, respeitante a IRC do exercício de 2007, juros de mora e juros compensatórios no montante total de EUR 199.363,30, em cobrança no processo de execução fiscal n.º …………………….., com pagamento voluntário até 9 de Maio de 2011, figurando na mesma como devedora a ora oponente (cf. certidão de dívida a fls. 9 dos autos e 31 do PAT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
11. Em 28 de Junho de 2011 foi assinado o A/R que acompanhou a citação da ora oponente para a execução fiscal n.º ………………………, referida no ponto anterior (cf. A/R e informação dos serviços, respectivamente a fls. 8 e 10 dos autos e 32 do PAT; acordo, cf. art. 10.º da PI).
12. Foi emitida pelo SF de Caldas da Rainha a certidão de dívida n.º 2011/381186, respeitante a IRC do exercício de 2008, juros de mora e juros compensatórios no montante total de EUR 654.150,75, em cobrança no processo de execução fiscal n.º ………………., com pagamento voluntário até 11 de Maio de 2011, figurando na mesma como devedora a ora oponente (cf. certidão de dívida a fls. 11 dos autos e 33 do PAT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
13. Em 28 de Junho de 2011 foi assinado o A/R que acompanhou a citação da ora oponente para a execução fiscal n.º ……………………, referida no ponto anterior (cf. A/R e informação dos serviços, respectivamente a fls. 8 e 12 dos autos e 34 do PAT; acordo, cf. art. 10.º da PI).
14. Foi emitida pelo SF de Caldas da Rainha a certidão de dívida n.º 2011/381222, respeitante a IRC do exercício de 2009, juros de mora e juros compensatórios no montante total de EUR 602.627,50, em cobrança no processo de execução fiscal n.º …………………, com pagamento voluntário até 11 de Maio de 2011, figurando na mesma como devedora a ora oponente (cf. certidão de dívida a fls. 13 dos autos e 35 do PAT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
15. Em 28 de Junho de 2011 foi assinado o A/R que acompanhou a citação da ora oponente para a execução fiscal n.º …………………, referida no ponto anterior (cf. A/R e informação dos serviços, respectivamente a fls. 8 e 14 dos autos e 36 do PAT; acordo, cf. art. 10.º da PI).
16. A sede da oponente situa-se no Casal …………., Sta Catarina, em Caldas da Rainha (identificação da oponente no intróito da PI e print da base de dados “visão do contribuinte” a fls. 58 do PA).
17. Os processos de execução fiscal n.ºs …………….. e ………………….. correm os seus termos por apenso ao processo ……………….. (cf. informação dos serviços, a fls. 8 dos autos e acordo).
18. A PI da presente oposição deu entrada no serviço de finanças de Caldas da Rainha em 1 de Setembro de 2011 (cf. carimbo aposto a fls. 2, dos autos).
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir. »
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A Recorrente/Rte começa por insurgir-se contra o julgamento da matéria de facto, levado a cabo pelo tribunal recorrido, especificamente, no que concerne aos pontos 5., 7. e 9. dos factos provados, pelo que, lógica e precedentemente, esta traduz a primeira questão carente de resolução.
Desde logo, ao invés do que invoca na conclusão B), a convicção do julgador, no estabelecimento da factualidade, similar, inscrita em cada um dos três indicados pontos, não se sustentou, de forma exclusiva, em print da base de dados de “pesquisa de objectos” dos CTT. Como decorre da parte final do expresso em cada um deles, foi, igualmente, valorado o conteúdo do trio de demonstrações de liquidação de IRC, relativas aos exercícios de 2007 a 2009, ou seja, mediante o cruzamento da informação constante dos dois elementos documentais referenciados, conferidas as correspondências numéricas entre cada liquidação e o correspondente registo postal, o julgador ficou certo da realidade traduzida nos visados factos assentes, atuação que se nos afigura de confirmar.
Efetivamente, na certeza de que os produzidos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios, tendo como destinatária a sociedade oponente, lhe haviam de ser (como foram) levados ao conhecimento por carta registada art. 38.º n.º 3 CPPT, em princípio, nos termos e para os efeitos do art. 39.º n.º 1 do mesmo diploma, as correspondentes notificações seriam de presumir feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse. Sem que o funcionamento desta presunção possa, in casu, ser afastado pela ocorrência de comprovada devolução, ao remetente, das cartas registadas, enviadas para o efeito, ele mostra-se, contudo, algo, afectado, pela invocação do não recebimento das missivas, por parte da oponente. Ora, no pressuposto de que as cartas, dirigidas ao seu domicílio fiscal, sob registo, para notificação do teor das liquidações tributárias, foram aceites pelos serviços dos CTT e entregues, por estes, no destino, isto é, na morada constante dos subscritos, torna-se conforme com a normalidade assumir que o conteúdo da correspondência chegou ao domínio do conhecimento dos legítimos representantes da sociedade notificanda.
Quanto ao óbice, colocado pela Rte, da não existência de talão dos registos em análise, previsto no art. 28.º Regulamento de Serviço Público de Correios (RSPC) (1), como explicado, nos autos (2), pelos próprios ctt, deve-se à circunstância de os mesmos terem revestido a modalidade de “registo simples”, onde tal tipo de comprovativo inexiste, mais sendo informado que a génese desta forma de entrega (3) se encontra na operação do serviço Notificação-Citação Via Postal Simples, instituído pelas Portarias 1178 -A/2000 de 15.12. e 953/2003 de 9.9.
Visto este esclarecimento, percebemos que, por razões, aparentemente comerciais (4), e, talvez, buscando legitimação em diplomas legislativos supervenientes, os CTT ativaram um novo processo de operar o correio registado, previsto, na sua conformação inicial, no apontado art. 28.º RSPC. Deste modo, não se pode falar em violação deste dispositivo legal, quando o versado registo simples traduz uma inovação, face ao tipo de correio registado aí, em geral, regulamentado, decorrente da necessidade, de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, com a cobertura dos diplomas legais acima identificados, nascidos em momento e realidade, posterior, diferente, da contemporânea daquele Regulamento. Acresce, no âmbito do procedimento e processo tributários, não se verificar qualquer indício de que o legislador, sabendo, obviamente, da existência e operação do dito registo simples, quando, no art. 38.º n.º 3 CPPT (5), prescreveu a efetivação de determinadas notificações por carta registada, haja querido excluir essa modalidade de entrega, disponibilizada pelos serviços postais nacionais, para alguma da correspondência fiscal, sobretudo, aquela que é, periodicamente, destinada a milhares/milhões de contribuintes.
Destarte, rejeita-se o reparo dirigido, pela Rte, à factualidade inscrita nos pontos 5., 7. e 9. dos factos provados, cujo teor é de manter, na íntegra.
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Firmado, portanto, o quadro factual desenhado na 1.ª instância, sendo certo que o único suporte desta oposição se traduz na alegação de a oponente não ter sido notificada para pagar voluntariamente a dívida exequenda, circunstância de que faz decorrer a inexigibilidade do imposto, ou seja, estando em causa o fundamento previsto no art. 204.º n.º 1 al. i) CPPT, na vertente tutelar de situações em que é instaurada execução fiscal, sem que haja sido efetuada notificação válida do ato de liquidação ao sujeito passivo, emerge, evidente, o insucesso da pretensão.
No entendimento de que impendia sobre a administração tributária/at o ónus de demonstrar a correta efetivação das notificações, dadas em falta, julgamos o mesmo, cabalmente, satisfeito, por efeito da prova de que as cartas registadas, dirigidas ao domicílio fiscal da oponente, para notificação do teor das liquidações tributárias, foram expedidas pelos serviços dos CTT e recepcionadas no destino, correspondente ao endereço:
«CONSTRUÇÕES …………………. LDA
CSL DA …………….
STA ……………..
2500-789 SANTA …………….. CLD» - cfr. fls. 61/62, 64/65 e 69/70 PA.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso.
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Custas pela recorrente.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 6 de novembro de 2012
Aníbal Ferraz
Pedro Vergueiro
Pereira Gameiro

(1) Aprovado pelo DL. 176/88 de 18.5.
(2) Cfr. fls. 119.
(3) Em que, apenas no serviço nacional, a correspondência é depositada no receptáculo postal do destinatário – fls. 76.
(4) Disponibilização de um serviço com baixo custo, para casos de volumes grandes de correspondência.
(5) Atente-se que a sua última redação foi dada pela L. 55 -B/2004, de 30.12.