Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1797/14.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/21/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO;
ÓNUS DE PROVA;
CULPA.
Sumário:I. Na previsão da al. a), do nº1 do artigo 24º da L.G.T., pretende-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente.
II. Tendo ficado provado que o Oponente, gerente da sociedade devedora originária, transferiu das contas bancárias da sociedade executada para a sua conta pessoal, um valor que excede o triplo do montante global da dívida exequenda, tal actuação é quanto basta para concluir que foi por culpa sua que o património societário se tornou insuficiente para satisfação das dívidas tributárias.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Processo n.º 1797/14.6BELRS



ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por F................ à execução fiscal nº ................, contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade «D…………., Lda.» por dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) (Retenções na Fonte) dos meses Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Novembro e Dezembro do ano de 2008.

Nas suas alegações formula a recorrente as seguintes conclusões:
«A.Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida, na parte em que julgou totalmente procedente a oposição judicial apresentada e, em consequência, condenou a Fazenda Pública no pedido de extinção da execução fiscal n.º ................ e apensos, relativamente ao Oponente.
B.O douto Tribunal de primeira instância considerou que dos autos resulta provado que:
“D) Em 25/10/2013, foi emitida a liquidação adicional de IRS em nome da D................, Lda., referente a 2008, no valor de 289.136,98 € - cfr. fls. 170 dos Autos;
E) Em 26/10/2013, foi criado o documento da liquidação referida na alínea anterior – cfr. fls. 172 e 176 dos Autos;
F) O documento referido em E) foi remetido à D................, Lda. através do Via CTT – cfr. fls. 176 dos Autos”.
C.Não obstante, com o devido respeito e salvo melhor opinião, a Fazenda Pública entende que foi incorrectamente julgado o ponto de facto que consta dos artigos 22.º e 26.º da contestação apresentada pela Fazenda Pública nos autos, nos termos do disposto no art. 210.º do CPPT, o que consubstancia erro de julgamento.
D.No artigo 22.º do articulado de contestação, afirma a Representante da Fazenda Pública que «a referida liquidação [identificada no artigo 21.º do mesmo articulado: liquidação n.º ................] foi notificada à devedora originária através de notificação electrónica, conforme se verifica pelo print obtido a partir do sistema informático da Autoridade Tributária que ora se junta aos presentes autos como doc. n.º 3 e que desde já se dá por integralmente reproduzido”.
E.No artigo 26.º do articulado de contestação, afirma a Representante da Fazenda Pública que: “Conforme consta do print junto como doc. n.º 3, a notificação da liquidação foi entregue na caixa postal electrónica da devedora originária em 26/10/2013, presumindo-se notificado no dia 20/11/2013, ou seja, no 25.º dia posterior ao dia 26/10/2013”.
F.Do teor do documento n.º 3 junto aos autos de primeira instância com o articulado de contestação pela Fazenda Pública, obtido a partir do sistema informático da Autoridade Tributária consta expressamente que a notificação da liquidação de IRS que serviu de título executivo aos autos executivos n.ºs ................ foi entregue na caixa postal electrónica da devedora originária em 26/10/2013, considerando-se esta notificada no dia 20/11/2013.
G.Pelo exposto, com o devido respeito e salvo melhor opinião, face ao meio de prova documental que consta dos autos – print obtido a partir da consulta ao sistema informático da Autoridade Tributária –, deveria ter sido dado como provado os pontos de facto constantes dos artigos 22.º e 26.º do articulado de contestação apresentado pela Representação da Fazenda Pública, ou seja, dever-se-ia ter considerado provado que:
a.a liquidação de IRS n.º ................, cuja falta de pagamento originou a instauração do processo de execução fiscal n.º ................ foi notificada à sociedade denominada “D................ Lda.” através de notificação electrónica e que
b.a notificação da liquidação supra mencionada foi entregue na caixa postal electrónica da sociedade denominada “D................ ................ Lda.” em 26/10/2013, presumindo-se notificada no dia 20/11/2013, ou seja, no 25.º dia posterior ao dia 26/10/2013.
H.Por outro lado, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, discordamos da solução jurídica consagrada pelo douto Tribunal “a quo” para o caso concreto, desde logo porquanto a fundamentação de direito expressa na douta sentença prolatada é, no entendimento da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, escassa e insuficiente.
I.Com efeito, à excepção da norma da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, que estabelece que o ónus da prova da culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade executada originária para pagamento das dívidas tributárias incumbe à Autoridade Tributária (doravante, AT), não resulta da fundamentação de direito qualquer norma jurídica que permita alicerçar as conclusões firmadas pelo Ilustre Tribunal “a quo” no sentido de que:
“nada vale à Fazenda Pública em sede de contestação lançar mão de um Relatório da Inspecção para tentar demonstrar a alegada culpa do Oponente”;
“O Tribunal até aceitaria esta técnica de fundamentação (por remissão), se no despacho de reversão o órgão de Execução Fiscal tivesse tido o mesmo cuidado que teve para demonstrar a gerência de facto. Porque nessa matéria – na gerência de facto – diz-se no despacho de reversão o seguinte: «… Gerente de facto. Cf provado no relatório de inspecção (…)»”;
Era no despacho de reversão que deveriam ter sido apresentados os factos que demonstram a culpa do Oponente”;
“E pelo menos, deveria ter sido escrito no despacho de reversão que os factos que demonstravam a culpa estariam reflectidos no Relatório da Inspecção, para o revertido poder tentar refutar os mesmos”.
J.Por outro lado, com o devido respeito e salvo melhor opinião, e considerando que o Oponente suscita na p.i. apresentada ambos os fundamentos, a Fazenda Pública não consegue descortinar, do teor da fundamentação de direito expressa, em que medida o Ilustre Tribunal “a quo” considera que existe falta ou insuficiência de fundamentação do despacho de reversão proferido no âmbito dos autos executivos supra mencionados e em que medida considera que existe ilegitimidade do Oponente, ora recorrido, naqueles autos executivos.
K.Se bem compreende a Fazenda Pública o teor da douta fundamentação de direito integrante da sentença recorrida, o Ilustre Tribunal ter-se-á pretendido debruçar acerca da suscitada falta ou insuficiência de fundamentação do despacho de reversão, do seu ponto de vista formal.
L.Não obstante, e por outro lado, o Ilustre Tribunal “a quo” considera ainda que a Fazenda Pública não alegou e provou no despacho de reversão que a insuficiência do património da sociedade executada para satisfazer as dívidas em causa nos autos se deveu a culpa do Oponente, sendo que esta conclusão se prende com a verificação do pressuposto legal da culpa para efectivação da responsabilidade subsidiária, previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT e, portanto, com a validade substancial do acto praticado pelo órgão de execução fiscal, sindicado em primeira instância.
M.Acresce ainda que existe uma manifesta incongruência entre a fundamentação de direito expressa na douta sentença proferida e o dispositivo da mesma, pois que julga o douto Tribunal de primeira instância pela procedência da acção, determinando, em consequência, a “extinção da execução fiscal n.º ................ relativamente ao Oponente”, sendo que grande parte da fundamentação de direito da douta sentença, conforme supra mencionamos, parece incidir sobre a insuficiente fundamentação ou falta de fundamentação do despacho de reversão, o que, a verificar-se, conduziria à anulação do referido acto administrativo, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 133.º, a contrario e art. 135.º, ambos do Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA), na versão conferida pelo DL n.º 442/91, de 15 de Novembro, aplicável ao caso concreto, por força do disposto no n.º 1 do art. 8.º do Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, a contrario, permitindo à AT praticar novo acto administrativo, em cumprimento do dever de fundamentação, e não à “extinção da execução fiscal n.º ................ relativamente ao Oponente”, conforme consta do dispositivo da douta sentença.
N.No que concerne à fundamentação do despacho de reversão proferido no âmbito dos autos executivos n.ºs ................, impõe-se trazer à colação entendimentos doutrinais e jurisprudenciais em matéria do dever de fundamentação dos actos administrativos que, no entender da Representação da Fazenda Pública, são relevantes para aferir se esse dever foi alcançado no caso concreto do despacho de reversão proferido em relação ao ora recorrido no âmbito do processo de execução fiscal n.º ................, nomeadamente, o teor dos Arestos proferidos pelo TCA Sul, de 25 de Setembro de 2012, referente ao proc. n.º 05370/12, de 13/01/2004, referente ao proc. n.º 03804/00, de 05-06-2012, referente ao Proc. n.º 05431/12, de 19-02-2013, referente ao Proc. n.º 06097/12, de 29-09-2009, referente ao Proc. n.º 03071/09, bem como pelo STA, de 15/02/2012, no âmbito do Proc. n.º 872/11.
O.Antes de mais, no caso concreto, não resulta do teor da p.i. em que medida é que a suscitada falta ou insuficiência de fundamentação do despacho de reversão, quanto ao pressuposto legal da reversão supra enunciado, impediu o Oponente e ora recorrido de conhecer porque é que se deu a reversão.
P.Por outro lado, consta do teor do Relatório Final de Inspecção, elaborado na sequência do procedimento inspectivo que se fundamentou na Ordem de Serviço OI 201000347, cuja cópia a Fazenda Pública juntou aos autos em primeira instância como documento n.º 1 da contestação apresentada – sendo que o teor do mesmo foi dado por reproduzido na douta sentença proferida (ponto C) dos factos provados) -, que o projecto de Relatório foi notificado ao gerente da sociedade D................ – ................ Lda., F................, Oponente nos autos de primeira instância e ora recorrido, para efeitos do exercício do direito de audição prévia.
Q.A sociedade D................ – ................ Lda. não exerceu direito de audição prévia (conforme consta do teor do supra mencionado relatório de inspecção), pelo que as correcções propostas foram efectivadas, tendo originado os actos tributários de liquidação de IRS, cujos valores, em dívida, constituem título executivo no processo de execução fiscal n.º .................
R.Pelo exposto, não se poderá ignorar que o ora recorrido era gerente, de direito e de facto da sociedade D................ – ................ Lda. durante o período de 2008, período a que respeitam os factos tributários em causa no âmbito do procedimento inepsctivo (ponto M) dos factos provados).
S.Por outro lado, não se poderá olvidar que, anteriormente ao momento da prática do despacho de reversão no âmbito do processo executivo supra mencionado, já o Oponente, ora recorrido, tinha sido notificado do teor do Relatório Final de Inspecção, sendo este o documento fundamentador do despacho proferido, pois que dos factos provados em primeira instância resulta que o despacho de reversão é fundamentado, por remissão, para o referido Relatório (ponto de facto provado H).
T.Pelo exposto, discordamos do entendimento vertido na douta sentença proferida, pois que consideramos que, no caso concreto, perante o teor da declaração fundamentadora (relatório de inspecção), um destinatário normal ou razoável, está em condições de conhecer porque é que se deu a reversão, não só no que concerne ao pressuposto legal do exercício da gerência de facto, mas também no que respeita ao pressuposto da culpa enunciado na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.
U.Ora, se um destinatário normal e razoável estaria na posição de, uma vez tomado conhecimento do relatório de inspecção e dos factos nele descritos expressamente e de forma clara e congruente, conhecer os motivos porque a AT decidiu no sentido da reversão nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, tanto mais estaria o Oponente e ora recorrido, pois que era gerente de direito e de facto da referida sociedade por quotas e, mais do que isso, era parte interessada nos factos descritos no referido relatório, pois que, precisamente pela gravidade dos factos que lhe são imputados no mesmo, ultrapassam a sua qualidade de gerente para atingir a sua esfera pessoal.
V.Não poderemos olvidar que o Oponente e ora recorrido interveio nos actos inspectivos que integraram o supra mencionado procedimento inspectivo, pois que foi ele quem assinou a Ordem de Serviço que deu início ao referido procedimento - conforme consta do relatório de inspecção junto aos autos em primeira instância e cujo teor foi integralmente reproduzido nos factos provados na douta sentença proferida (ponto C) dos factos provados).
W.Fazer depender, como o faz a douta sentença proferida, o juízo de aferição acerca da segurança, do ponto de vista garantístico, dos direitos do Oponente, quando confrontado com o despacho de reversão supra mencionado, do facto de, no teor do mesmo, a remissão para o Relatório de Inspecção ser precedida, de forma imediata, da enunciação do pressuposto da gerência de facto e não do pressuposto da culpa pela insuficiência patrimonial da executada originaria para pagamento das dívidas tributárias constitui, a nosso ver e com o devido respeito, um falso preciosismo.
X.Antes de mais, note-se que a remissão para o referido Relatório de Inspecção é feita já depois de enunciados todos os pressupostos legais para a efectivação da responsabilidade subsidiária.
Y.Por outro lado, a remissão que é feita para o relatório de inspecção, é feita para este como um todo e não só para os factos referentes ao exercício da gerência de facto da sociedade “D................ – ................, Lda.”.
Z.Ora, não se poderá olvidar que grande parte dos factos descritos no referido relatório se traduzem, do ponto de vista dos pressupostos legais da reversão, como elementos de prova da culpa do gerente daquela sociedade, e ora recorrido, pelo facto de o património da mesma se ter tornado insuficiente para satisfazer as dívidas tributárias, raciocínio que a douta sentença não equacionou, não obstante, conforme já tivemos oportunidade de mencionar, dar como provado todo o teor do referido relatório.
AA.Com a devida vénia, o Ilustre Tribunal de primeira instância, com a decisão perfilhada, caiu em contradição, na medida em que, por um lado, deu como provados todos os factos expressos no relatório de inspecção supra mencionado, e, por outro lado, ignorou os mesmos para a apreciação da existência de fundamentação do despacho de reversão, pois que não considerou as particularidades do caso concreto na decisão de mérito proferida.
BB.Com a decisão prolatada fez-se prevalecer o excessivo rigor formal face à substância dos factos que eram do conhecimento do douto Tribunal “a quo”, entendimento que não se compagina, a nosso ver, com as posições doutrinais e com os Arestos que ora trouxemos à colação.
CC.Por outro lado, e ao contrário do que entende o douto Tribunal “a quo”, nunca padecerá a reversão de falta de fundamentação por falta de prova, por parte da Administração Fiscal, da culpa do revertido na insuficiência patrimonial da devedora originária para pagamento das dívidas tributárias, pois que, seguindo o entendimento propugnado pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, estes vícios de falta de prova dos pressupostos da reversão devem ser destacáveis relativamente à alegada falta de fundamentação da reversão.
DD.Ora, e no que concerne à prova do pressuposto legal da culpa enunciado na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, ao contrário do que entende o Ilustre Tribunal de primeira instância, a Fazenda Pública considera que a AT cumpriu este ónus, pois que, à data em que o órgão de execução fiscal proferiu a decisão de reversão, havia sido elaborado (e notificado ao Oponente e ora recorrido) o teor do relatório final de inspecção, do qual integram factos que logram provar a culpa do revertido e ora recorrido na insuficiência patrimonial da sociedade D................ – ................, Lda. para pagamento das dividas tributárias.
EE.Assim, o órgão de execução fiscal, tendo conhecimento do teor do referido relatório, porquanto constitui documento que se encontra na posse de todos os órgãos da AT, considerou que se encontrava verificado, por provado, o referido pressuposto legal.
FF.Dispõe o art. 72.º da LGT que “O órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito”.
GG.Ao abrigo disposto no n.º 1 do art. 76.º da LGT, "As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”.
HH.Pelo exposto, e com base nos fundamentos que supra expomos, consideramos que a decisão dos autos em primeira instância teria que ser, necessariamente, a de improcedência total, pois que não se verifica, por um lado, falta de fundamentação ou insuficiência de fundamentação do despacho de reversão proferido em relação ao Oponente e ora recorrido no âmbito do processo de execução fiscal n.º ................, não se verificando, de igual modo, que o órgão de execução fiscal não tenha feito prova do pressuposto legal enunciado na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT e, portanto, que exista, no caso concreto, ilegitimidade do Oponente e ora recorrido naqueles autos executivos.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!»

**


O recorrido apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1º - A prova documental carreada para os autos de oposição à execução foi clara, inequívoca e plenamente valorada pelo Tribunal, de que a reversão instaurada contra o recorrido não reunia os pressupostos que servem para, neste caso, um gerente ser responsabilizado por uma dívida da sociedade devedora originária, logo, é conclusivo de que a teoria da AT relativamente à reversão ora em crise, caiu pela base.
2º - A matéria de facto dado como provada pelo Tribunal a quo, reforça que o que foi dado como provado, provado está, à luz do princípio basilar da verdade material.
3º - O recorrido reforça que não tem qualquer culpa funcional na insuficiência do património da sociedade originária para saciar a AT, que deveria ter descriminado os actos praticados pelo recorrido passíveis de reverter uma culpa fundada, o que não foi o caso!
4º - E ainda referir qual o nexo de causalidade entre os actos supostamente praticados pelo recorrido e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, isto é, saber se a insuficiência patrimonial da sociedade foi consequência directa dos actos praticados pelo mesmo, o que não foi demonstrado, de forma alguma, pela AT, pelo que no caso da alínea a), o que se verifica nos autos, não se presume, tem que se provar, pelo que, definitivamente, ocorre ilegitimidade do recorrido.
5º - O Tribunal de 1ª instância chamou à colação e bem, a Jurisprudência pacífica do TCAS no que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes em que a mesma é regulada pela lei em vigor à data do facto tributário originador da dívida exequenda, ou seja, o artigo 24º da Lei Geral Tributária, sendo o artigo aplicável ao caso em apreço e referindo ainda que não se presume a gerência de facto por ter sido exercida gerência de direito.
6º - Reforça a sua fundamentação com base no Acórdão do Tribunal Central Administrativo que sustenta que o ónus da prova recai sobre a AT sobre a culpa do recorrido na insuficiência do património, nos termos do disposto no artigo 342º do Código Civil.
7º - Do citado Acórdão e transpondo para os presentes autos, não havendo razões para discordar, concluiu e muito bem o dito Tribunal de 1ª instância, que a AT alegou teorias de culpa mas que nem sequer provou um único facto passível de reverter contra o recorrido uma culpa fundada!
8º - O que fez? Utilizou um relatório de inspeção tributária que apenas serve para quantificar a matéria coletável com base em itens para depois emitir arbitrariamente liquidações atrás de liquidações sem qualquer tipo de fundamentação e juntou-o na sua contestação colado ao despacho de reversão, este sem qualquer fundamentação!
Por todo o exposto, deve Vossa Exa julgar improcedente, por provada, o presente recurso interposto pela recorrente e confirmar a sentença recorrida, com as legais consequências.»

**

Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento parcial ao recurso.

**

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

**
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
- nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito;
- nulidade da sentença por manifesta incongruência;
- se a factualidade dada como provada, deve ou não ser alterada;
- se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que à luz do artigo 24.º, n.º 1, al. a) da LGT, o Oponente não podia ser responsabilizado subsidiariamente porquanto a Fazenda Pública não alegou nem provou factos dos quais se pudesse concluir pela sua culpa na insuficiência do património societário para satisfação da dívida exequenda.

**

III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) A Impugnante é uma sociedade por quotas que exerce como actividade principal a “Comércio a retalho em ................ ”, inscrita com o CAE 047111 e estando enquadrada em sede de IVA no regime normal de periocidacidade mensal desde 7/01/1998, e em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável – cfr. fls. 9 do Processo Administrativo (PA) apenso aos Autos;
B) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2010000347, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente aos exercícios de 2007 e 2008, no âmbito da qual apuraram imposto em falta em sede de IRC no montante de 237.890,00€ - cfr. fls. 9 do PA apenso aos Autos;
C) Em 7/10/2013, foi elaborado o relatório de fiscalização junto a fls. 7 a 52 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções ao ano de 2007 e 2008, e onde consta o seguinte:« (…)
III Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas (…)
III. 5.1.2 Exercício de 2008
Ao longo do exercício de 2008, o sujeito passivo retirou das contas tituladas pela sociedade, os seguintes valores indicados no quadro seguinte, no montante global de €1.189.450,00.
Da conta bancária titulada pela D................ no B............... n.º ................, foram retirados os montantes indicados no quadro seguinte, para a conta bancária do sócio gerente Sr. F................
Quadro 45: Montantes transferidos da conta n.º ................ do BP para a conta do sócio gerente Sr. F..............., em 2008
Data
Doc. Contab.
Conta bancária de origem
Conta Bancária de Destino
    Beneficiário
Montante
11-02-08
    06-0800203
    ................
……………
      F................
150.450,00€
02-05-08
    Não registado
    ................
…………..
F................
750.000,00€
02-05-08
    Não registado
    ……………
................
D................- ................, Lda.
300.000,00€
          Total das saídas monetárias a favor do sócio gerente em 2008
600.450,00€

(…)

Da conta bancária titulada pela D................ no B.............. n.º ..............., revelada na sua contabilidade, foram retirados os montantes indicados no quadro seguinte, para a conta bancária do sócio gerente SR. F................ Os documentos de suporte contam no Anexo 49.

Quadro 46: Montantes transferidos da conta n.º ............... do B.............. para a conta do sócio gerente Sr. F..............., em 2008


DataDoc. Contab.Conta bancária de origemConta Bancária de DestinoBeneficiárioMontante
12-03-0812-0300029…………..………………F................98.000,00€
18-04-0812-0400030...............……………F................98.000,00€
30-04-0812-0400024...............…………….F………98.000,00€
Total das saídas monetárias a favor do sócio gerente em 2008294.000,00€

Da conta bancária titulada pela D................ no B............... n.º .............., não revelada na sua contabilidade, foram retirados os montantes indicados no quadro seguinte, para a conta bancária do sócio gerente SR. F................ Os documentos de suporte contam no Anexo 26

Quadro 47: Montantes transferidos da conta n.º .............. do BP para a conta do sócio gerente Sr. F..............., em 2008
Data
    Doc. Contab.
    Conta bancária de origem
    Conta Bancária de Destino
    Beneficiário
    Montante
    30-01-08
    Não registado
    ..............
    ……
      F................
    150.000,00€
    04-02-08
    Não registado
    ..............
    ……
      F................
    50.000,00€
    26-02-08
    Não registado
    ..............
    ……..
      F................
    20.000,00€
    19-11-08
    Não registado
      F................
    25.000,00€
    09-12-08
    Não registado
      F................
    50.000,00€
          Total das saídas monetárias a favor do sócio gerente em 2008
    295.000,00€
(…)»;

D) Em 25/10/2013, foi emitida a liquidação adicional de IRS em nome da D................, Lda., referente a 2008, no valor de 289.136,98€ - cfr. fls. 170 dos Autos;
E) Em 26/10/2013, foi criado o documento da liquidação referida na alínea anterior - cfr. fls. 172 e 176 dos Autos;
F) O documento referido em E) foi remetido à D................, Lda. através do ViaCTT – cfr. fls. 176 dos Autos;
G) Em 20/01/2014, foi instaurado no SF de Loures 4, em nome da “D................ ................, Lda.” o processo de execução fiscal n.º ................ – cfr. fls. 1 do PEF apenso aos Autos;
H) Em 12/03/2014, foi proferido o despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures 4 constante a fls. 61 do PEF apenso aos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, no qual consta o seguinte: «Face às diligências de folhas, determino a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução(ões) contra F................, contribuinte n.º .............., morador em A.............. n.º 136 4 Dto –…………..Afonsoeiro na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Face ao disposto nos normativos do n.º 4 do art. 23º e do art. 60º da Lei Geral Tributária, proceda-se à notificação do(s) interessado(s) , para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando-se o prazo de dez dias a contar da notificação, podendo aquela ser exercida por escrito.
(…)
Fundamentos da Reversão:
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art. 24º, n.º1 /a] LGT].(…) »;
I) Em 12/05/2014, no âmbito do PEF n.º ................ e apensos, o Chefe do Serviço de Finanças do Loures 4, proferiu o despacho constante a fls. 80 do PEF apenso aos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte:« (…) Face às diligências de fls. , e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiários prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra F................, contribuinte n.º .............., morador A.............. n.º 136 4 Dto –………….Afonsoeiro, na qualidade de responsável civil subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
(…)
Fundamentos da Reversão:
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo [art. 24º, n.º1 /a] LGT]. Inexistência de bens do devedor originário. Gerente de facto cf provado no relatório de inspecção OI201000347 da Direcção de Finanças de Setúbal (…)»;
J) Em 16/05/2014, o Serviço de Finanças de Loures 4 remeteu para o Oponente, por carta registada com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 88 do PEF apenso aos Autos, denominado de “Citação (Reversão)”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte « (…) Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(a) POR REVERSÃO, nos termos do art. 160º do C.P.P.T, na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia de 289.136,98 EUR de que era devedor (a) o(a) executado(a) infra indicado(a) , ficando ciente de que se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.(…)»;
K) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, a nomeação do Oponente enquanto gerente da sociedade “D................ – ................, Lda.” desde 16/01/1998 - cfr. Ap. 05/19980116 constante na certidão do registo comercial de fls. 54 e ss. do PEF apenso aos Autos;
L) A sociedade devedora originária obrigava-se pela assinatura de um gerente - cfr. certidão do registo comercial constante a fls. 54 e ss. do PEF apenso aos Autos;
M) O Oponente exerceu a gerência de direito e de facto durante 2008 – por confissão, artigo 13º da p.i.;
N) A p.i. foi apresentada em 28/07/2014 junto do Serviço de Finanças de Loures 4 - cfr. fls. 4 dos Autos.


*
Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.
Em particular foi efectuada a análise ponderada e detalhada do teor da prova documental junta aos autos, designadamente aquela constante de fls. 80 do PEF apenso aos Autos, correspondente ao Despacho de Reversão, de onde se extraiu o facto provado, designadamente, o I), cujo valor não foi abalado por qualquer outra prova.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»
**

B. DO DIREITO

DAS NULIDADES DA SENTENÇA
Alega a recorrente que a fundamentação de direito expressa na sentença objecto do presente recurso é «escassa e insuficiente».
Na realidade, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais, apresenta-se como condição da sua própria legitimação e da verificação de um processo equitativo.
No plano do direito fundamental internacional, esta última exigência emerge, do disposto nos artigos 6.º, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem das Liberdades Fundamentais, e 10.º Declaração Universal dos Direitos do Homem. A nível constitucional, estabelece o disposto no artigo 205.º, nº 1, que: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.».
Por seu turno, prescreve o artigo 615.º, nº 1, al. b), do CPC que a decisão é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão». Porém, este vício penaliza a falta absoluta de fundamentação da decisão, não padecendo desse vício aquela que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada.
Desde modo, o resultado pode ser errado mas não constitui vício de nulidade, pois «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (Antunes Varela Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág.686).
Tanto basta para que não releve, para efeito do artigo 615.º, n.º1, al.b) do CPC a alegação produzida pela recorrente.
Invoca ainda a recorrente a manifesta incongruência entre a fundamentação de direito e o dispositivo da mesma, uma vez que determinou a extinção da execução fiscal relativamente ao Oponente (doravante recorrido) e parte da fundamentação incidiu sobre a insuficiente fundamentação do despacho de reversão, o que conduziria somente à anulação do referido acto.
A nulidade da sentença na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só ocorre quando, por um lado, se verifique ambiguidade ou obscuridade da decisão que a tornem ininteligível ou, por outro lado, quando a contradição se localiza no plano da expressão formal da decisão redundando num vício insanável do chamado “silogismo judiciário”, sendo que a mesma nada tem que ver com o erro de julgamento, o erro da construção do silogismo judiciário ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a sentença e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
À luz deste enquadramento e uma vez analisada a estrutura global da sentença recorrida constata-se que a conclusão decisória (condeno a Fazenda Pública no pedido de extinção da execução fiscal n.º ................ e apensos, relativamente ao Oponente) está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida, isto porque terminou por concluir que a Administração Tributaria não alegou e provou que a insuficiência da devedora originária para satisfazer as dívidas exequendas derivou da actuação culposa do recorrido.
Ora, como se sabe. só releva, para efeito da nulidade em apreciação, a contradição entre a sentença e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão. (v. Acórdão de 6.2.2007, proferido no processo n.º 322/06, publicado em texto integral em www.dgsi.pt).
Não ocorre, por conseguinte, o vício de nulidade fundado na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Erro de julgamento da matéria de facto
Pretende a recorrente a reapreciação da prova e consequente alteração da decisão sobre a matéria de facto por entender que deviam ter sido julgados provados os seguintes factos:
- a liquidação de IRS n.º ................, cuja falta de pagamento originou a instauração do processo de execução fiscal n.º ................ foi notificada à sociedade denominada “D................ ................ Lda.” através de notificação electrónica;
- a notificação da liquidação supra mencionada foi entregue na caixa postal electrónica da sociedade denominada “D................ ................ Lda.” em 26/10/2013, presumindo-se notificada no dia 20/11/2013, ou seja, no 25.º dia posterior ao dia 26/10/2013.
Analisada a alegações da recorrente constata-se que elas observam todos os pressupostos estabelecidos pelo artigo 640.º, do CPC, para a impugnação da decisão da matéria de facto, pois que fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas.
Posto isto, nada obsta ao conhecimento deste concreto fundamento do recurso dada a pontualidade do cumprimento dos ónus exigidos pelo artigo 640.º do CPC, pela recorrente.
Vejamos, então.
A pretendida alteração da matéria de facto mostra-se sustentada como base no documento n.º3 junto à contestação.
Compulsado tal documento verifica-se que se trata de "prints informáticos" emitidos pela Administração Tributaria e extraídos de um programa informático interno, os quais não têm força probatória, uma vez que são documentos particulares. Na verdade, os ditos prints não provam que a transmissão eletrónica de dados (liquidação) foi entregue na caixa postal electrónica da devedora originária, desconhecendo-se de resto a caixa postal electrónica (CPE)destinatária da alegada transmissão de dados.
Com efeito sabendo nós que «O sistema de comunicação electrónica (…) consubstancia-se na caixa postal electrónica, serviço concessionado aos CTT, tendo a designação de “Via CTT”, o qual permite receber correio em formato digital e com valor legal (cfr. José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.161 e seg.)» - Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 30.11.17, proferido no processo nº 540/17.2 B..............NT, disponível em texto integral em www.dgsi.pt - não resultando provado que a correspondência foi transmitida não pode proceder a pretendida alteração da matéria de facto.
Indefere-se, pois, o pretendido aditamento à matéria de facto.

Do mérito do recurso
A execução fiscal, por dependência da qual foi deduzida a presente oposição à execução fiscal, respeita a dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) (Retenções na Fonte) dos meses Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Novembro e Dezembro do ano de 2008, no montante total de € 237.890,00, inicialmente exigido à sociedade «D................ ................, Lda».
A sentença deu como verificado os seguintes vícios: (i) vício de forma por falta de fundamentação derivado do facto de não estarem enunciados no despacho de reversão os pressupostos constitutivos da culpa; (ii) vício fundamentação substancial porquanto a Fazenda Pública não demonstrou a actuação culposa do Oponente na insuficiência do património social, como era seu ónus à luz do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 24.º da LGT.
E, foi perante o assim decidido que veio a julgar procedente a oposição, com a consequente extinção da execução fiscal relativamente ao Oponente.


Refira-se, antes de mais, que «
A falta de elementos suscetíveis de integrar a culpa do gerente/administrador não consubstanciam qualquer vício formal da decisão de reversão, designadamente falta de fundamentação, mas antes contendem com a sua validade material e com o mérito desse chamamento ao processo, que assim fica irremediavelmente votado ao insucesso(Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.03.2019, proferido no processo n.º 0447/13.2BEVIS, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
Por outro lado, como bem avançou a Fazenda Pública, constituindo a falta de fundamentação um vício formal que afecta a validade do despacho de reversão, há apenas lugar à anulação desse despacho com absolvição do revertido da instância e não à extinção da execução fiscal. a absolvição do pedido.
O que, na realidade, vai de encontro com a jurisprudência, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.04.2018, proferido no processo n.º 978/17, onde se afirmou: «[c]onstituindo a falta de fundamentação um vício formal que afeta a validade do despacho de reversão, há apenas lugar à anulação desse despacho com absolvição do revertido da instância. E tal absolvição não impede que seja proferido novo despacho de reversão devidamente fundamentado ou seja desde que não se encontre afetado do mesmo vício.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Posto isto, avancemos.
A sentença recorrida após fazer um introito para enquadramento do pressuposto da culpa na insuficiência do património societário para pagamento da dívida exequenda, e ter concluído que «Era no despacho de reversão que deveriam ter sido apresentados os factos que demonstram a culpa do Oponente» veio a decidir que Fazenda Pública não demonstrou que a insuficiência do património da sociedade executada para satisfazer as dívidas em causa deveu-se à culpa do Oponente.
E, foi com base neste fundamento que concluiu que « (…) a Oposição tem que proceder com base neste fundamento».
Deste modo, o fundamento determinante para a procedência da Oposição consistiu na ilegalidade substantiva da reversão.
Nada há, pois, de insólito no segmento decisório contido na sentença recorrida ao julgar « (…) a presente oposição PROCEDENTE, e em consequência condeno a Fazenda Pública no pedido de extinção da execução fiscal n.º ................ e apensos, relativamente ao Oponente.».
Sendo assim, a questão que se coloca situa-se no campo da veracidade dos pressupostos da reversão (validade substancial/material), isto é, se no caso a Fazenda Pública provou ou não que o património da sociedade devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação da dívida exequenda por acto culposo do Oponente (Neste sentido vide: Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 31.01.2019, proferido no processo n.º 2004/09.BELRA, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
E diz-se isto assim, porque resulta do despacho de reversão, que a mesma se operou ao abrigo do regime ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, cujo preceito estabelece o seguinte:
«Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a)Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;».
Pois bem, por força da aplicação da norma transcrita, em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança, só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a satisfação da dívida tributária, sendo que tal ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública. (vide, entre muitos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.10.2014, proferido no processo n.º 0167/13, disponível em texto inetgarl em www.dgsi.pt, e no plano da doutrina, entre outros: Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg).
Quanto à culpa que releva para efeitos de responsabilidade subsidiaria dos gerentes, pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo, no Acórdão de 08.06.2017, proferido no processo n.º 828/11.6BELRA, nos seguintes termos: «A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.». (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Vejamos, o caso concreto.
A sentença deu como provado que no ano de 2008, o Oponente retirou das contas bancárias tituladas pela sociedade devedora originária, o montante global de 1.189.450,00€, que transferiu para a sua conta pessoal (factos alegados em sede de contestação -artigos 7.º a 14.º-).
Ora, crê-se que outra conclusão não pode ser alcançada que não a de que a actuação do Oponente é bem ilustrativa de uma situação de destruição ou danificação do património social (do activo) da sociedade devedora originária, com a consequente diminuição do mesmo.
Repare-se que a actuação do Oponente não patenteia uma qualquer falta de mérito ou habilidade na gestão da sociedade, mas isso sim, um verdadeiro comportamento violador de concretas regras de protecção dos credores sociais, ou dito de outro modo, de uma verdadeira diminuição ilícita do património da sociedade. (Nesta matéria pode ler-se. Rui Barreira, “A Responsabilidade dos Gestores de Sociedades por Dívidas Fiscais”, Rev. Fisco n.º18, pág.4)
Note-se que, não se pode deixar de ter em conta que como é evidente, esta verba (1.189.450,00€), daria e sobraria para pagar a dívida exequenda no montante de 237.890,00€.
Face à clara evidência da factualidade enunciada, parece-nos seguro, que seguindo o critério do bonus pater familiae, qualquer outra pessoa colocada no lugar do Oponente saberia que ao diminuir o património da sociedade devedora originária, não deixaria de tornar difícil a posição dos credores, mormente do fisco, o que demonstra claramente uma conduta culposa marcada por uma falta contra o dever jurídico que postula o cumprimento pontual e total das obrigações do devedor perante aqueles.
É assim manifesto que a Fazenda Pública cumpriu o ónus da prova que sobre ela impendia, relativa à culpa do Oponente pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária.
Diga-se de resto, que a inércia probatória do Oponente é indiscutível, face à ausência de apresentação de prova documental ou pedido de produção de qualquer outra prova, não logrando pois oferecer qualquer contraprova.
Aqui chegados, provando-se que a insuficiência do património da sociedade executada para satisfazer as dívidas em causa deveu-se à culpa do Oponente, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, não se pode manter a sentença recorrida contrariamente decidiu.
Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerandos, para concluir pela procedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, revogar a sentença, concedendo-se provimento ao recurso jurisdicional submetido a este Tribunal Central Administrativo.

IV.CONCLUSÕES
I. Na previsão da al.a), do nº1 do artigo 24º, da L.G.T., pretende-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente.
II.Tendo ficado provado que o Oponente, gerente da sociedade devedora originária, transferiu das contas bancárias da sociedade executada para a sua conta pessoal, um valor que excede o triplo do montante global da dívida exequenda, tal actuação é quanto basta para concluir que foi por culpa sua que o património societário se tornou insuficiente para satisfação das dívidas tributárias.

V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, e revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição e parte legítima o opoente F................ no âmbito da execução fiscal .................

Custas a cargo do Recorrido.

Após trânsito, remeta cópia certificada do presente acórdão ao Juízo Criminal de Almada (Processo n.º 3026/09.5TAALM).


Lisboa, 21 de Maio de 2020.
[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]