Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09385/16
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE CUSTOS EM SEDE DE I.R.C.
ACÇÃO. MODALIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO.
CONCEITO DE DIVIDENDOS.
DIRECTIVA 90/435/CEE, DE 23/7/1990.
PRINCÍPIOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO COMUNITÁRIO NA ORDEM JURÍDICA INTERNA PORTUGUESA.
DUPLA TRIBUTAÇÃO ECONÓMICA.
REGIME CONSTANTE DO ARTº.46, DO C.I.R.C.
RESTRIÇÃO À LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS PREVISTA NO ENTÃO ARTº.56, DO TRATADO C.E.
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
2. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
3. A acção, enquanto modalidade de título de crédito, pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social.
4. Os dividendos constituem rendimentos provenientes de acções ou outros direitos de participação em lucros, tudo reportado a sociedades de capitais, por contraposição às sociedades de pessoas.
5. A Directiva 90/435/CEE, de 23/7/1990, transposta para a ordem jurídica interna portuguesa pelo dec.lei 123/92, de 2/7 (cfr.artº.46, do C.I.R.C.), veio instituir regras comuns em relação aos pagamentos de dividendos e outras distribuições de lucros, que se pretendem neutros do ponto de vista da concorrência, de modo a contribuir para a criação do mercado único europeu, tendo como finalidade eliminar a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos entre "sociedades-mãe" e "sociedades-afiliadas" residentes em dois Estados-Membros da União Europeia distintos.
6. O direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa).
7. O fenómeno da dupla tributação reconduz-se a casos de concurso de normas. Especificamente, a dupla tributação económica surge quando determinado lucro de uma sociedade, que já tinha sido tributado em imposto sobre o rendimento na sua esfera, sofre nova tributação pela distribuição aos sócios e já no âmbito pessoal destes (seja uma empresa ou uma pessoa singular).
A dupla tributação económica, de âmbito internacional, caracteriza-se pela regra das três identidades:
a-A incidência de impostos equiparáveis de dois (ou mais) Estados;
b-Relativamente a um mesmo período;
c-Com o mesmo facto gerador.
8. Para eliminar as situações de dupla tributação económica existem diversos mecanismos, legais ou convencionais, internos ou internacionais, com esse objectivo. Um deles encontra-se consagrado no exposto artº.46, do C.I.R.C.
9. O regime constante do artº.46, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2004, na interpretação efectuada pela Fazenda Pública, trata de forma distinta a sociedade a quem são pagos os rendimentos, consoante a sociedade que os distribui seja residente ou não residente em território nacional, o que pode configurar uma restrição à livre circulação de capitais prevista no então artº.56, do Tratado C.E. Com efeito, como resulta do exposto artº.46, nº.2, do C.I.R.C., na interpretação que lhe é dada pela A. Fiscal, são deduzidos os rendimentos relativos a participações sociais em que tenham sido aplicadas reservas técnicas de sociedades de seguros, caso a sociedade que distribua os lucros seja residente em território nacional, independentemente do preenchimento do requisito previsto no nº.1, al.c), do mesmo preceito, não mantendo a Fazenda Pública a mesma interpretação, caso a sociedade seja residente noutro EM da UE.
10. Tal regime é discriminatório, face ao disposto no então artº.56, do Tratado C.E., visto tratar de forma distinta situações idênticas, podendo constituir uma forma de dissuadir o investimento de sociedades portuguesas em outros EM da UE. Com efeito, atendendo ao critério previsto no artº.46, nº.2, do C.I.R.C., na interpretação que lhe é dada pela A. Fiscal, verifica-se que a mesma situação de facto merece tratamentos distintos, consoante o pagador do rendimento resida em Portugal ou noutro EM da UE.
11. No caso dos autos, sendo os rendimentos pagos a uma sociedade portuguesa relativos a acções nas quais foram aplicadas as suas reservas técnicas e determinando o nosso ordenamento os termos do seu tratamento, ao nível da respectiva tributação, as situações em que a sociedade pagadora é residente em Portugal ou é residente noutro EM da UE são comparáveis. Já quanto a razões imperiosas de interesse geral, a Fazenda Pública nada disse, nem se vislumbra que existam.
12. De uma interpretação sistemática do artº.46, do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2004 (na qual devem estar ínsitos os princípios que enformam o nosso ordenamento, designadamente os resultantes do direito da UE, com primazia na nossa ordem constitucional sobre o direito interno - artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa), decorre que o nº.2 do preceito é aplicável quando a sociedade que distribui os dividendos seja residente noutro EM da UE. Nestes termos, forçoso é concluir que o artº.46, do C.I.R.C., na formulação aplicada pela Fazenda Pública e que fundamenta a liquidação impugnada, redunda numa restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo artº.56, do Tratado C.E., assim padecendo do vício de violação de lei.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.156 a 192 do presente processo que julgou parcialmente procedente a impugnação pelo recorrido, "Co…, S.A.", intentada, visando liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano de 2004 e no montante total de € 23.342,30.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.211 a 220 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Considerou a douta sentença a quo que a distinção operada em sede de procedimento inspectivo entre rendimentos provenientes de participações sociais - em que tenham sido aplicadas reservas técnicas de sociedades de seguros - pagos por sociedades distribuidoras de lucros com ou sem residência no território nacional é atentatória do direito comunitário;
2-Porém e salvo o devido respeito por semelhante decisão e por melhor entendimento, não pode conformar-se a Fazenda Pública com a mesma;
3-De acordo com os nºs 1 e 2 do art.º 46° do CIRC, só deve ser deduzida a importância correspondente aos lucros distribuídos por entidades com sede ou direcção efectiva em território nacional, afectos a investimentos a representar provisões técnicas, sendo que da redacção daquele nº 1 resulta que este apenas se refere aos lucros distribuídos por entidades com sede ou direcção efectiva em território português;
4-Sendo que o nº 5 daquele preceito apenas foi aditado pelo art.º 29° da Lei nº 55-B/2004 de 30/12, com entrada em vigor em 01.01.2005, motivo pelo qual semelhante norma não se poderia aplicar aos presentes rendimentos reportados ao exercício de 2004;
5-Nem tão pouco se afigura legítimo pretender o mesmo efeito jurídico de uma alegada aplicação directa da Directiva nº 90/435/CEE de 23/07, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, pois que se não está em presença de uma norma clara, precisa, incondicional e sem qualquer margem de manobra e apreciação dos Estados;
6-Ademais, e contrariamente ao articulado pela impugnante, para que esta se pudesse prevalecer do disposto no nº 2 do art.º 46º do CIRC, necessário se tornava que a mesma cumprisse os requisitos previstos na alínea c) do nº 1 daquele mesmo preceito, o que não se verificou no caso concreto, posto que a participação no capital da sociedade que distribui os lucros foi inferior a 10% do capital, e que o valor de aquisição foi inferior a € 20.000.000,00. O que não se verificou in casu, motivo pelo qual a impugnante apenas poderia beneficiar de uma dedução correspondente a 50% dos lucros distribuídos, nos termos do nº 7 do citado preceito;
7-Considerou ainda a douta sentença a quo que o entendimento perfilhado pela AT era atentatório ao disposto no então art.º 56° do Tratado CE e da liberdade de circulação de capitais prevista no ordenamento da União Europeia;
8-Porém, o disposto no art.º 2° da Directiva nº 90/435/CEE permite expressamente condicionar as isenções de tributação sobre os dividendos distribuídos entre a sociedade participada e a sociedade participante, tal como a norma da alínea a) do nº. 1 do artº. 58º do TCE prevê expressamente que a disposição do artº. 56º do mesmo diploma, não impede que as disposições dos Estados-membros contenham distinções entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que concerne ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
9-Não se pode, pois, partir para o entendimento de que as normas em causa possam de alguma forma ser discriminatórias, em relação a sujeitos passivos residentes e não residentes, sem ter em conta que a alínea a) do art.º 58º do Tratado de Roma permite no que respeita à proibição das restrições dos movimentos de circulação de capitais e de pagamentos a aplicação de "... disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;" preconizando desde logo que os sujeitos passivos poderão ser tratados de forma diferente em função do seu lugar de residência, ou do local do investimento;
10-Por maioria de razão tal tratamento terá que ser diferenciado quando as condições de tributação são diferentes, isto é, enquanto que para os sujeitos passivos residentes em Portugal, o apuramento do lucro tributável abrange todos os rendimentos obtidos quer o tenham sido no país ou fora dele traduzindo-se a retenção na fonte num pagamento por conta do imposto devido a final (cf. nº 1 do art.º 4º e nº 3 do art.º 88º do CIRC), os sujeitos passivos não residentes apenas estão sujeitos a tributação em Portugal pelos rendimentos aqui auferidos (cf. nº 2 do art.º 4º do CIRC);
11-Ademais, saliente-se que a transposição para o direito interno da Directiva nº 90/435/CEE, por força do aditamento do nº 5 do art.º 46°, contemplando o alargamento da dedução prevista no nº 1 para as situações em que as sociedades que distribuem os lucros têm sede ou direcção efectiva noutro EM, não incluía, na data em que decorreu o procedimento, a situação prevista no nº 2 do referido articulado;
12-Daí que, remetendo à data o nº 5 do art.º 46° apenas para o nº 1 deste mesmo preceito, de nenhuma excepção poderiam beneficiar os rendimentos de capitais provenientes da aplicação de reservas, motivo pelo qual estes apenas poderiam beneficiar da dedução de 50%, nos termos da alínea b) do nº 8 então vigente;
13-Por último, importa referir que em lado algum do probatório se refere que a impugnante se tenha socorrido da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, para efeito de dedução da totalidade dos dividendos distribuídos pela sociedade com sede naquele país, o qual se afigura como o mecanismo idóneo para a consecução daquele seu desiderato.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo" (cfr.fls.222 a 233 dos autos), terminando com as seguintes Conclusões:
1-Sustenta a recorrente, sem razão, que a distinção entre rendimentos provenientes de participações sociais pagos por sociedades distribuidoras de lucros com ou sem residência no território nacional não é atentatória do direito comunitário;
2-Contrariamente ao alegado pela recorrente, o disposto no n.º 5 do artigo 46.º do CIRC não foi introduzido pelo artigo 29.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e portanto ainda que esta última tenha entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2005, nunca tal poderia afectar o âmbito de aplicação do n.º 5 do artigo 46.º do CIRC, o qual apenas sofreu alguns ajustamentos com a nova lei, isto é, a alteração na sua redacção de “Comunidades Europeias” para “União Europeia”, já existindo, desde 1992, o referido preceito com um conteúdo muito idêntico àquele a que se reportam os dividendos aqui em questão. Assim, óbvio é que os dividendos referentes ao ano de 2004 estão abrangidos pelo n.º 5 do artigo 46.º do CIRC;
3-Igualmente improcedentes se devem considerar as alegações da recorrente quanto à não aplicabilidade da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23/07, ao caso em apreço, visto que aquela não foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo artigo 29.º da Lei n.º 55-B/2004, mas sim através do Decreto-Lei n.º 123/92, de 2 de Julho, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1992, e que aditou o n.º 5 do então artigo 45.º do CIRC que corresponde ao n.º 5 do artigo 46.º aqui em questão. Refira-se que o texto legal de 1992 é idêntico ao presente neste litígio em toda a sua substância, à excepção do aditamento referente à mudança da designação de Comunidade Europeia para União Europeia;
4-Não tem razão a recorrente quando pretende que, para a Co… poder deduzir os rendimentos, incluídos na base tributável, teriam de estar verificadas as condições das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC;
5-Na verdade, o n.º 2 do mesmo artigo é claro, ao permitir a dedução independentemente da percentagem de participação e do prazo, sempre que os rendimentos se reportem, como é o caso, a participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas da Seguradora;
6-E isto, independentemente de a aplicação em participações sociais se reportar a sociedade portuguesa ou de outras tais dentro da UE;
7-Veio a recorrente arguir que o artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE permite condicionar as isenções de tributação sobre os dividendos distribuídos e distinguir entre contribuintes residentes e não residentes, corroborando a sua fundamentação na alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do TCE. Porém, a posição defendida pela recorrente é em tudo contrária ao Direito Comunitário, uma vez que o próprio n.º 3 do artigo 58.º do TCE estipula que “as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos”. Tal distinção de tratamento não pode deixar de ser entendida como uma grave discriminação e violação da livre circulação de capitais dentro da UE;
8-Veio a recorrente alegar, ainda, que a transposição da Directiva n.º 90/435/CEE não incluía a situação prevista no n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, e por esse motivo deveriam os rendimentos de capitais provenientes da aplicação de reservas técnicas seguir as regras gerais, em que a dedução é igual a 50% dos dividendos;
9-Tal interpretação da lei não tem razão de ser, porque em momento algum vem a conjugação do n.º 5 com o n.º 2 do CIRC, por remissão de ambos para o n.º 1, contrariar o espírito da Directiva em apreço. Acresce que o n.º 2 do artigo 46.º do CIRC abrange todas as situações que incidam no âmbito do n.º 1 do mesmo artigo, o qual, por sua vez, é aplicável às entidades residentes em território português detentoras de participações sociais em entidades residentes noutros EM da UE (situação prevista no n.º 5);
10-Logo, de certo que a transposição da Directiva para a ordem interna teve em consideração a presente situação, pois o regime fiscal aplicável não constitui mais do que o direito que todos os contribuintes têm de não serem duplamente tributados;
11-E por último, alude a recorrente para o facto da dedução da totalidade dos dividendos com o fim de evitar a dupla tributação ser somente possível por recurso à convenção celebrada entre Portugal e a Holanda. Contudo, também a referida alegação carece de razão, uma vez que o mesmo fim é passível de ser alcançado com recurso ao artigo 46.º do CIRC, conjugado com o artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.248 a 252 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.159 a 174 dos autos):
1-A sociedade impugnante, "Co…, S.A.", com o n.i.p.c. …, tem por objecto a exploração de seguros dos ramos “não vida”, nomeadamente seguros de crédito e seguros de caução (cfr.certidão da C.R.C. junta a fls.35 a 39 dos presentes autos; relatório da inspecção tributária junto a fls.52 a 66 dos presentes autos);
2-No exercício de 2004, a impugnante recebeu dividendos líquidos relativos a acções respeitantes a participações no capital de entidades residentes em Estados-Membros da União Europeia, no valor de € 32.840,14, participações essas que eram inferiores a 10% do seu capital social ou com um valor de aquisição inferior a € 20.000.000,00 (cfr.relatório da inspecção tributária junto a fls.52 a 66 dos presentes autos);
3-Os dividendos mencionados no nº.2 respeitam a participações sociais em que foram aplicadas reservas técnicas da impugnante (cfr.facto não controvertido; documento junto a fls.28 do processo de reclamação graciosa apenso);
4-A impugnante, no exercício de 2004, registou, na sua contabilidade, os seguintes valores:
a) Na conta 70 - Prémios brutos emitidos, o valor de € 37.312.840,25;
b) Na conta 71 - Prémios de resseguro cedido, o valor de € -16.585.662,35;
c) Na conta 72 - Comissão/Participação Resseguro Cedido, o valor de €5.856.955,66;
d) Na conta 79015 - Estudo de clientes, o valor de € 2.031.962,56;
e) Na conta 79016 - Operações c/Garantia do Estado, o valor de € 1.160.293,09;
f) Na conta 7913 - Operações c/Garantia do Estado, o valor de € 1.043.493,28;
(cfr.documento junto a fls.68 dos presentes autos);
5-A impugnante foi objecto de acção inspectiva (procedimento interno de inspecção), em cumprimento da Ordem de Serviço n.º …, pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária (cfr.relatório da inspecção tributária junto a fls.52 a 66 dos presentes autos);
6-Da acção inspectiva identificada no nº.5 resultou um relatório de inspeção tributária, datado de 3 de Janeiro de 2007, do qual consta designadamente o seguinte:
“(…)

“Texto e/ou quadro no original”

(cfr.relatório da inspecção tributária junto a fls.52 a 66 dos presentes autos);
7-Na sequência do RIT identificado no nº.6, foi emitida, pela A.T., em nome da impugnante, a liquidação adicional de IRC n.º … e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2004, no valor total de € 23.342,30, tendo sido fixado como data limite para pagamento voluntário 12/03/2007 (cfr.documentos juntos a fls.28 a 30 dos presentes autos);
8-A impugnante pagou a liquidação identificada no nº.7 em 9/03/2007 (cfr.documentos juntos a fls.31 e 32 dos presentes autos; informação exarada a fls.78 do processo administrativo apenso);
9-Através de documento que deu entrada nos serviços da A.T. a 15/06/2007, a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada no nº.7 (cfr. documentos juntos a fls.2 a 9 do processo de reclamação graciosa apenso);
10-Na sequência do mencionado no nº.9, foi autuado o procedimento de reclamação graciosa nº. … (cfr.fls.1 do processo de reclamação graciosa apenso);
11-No âmbito do procedimento mencionado no nº.10, após elaboração de projecto de decisão e exercício do direito de audição por parte da impugnante, foi elaborada informação, na divisão de justiça administrativa, da Direção de Finanças de …, datada de 20/01/2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“(…)

“Texto e/ou quadro no original”

(…)”
(cfr.documento junto a fls.92 a 100 do processo de reclamação graciosa apenso);
12-Na sequência da informação identificada no nº.11 e após parecer, foi proferido, a 23/01/2009, pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de , despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cfr.documento junto a fls.91 do processo de reclamação graciosa apenso).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos e à posição assumida pelas partes, conforme indicado em cada um desses factos…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação, em consequência do que anulou as liquidações de I.R.C. e juros compensatórios objecto dos presentes autos, na vertente relativa à correcção da matéria colectável incidente sobre a eliminação da dupla tributação económica, fundada no artº.46, do C.I.R.C., mais tendo condenado a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios à sociedade impugnante, na parte em que esta obteve vencimento (cfr.nº.7 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o recorrente, em síntese e conforme se alude supra, que nos termos do artº.46, nºs.1 e 2, do C.I.R.C., só deve ser deduzida a importância correspondente aos lucros distribuídos por entidades com sede ou direcção efectiva em território nacional, afectos a investimentos a representar provisões técnicas, sendo que da redacção do nº.1 resulta que este apenas se refere aos lucros distribuídos por entidades com sede ou direcção efectiva em território português. Que o nº.5 do mesmo preceito apenas foi aditado pelo artº.29, da Lei 55-B/2004, de 30/12, com entrada em vigor em 1/01/2005, motivo pelo qual semelhante norma não se poderia aplicar aos presentes rendimentos reportados ao exercício de 2004. Que o artº.2, da Directiva 90/435/CEE, permite expressamente condicionar as isenções de tributação sobre os dividendos distribuídos entre a sociedade participada e a sociedade participante, tal como a norma do artº.58, nº.1, al.a), do T.C.E., prevê expressamente que a disposição do artº.56, do mesmo diploma, não impede que as disposições dos Estados-Membros contenham distinções entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que concerne ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido. Que a sociedade impugnante se devia ter socorrido da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, para efeito de dedução da totalidade dos dividendos distribuídos pela sociedade com sede naquele país, o qual se afigura como o mecanismo idóneo para a consecução daquele seu desiderato (cfr.conclusões 1 a 13 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve, antes de mais, vincar-se que a correcção da matéria tributável de I.R.C. objecto do processo encerra uma situação em que foram distribuídos dividendos à sociedade impugnante/recorrida por suas participadas residentes em outros Estados Membros (EM) da União Europeia (UE), tendo a mesma deduzido a totalidade dos dividendos em sede de I.R.C., situação que foi objecto de correção pela A. Fiscal, com base exclusivamente no facto de não estar reunido o requisito previsto no artº.46, nº.1, al.c), do C.I.R.C., sendo as sociedades emitentes dos dividendos em causa residentes em outros EM da UE (cfr.nºs.2, 3 e 6 do probatório).
Analisemos se assim será.
Comecemos por abordar o conceito de acção, enquanto modalidade de título de crédito, que pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/12/2014, proc.7905/14; José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.24).
Também o conceito de dividendos como rendimentos provenientes de acções ou outros direitos de participação em lucros, tudo reportado a sociedades de capitais, por contraposição às sociedades de pessoas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/03/2016, proc.9167/15; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.646 e seg.).
Deve chamar-se à colação a Directiva 90/435/CEE, de 23/7/1990, transposta para a ordem jurídica interna portuguesa pelo dec.lei 123/92, de 2/7 (cfr.artº.46, do C.I.R.C.), veio instituir regras comuns em relação aos pagamentos de dividendos e outras distribuições de lucros, que se pretendem neutros do ponto de vista da concorrência, de modo a contribuir para a criação do mercado único europeu, tendo como finalidade eliminar a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos entre "sociedades-mãe" e "sociedades-afiliadas" residentes em dois Estados-Membros da União Europeia distintos (cfr.Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.497 e seg.).
E recorde-se que o direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/03/2016, proc.9167/15; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e seg.; José Carlos Moitinho de Almeida, Direito Comunitário, A Ordem Jurídica Comunitária, As Liberdades Fundamentais na C.E.E., Centro de Publicações do Ministério da Justiça, Lisboa, 1985, pág.61 e seg.).
"In casu", deve examinar-se o artº.46, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2004:
Artigo 46º
(Dupla tributação económica)

1-Na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos:
a) A sociedade que distribui os lucros tenha a sede ou direcção efectiva no mesmo território e esteja sujeita e não isenta de IRC ou esteja sujeita ao imposto referido no artigo 7º;
b) A entidade beneficiária não seja abrangida pelo regime da transparência fiscal previsto no artigo 6º;
c) A entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a € 20 000 000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período;
2-O disposto no número anterior é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, aos rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades:
a) Sociedades de capital de risco;
b) Sociedades de desenvolvimento regional;
c) Sociedades de fomento empresarial;
d) Sociedades de investimento;
e) Sociedades financeiras de corretagem;
(...)
5-O disposto no nº1 é também aplicável quando uma entidade residente em território português detenha uma participação, nos termos e condições aí referidos, em entidade residente noutro Estado membro das Comunidades Europeias, desde que ambas essas entidades preencham os requisitos estabelecidos no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho;
(...)
7-A dedução a que se refere o nº 1 é apenas de 50% dos rendimentos incluídos na base tributável correspondentes a lucros distribuídos quando não se verifique qualquer dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do mesmo número e, bem assim, relativamente aos rendimentos que o associado aufira da associação à quota e desde que se verifique, em qualquer dos casos, o requisito da alínea a) do nº 1
8-Se a detenção da participação mínima referida no n.º 1 deixar de se verificar antes de completado o período de um ano aí mencionado, deve corrigir-se a dedução em conformidade com o disposto no número anterior, ou anular-se a mesma, sem prejuízo da consideração do crédito imposto por dupla tributação internacional a que houver lugar, de acordo com o disposto no artigo 85º, respectivamente.

Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012,proc.5320/12;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13).
O fenómeno da dupla tributação reconduz-se a casos de concurso de normas. Especificamente, a dupla tributação económica surge quando determinado lucro de uma sociedade, que já tinha sido tributado em imposto sobre o rendimento na sua esfera, sofre nova tributação pela distribuição aos sócios e já no âmbito pessoal destes (seja uma empresa ou uma pessoa singular).
A dupla tributação económica, de âmbito internacional, caracteriza-se pela regra das três identidades:
1-A incidência de impostos equiparáveis de dois (ou mais) Estados;
2-Relativamente a um mesmo período;
3-Com o mesmo facto gerador (cfr.Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.31 e seg.).
Para eliminar as situações de dupla tributação económica existem diversos mecanismos, legais ou convencionais, internos ou internacionais, com esse objectivo. Um deles encontra-se consagrado no exposto artº.46, do C.I.R.C. (cfr.J. L. Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, Provisões no âmbito de seguros unit-linked e dupla tributação económica, Revista Fiscalidade, nº.33, Janeiro/Março 2008, pág.53 e seg.).
Haverá, portanto, que analisar a compatibilidade do regime de tributação dos dividendos, constante do artº.46, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2004, na interpretação que do mesmo é feita pela A. Fiscal, com as liberdades fundamentais previstas no Tratado CE, já que estamos no âmbito da estrita competência do Estado de residência, "in casu", de Portugal, sendo certo que, nos termos já referidos, a soberania fiscal de um EM da UE não implica que a sua legislação colida com liberdades fundamentais, como seja, a liberdade de circulação de capitais.
Recorde-se que a livre circulação de capitais se encontrava consagrada no então artº.56, do Tratado C.E., norma que proibia todas as restrições a movimentos de capitais e pagamentos entre EM.
Todavia, o artº.58, nº.1, do Tratado C.E. (actual artº.65, nº.1, do Tratado U.E.), previa que algumas restrições não violassem o disposto no citado artº.56, a saber:
1-Não se tratar de situações comparáveis;
2-Existirem razões de ordem pública ou de segurança pública que as justifiquem.
Ao nível da tributação directa, estes motivos não são directamente aplicáveis, sendo que o TJUE tem aceitado o argumento da existência de razões imperiosas de interesse geral que justifiquem a restrição. A este respeito são consideradas algumas limitações que se prendam com medidas destinadas a evitar a evasão e fraude fiscais e o abuso ou risco de abuso (cfr.Ana Paula Dourado, Lições de Direito Fiscal Europeu - Tributação Directa, Coimbra Editora, 2010, pág.128 e seg.).
Como referido no Acórdão do TJUE, de 8 de Novembro de 2007 - Amurta (C-379/05): "A este respeito, há que referir que, para as participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete com efeito aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica dos lucros distribuídos e adoptar, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica. No entanto, esta situação não significa que lhes seja permitido aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado CE" (cfr.igualmente o Acórdão do TJUE, de 3 de Junho de 2010 - Comissão vs. Espanha/C-487/08).
Cumpre, pois, em primeiro lugar, aferir se há, ou não, tratamento discriminatório entre contribuintes.
É inequívoco que o regime constante do artº.46, do C.I.R.C., na interpretação efectuada pela Fazenda Pública, trata de forma distinta a sociedade a quem são pagos os rendimentos, consoante a sociedade que os distribui seja residente ou não residente em território nacional, o que pode configurar uma restrição à livre circulação de capitais.
Com efeito, como resulta do exposto artº.46, nº.2, do C.I.R.C., na interpretação que lhe é dada pela A. Fiscal, são deduzidos os rendimentos relativos a participações sociais em que tenham sido aplicadas reservas técnicas de sociedades de seguros, caso a sociedade que distribua os lucros seja residente em território nacional, independentemente do preenchimento do requisito previsto no nº.1, al.c), do mesmo preceito, não mantendo a Fazenda Pública a mesma interpretação, caso a sociedade seja residente noutro EM da UE.
Em conclusão, como resulta da matéria de facto provada, mais exactamente do relatório da inspecção tributária (cfr.nº.6 do probatório), o qual consubstancia a fundamentação da liquidação em causa, no que a esta correcção respeita, o facto de não estar preenchido o requisito previsto no artº.46, nº.1, al.c), do C.I.R.C., em casos como o dos autos, afasta a aplicação do nº.5, passando a aplicar-se o nº.7, tudo do mesmo preceito. Ou seja, está apenas em causa, por um lado, o facto de as sociedades que distribuíram os lucros não serem residentes em Portugal (o que afasta, na interpretação da A. Fiscal, a aplicação do nº.2, do artº.46) e, por outro, o de não estar preenchido o requisito previsto no artº.46, nº.1, al.c), do C.I.R.C.
Chamando à colação, de novo, o Acórdão do TJUE, de 8 de Novembro de 2007 - Amurta (C-379/05):
"Esse tratamento desfavorável dos dividendos pagos às sociedades beneficiárias estabelecidas noutro Estado-Membro, relativamente ao tratamento reservado aos dividendos pagos às sociedades beneficiárias estabelecidas nos Países Baixos, é susceptível de dissuadir as sociedades estabelecidas noutro Estado-Membro de procederem a investimentos nos Países Baixos e constitui, consequentemente, uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° do Tratado CE.".
Sendo aplicáveis estes conceitos ao caso dos autos, o regime nacional em causa, na interpretação feita pela Fazenda Pública, é discriminatório, face ao disposto no então artº.56, do Tratado C.E., nos termos referidos: trata de forma distinta situações idênticas, podendo constituir uma forma de dissuadir o investimento de sociedades portuguesas em outros EM da UE. Com efeito, atendendo ao critério previsto no artº.46, nº.2, do C.I.R.C., na interpretação que lhe é dada pela A. Fiscal, verifica-se que a mesma situação de facto merece tratamentos distintos, consoante o pagador do rendimento resida em Portugal ou noutro EM da UE.
Resta aferir, atendendo ao disposto no então artº.58, nº.1, do Tratado C.E., se esse tratamento discriminatório é ou não justificado.
Sobre a comparabilidade das situações refira-se, desde já, que a mesma se verifica.
Com efeito, trata-se de situação em que é o exercício da competência fiscal por parte de EM da UE que cria o risco de dupla tributação, sendo que a sociedade accionista residente tem um tratamento distinto, consoante a sociedade participada seja, ou não, residente em território nacional e única e exclusivamente por força dessa circunstância (a propósito da comparabilidade de situações, apesar de para um caso fáctico distinto, vide Acórdão do TJUE, de 8 de Novembro de 2007 - Amurta, supracitado).
Ou seja, no caso dos autos, sendo os rendimentos pagos a uma sociedade portuguesa relativos a acções nas quais foram aplicadas as suas reservas técnicas e determinando o nosso ordenamento os termos do seu tratamento, ao nível da respectiva tributação, as situações em que a sociedade pagadora é residente em Portugal ou é residente noutro EM da UE são comparáveis.
Ora, atenta a previsão/estatuição da norma constante do artº.46, do C.I.R.C., em abstracto, por contraposição à interpretação feita pela A. Fiscal, esta é atentatória da liberdade de circulação de capitais, quando se está perante situações idênticas, nos termos já referidos.
Já quanto a razões imperiosas de interesse geral, a Fazenda Pública nada disse, nem se vislumbra que existam.
Por outro lado, saliente-se, conforme decidiu o Tribunal "a quo", que uma interpretação sistemática do artº.46, do C.I.R.C., permite concluir no sentido da aplicabilidade do seu nº.2, quando os dividendos sejam pagos por sociedade com residência noutro EM da UE.
Com efeito, ponderando a técnica legislativa do artº.46, verifica-se que o legislador remete diversas vezes para o nº.1, mesmo não estando em causa dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, como sucede no caso previsto no então nº.5. Ou seja, o artº.46, contém remissões para o nº.1 que, implicitamente, estão a excluir a sua al. a). Aliás, a própria A. Fiscal interpreta nestes termos o nº.7, como resulta do teor do relatório de inspecção tributária (cfr.nº.6 do probatório). Ou seja, "in casu", a Fazenda Pública, ao aplicar o nº.7, interpretou-o de molde a compreender as distribuições de dividendos feitas por entidades com sede noutros EM, ao arrepio do estabelecido na citada al.a), do nº.1, do mesmo preceito.
Concluindo, de uma interpretação sistemática do artº.46, do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2004 (na qual devem estar ínsitos os princípios que enformam o nosso ordenamento, designadamente os resultantes do direito da UE, com primazia na nossa ordem constitucional sobre o direito interno - artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa), decorre que o nº.2 do preceito é aplicável quando a sociedade que distribui os dividendos seja residente noutro EM da UE.
Nestes termos, forçoso é concluir que o artº.46, do C.I.R.C., na formulação aplicada pela Fazenda Pública e que fundamenta a liquidação impugnada, redunda numa restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo artº.56, do Tratado C.E., assim padecendo do vício de violação de lei.
Arrematando, o acto tributário objecto dos presentes autos não pode manter-se, por enfermar do vício de violação de lei, gerador de anulabilidade, assente no desrespeito da norma constante do artº.56, do Tratado C.E., mais não sendo de aplicar, no caso "sub judice", a Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), celebrada entre Portugal e a Holanda, assinada em 20/9/1999, e ratificada pelo Decreto nº.32/2000, de 12/7, do Presidente da República (I série A, do D.R. de 12/7/2000).
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 29 de Junho de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)