Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2305/17.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:REDUÇÃO (TEMPORÁRIA) DA PARTE PENHORÁVEL DOS RENDIMENTOS DO EXECUTADO, ART. 738.º, N.º 6 DO CPC
Sumário:I. O art. 738.º, n.º 6 do CPC confere ao juiz o poder de reduzir a parte penhorável dos rendimentos do executado, por um período de tempo (o que considere razoável) e até mesmo isenta-los de penhora (por período não superior a um ano) dependendo, para além do requerimento do executado, de uma ponderação pelo juiz que terá em conta o montante do crédito exequendo, a natureza do crédito exequendo e as necessidades do executado e do seu agregado familiar;

II. Trata-se de um regime de redução e isenção de rendimentos penhoráveis do executado com carácter excepcional;

III. O normativo pressupõe o requerimento do executado a peticionar a redução ou isenção da penhora de rendimentos, e portanto, cabe a este alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (ónus da alegação das partes – art. 5.º, n.º 1 do CPC), e fazer prova desses factos que são constitutivos do direito alegado (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a Reclamação do Órgão de Execução Fiscal, requerida por V… m… s… dos s…, contra o acto de penhora de saldo de conta bancária, no âmbito do processo de execução n.º 324720070102….

O Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no artigo 276º do CPPT, no segmento em que determinou a redução da penhora de pensão de reforma do reclamante.

B. A questão decidenda do presente recurso reconduz-se a saber se os pressupostos para a redução da penhora da pensão ao abrigo do nº 6 do artigo 738º do CPC se mostram ou não preenchidos.

C. A douta sentença entendeu dar resposta afirmativa a esta questão, consignando:
“ (…), tendo presente a necessidade que se contrapõe de se proceder ao pagamento das dívidas exequendas, ao abrigo do disposto no artigo 738º nº 6 do Código de Processo Civil, entende-se estarem reunidas condições e justificação suficientes para ser temporariamente reduzida a penhora da pensão mensal do Reclamante, por forma que se julga necessária às suas finalidades de sobrevivência com dignidade e, bem assim, às da satisfação paulatina da dívida – sem óbvio prejuízo da penhora de outros direitos ou bens, que lhe pertençam e venham a encontrar-se aptos às finalidades da execução-, o que se julga compatibilizar-se se a penhora deixar como rendimento disponível, para o Reclamante, a quantia mensal de € 1.000 [mil euros], durante um ano.
Em face disto, determinamos que a penhora da pensão mensal de reforma do Reclamante, durante um ano com início em março de 2018, se limite ao necessário para que dela quedem disponíveis, para o Reclamante, mensalmente, mil euros líquidos, para poder satisfazer os gastos necessários da sua vida quotidiana, com o que, nesta parte, atendemos a Reclamação.

D. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, porquanto considera existir erro de julgamento, quanto à matéria de facto e quanto ao direito.

E. A reclamante peticiona a redução para 1/6 do valor da penhora da pensão de reforma no valor bruto de € 1.994,39 que vem sendo concretizada pelo Centro Nacional de Pensões, valor que lhe permitiria assegurar a sua própria subsistência com um mínimo de dignidade, pois tal rendimento é o único meio de subsistência, o qual lhe permite fazer face as despesas básicas do quotidiano, incluindo as despesas decorrentes dos tratamentos oncológicos a que vem sendo submetido.
F. Ocorre porém, que nenhuma prova foi carreada para os autos comprovativa das despesas mensais por si suportadas, designadamente contas de água, luz, gás, telecomunicações e despesas com a habitação (v.g. renda, empréstimo bancário), e ainda despesas com tratamentos oncológicos.

G. Aliás, como o consigna o Meritíssimo Juiz “a quo” na douta sentença, quando sentencia que “mesmo se os encargos com a doença que invocou não resultarem minimamente provados”.

H. Não obstante, decidiu o meritíssimo Juiz “a quo” pela redução da pensão de reforma nos termos do enunciado nº 6 do artigo 738º do CPC considerando “o custo de vida em Lisboa e a sua idade, e ainda os encargos com a saúde, que o progresso da idade não há- de poupar.”

I. Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com este entendimento, perfilhando a convicção que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento, porquanto, não obstante reconhecer não ter o reclamante feito prova de quaisquer despesas, decidiu que se mostravam verificados os pressupostos para a redução da pensão de reforma nos termos do enunciado preceito legal.

Ora,
J. À luz deste preceito legal pode o Juiz reduzir a parte penhorável dos rendimentos do executado, no entanto, tal faculdade, excecional, depende de ponderação judicial, quer do montante quer da natureza do crédito exequendo, bem como das necessidades do executado, tendo este de alegar e demonstrar que as suas necessidades merecem sobrepor-se ao interesse do credor (no caso a AT) na satisfação do seu crédito, cuja origem e montante são igualmente fatores a considerar.

Posto isto,

K. A redução do montante da penhora incidente sobre a pensão de reforma do reclamante, sempre dependeria não só da alegação, mas da prova das necessidades do reclamante, prova que que não foi feita, para tanto, basta atentar na factualidade apurada para inferir que o Reclamante não juntou aos autos quaisquer documentos, designadamente faturas que comprovassem as despesas por si suportadas.

L. Pelo que, e salvo opinião em contrário, incorre em erro o Meritíssimo Juiz a quo, ao consignar “estarem reunidas condições e justificação suficientes para ser temporariamente reduzida a penhora da pensão mensal do Reclamante.”

M. De resto, não será verosímil que um cidadão comum necessite para prover ao seu sustento mensal [até tendo por referência o estabelecido como retribuição mínima mensal que na presente data é de € 580,00], de um valor que ascende a € 1.000,00, até porque o princípio de uma sobrevivência minimamente digna só será afetado quando o valor da pensão penhorado ofenda o valor da retribuição mínima mensal.

O. Ademais, a Fazenda Pública entende que a sentença, ora recorrida, sofre de errada interpretação dos factos e consequente aplicação da lei, pois deu como provado (pontos 13 e 14 da matéria assente) que a Caixa Geral de Aposentações pagou ao Reclamante, após a penhora de 1/6 da pensão de reforma, os valores líquidos que oscilaram em torno de € 975,00, e ainda que aquela entidade pagou igualmente uma pensão de sobrevivência nos valores líquidos que oscilaram em torno de € 145,00, valores que adicionados perfazem a quantia global de € 1.120,00, e apesar disso, o Meritíssimo Juiz entendeu por bem reduzir o valor da pensão de reforma, de modo a deixar disponível ao Reclamante o rendimento correspondente à quantia mensal de € 1.000,00.

P. Verificando-se que o rendimento mensal disponível do reclamante, previamente à sentenciada redução da penhora de pensão, não só ascendia, como até ultrapassava o montante de € 1.000,00, mal andou o tribunal a quo ao decidir reduzir o valor da penhora da pensão de reforma com o propósito de garantir ao Reclamante um rendimento disponível correspondente aquele montante.

Mais,
Q. A decisão sob escrutínio sofre igualmente de errada interpretação dos factos e consequente aplicação da lei, quando consigna que atento o custo de vida em Lisboa e a idade do reclamante, e ainda os encargos com a saúde, resultantes da idade, as condições para a redução da penhora da pensão se encontram demonstradas, porquanto são em meros considerandos, que só por si não permitiriam concluir que o reclamante estaria em condições de beneficiar da redução da penhora de pensão, não podendo com base neles o Meritíssimo Juiz a quo decidir pela aplicação do nº 6 do artigo 738º do C.P.C.

R. Do mesmo modo, a douta sentença labora em erro ao considerar que a redução da penhora da pensão, não coloca em causa os interesses do credor Autoridade Tributária, pois como se compreende, considerando o valor em dívida nos autos de execução nº 32412007010… que ascende a € 9.391.720,25, e a penhora de 1/6 da pensão de reforma do reclamante que perfaz o valor aproximado de € 332,00, aquele credor verá as já de si escassas possibilidades de satisfazer o seu crédito consideravelmente diminuídas.

S. Pelo que, salvo o devido respeito, a tese do Meritíssimo Juiz segundo a qual os interesses do devedor estão em circunstâncias de prevalecer sobre os do credor, permitindo a redução da pensão da penhora, não terá qualquer acolhimento legal, dado que coloca em causa, sem qualquer justificação legal, a percepção dos avultados valores em dívida.

T. Ante o exposto, salvo o devido respeito que é muito, só em manifesto erro, a decisão recorrida poderia concluir que se mostravam preenchidos os pressupostos de redução da penhora de pensão previstos no artigo 738º, nº 6 do CPPT.

U. Deste modo, entende a Fazenda Pública que a sentença aqui em escrutínio deverá ser revogada na parte em que decide, que durante doze meses, com início a Março de 2018, deverá a penhora da pensão de reforma ser reduzida de modo a que, mensalmente, o reclamante disponha de mil euros líquidos de pensão.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, na parte em que determinou a redução da penhora de pensão de reforma do reclamante, com todas as legais consequências.»
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O recorrido, notificado, não apresentou as contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art.º 278.º, n.º 5, do CPPT e art.º 657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.
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A questão invocada pela Recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter reduzido o valor da penhora da pensão do executado nos termos do disposto no art. 738.º, n.º 6 do CPC sem que se provasse as necessidades do Reclamante.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«E assim, em face do teor dos autos, interessa saber se há desconformidade das penhoras, por impenhorabilidade e excesso, de per si e decorrente da sua concomitância, tendo por referência, ainda, a tipologia de bens/rendimentos sobre que incidem. Sobre tanto, é a seguinte a matéria que resulta provada, com interesse para a decisão:

1. A execução fiscal nº324720070010… foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 2 a 16 de fevereiro de 2002, sobre o ora Reclamante, V… M… S… dos S…, visando a cobrança coerciva de dívidas suas, provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dos anos de 2002 e de 2003, bem como do seu acrescido.

2. Tendo as liquidações na base de ambas dívidas sido objeto de impugnação, processo de impugnação nº1296/07.2BELSB, deste Tribunal, nela viria a ser proferida uma última decisão de mérito em 14 de junho de 2011, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que transitaria após 7 de março de 2012, na sequência de acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, desta data, que não admitiu recurso daquela decisão.

3. Assim, transitada que foi a decisão judicial, como determinara anulação parcial dos atos, o seu cumprimento deu origem à redução das dívidas que eles tinham determinado, as exequendas.

4. Porém, não tendo esse remanescente sido satisfeito pelo Reclamante, seriam retomados os atos executivos, no âmbito do que o Órgão de Execução Fiscal ordenou, em 7 de outubro de 2016, a penhora de uma sexta parte da pensão de reforma do Reclamante, no montante líquido circa €1.590, tendo a penhora vindo a ser efetivada, desde então, mensalmente, por quantias que oscilam entre €332,40 e €345,59, consoante a variação mensal dos montantes líquidos disponibilizados ao Reclamante – em julho de 2017 ascenderia a €651,50, mas em virtude do pagamento concomitante, com a pensão, do subsídio de férias então também pago.
5. Entretanto, além de outras penhoras mais, o Órgão de Execução Fiscal ordenou, em data desconhecida, a penhora de depósitos à guarda de instituições bancárias, que fossem pertença do Reclamante, até ao montante das quantias ainda em dívida.

6. Correspondendo a tanto, o Banco C… Português, S. A., M… B.., procedeu à cativação para efeitos daquela penhora, em 22 de agosto de 2017, da quantia de €8.602,96, que o Reclamante ali tinha depositados à ordem, na sua conta nº0020DA000045442…, balcão de Porto Salvo.

7. O Banco entregaria à execução aquela quantia em 29 de setembro de 2017, data em que foi de imediato aplicada na satisfação das dívidas exequendas.

8. Notificado a 19 de setembro de 2017 de tal penhora, no dia 22 seguinte o Reclamante, invocando prover ao seu sustento com aquele depósito – resultante das quantias não gastas da sua pensão mensal de reforma, não tendo outras fontes de rendimento, além dessa pensão – pediu ao Órgão de Execução Fiscal levantasse tal penhora e, bem assim, que reduzisse a já incidente sobre a sua pensão de reforma.

9. Por despacho de 3 de outubro de 2017 o Órgão de Execução Fiscal indeferiu o pedido invocando que «estão em causa duas penhoras distintas», manteve o ato de penhora dos depósitos em conta bancária.

10. A/até dia 2 desse mês de outubro, o Reclamante apresentou a petição na origem dos presentes autos.

11. Através das diferentes penhoras e da aplicação dos seus frutos, em meados de dezembro de 2017 as dívidas exequendas e o seu acrescido estavam reduzidos ao valor global de €9.391.720,25.

12. Além da pensão mencionada no ponto 4., o Reclamante aufere uma outra, também mensal, dita «de sobrevivência», no valor ilíquido de €183,58.

13. Os valores líquidos que a entidade processadora dessas pensões, o Centro Nacional de Pensões, pagou ao Reclamante, oscilaram em torno de €975, em 2017, incluindo já o processamento da penhora referida no ponto 4..

14. Quanto à pensão mencionada no ponto 12., os valores líquidos que a mesma entidade pagou ao Reclamante, oscilaram em torno de €145, em 2017.

Não resultaram provados outros factos relevantes para a decisão, sendo não provados os que com aqueles se revelam incompatíveis. Não resultou já provado, com aquela pertinência:

1. Que o Reclamante sofra de doença do foro oncológico, cujo tratamento seja por ele pago com os fundos da sua conta à ordem penhorada, conforme referido na matéria de facto provada, despesas não comparticipadas desse tratamento.

2. Que o valor pecuniário por que se traduz a penhora mensal da pensão mensal de reforma do Reclamante seja outro e superior aos valores mencionado no ponto 4. da matéria de facto julgada provada – oscilando entre cerca de €332,40 e cerca de €345,59.

3. Que os fundos penhorados, como descrito nos pontos 5.-6. da matéria de facto provada, sejam constituído por remanescentes das pensões pagas ao Reclamante, designadamente até à execução da penhora referida no ponto
4. daquela secção.

A comprovação dos factos provados, consignados nos pontos 1.-4. I parte assenta no teor do extrato da execução, constante de fls.2-88. O consignado sob o ponto 4. II parte resulta do teor dos extratos do suporte informático da execução, de fls.121-124 e, o vertido sob os pontos 5.-7. extraiu-se do extrato da execução, a fls.74 e fls.77-78, em conjugação ainda com o extrato informático de fls.121-124. O consignado nos pontos 8.-9. resulta do teor de da execução, de fls.74-88. O consignado nos pontos 12. e 14. extraiu-se dos documentos emitidos pelo Centro Nacional de Pensões, de fls.98; já o teor do ponto 13. de suas fls.99-100. O teor do ponto 11. retirou-se o extrato da execução conjugação a contestação, quanto ao valor ainda em dívida, não sendo ele questionado. Por fim, o referido no ponto 10. resulta da autuação da petição, de fls.1, integrante do citado extrato da execução. Assim, sob a idoneidade dos meios probatórios em que se constituem tais documentos e notações, de resto não postas em causa, nem dúvida fazendo, mereceram o valor probatório que o disposto nos arts.369ºnº1, 370ºnº1, 371ºnº1 e 373ºnº1, 374ºnº1 e 376ºnº1 todos do Código Civil lhes confere, bem como o art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Os factos não provados nos pontos 1. e 3. da respetiva secção ficaram a dever os juízos negativos correspondentes à total ausência de prova sobre eles, o do ponto 2. aos correspondentes factos provados, com que se revela incompatível.»
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Conforme resulta dos autos, o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou parcialmente procedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, entendendo, em síntese, que seria de reduzir a penhora da pensão de reforma do Reclamante ao abrigo do disposto no art. 738.º, n.º 6 do CPC.

Com efeito, o Meritíssimo Juiz a quo fundamentou a sua decisão de redução da penhora da pensão, por um ano, nos seguintes termos:

“O Reclamante insurge-se ainda contra a amplitude da penhora incidente sobre a sua pensão de reforma. Diz que a sua amplitude, mesmo que sem concurso com a penhora de saldos bancários, é excessiva. S. m. o., como resulta da petição em conjunto com a documentação reunida, o Reclamante labora a este propósito num erro, ao ter os descontos que são lançados sobre o abono da sua pensão como sendo todos imputáveis à penhora ora em apreço. Todavia, na verdade os valores que refere como descontos respeitam à penhora, sim, mas também aos demais descontos, designadamente aqueles para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Não obstante esse erro de princípio, na posse dos factos relativos ao valor da penhora sobre a sua pensão, circa €320, e ao valor remanescente da pensão que resta disponível para a subsistência quotidiana do Reclamante, circa €975, sopesando o custo de vida em Lisboa e a sua idade, como de tudo resulta já reformado, considerando ainda os encargos com a saúde, que o progresso da idade não há de poupar – mesmo se os encargos com a doença que invocou não resultaram minimamente provados –, mesmo assim, dizíamos, o Tribunal não fica inibido de proceder a uma minoração do peso, ou da abrangência da penhora sobre a sua pensão.
E assim, sob aqueles vetores, tendo presente a necessidade que se contrapõe de se proceder ao pagamento das dívidas exequendas, ao abrigo do disposto no art.738ºnº6 do Código de Processo Civil, entende-se estarem reunidas condições e justificação suficientes para ser temporariamente reduzida a penhora da pensão mensal do Reclamante, por forma que se julga necessária às suas finalidades de sobrevivência com dignidade e, bem assim, às da satisfação paulatina da dívida – sem óbvio prejuízo da penhora de outros direitos ou bens, que lhe pertençam e venham a encontrar-se aptos às finalidades da execução –, o que se julga compatibilizar-se se a penhora deixar como rendimento disponível, para o Reclamante, a quantia mensal de €1.000 [mil euros], durante um ano.
Em face disto, determinamos que a penhora da pensão mensal de reforma do Reclamante, durante um ano com início em março de 2018, se limite ao necessário para que dela quedem disponíveis, para o Reclamante, mensalmente, mil euros líquidos, para poder satisfazer os gastos necessários da sua vida quotidiana, com o que, nesta parte, atendemos a Reclamação.”


A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido, entendendo que não se poderia ter reduzido o valor da penhora da pensão do executado nos termos do disposto no art. 738.º, n.º 6 do CPC sem que se provasse as necessidades do Reclamante, e assim, imputa à sentença erro de julgamento de facto e de direito.

Vejamos.

Está em causa nos autos o art. 738.º, n.º 6 do CPC [epígrafe do artigo: “Bens parcialmente penhoráveis”], cuja redacção é a seguinte:

“6 - Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excecionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora.”

Portanto, a norma confere ao juiz o poder de reduzir a parte penhorável dos rendimentos do executado, por um período de tempo (o que considere razoável) e até mesmo isenta-los de penhora (por período não superior a um ano).

Como resulta do próprio normativo, o regime aí estabelecido não é a regra geral, mas antes a excepção, trata-se de um regime de redução e isenção de rendimentos penhoráveis do executado com carácter excepcional, que depende, para além do requerimento do executado, de uma ponderação do juiz de todos os elementos constantes da previsão normativa:

_ o montante do crédito exequendo;
_ a natureza do crédito exequendo;
_ as necessidades do executado e do seu agregado familiar.

Como referimos, o normativo pressupõe o requerimento do executado a peticionar a redução ou isenção da penhora de rendimentos, e portanto, cabe a este alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (ónus da alegação das partes – art. 5.º, n.º 1 do CPC), e fazer prova desses factos que são constitutivos do direito alegado (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil).

Se o montante e a natureza do crédito exequendo, necessários à ponderação imposta pelo n.º 6 do art. 738.º do CPC, in casu, resultam do próprio processo de execução fiscal, já o mesmo não sucede com o pressuposto legal “as necessidades do executado e do seu agregado familiar” que carece do cumprimento por parte do executado, quer do ónus da alegação das partes (art. 5.º, n.º 1 do CPC) quer do ónus da prova que sobre si recai (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil).

Realce-se que aquela ponderação, no caso dos autos, passava pela consideração da natureza tributária do crédito em causa, e consequentemente, pelo princípio da indisponibilidade do crédito tributário (art. 30.º, n.º 2 da LGT), e ainda pela consideração do montante do crédito que in casu assume um montante elevadíssimo (em Dezembro de 2017 excedia 9 milhões de euros - cfr. ponto 11 dos factos provados).

Sucede que, da leitura da sentença recorrida a ponderação de todos os elementos constantes da lei não resulta evidenciada. Com efeito, o Meritíssimo juiz a quo limitou-se a ponderar “as necessidades do executado”, que é apenas um dos três elementos a serem ponderados, o que de per se, já sustenta o erro de julgamento de direito invocado pela Recorrente Fazenda Pública.

Mas mesmo quanto à ponderação efectuada sobre “as necessidades do executado”, também aqui se verifica erro de julgamento, desta feita, erro de julgamento de facto, pois não resulta da matéria de facto provada qualquer facto para a ponderação imposta por lei, designadamente, a das necessidades do executado e do seu agregado familiar. Aliás, repare-se que se deu como não provado as despesas de saúde do executado que foram alegadas na p.i., pelo que nem sequer estes factos relevantes foram provados – cfr. ponto n.º 1 da matéria de facto não provada.

Na verdade, é manifestamente insuficiente para a ponderação prevista no n.º 6 do art. 738.º do CPC a invocação por parte do Meritíssimo Juiz a quo, do “custo de vida em Lisboa e a sua idade” e “encargos com a saúde, que o progresso da idade não há de poupar”, quando dá como não provado aquele facto acerca das despesas de saúde, e não resulta provado nos autos, quais as concretas necessidades do executado e do seu agregado familiar (sendo certo que o executado na sua reclamação não alega, concretamente, quais são as suas necessidades de disponibilidade financeira para despesas mensais de saúde e outras, que justificam a sua pretensão, as alegações são todas de âmbito genérico).

Por outro lado, no caso dos autos, importa atender ao facto de que o valor líquido da pensão auferida pelo executado é de cerca de 975€ (cfr. ponto 13 dos factos provados) e isto já considerando a penhora que foi efectuada de 1/6 da pensão. Ora, não se prova que o agregado familiar é composto por mais pessoas para além do executado, o que teria relevância para se fazer um juízo de insuficiência daquele valor líquido para satisfazer as necessidades do executado, uma vez que aquele valor é muito superior ao salário mínimo nacional.


Repare-se que não se coloca em causa, de per se, e em abstracto, a validade daqueles juízos do tribunal a quo, mas num contexto como o do caso dos autos, em que não se alegam, nem se provam quaisquer factos relacionados com as condições de vida do executado e do seu agregado familiar (qual a composição do agregado familiar, despesas gerais, encargos com habitação, despesas com saúde, etc), tais juízos, de per se, revelam-se manifestamente insuficientes para a ponderação exigida pelo n.º 6 do art. 738.º do CPC, cujo regime jurídico, como dissemos, reveste um carácter excepcional.

Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 21/10/2014, Processo n.º 434/13.0T6AVR.C1, “ (…) IV. À luz do nº 6 do art. 738º do CPC é possível ao executado obter a redução da parte penhorável dos seus rendimentos, e mesmo a isenção, ainda que neste caso por período que não pode exceder 1 ano. V. Tal faculdade é excepcional e depende de ponderação judicial, tendo o executado que alegar e provar que as suas necessidades e do seu agregado familiar merecem sobrepor-se ao interesse do credor na satisfação do seu crédito, cuja origem e montante são igualmente factores a sopesar.

Em suma, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, uma vez que, por um lado, não ponderou a natureza tributária do crédito em causa de acordo com o princípio da indisponibilidade do crédito tributário (art. 30.º, n.º 2 da LGT), por outro lado, não ponderou adequadamente o facto de o montante do crédito ser elevado, e sobretudo, não resultou minimamente provado nos autos, quais as necessidades concretas do executado, a composição e necessidades do seu agregado familiar de modo a permitir a ponderação legal para a aplicação excepcional da redução/isenção prevista no n.º 6 do art. 738.º do CPC.

Pelo exposto, o recurso merece provimento, devendo a sentença, na parte recorrida, ser revogada.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que julgou parcialmente procedente a reclamação.

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Custas pela Reclamante, não sendo devido o pagamento da taxa de justiça nesta instância, uma vez que não contra-alegou.
D.n.
Lisboa, 7 de Junho de 2018.

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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Jorge Cortês