Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12739/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:ARTIGO 617º N.º 3, DO CPC DE 2013 – ALARGAMENTO DO ÂMBITO DO RECURSO
Sumário:Do disposto no art. 617º, do CPC de 2013, em especial no seu n.º 3, resulta que, quando a alteração da sentença, decorrente de despacho de suprimento de nulidade, se traduza numa decisão desfavorável para o recorrente, este não a poderá impugnar através da interposição de (novo) recurso, mas, necessariamente, através do alargamento do âmbito do recurso (anteriormente) interposto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
I - RELATÓRIO
Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (de ora em diante designado por IFAP, IP), veio, ao abrigo dos arts. 641º n.º 6 e 643º n.º 1, ambos do CPC de 2013, reclamar do despacho, proferido em 15.9.2015, de não admissão do recurso interposto, em 28.8.2015, do despacho de 10.8.2015 que supriu nulidade invocada pela D…..-Sociedade ………………, SA (de ora em diante designada por D…), peticionando a admissão do recurso interposto desse despacho de 10.8.2015.

A reclamada, notificada, apresentou resposta, onde pugnou pela inadmissibilidade da presente reclamação ou, assim não se entendendo, pela sua improcedência.


II - FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão consideram-se assentes os seguintes factos:

1) Em 5 de Novembro de 2014 deu entrada no TAF de Leiria o requerimento inicial relativo a processo cautelar intentado pela D..... contra o IFAP, IP, Egídio ……….. e Francisco ………….., no qual aquela peticionou, ao abrigo do art. 112º n.º 2, al. e), do CPTA, a intimação/condenação da entidade requerida e dos requeridos a, solidariamente, prestarem à requerente a quantia de € 750 000, sob a forma de uma prestação única, em antecipação e por conta do peticionado no âmbito do processo n.º 1388/08.0 BELRA (cfr. fls. 2 a 39, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

2) Na audiência prévia realizada em 5.3.2015, no âmbito da acção principal (proc. n.º 1388/08.0 BELRA) foi:

- proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade dos réus Egídio ………. e Francisco …………., de erro na forma de processo e de prescrição do direito à indemnização, relegando-se para decisão final a apreciação da prescrição dos juros;

- decidido, ao abrigo do art. 121º, do CPTA, e com o acordo das partes, convolar o processo cautelar referido em 1) em tutela principal urgente, com aproveitamento das decisões tomadas na acção principal (proc. n.º 1388/08.0 BELRA) (cfr. fls. 65 e 94, da certidão apensa a estes autos de reclamação, e proc. n.º 1388/08.0 BELRA, consultado através do SITAF).

3) Por despacho de 29.5.2015, proferido em sede de audiência final, determinou-se, face à desistência do pedido pela D..... relativamente a Egídio ………. e Francisco ……………, a extinção da instância quanto a estes (cfr. fls. 82, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

4) Em 11.7.2015 foi proferida pelo TAF de Leiria sentença, a qual consta de fls. 91 a 122, da certidão apensa a estes autos de reclamação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se julgaram improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva do IFAP, IP, e de prescrição dos juros, constando do respectivo decisório o seguinte:

(…) julga-se parcialmente procedente a presente ação, improcedendo-se o peticionado pagamento de juros sobre juros [capitalização de juros moratórios vencidos depois do pagamento do capital em dívida e vincendos] e condena-se:

1. O IFAP, IP a pagar ao autor, D....., juros moratórios vencidos à taxa de juro legal comercial supletiva, nos termos previstos pelo § 3 do artigo 102.º do Código Comercial, sobre o capital em dívida, ou seja, sobre os valores pagos pelo autor em 16 de abril de 1996, em 8 de julho de 1996, de 3 de janeiro de 1997, de 9 de junho de 1997, de 15 de janeiro de 1999, de 3 de fevereiro de 1999 ao réu, no âmbito dos projetos cofinanciados n.º 1995.51.0001995.3, n.º 1996.51.005232.5, n.º 1997.09.005381.6 e n.º 1997.51.005140.8, até 7 de maio de 2008 [data da restituição do capital em dívida];

2. O IFAP, IP a proceder ao desconto do valor de € 199.421,86 já pago ao autor, a título de juros, ao valor que vier a ser apurado por força do cumprimento da condenação em 1.;

3. Custas a cargo do réu e do autor na proporção dos respetivos decaimentos.

Notifique e registe”.

5) Em 31 de Julho de 2015 deu entrada no TAF de Leiria requerimento de interposição de recurso - e respectivas alegações – apresentado pela D..... da sentença descrita em 4), no qual arguiu a nulidade dessa sentença (cfr. fls. 128 a 160, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

6) O IFAP, IP, remeteu ao TAF de Leiria, pelo SITAF em 31.7.2015, requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações da sentença descrita em 4), no qual peticionou a revogação da decisão que julgou:

- improcedente a excepção de prescrição do direito à indemnização, proferida em 5.3.2015 no despacho saneador;

- improcedente a excepção de prescrição de juros;

- parcialmente procedente a acção (cfr. fls. 197 a 219, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

7) Por despacho de 3.8.2015 foram:

- admitidos os recursos descritos em 5) e 6), e

- julgadas improcedentes as nulidades – invocadas no recurso interposto pela D..... - por oposição entre a fundamentação e a decisão e por omissão de pronúncia, quanto à questão da capitalização de juros (cfr. fls. 236 a 238, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

8) A D..... remeteu ao TAF de Leiria, pelo SITAF em 4.8.2015, requerimento no qual chamava a atenção para o facto de, no recurso que interpusera, também ter alegado a nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão do pagamento de custas e honorários de mandatários em que incorreu e de, no despacho de 3.8.2015, não ter existido pronúncia sobre a mesma, requerendo uma pronúncia expressa do TAF de Leiria sobre essa nulidade, no sentido do seu reconhecimento (cfr. fls. 267 a 269, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

9) Por despacho de 10.8.2015 reconheceu-se que, no despacho de 3.8.2015, não foi apreciada a nulidade por omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação em procuradoria, conheceu-se dessa nulidade, considerando-se verificada a existência de omissão de pronúncia, e sendo esse pedido de condenação julgado procedente e, consequentemente, determinou-se que passasse a constar da parte dispositiva da sentença de 11.7.2015 o seguinte:

(…) julga-se parcialmente procedente a presente ação, improcedendo-se o peticionado pagamento de juros sobre juros [capitalização de juros moratórios vencidos depois do pagamento do capital em dívida e vincendos] e condena-se:

1. O IFAP, IP a pagar ao autor, D....., juros moratórios vencidos à taxa de juro legal comercial supletiva, nos termos previstos pelo § 3 do artigo 102.º do Código Comercial, sobre o capital em dívida, ou seja, sobre os valores pagos pelo autor em 16 de abril de 1996, em 8 de julho de 1996, de 3 de janeiro de 1997, de 9 de junho de 1997, de 15 de janeiro de 1999, de 3 de fevereiro de 1999 ao réu, no âmbito dos projetos cofinanciados n.º 1995.51.0001995.3, n.º 1996.51.005232.5, n.º 1997.09.005381.6 e n.º 1997.51.005140.8, até 7 de maio de 2008 [data da restituição do capital em dívida];

2. O IFAP, IP a proceder ao desconto do valor de € 199.421,86 já pago ao autor, a título de juros, ao valor que vier a ser apurado por força do cumprimento da condenação em 1.;

3. Custas a cargo do réu e do autor na proporção dos respetivos decaimentos, sendo o réu também em procuradoria condigna, incluindo honorários e custos com a representação judiciária da autora, sendo o seu quantum relegado para execução de sentença.

Notifique e registe” (cfr. fls. 278 e 279, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

10) O despacho descrito em 9) foi notificado aos mandatários das partes por carta registada em 11.8.2015 (cfr. fls. 281 e 282 – dos ofícios de notificação consta a data de 10.8.2015, mas dos mesmos também consta a menção de que foram elaborados “Após saída do correio” -, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

11) A D..... remeteu ao TAF de Leiria, pelo SITAF em 18.8.2015, requerimento no qual, e face à alteração sofrida pela sentença de 11.7.2015 através do despacho descrito em 9), restringiu o âmbito do recurso interposto em 31.7.2015, “com supressão da matéria alegada na alínea ii), do Requerimento de Interposição de Recurso, nos artigos 29.º a 34.º, das Alegações de Recurso e da Conclusão E)” (cfr. fls. 302 e 303, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

12) A D..... remeteu ao TAF de Leiria, pelo SITAF em 24.8.2015, contra-alegações relativas ao recurso descrito em 6) e admitido pelo despacho referido em 7) (cfr. fls. 433 a 473, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

13) O IFAP, IP, remeteu ao TAF de Leiria, por correio electrónico em 24.8.2015, contra-alegações relativas ao recurso descrito em 5) e admitido pelo despacho referido em 7), nas quais, e para além de pedir que seja negado provimento ao recurso interposto pela D....., também peticiona a revogação nomeadamente do despacho de 10.8.2015, descrito em 9) (cfr. fls. 485 a 504, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

14) O IFAP, IP, remeteu ao TAF de Leiria, por correio electrónico em 28.8.2015, requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações das decisões contidas no despacho de 10.8.2015, descrito em 9) (cfr. fls. 508 a 520, da certidão apensa a estes autos de reclamação).

15) Por despacho de 15.9.2015 foi nomeadamente considerado inadmissível e intempestivo o articulado descrito em 14), determinando-se o seu desentranhamento (cfr. fls. 541 e 542, da certidão apensa a estes autos de reclamação).


*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos da presente reclamação.

Por despacho de 15.9.2015, o TAF de Leiria decidiu não admitir o recurso interposto do despacho de 10.8.2015 que supriu nulidade invocada pela ora reclamada D..... (nulidade por omissão de pronúncia quanto à condenação em procuradoria).

Com efeito, esse despacho de 15.9.2015, ao determinar o desentranhamento do articulado apresentado em 28.8.2015, ou seja, do requerimento de interposição de recurso – e respectivas alegações – do despacho de 10.8.2015, configura-se, substancialmente, como um despacho de não admissão desse requerimento de recurso, conforme é reconhecido no despacho proferido em 19.10.2015 pelo TAF de Leiria (através do qual foi admitida a presente reclamação).

O reclamante defende que o recurso por si interposto, em 28.8.2015, devia ter sido admitido, invocando, para tanto e em suma, que, tendo a sentença alterada - em virtude da reforma nela efectuada - passado a ser desfavorável ao IFAP, IP, na parte em que especificamente o condena no pagamento de honorários de advogado, é a mesma recorrível (nos termos gerais), pois não pode socorrer-se do mecanismo previsto no n.º 4 do art. 617º, do CPC de 2013.

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) do despacho judicial reclamado de 15.9.2015, na parte em que decidiu não admitir o recurso interposto do despacho de 10.8.2015.

Dispõe o art. 617º, do CPC de 2013, o seguinte:

1 - Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.

2 - Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.

3 - No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.

4 - Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir desse momento, a posição de recorrente.

5 - Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6.

6 - Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença.” (sublinhados nossos).

De acordo com o estatuído neste normativo legal o despacho de suprimento da nulidade da sentença considera-se complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objecto a nova decisão e podendo o recorrente desistir do recurso, alargar (concretamente quando a alteração introduzida na sentença seja desfavorável para o recorrente) ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença.

Do ora exposto decorre que, quando a alteração da sentença, decorrente de despacho de suprimento de nulidade, se traduza numa decisão desfavorável para o recorrente, este não a poderá impugnar através da interposição de (novo) recurso, mas, necessariamente, através do alargamento do âmbito do recurso (anteriormente) interposto.

Ora, in casu verifica-se que o reclamante (IFAP, IP) é recorrido - relativamente ao recurso interposto pela reclamada (D.....), descrito em 5), dos factos provados -, mas é também recorrente, pois, em 31.7.2015, interpôs recurso da sentença proferida em 11.7.2015, no qual peticionou a revogação da decisão que julgou:

- improcedente a excepção de prescrição do direito à indemnização, proferida em 5.3.2015 no despacho saneador;

- improcedente a excepção de prescrição de juros;

- parcialmente procedente a acção (cfr. n.º 6, dos factos provados).

Assim sendo, o despacho de 10.8.2015 (de suprimento de nulidade, descrito em 9), dos factos provados) considera-se como complemento e parte integrante da sentença proferida em 11.7.2015, ficando os recursos interpostos pela reclamada (D.....) e pelo reclamante (IFAP, IP) a ter como objecto a nova decisão.

Nestes termos, pretendendo o ora reclamante impugnar a alteração introduzida na sentença de 11.7.2015 pelo despacho de 10.8.2015, ou seja, o segmento em que foi condenado a pagar à ora reclamada os honorários e custos em que esta incorreu com a representação judiciária (em montante a apurar em execução de sentença), terá, necessariamente, de o fazer através do alargamento do âmbito do recurso que interpôs em 31.7.2015 e não através da interposição de novo recurso, face ao estatuído no art. 617º, do CPC de 2013, em especial no seu n.º 3.

Conclui-se, assim, que é inadmissível o recurso interposto pelo ora reclamante em 28.8.2015 do despacho proferido em 10.8.2015 [sendo certo que extravasa o âmbito deste incidente de reclamação apurar se tal recurso pode ser convolado em requerimento de alargamento do âmbito do recurso, nos termos do n.º 3 do art. 617º, do CPC de 2013, ou se tal alargamento foi formulado maxime nas contra-alegações apresentadas em 24.8.2015 – cfr. n.º 13), dos factos provados -, pois tal análise terá de ser feita em sede de apreciação dos recursos descritos em 5) e 6), dos factos assentes], isto é, o despacho reclamado de 15.9.2015 não incorreu em erro ao não admitir tal recurso.


Nestes termos, a presente reclamação terá de ser julgada improcedente.

As custas são a suportar pelo reclamante, já que ficou vencido no presente incidente (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA), considerando-se adequado o montante de € 150 de taxa de justiça (cfr. art. 7º n.º 4 e tabela II-A, do Regulamento das Custas Processuais).

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Julgar improcedente a presente reclamação e, em consequência, manter o despacho reclamado.

II – Condenar o reclamante nas custas deste incidente, fixando-se a taxa de justiça em € 150 (cento e cinquenta euros).

III – Registe e notifique.

*
Lisboa, 16 de Dezembro de 2015


_________________________________________
(Catarina Jarmela - relatora)

_________________________________________
(Conceição Silvestre)

_________________________________________
(Cristina dos Santos)