Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07782/14
Secção:CT - 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO, por vencimento
Descritores:ARTº.662, Nº.1, DO C.P.CIVIL, NA REDACÇÃO DA LEI 41/2013, DE 26/6.
DEVER DE ALTERAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
RECLAMAÇÃO DA DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL.
FIXAÇÃO DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
ARTº.43, NºS.1 E 3, AL.A), DA L.G.TRIBUTÁRIA.
Sumário:1. O Tribunal "ad quem", ao abrigo do disposto no artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário, tal como das regras do direito probatório material, tem o dever de alterar a decisão da matéria de facto sempre que a reapreciação dos meios de prova, nomeadamente prova documental, determine um resultado diverso do declarado na 1ª. Instância.
2. A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal consubstancia forma processual que não visa a impugnação de qualquer acto de liquidação, mas sim a oposição a actos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal (do que constitui um incidente) que afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro. Deste modo, não tendo a reclamação de actos praticados em execução fiscal, prevista no artº.276, nº.1, do C.P.P.T., por objecto qualquer acto de liquidação, não pode constituir um meio adequado para definir a existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artº.43, nº.1, da L.G.T.
3. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.).
4. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
a)Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b)Que o erro seja imputável aos serviços;
c)Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d)Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
5. No artº.43, nº.3, al.a), da L.G.T., prevê-se o pagamento de juros indemnizatórios nos casos de falta de cumprimento do prazo de restituição oficiosa dos impostos. Trata-se de uma situação que também já estava prevista, genericamente, no anterior artº.24, nº.2, do C.P.T., e que se reporta aos casos em que a lei prevê a restituição oficiosa de impostos em prazo predeterminado. São, nomeadamente, os casos em que houve excessiva retenção na fonte ou pagamento por conta, previstos nos artºs.96, do C.I.R.S., e 104, nº.3, do C.I.R.C. Será, também, o caso dos reembolsos de I.V.A. não serem efectuados no prazo legal, nos termos estabelecidos no artº.22, nº.8, do C.I.V.A.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.63 a 72 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pela reclamante/recorrida, “A………… - Materiais ……….., S.A.”, visando acto de constituição de penhor de crédito, incidente sobre a quantia de € 2.404,94, realizado no âmbito do processo de execução fiscal nº………….. que corre seus termos no Serviço de Finanças de Palmela, em consequência do que anulou o acto reclamado e reconheceu à reclamante o direito a juros indemnizatórios nos termos do artº.43, da L.G.T.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.84 a 89 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal não visa a impugnação de qualquer ato de liquidação;
2-A reclamação de atos do órgão de execução fiscal não é o meio processual adequado para ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios à reclamante;
3-A sentença recorrida fez errónea interpretação e aplicação do art. 43° da LGT;
4-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, parcialmente revogada e substituída por douto acórdão que julgue a reclamação improcedente no segmento condenatório referente aos juros indemnizatórios, tudo com as devidas e legais consequências.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.101 a 105 dos autos) no sentido de se conceder provimento ao recurso.
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O processo foi a vistos dos Exºs. Desembargadores Adjuntos (cfr.fls.106 do processo), após o que vem à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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Este Tribunal, julga provada a seguinte matéria de facto, ao abrigo do disposto no artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário, tal como das regras do direito probatório material, tudo em virtude do exame da prova, essencialmente documental, constante do presente processo e do apenso, assim alterando o probatório estruturado em 1ª. Instância (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.222 e seg.):
1-Em 2/09/2013 foi efectuada a liquidação adicional de I.V.A., nº………………, relativa ao período de Agosto de 2012, tendo sido estruturada com o recurso a métodos indirectos, sendo na quantia de € 2.334,17 e da mesma surgindo como sujeito passivo a sociedade reclamante, "A……… - Materiais ………., S.A.", com o n.i.p.c…………. (cfr.documento junto a fls.7 e 27 do processo de execução apenso; informação exarada a fls.30 dos presentes autos);
2-Em 20/11/2013, foi instaurado o processo de execução fiscal nº…………. que corre termos no Serviço de Finanças de Palmela contra "A………….- Materiais ………, S.A.", visando a cobrança coerciva da liquidação identificada no nº.1 e acrescidos (cfr.documentos juntos a fls.2 e 3 do processo de execução apenso; informação exarada a fls.30 dos presentes autos);
3-Por ofício de 25/11/2013 foi a executada citada no âmbito do processo executivo identificado no ponto anterior para proceder ao pagamento da dívida exequenda até 29/12/2013, mais lhe sendo fixado o montante da garantia a prestar em € 3.096,65 (cfr.documento junto a fls.3 e 4 do processo de execução apenso);
4-Por requerimento que deu entrada no Serviço de Finanças de Palmela em 6/1/2014, a exequente veio oferecer para ser constituído penhor sobre duas balanças ambas livres de ónus ou encargos e registadas com o valor contabilístico bruto de € 38.545,95, propriedade doutra sociedade que com ela tem uma relação de grupo (domínio total), em virtude pretender impugnar judicialmente a liquidação em causa no processo executivo tendo sido junto um balancete geral (acumulado) até Outubro de 2013 (cfr.documento junto a fls.22 a 25 dos presentes autos; informação exarada a fls.30 dos presentes autos);
5-Em 7/01/2014 foi elaborada uma informação pelo Serviço de Finanças de Palmela, da qual consta que a reclamante vem solicitar que seja autorizada a constituição de penhor sobre duas balanças ambas livres de ónus ou encargos informando que irá intentar a competente Impugnação Judicial. Informa ainda que o montante da garantia a prestar será de € 22.681,72 (cfr.documento junto a fls.24-verso do processo de execução apenso);
6-A informação identificada no ponto anterior foi prestada no âmbito do processo executivo identificado no nº.2 e dos processos executivos nºs…………….., …………….., ………….., ………….., ………………. e ……………. (cfr.documento junto a fls.24-verso do processo de execução apenso);
7-Em 7/01/2014 foi proferido despacho no sentido de ser o pedido remetido à Direcção de Finanças de Setúbal para apreciação e decisão (cfr.documento junto a fls.24-verso do processo de execução apenso);
8-Em 10/01/2014, foi constituído penhor legal sobre o crédito de € 2.404,94 no âmbito do processo de execução fiscal identificado no nº.2, derivado de compensação incidente sobre pedido de reembolso de I.V.A., efectuado pela sociedade reclamante, no montante de € 71.877,66 e relativo ao período de Agosto de 2013 (cfr.documento junto a fls.25-verso do processo de execução apenso; informação exarada a fls.30 dos presentes autos);
9-O direito de crédito derivado do pedido de reembolso identificado no nº.8 foi reconhecido pela A. Fiscal no pretérito dia 8/1/2014 (cfr.documento junto a fls.20 dos presentes autos);
10-Por ofício de 16/01/2014 foi a reclamante notificada da constituição de penhor legal identificado no nº.8 (cfr.documento junto a fls.20 dos presentes autos; informação exarada a fls.30 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à decisão da matéria de facto supra exarada, no teor da informação e documentos referidos em cada um dos números do probatório, tal como nas regras do direito probatório material.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar procedente a reclamação deduzida pela reclamante/recorrida, "A…………..- Materiais de …………, S.A.", mais tendo anulado o acto reclamado, o penhor legal identificado no nº.8 do probatório, e reconhecido o seu direito a juros indemnizatórios nos termos do artº.43, da L.G.T.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Levando em consideração o trânsito em julgado da sentença da 1ª. Instância nesta parte e também o princípio da proibição da “reformatio in peius” (cfr.artº.635, nº.5, do C.P.Civil), não deve este Tribunal apreciar a decisão recorrida no trecho que anulou o acto reclamado, o penhor legal identificado no nº.8 do probatório.
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que a reclamação de actos do órgão de execução fiscal não é o meio processual adequado para ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios à reclamante. Que a sentença recorrida fez errónea interpretação e aplicação do artº.43, da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal consubstancia forma processual que não visa a impugnação de qualquer acto de liquidação, mas sim a oposição a actos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal (do que constitui um incidente) que afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro. Deste modo, não tendo a reclamação de actos praticados em execução fiscal, prevista no artº.276, nº.1, do C.P.P.T., por objecto qualquer acto de liquidação, não pode constituir um meio adequado para definir a existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artº.43, nº.1, da L.G.T. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 3/5/2006, rec.350/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2014, proc.7726/14, que o relator subscreveu como 2º. Adjunto e que versa sobre situação em tudo idêntica à dos presentes autos).
"In casu", a decisão recorrida reconheceu o direito a juros indemnizatórios nos termos do artº.43, da L.G.T., a favor da reclamante e ora recorrida, sem cuidar de enquadrar tal direito num dos números do preceito.
A recorrente põe em causa a legalidade da decisão do Tribunal "a quo" neste esteio.
Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão (cfr.artº.43, da L.G.T.).
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr.Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.526 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13).
Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual.
Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.43, da L.G.T.; Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.155 e seg.).
Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
1-Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
2-Que o erro seja imputável aos serviços;
3-Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
4-Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.158; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.530).
Embora não se refira expressamente, no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, que o acto viciado por erro deve ser um acto de liquidação, são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos de liquidação que se reporta esta disposição (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc. 5110/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/9/2013, proc.6718/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13).
No caso concreto, atenta a matéria de facto provada, facilmente se conclui que o direito a juros indemnizatórios reconhecido pela decisão recorrida não seria enquadrável no artº.43, nº.1, da L.G.T., visto que, manifestamente, na mesma não se encontram reunidos os requisitos identificados supra (v.g.não nos encontramos perante liquidação de tributo, mas antes perante constituição de penhor legal, entretanto anulado).
Examinemos, agora, da possibilidade de enquadramento do peticionado direito a juros indemnizatórios no artº.43, nº.3, al.a), da L.G.T. (e recorde-se que nos encontramos perante questão de enquadramento jurídico face à qual o Tribunal é independente face às alegações das partes, como é pacífico na doutrina e jurisprudência).
No artº.43, nº.3, al.a), da L.G.T., prevê-se o pagamento de juros indemnizatórios nos casos de falta de cumprimento do prazo de restituição oficiosa dos impostos. Trata-se de uma situação que também já estava prevista, genericamente, no anterior artº.24, nº.2, do C.P.T., e que se reporta aos casos em que a lei prevê a restituição oficiosa de impostos em prazo predeterminado.
São, nomeadamente, os casos em que houve excessiva retenção na fonte ou pagamento por conta, previstos nos artºs.96, do C.I.R.S., e 104, nº.3, do C.I.R.C. Será, também, o caso dos reembolsos de I.V.A. não serem efectuados no prazo legal, nos termos estabelecidos no artº.22, nº.8, do C.I.V.A. (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.545).
No caso "sub judice", do exame da factualidade provada não se comprova a existência de qualquer atraso, nomeadamente na restituição de I.V.A., igualmente não tendo a ora recorrida alegado factos capazes de, provados que fossem, permitirem a este Tribunal julgar verificados os pressupostos previstos no citado artº.43, nº.3, al.a), da L.G.T., e, consequentemente, sustentar a sua pretensão a juros indemnizatórios.
Tudo, sem prejuízo, naturalmente, de o lesado poder fazer valer o direito indemnizatório que julgue assistir-lhe através de outros meios processuais, desde que logre aí demonstrar ter sofrido prejuízos, por causa daquele acto de constituição do penhor de crédito entretanto anulado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2014, proc. 7726/14, que o relator subscreveu como 2º. Adjunto e que versa sobre situação em tudo idêntica à dos presentes autos).
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime previsto no artº.43, da L.G.T., ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA na parte em que condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios.
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Custas por recorrente e recorrida, na proporção do decaimento, somente em 1ª. instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 10 de Julho de 2014



(Joaquim Condesso - Relator por vencimento)


(Catarina Almeida e Sousa - 2º. Adjunto)


(Cristina Flora- vencido) Segue voto de vencido em folha separada.

Vencida, porquanto, ao contrário do entendido neste acórdão, resulta da factualidade provada factos suficientes para se concluir pela existência do atraso no reembolso do IVA, e por outro lado, alegaram-se factos suficientes para que se julgue preenchidos os pressupostos previstos na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, e por conseguinte, para que se reconheça ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios, tal como já sufragamos na declaração de voto exarada no acórdão do TCA Sul de 26/06/2014, proc. n.º 7726/14, em que tivemos intervenção enquanto 1.ª adjunta.
Com o devido respeito, não vislumbramos que factos são necessários alegar pela Reclamante (e que não o tenha feito) para julgar verificados os pressupostos da alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, para além daqueles que resultam do processo e que já se encontram vertidos no probatório (conforme infra demonstraremos ao analisar os pressupostos deste preceito legal).
A Reclamante alegou ter ficado “privada de gozar do crédito” de reembolso de IVA, conforme dos artigos 45.º e 46.º da petição inicial, o que tanto basta para se concluir que ao peticionar juros indemnizatórios funda a sua pretensão na privação do gozo da quantia em causa (reembolso de IVA), devido ao penhor que reteve ilegalmente o reembolso a que tinha direito.
Por outro lado, resulta do probatório (facto n.º 8) que “[e]m 10/01/2014, foi constituído penhor legal sobre o crédito de € 2.404,94 no âmbito do processo de execução fiscal identificado no nº.2, derivado de compensação incidente sobre pedido de reembolso de I.V.A., efectuado pela sociedade reclamante, no montante de € 71.877,66 e relativo ao período de Agosto de 2013”. Deste facto se pode concluir que houve um procedimento de pedido de reembolso da Reclamante que foi reconhecido, pois de outro modo, não poderia se ter constituído penhor sobre o mesmo, nem tão pouco se ter procedido à compensação, pois o crédito sempre teria de ser certo, líquido e exigível, o que pressupõe necessariamente que já esteja cumprido o procedimento previsto no n.º 8 do art. 22.º do CIVA e reconhecido à Reclamante o direito ao reembolso. Por outro lado, resulta dos autos, que o penhor foi anulado por sentença da 1.ª instância, que já transitou em julgado, e nessa medida, desaparecendo da ordem jurídica os efeitos do penhor, apenas resta um direito ao reembolso que não foi cumprido tempestivamente pois é certo que, desde 10/01/2014 (data da constituição do penhor ilegal e compensação em que o direito a reembolso teria de ser certo líquido e exigível) a Reclamante deveria estar no gozo da quantia que foi ilegalmente retida.
Sublinhamos que, no Acórdão do STA de 22/05/2013, processo n.º 0793/13, decidiu-se que “perante o acto ilegal de compensação, haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos da dita al. a) do nº 3 do art. 43º da LGT, por incumprimento do prazo legal de restituição oficiosa do tributo (IRS) objecto da compensação ilegal, juros que, no caso, serão devidos desde o dia seguinte àquele em que a mesma compensação ocorreu (22/5/2011) – cfr. o nº 3 do art. 61º do CPPT, ou seja desde o dia seguinte àquele em que os reclamantes estiveram privados da quantia compensada e até ao momento em que seja elaborada a respectiva nota de crédito a seu favor.”, jurisprudência que entendemos ser totalmente aplicável ao caso dos autos.
No projecto de acórdão que foi vencido, nesta parte, apreciamos a situação jurídica da seguinte forma que aqui se transcreve, para melhor compreensão da nossa posição:
“Passemos então, à análise jurídica detalhada do disposto na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º, para depois, apreciarmos a sua aplicabilidade no caso sub judice,
“Dispõe aquele preceito legal:
“3- São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quanto não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;” (sublinhado nosso).
O advérbio “também” incluso na previsão normativa inculca o sentido de que, para além das situações previstas nos números 1 e 2 do mesmo preceito legal, que consagram o direito a juros indemnizatórios quando há “erro imputável aos serviços”, outras situações existem em que o legislador pretendeu, expressamente, consagrar o direito a juros indemnizatórios, independentemente daquelas outras.
Ou seja, o legislador no n.º 1 e no n.º 2 contemplou situações de “erro imputável aos serviços” que fundamentam o direito do contribuinte a juros indemnizatórios. Poderia o legislador ter ficado por estas situações, consagrando tal direito apenas naqueles casos de “erro imputável aos serviços”, mas não, foi mais longe pretendendo ampliar essa tutela indemnizatória dos contribuintes noutras situações, dignamente, as previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3.
A alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, e que ora importa apreciar, contempla, então, o direito a juros indemnizatórios nos casos em que “não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos”.
Ou seja, sempre que a AT não cumpra o prazo de restituição oficiosa dos tributos haverá direito a juros indemnizatórios, nos termos daquele preceito legal.
Antes mais, cumpre sublinhar que o normativo sob análise refere-se expressamente a “tributos”, e por conseguinte, necessariamente abarca todos os “impostos”, onde se inclui o IVA, pois tal como resulta inequivocamente do art. 3.º, n.º 2 da LGT “[o]s tributos compreendem os impostos, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.”.
Por outro lado, cumpre sublinhar uma vez mais, que o prejuízo efectivo não tem de ser demonstrado quando estamos perante a aplicação do disposto no art. 43.º da LGT, na medida em que a existência de um prejuízo para os contribuintes e a responsabilidade da AT, nestes casos, é de presumir.
Por último, também não tem de ser demonstrado qualquer “erro imputável aos serviços”, pois esse pressuposto apenas é exigível no n.º 1 daquele preceito legal, e presumido no caso previstos no n.º 2.
Assim sendo, podemos afirmar que os pressupostos para que sejam devidos juros indemnizatórios ao contribuinte, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT são os seguintes:
_ Que a AT esteja legalmente obrigada a restituir um tributo dentro de um prazo legal;
_ Que a restituição do tributo não seja efectuada dentro desse prazo legal.
Ou seja, verificados que estejam estes dois pressupostos, o contribuinte tem direito a juros indemnizatórios ao abrigo daquele preceito legal.
O primeiro requisito legal, pressupõe uma obrigação, imposta por lei, à AT em restituir um tributo, seja ele qual for, dentro de um prazo determinado, que há-de resultar da lei.
O dever legal de restituição deve, então, resultar expressamente da lei, e por outro lado, não deve haver motivos fundados na lei que possam justificar a não restituição, pois só assim se poderá afirmar que a AT está legalmente obrigada a restituir um tributo dentro de um prazo legal.
Podemos então concluir, que, o primeiro pressuposto da alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT é que a AT esteja legalmente obrigada a restituir um tributo dentro de um prazo legal.
Saber se a AT está, ou não, obrigada a restituir um tributo dentro de um prazo legal, importa tão-somente conhecer a lei, ou seja, não carece de alegação pela Reclamante de que existe uma norma no CIVA que lhe confere o reembolso do IVA dentro de um determinado prazo legal.

Basta ao tribunal averiguar e confirmar que existe uma norma que imponha à AT a obrigação de restituir um tributo dentro de um prazo legal, para dar como preenchido este primeiro pressuposto.
O segundo requisito, pressupõe que o tributo não tenha sido restituído dentro daquele prazo pré-determinado por lei.
No que diz respeito a este segundo requisito, basta que seja invocado pela Reclamante, como sucede no caso dos autos, que ficou “privada de gozar do crédito” de reembolso de IVA, conforme resulta da sua petição inicial, mais concretamente, os seus artigos 45.º e 46.º, para que o tribunal possa averiguar do preenchimento deste pressuposto.
E para que se dê como preenchido aquele pressuposto, tanto basta que haja uma privação ilegal do montante que deveria ter sido restituído. Ou seja, havendo um prazo legal de restituição de um tributo a que a AT esteja vinculada a cumprir, e o contribuinte seja privado do respectivo montante por não lhe ter sido restituído o imposto dentro desse prazo legal, há que concluir pela existência do direito a juros indemnizatórios previsto na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT.
Vejamos então, se no caso dos autos, aqueles pressupostos estão preenchidos para que se possa concluir pelo direito da Reclamante a juros indemnizatórios.
Antes de mais, cumpre sublinhar que nada obsta a que em sede de reclamação prevista no art. 276.º e ss do CPPT, como a dos autos, seja a AT condenada ao pagamento de juros indemnizatórios. Neste contexto, e no sentido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, no âmbito de uma reclamação judicial proposta nos termos do art. 276 .º e ss do CPPT, vide o Acórdão do STA de 22/05/2013, processo n.º 0793/13 e ainda o Ac. do STA de 03/05/2006, recurso n.º 350/06.
No que diz respeito à existência de um direito de juros indemnizatórios por incumprimento do prazo legal de reembolso de IVA, esse é indiscutível, pois para além de estarmos perante um caso em que a AT está legalmente obrigada a restituir o tributo, tal direito encontra-se expressamente consagrado no Código do IVA por remissão para o art. 43.º da LGT (cfr. n.º 8 do art. 22.º do CIVA).
No que diz respeito ao primeiro pressuposto de que a AT esteja legalmente obrigada a restituir um tributo dentro de um prazo legal, tal pressuposto verifica-se no caso dos autos, pois, considerando que está em causa um direito a reembolso de IVA, o disposto no n.º 8 do art. 22.º do CIVA estabelece o dever da AT proceder ao reembolso dentro do prazo aí estabelecido. Aliás, aquele preceito legal reconhece expressamente o direito do contribuinte a juros indemnizatórios pelo incumprimento desse dever ao remeter para o regime constante do art. 43.º da LGT.
Relativamente ao segundo pressuposto, necessário será que, no caso dos autos, a restituição do tributo não tenha sido efectuada dentro do prazo legal.
Vejamos então.
In casu, está em causa um crédito de IVA que deveria ter sido reembolsado à Reclamante e que só não o foi por força de um penhor e compensação, que impediu que o direito ao reembolso se efectivasse na esfera jurídica do contribuinte, ou seja, impediu a disponibilidade efectiva da quantia na esfera jurídica da Reclamante.
O art. 50.º, n.º 2, alínea b) da LGT confere à AT o direito de constituir penhor “nos termos da lei” remetendo-se, portanto, para o regime do código civil, diploma no qual se encontra regulado, nos artigos 669.º e ss, o regime jurídico desta garantia real.
Com efeito, nos termos do n.º 1 do art. 669.º do C.C. o penhor de créditos pressupõe que o credor (ou terceiro) fique na posse ou na disponibilidade do bem.
Tratando-se de um penhor de crédito de reembolso de IVA, como sucede no caso dos autos, este se caracteriza por afectar uma determinada quantia em dinheiro relativa a reembolso de IVA a que o contribuinte tem direito, ao pagamento de uma dívida fiscal desse mesmo contribuinte.
E, trata-se de uma quantia certa, líquida e exigível pelo contribuinte, ou seja, de um direito de reembolso já reconhecido pela própria AT, pois assim o exige o código do IVA ao estabelecer um procedimento de verificação do direito ao reembolso (art. 22.º, n.º 8), e por outro lado, apenas um direito já reconhecido (pela mesma AT) é que serviria de garantia idónea ao crédito exequendo, e não um qualquer direito hipotético ou incerto.
Tal significa que, o direito de reembolso do IVA do contribuinte não é efectivado, ou seja, a quantia em dinheiro correspondente a esse reembolso não é colocada à disposição do contribuinte, não lhe é disponibilizada, por ter ficado afecta ao processo de execução fiscal por força do penhor.
Dito de outro modo, a quantia em dinheiro referente ao reembolso de IVA que o contribuinte têm direito, e que a AT está obrigada por lei a restituir dentro de um prazo legal, não chega a entrar na esfera jurídica daquele por aquela quantia ficar, ab initio, na disponibilidade da AT.
Ora, como vimos, o penhor em causa foi declarado ilegal pela sentença recorrida, tendo já transitado em julgado nessa parte, uma vez que não constituir objecto do presente recurso, e deste modo, consolidou-se na ordem jurídica a anulação o penhor de crédito efectuado.
Desaparecendo da ordem jurídica, por anulação, o penhor que do reembolso do imposto, temos a destruição retroactiva dos efeitos jurídicos desse penhor, efeitos esses que se consubstanciam na manutenção na posse da AT da quantia que devia ser reembolsada à Reclamante – cfr. art. 669.º, n.º 1 do C.C.
Assim sendo, é como se tal penhor nunca tenha existido, e deste modo, apenas resta na ordem jurídica o direito de reembolso de IVA que não foi concretizado tempestivamente, estando, portanto, preenchido o segundo pressuposto da alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT.
Quando afirmamos que o reembolso não se concretizou tempestivamente, tal conclusão se retira, desde logo, do facto vertido no probatório no seu n.º 8, ou seja da data da constituição do penhor ilegal (e compensação) que foi anulado pela sentença da 1.ª instância. Por esta razão, não podemos acompanhar o Acórdão do TCA Sul supra citado, pois a Reclamante não tinha de alegar mais factos, pois os vertidos no probatório são suficientes para se concluir que o imposto não foi reembolsado dentro do prazo legal, à semelhança, aliás, do decidido no Acórdão do STA de 22/05/2013, processo n.º 0793/13, e ao Ac. do STA de 03/05/2006, recurso n.º 350/06.
Do exposto resulta que, in casu, se encontram preenchidos todos os pressupostos previstos na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, pois, a AT estava legalmente obrigada a restituir um tributo, e se pode concluir dos factos provados e do direito aplicável que a sua restituição não foi efectuada dentro do prazo legal, o que tanto basta para que se possa concluir que a Reclamante tem direito a juros indemnizatórios nos termos daquele preceito legal.”

Em suma, teria decido que o recurso não merece provimento, reconhecendo à Reclamante o direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, e nessa medida, manteria a decisão recorrida, mas com a fundamentação supra exposta.



(Cristina Flora)