Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1642/21.6 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:05/11/2023
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:ATRASO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
CONHECIMENTO DE EXCEÇÃO DILATÓRIA
JUROS DE MORA
CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO
Sumário:I. Conforme decorre do disposto no artigo 88.º, n.º 2, do CPTA, não cabe ao tribunal apreciar exceção dilatória em sede de sentença sobre a qual não se pronunciou no despacho saneador.
II. Carece de fundamento a invocação do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA, quando apenas foi interposto recurso da sentença.
III. Se na determinação do quantum indemnizatório foi equacionado critério de atualização da quantia devida, o tempo decorrido entre a produção do dano e a fixação do montante indemnizatório, cf. artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, os juros de mora vencem-se, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação, conforme decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de maio, do Plenário das Secções Cíveis do STJ.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
M...... intentou ação administrativa contra o Estado Português, invocando a violação do direito à prolação de uma decisão judicial num prazo razoável, na qual peticiona se declare que o réu violou os artigos 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, e 1.º do Protocolo n.º 1 Adicional à Convenção, e se condene o réu a pagar ao autor i) uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a € 17.000, acrescida da quantia de € 1.000,00, por cada ano de atraso após a citação para a presente ação, ii) juros à taxa legal desde a citação, e iii) em custas e demais encargos legais e em quaisquer outros eventualmente pagos ou a pagar pela autora.
Por sentença datada de 16/01/2023, o TAF de Leiria julgou improcedente a exceção perentória de prescrição do direito à indemnização, e a presente ação administrativa parcialmente procedente e, em consequência, condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 5.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a citação.
Inconformado, o réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“Na presente acção foi – em alegações finais e após a prova produzida - suscitada a excepção de caso julgado;
- O tribunal entendeu que, por força do disposto no artigo 88.º, n.º 2, do CPTA, as excepções dilatórias que não tenham sido decididas no despacho saneador, não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo;
- Sucede, no entanto, que apenas após o despacho saneador foi junto aos autos o processo 593/16.0BELRA, do qual se extrai que o presente é uma duplicação daquele;
- Assim, a excepção de caso julgado não podia, em rigor, ter sido suscitada e/ou apreciada até que tal processo fosse junto;
- E tratando-se de uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e não se tendo o tribunal pronunciado sobre a mesma no despacho saneador, nada impede que o tribunal aprecie tal excepção posteriormente, nomeadamente na sentença proferida, porque o despacho saneador não faz qualquer caso julgado quanto à mesma, pelo que não fica precludido o direito de conhecer tal excepção em momento ulterior;
- (Caso se entenda que a data do saneador o processo já reunia os elementos necessários para que a excepção fosse oficiosamente apreciada, não a tendo o tribunal apreciado, o despacho saneador seria nulo por omissão de pronúncia) e, tanto numa hipótese como na outra,
- Impunha-se que a sentença proferida tivesse apreciado a excepção invocada e tivesse considerado que, face à identidade do A., do Réu, do pedido e da causa de pedir entre a presente acção e a acção 593/16.0BELRA, a excepção de caso julgado procedente, absolvendo o Réu da instância, nos termos do art.º 577.º, al. i), 578.º, 580.º e 581.º e art.º 576.º, n.º 2 , todos do C.P. Civil;
- Ao recusar apreciar a excepção de caso julgado em momento posterior ao despacho saneador, fez o tribunal a quo errada interpretação e aplicação do art.º 88.º n.º 2 do CPTA;
- Se no Despacho Saneador não foi apreciada a excepção de caso julgado, deve aplicar-se o art.º 142º, nº 5 do CPTA, omitido, que prevê que as decisões proferidas em despachos interlocutórios podem ser impugnadas no recurso que se interpuser da decisão final;
Sem prescindir
- Considerando que o processo 1143/04.7TBABT é um processo executivo para pagamento de quantia certa e que nunca foi possível encontrar bens ao executado, por este não os ter, não é possível afirmar que tenha havido qualquer ilicitude na conduta do estado nem, tão pouco, que a demora do processo tenha causado danos a A., o que significa que ficam por preencher os requisitos da responsabilidade civil, impondo-se também por isso a absolvição do Estado;
Sem prescindir
- A absolvição do estado no âmbito da acção 593/16.0 BELRA não é compatível com a condenação nos presentes autos, constituindo também e por essa via, uma violação do caso julgado, que a lei não admite;
- A única forma da sentença proferida no âmbito de acção 593/16.0BELRA serem compatível com a presente é considerar que a autora sofreu danos apenas após a data do trânsito em julgado da sentença proferida no processo 593/16.0 BELRA, ou seja, após 02 de Junho de 2021, sendo em face disso excessivo o montante indemnizatório arbitrado;
- Independentemente disso, tendo a indemnização sido fixada na sentença e por cálculo realizado a essa data apenas poderão ser contados juros a partir de tal data e não da data de citação, nos termos do n.º 2, do art.º 566.º, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1, todos do Cód. Civil.
Deve por isso revogar-se a sentença proferida e julgar-se procedente, por provada a exceção de caso julgado, absolvendo-se o Réu do pedido ou, quando assim se não entenda, reduzir-se substancialmente a indemnização a atribuir à A., sendo os juros de mora calculados desde a data do trânsito em julgado da sentença proferida.”
A autora apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1) Logo, não se verificam as excepções invocadas pelo Recorrente.
2) Motivo pelo qual, a douta sentença não merece qualquer reparo, nem
se vislumbra fundamentação para a revogação da mesma.
3) Devendo manter-se a sentença na íntegra.

*

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se ocorre erro de julgamento de direito da sentença, ao não conhecer e julgar procedente, por provada, a exceção de caso julgado, ou, quando assim não se entenda, se deve ser reduzida substancialmente a indemnização a atribuir à autora, sendo os juros de mora calculados desde a data do trânsito em julgado da sentença proferida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Com relevo para a decisão relativa à exceção de caso julgado, na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“188. Em 13.05.2016 a autora intentou no presente tribunal, contra o Estado Português, acção administrativa de condenação no pagamento de uma indemnização, pedindo o seguinte: «Nestes termos e nos demais de direito aplicável, deve o réu ser condenado a pagar à autora a quantia global de 24.411,19€, acrescida de juros à taxa legal, a título de danos patrimoniais, referentes a demoras excessivas no exercício da função jurisdicional, valor este correspondente a valor do capital reclamado e juros à taxa legal de 4%» (p.i. do proc. 593/16.0BELRA, em apenso);
189. Alegou, para o efeito, designadamente o seguinte:
- no dia 18/11/2004, a Autora intentou um processo de execução contra o ex-marido J........, a reclamar a quantia de 1800 €, no âmbito do processo com o n.º 1143/04.7TBABT- 1º Juízo do extinto Tribunal de Abrantes, tendo a Autora apoio Judiciário;
- no âmbito deste processo de execução foi nomeada Solicitador de Execução - T........, a qual só em 13/02/2006 efetuou a penhora dos bens do executado, quando deveria ser tal processo cumprido pelo Oficial de Justiça;
- como a mesma nada fazia por requerimento de 13/02/2006, 29/05/2005 e 26/10/2006 a Autora requereu o seu afastamento, tendo estes requerimentos da Autor sido indeferidos por despacho de 20/03/2005 e 28/12/2006;
- e por requerimentos de 5/01/2007, 07/05/2007 e 16/10/2007, a Autora requereu que se fixasse um prazo ã Solicitadora de execução para que ordenasse a venda dos bens penhorados ou o seu afastamento, mas só por despacho de 06/02/2012 a mesma foi afastada e finalmente, por despacho de 29/05/2014 foi afastada definitivamente do processo o Sr. Agente de Execução e o processo passou a ser tramitado pelo Sr. Escrivão;
- nas férias de 2014 o Processo foi enviado de camioneta do Tribunal de Abrantes, para a Comarca de Santarém, Entroncamento, Instância Central- Secção Execução J e por sentença notificada em 3/11/2015 o Tribunal da Especialidade de execuções declarou-se incompetente e remeteu o mesmo processo para a Secção de Família e Menores de Tomar e condenou a exequente nas custas do incidente, sendo que após a douta sentença atrás referida o processo seguiu para Tomar;
- por sentença de 2/03/2015, o processo foi remetido ã distribuição e passou a ter o número 4844/15.0T8ENT, mas, a exequente continua sem saber o que se passa com o processo, pois já foram feitas penhoras de carros, de moveis, de direito ã herança e até hoje nada recebeu e o que sabe e que passou a ter o número 1143/04.TBABT- B de Tomar, Instância Central - 24 Secção Família de Menores -J2;
- donde resulta que uma execução normalíssima e com bens penhorados, não teve qualquer desenvolvimento no desenrolar de mais de 12 anos;
- durante todos estes anos, a máquina Estatal e Legislativa é a única responsável pelo não andamento do processo, pois não dotou os Tribunais de meios humanos (quer de funcionários quer de magistrados) técnicos e físicos para que o processo tenha um desenvolvimento normal e entregou as execuções a que não tem competência técnica e organizativa;
- nos termos do artigo 47.º 2.º parágrafo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como do n.º 1, do artigo 2.º do C.P.C, o acesso ao Tribunal implica o direito a obter uma decisão judicial num prazo razoável, facto que no caso “subjudice” não sucedeu, pois doze anos são muito tempo, para o processo numa única instância;
- excedido o tempo medio expectável em Portugal de 3 anos, para o desenrolar de um processo em cada instância, pelo que, o A. beneficia da presunção de ilicitude de culpa leve, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 17.º por remissão do artigo 12.º da Lei 67/2007;
- devido ao andamento anormal dos autos, o A. já está privado da quantia em débito, que era em 23/09/2015 de €23.422,30, mas caso a Autora tivesse na sua disponibilidade a quantia que lhe é devida podia disponibilizar a mesma-a-todo-o-tempo e, se a tivesse no Banco, teria tido um rendimento de, pelo menos €938,89 correspondente ao valor dos juros ã taxa legal de 4%, motivo, pelo qual a Autora reclama a indemnização global de €24.411,19.
(p.i. do proc. 593/16.0BELRA, em apenso);
190. A acção correu termos no processo n.º 593/16.0BELRA (proc. 593/16.0BELRA, em apenso)”
Mais resultou provado o seguinte:
“191. A demora do processo n.º 1143/04.7TBABT causou à autora ansiedade, angústia, incertezas, preocupações e aborrecimentos,
192. A autora sente frustração pela ineficácia da acção judicial para cobrar o dinheiro;
193. A autora é doente e vive com o pai, que tem mais de 90 anos,
194. A autora não trabalha e não tem rendimentos,
195. As suas despesas são pagas pelo pai, que recebe uma pensão;
196. A autora não efectuou algum requerimento de aceleração processual (consulta completa do processo n.º 1143/04.7TBABT e apensos).
197. A presente acção foi intentada em 02.12.2021 (consulta sitaf);
198. O réu foi citado na presente acção em 14.12.2021 (a fls. 65, dos presentes autos, num. sitaf)”.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão a decidir neste processo, tal como supra enunciado, cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento de direito da sentença, ao não conhecer e julgar procedente, por provada, a exceção de caso julgado, ou, quando assim não se entenda, se deve ser reduzida substancialmente a indemnização a atribuir à autora, sendo os juros de mora calculados desde a data do trânsito em julgado da sentença proferida.

Defende o recorrente Estado Português, representado pelo Ministério Público, que o presente processo é uma duplicação do processo 593/16.0BELRA, verificando-se a exceção dilatória de caso julgado, que é de conhecimento oficioso, por existir identidade de autora e réu, do pedido e da causa de pedir.
E a este propósito, consta da sentença recorrida o seguinte:
O réu estado, em alegações orais, invocou a excepção de caso julgado, com base na identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido entre a presente acção e a acção que correu termos no processo n.º 593/16.0BELRA, ao abrigo do artigo 581.º, do CPC.
Contudo, por força do disposto no artigo 88.º, n.º 2, do CPTA, as excepções dilatórias que não tenham sido decididas no despacho saneador, não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo.
Foi já, nos presentes autos, proferido despacho saneador em momento anterior à questão ter sido suscitada (a fls. 885 e 935, num. sitaf) e, dessa forma, a questão não conforma o objecto dos autos e não será apreciada ou decidida pelo tribunal.
Tal decisão é de manter.
O artigo 88.º, n.º 2, do CPTA, estatui que “[a]s questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas.”
Diz o recorrente que a exceção de caso julgado não podia, em rigor, ter sido suscitada e/ou apreciada até que tal processo fosse junto.
Sucede, contudo, que em sede de contestação – artigo 12.º - já se refere que a autora intentou a ação administrativa n.º 593/16.0BELRA, contra o Estado Português, requerendo a condenação do mesmo ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, no montante de € 24.411,19, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, por o processo de execução n.º 1143/04.7TBTABT que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal de Abrantes e, em consequência da reforma do mapa judiciário passou, em 23.09.2015, para o Tribunal do Entroncamento, para a Instância Central, Secção Execução J1, com o n.º 4844/15.0T8ENT, o qual por decisão de 02.11.2015, se declarou incompetente em razão da matéria para decidir sobre a Execução e ordenou a sua remessa para a Secção de Família e Menores de Tomar, onde ficou pendente com o n.º 1143/04.7TBTABT-B.
Ou seja, já aí se revela conhecimento do teor do aludido processo.
Por outro lado, a invocação de se tratar de exceção dilatória de conhecimento oficioso e do tribunal não se ter pronunciado sobre a mesma no despacho saneador, impede que o tribunal aprecie tal exceção posteriormente, exatamente ao contrário do propugnado pelo recorrente, conforme expressamente decorre do citado artigo 88.º, n.º 2, do CPTA (vejam-se, v.g., os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 28/06/2013, proc. n.º 00501/10.2BEPRT, e de 31/10/2019, proc. n.º 00807/11.3BEPNF, disponíveis em www.dgsi.pt).
Trata-se de solução processual fundada “no princípio de promoção do acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para final a apreciação das questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma e, por outro lado, que o processado seja utilizado a todo o tempo para suscitar questões formais, com consequências negativas no plano da economia e celeridade processual”, assim se afastando do regime processual civil, “na medida em que o CPC, não só permite a relegação para final da decisão relativa à matéria das exceções, o que sucede normalmente quando o juiz não disponha na fase de saneamento do processo de elementos suficientes para o julgamento da questão (artigo 595.º, n.º 4), como permite, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, que se conheça na sentença, com precedência sobre a matéria de fundo, das ‘questões processuais que possam determinar a absolvição da instância’ e, portanto, de questões que não tenham sido detetadas no despacho saneador (artigo 608.º, n.º 1)” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pág. 703).
Ainda, afigura-se evidente que à data do saneador o processo não reunia os elementos necessários para que a exceção fosse oficiosamente apreciada, precisamente porque o recorrente não o invocara, sendo descabido invocar a sua nulidade por omissão de pronúncia.
Ademais, igualmente carece de fundamento a invocação do artigo 142.º, n.º 5, do CPTA, omitido, quanto à impugnação no recurso que se interpuser da decisão final das decisões proferidas em despachos interlocutórios, quando não foi interposto recurso do despacho saneador.
Como nota final, assinale-se que na contestação o recorrente expressamente afirma que em tal ação se pede indemnização por danos patrimoniais, quando na presente se pede indemnização por danos não patrimoniais, donde não se vislumbra qual o sustento da invocação da identidade de pedidos.
Improcede, pois, de forma manifesta, a primeira questão colocada no recurso.

Mais invoca o recorrente que o processo 1143/04.7TBABT é um processo executivo para pagamento de quantia certa e que nunca foi possível encontrar bens ao executado, por este não os ter, pelo que inexiste ilicitude na conduta do Estado, nem danos causados à autora pela demora do processo, ficando por preencher os requisitos da responsabilidade civil.
Vejamos se lhe assiste razão.
O artigo 20.º, n.º 4, da CRP, prevê que “[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”
Plasmando na nossa Lei Fundamental o direito a um processo equitativo previsto no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: “[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela” (Convenção aberta à assinatura em 04/11/1950, aprovada para ratificação por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13/10/1978, com depósito do instrumento de ratificação em 09/11/1978).
A responsabilidade das entidades públicas encontra-se prevista no artigo 22.º da CRP, onde se estatui que “[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”
Está em causa a responsabilidade civil extracontratual do réu Estado Português decorrente da demora irrazoável, de um processo de execução, equacionando o Tribunal a quo em particular a delonga dos autos no período entre fevereiro de 2012 e novembro de 2021.
A Lei n.º 67/ 2007, de 31 de dezembro, criou no respetivo capítulo III um regime específico de responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional, até então inexistente.
Certo é que, já anteriormente à sua entrada em vigor, o citado artigo 22.º da CRP, pela sua abrangência, impunha a responsabilização do Estado pela sua atuação no exercício da função jurisdicional, conforme era então entendimento que se crê consensual da doutrina e jurisprudência (cf. os acórdãos do STA de 07/03/1989, proc. n.º 26535, de 19/11/2009, proc. 0533/09, de 05/05/2010, proc. n.º 0122/10, e de 27/11/2013, proc. n.º 0144/13; na doutrina, Jorge Miranda - “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, págs. 927/934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, pág. 496; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, págs. 60/61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, págs. 576/620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, págs. 7/13; Maria da Glória Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, págs. 40/46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, págs. 8/9).
O artigo 12.º da Lei nº 67/ 2007, de 31 de dezembro, veio prever a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, constando a obrigação de indemnizar do respetivo artigo 3.º com os seguintes termos:
“1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
2- A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.
3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.”
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes assenta nos mesmos parâmetros do conceito civilístico da responsabilidade civil extracontratual (cf. artigos 483.º e ss. do Código Civil), exigindo-se, também por referência aos normativos a seguir indicados do regime aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos legais:
- o facto, que se pode traduzir numa ação ou numa omissão, cf. artigo 7.º;
- a ilicitude, ação ou omissão violadora de normas ou deveres objetivos de cuidado, podendo ainda traduzir-se em funcionamento anormal do serviço, cf. artigos 7.º e 9.º;
- a culpa, juízo de censura dirigido ao agente, em função da diligência e aptidão exigíveis no caso concreto, cf. artigo 10.º;
- o dano, lesão ou prejuízo, patrimonial ou não patrimonial, resultante da ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, cf. artigos 3.º e 9.º;
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano, cf. artigo 7.º.
Verificados estes pressupostos, constitui-se na esfera do Estado a obrigação de indemnizar.
São de considerar ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos – artigo 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
O Estado será ainda responsável quando os danos devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço, que ocorre, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, quando seja razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos – artigo 7.º do Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
O artigo 9.º do Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007 considera ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Quanto a saber em que medida o atraso na decisão de um processo judicial põe em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, existe profusa jurisprudência do nosso STA, com uma evolução clara nos anos mais recentes, que em seguida se deixa sintetizada:
Acórdão de 08/07/2009, proc. n.º 0122/09:
I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4 da CRP, em sintonia com o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, gera uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
II - Para efeitos de integração do conceito de ‘prazo razoável’, ínsito nas disposições legais citadas, haverá que considerar todas as coordenadas do caso, designadamente, a complexidade, incidentes suscitados, ocorrências especiais, tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à atuação da parte que pede a indemnização.
Acórdão de 10/09/2009, proc. n.º 083/09:
I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública assenta na verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto.
II - Os preceitos legais que estabelecem os prazos para a prática, no processo, dos atos de magistrados e funcionários são normas disciplinadoras da atividade processual, cuja violação, por si só, não constitui facto ilícito.
III - Todavia, a não efetivação desses atos processuais num prazo razoável contraria o preceituado no art. 20/1 da Constituição da República Portuguesa e viola também o artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, e aplicável, por isso, na ordem jurídica interna.
IV - A determinação do que seja, para esse efeito, um prazo razoável não pode fazer-se em abstrato, antes havendo que ter em consideração as circunstâncias concretas do caso.
V - Não constitui, em concreto, violação do direito à administração da justiça em prazo razoável o atraso, relativamente aos prazos legalmente estabelecidos, da instrução de um processo em que se investigavam ilícitos criminais de grande complexidade e dificuldade, como o branqueamento de capitais e o tráfico de droga, os quais se suspeitava terem sido praticados não só em Portugal como no estrangeiro e em que, por isso, teve de haver relacionamento com as polícias desses países.
Acórdão de 05/05/2010, proc. n.º 0122/10:
I - Num processo para efetivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de atraso na administração da justiça, se se considerar globalmente excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato processual, porque, mesmo que se concluísse pelo respetivo cumprimento, não se infirmaria a conclusão obtida sobre o excesso do prazo razoável, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e não estão estruturados de forma eficiente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização.
II - É violado o direito a uma decisão em prazo razoável, assegurado pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se num processo de recuperação de empresa seguido de falência decorrem mais de sete anos e meio entre a data em que foi apresentada uma reclamação de créditos e aquela em que ficou definido que não havia verba suficiente para o pagar.
Acórdão de 27/11/2013, proc. n.º 0144/13:
I - A duração global de um processo judicial, por mais de 8 anos, traduz um anormal funcionamento da justiça e é, por si só, violadora, pelo Estado, dos art.º 6º §1º e art.º 20º, n. º4 da CRP.
II - O facto de as partes utilizarem os vários meios processuais que a lei lhes permite para defesa dos seus interesses não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo.
III - É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna.
Acórdão de 10/09/2014, proc. n.º 090/12:
I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado.
II – Quando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável.
III – Tratando-se de um meio processual de tramitação simplificada e não revestindo a matéria nele em causa especial complexidade ou dificuldade, não pode deixar de se concluir que ultrapassou o prazo razoável a alteração da regulação do exercício do poder paternal que, até à obtenção de uma decisão transitada em julgado, durou cerca de 7 anos.
Acórdão de 21/05/2015, proc. n.º 072/14:
I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, constitui facto ilícito gerador de responsabilidade civil do Estado.
II - A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita em concreto, apreciação essa em que importa atender, nomeadamente, à complexidade do processo, ao comportamento das partes, à atuação das autoridades competentes no processo e à natureza do litígio [assunto objeto de apreciação, tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes - l’ enjeu du litige].
III - Não tendo os AA., após prolação de sentença que decretou a falência duma sociedade, deduzido qualquer reclamação de créditos, cujo pagamento visassem vir a obter através da massa falida e em função da respetiva sentença de graduação, não lhes assiste o direito a indemnização por atraso ocorrido na tramitação do apenso de reclamação e graduação de créditos, visto não poderem invocar que tenha existido, in casu, atuação ilícita lesiva da sua esfera jurídica por falta de emissão de decisão judicial em prazo razoável.
Acórdão de 08/03/2018, proc. n.º 0350/17:
I - Para aferição do concreto prazo que se deve entender por “razoável” não se pode adicionar o tempo de duração do processo penal ao da ação cível sem se demonstrar que a possibilidade legal de decidir o pedido cível em separado determinada pelo juiz criminal carece de sentido.
II - A demora excessiva de um processo, que resulta de dificuldades encontradas na ação executiva, nomeadamente na efetivação das penhoras ordenadas pelo tribunal - bens móveis, contas bancárias, quota social - e na venda dos bens penhorados, com recurso à negociação particular não deriva de insatisfatória regulamentação legal imputável ao Estado nem da falta de andamento dos referidos processos em moldes normais e aceitáveis.
Acórdão de 05/07/2018, proc. n.º 259/18:
I - Constatada uma violação do art. 06.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.
II - Àquela vítima impenderá um ónus de alegação e de prova dos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum e se mostrem relativos à sua específica situação concreta.
III - Tal presunção é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e de prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano.
IV - O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.
Acórdão de 13/03/2019, proc. n.º 0437/12:
I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Coletivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).
II - A obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 806º, nº1 do CC.
III - Não tendo alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respetiva.
IV - O TCAS não podia conhecer do pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo anormal funcionamento dos serviços de administração da justiça, já que a aqui Recorrida, não o efetuou, como devia, na PI, tendo sido violado o princípio da estabilidade da instância (cfr. arts. 260º, 264º e 265º do CPC) e o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 e 415º do CPC), visto que o Réu Estado não teve oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido em sede própria, e, sobre o qual a sentença de primeira instância não se havia pronunciado ao não ter sido formulado pedido nesse sentido na petição inicial ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, no qual veio o R. a ser condenado.
V - Assim, o TCAS incorreu na nulidade de decisão prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, já que decidiu questão e pedido de que não podia conhecer, por ter sido efetuado extemporaneamente.
VI - A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exato, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer.
Seguindo as linhas orientadoras destes arestos, por sufragarmos o entendimento neles expresso, temos que a análise da eventual verificação de violação do direito a uma decisão em prazo razoável passa por ter em consideração, num primeiro momento, se foram cumpridos os prazos legais para a prática de atos e para a ocorrência das várias fases processuais.
Constatada a violação de um ou múltiplos prazos, haverá que atender às circunstâncias do caso concreto, e designadamente:
- à complexidade do caso;
- ao comportamento processual das partes;
- à atuação das autoridades competentes no processo; e
- à relevância do assunto do processo e do significado que ele pode ter para os interessados.
Num segundo momento, passará a ter-se em consideração a totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu.
Decorre da sentença que foram equacionados tais momentos, concluindo-se inexistir justificação adequada para a duração do processo.
E o singelo argumento apresentado pelo recorrente de nunca ter sido possível encontrar bens ao executado, por este não os ter, esbarra com a realidade fáctica, como se pode constatar pela factualidade dada como assente.
Queda votada ao insucesso, pois, a invocação de que o atraso não configura um facto ilícito.
Quanto ao dano, não suscita dúvidas que o direito à indemnização a título de responsabilidade extracontratual depende da sua existência, pois “para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 1989, pág. 567).
Já se constatou que foi violado o direito da recorrida à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável.
Novamente aqui esbarra a invocação do recorrente com a realidade fáctica, posto que se mostra provada a verificação de danos não patrimoniais, vejam-se os pontos 191 e 192 do probatório.

Em seguida, o recorrente repisa a invocação de que a absolvição do estado no âmbito da ação 593/16.0 BELRA não é compatível com a condenação nos presentes autos, constituindo também e por essa via, uma violação do caso julgado, que a lei não admite.
Como já apreciado, a questão em causa manifestamente improcede, atentas as razões já aduzidas.

Finalmente, sustenta-se no recurso que a indemnização fixada na sentença, por cálculo realizado a essa data, implica que apenas poderão ser contados juros a partir de tal data e não da data de citação, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1, todos do Cód. Civil.
No que respeita aos juros devidos, quando a obrigação de indemnizar resulta de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação para a ação, cf. artigos 804.º, n.º 1, 805.º, n.º 3, e 806.º, n.º 1, do Código Civil.
Contudo, no caso vertente, na determinação do quantum indemnizatório foi equacionado critério de atualização da quantia devida, o tempo decorrido entre a produção do dano e a fixação do montante indemnizatório.
Nesta situação da indemnização pecuniária por facto ilícito ser objeto de cálculo atualizado, cf. artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação, conforme decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de maio, do Plenário das Secções Cíveis do STJ.

Em suma, será de conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte que concerne à condenação no pagamento de juros de mora à taxa legal, que serão contados a partir da decisão.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte que concerne à condenação no pagamento de juros de mora à taxa legal, que serão contados a partir da decisão.
Custas a cargo do recorrente e recorrida, na proporção do decaimento.

Lisboa, 11 de maio de 2023
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)