Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07087/11
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/27/2011
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ESTRANGEIROS - RECUSA DE ENTRADA - PASSAPORTE INVÁLIDO - SEU NÃO RECONHECIMENTO - SUBDELEGAÇÃO DE PODERES
Sumário:1. Se o SEF, de modo objectivo, fundamentado e coerente, não reconhecer o documento de viagem de cidadão estrangeiro como válido, o cidadão estrangeiro não pode entrar em Portugal (arts. 9º, 10º, 31º e 32º da Lei 23/2007). Não é sempre necessária, portanto, uma prova da invalidade ou falsidade do passaporte com origem no Estado emitente do documento ou uma prova laboratorial e muito menos uma prova processual penal.
2. O art. 36° do CPA permite as sub-subdelegações de poderes.
3. O art. 38° do CPA refere-se a um elemento extrínseco à decisão, pelo que a sua violação é uma mera irregularidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

A..., residente na rua da ..., ..., Maputo, Moçambique, intentou no T.A.C. de LISBOA acção administrativa especial contra
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA,
pedindo a anulação da decisão de recusa de entrada da ora autora em Portugal.
O TAC recorrido decidiu julgar o pedido improcedente.

Inconformada, a autora deduz o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Sentença a quo não julgou correctamente o vicio de violação da Lei do acto administrativo que recusou a entrada da Recorrente em território nacional, porquanto não foi feita prova nos autos da alegada falsidade do passaporte n. E... apresentado pela Recorrente) recaindo sobre a entidade de Recorrida o respectivo ónus da prova.
2. Deste modo) e porque um mero juízo de probabilidade) ou de quase certeza) não é suficiente para se considerar um facto como provado) o Tribunal a quo não podia julgar improcedente o vicio de ilegalidade invocado pela Recorrente apenas com base na alegada existência de indícios de falsificação do passaporte) porque de acordo com o artigo 32°) n 1) alínea a) conjugado com o disposto nos artigos 34° e 9° n 1) todos do Decreto-Lei n 23/2007 de 4 de Julho, só pode ser s.
3. Por outro lado) a competência para a emissão de passaporte aos cidadãos Moçambicanos pertence ao Estado Moçambicano) e não restam dúvidas que o passaporte de serviço apresentado pela Recorrente lhe foi concedido em 2 de Setembro de 2004) pelo Governo da República de Moçambique) e foi utilizado ininterruptamente pela Recorrente desde a referida data de emissão para entrar em diversos países) incluindo em Portugal.
4. Por conseguinte) a prova junta aos autos demonstra que o passaporte foi regularmente emitido pelas autoridades oficiais do Estado de Moçambique) sendo por isso válido como passaporte de serviço) para finalidade de permitir a entrada da Recorrente em território nacional, verificando-se) assim) um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.
5. A competência para recusar a entrada em território nacional, que o artigo 37° da Lei n. 23/2007) de 4 de Julho) comete ao Director Geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) não é subdelegável no Inspector do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa) Paulo Reis. 2
6. O Director-Geral do SEF apenas pode delegar essa competência nos Directores - Gerais - Adjuntos de acordo com o disposto no artigo 13° n° 3) do Decreto-Lei n° 252/2000) de 16 de Outubro - Lei Orgânica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - e os Directores - Gerais - Adjuntos só podem efectuar uma subdelegação de competências) como resulta do artigo 36° n° 2) do Código de Procedimento Administrativo.
7. Certo é que a Douta Sentença deu como provado que o Director Geral do SEF proferiu despacho em 26 de Outubro de 2007 delegando a sua competência para recusar a entrada em território nacional, na Directora Geral de Fronteiras) Ana Cristina Ascensão Jorge) seguindo-se uma sucessão de subdelegações até ao Inspector do Inspector do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa) Paulo Reis) ao arrepio e em violação do disposto no artigo 13°. n° 3 do Decreto-Lei nº 252/2000 de 16 de Outubro - Lei Orgânica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - e do artigo 36°. n° 2 do Código de Procedimento Administrativo, concluindo-se pela inexistência de Lei de habilitação para todas as subdelegações que foram realizadas até ao mencionado Inspector.
8. A Lei apenas admite a delegação de poderes para o imediato inferior hierárquico (artigo 35°. n° 2. do CPA) e o Inspector do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa) Paulo Reis) não é o imediato inferior hierárquico do Director - Geral - A4Junto do SEF) como resulta da estrutura hierárquica deste serviço) estabelecida no artigo 3° do Decreto-Lei n° 252/2000) de 16 de Outubro - Lei Orgânica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
9. A "Notificação de recusa de entrada na fronteira" devia identificar de forma clara e inequívoca) quem tomou essa decisão e a fonte da sua competência) como manda o disposto no artigo 38° do CP A) o que não se verificou. Esta omissão constitui a preterição de uma formalidade essencial; geradora da invalidade do acto) nos termos conjugados dos artigos 133° e 135° do CPA devendo o mesmo ser anulado com esse fundamento legal.
10. Não ficou provado que foi dado a conhecer à Recorrente o relatório alegadamente elaborado pela Unidade de Identificação e Peritagem Documental do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) nem consta da "Notificação de recusa de entrada na fronteira" a indicação dos concretos indícios de falsidade do passaporte que alegadamente foram encontrados por essa unidade.
11. É manifesta a falta de indicação dos factos concretos que fundamentam a conclusão a que se chegou acerca da falsidade do passaporte da Recorrente) e) consequentemente) os factos que fundamentam a decisão de recusa de entrada no território nacional, verificando-se) também) aqui, um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.

O recorrido apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, concluindo:

1. O acto de que se pretende recorrer nos presentes autos) obedece ao previsto nas normas legais imperativas atinentes à entrada e permanência dos cidadãos estrangeiros em território nacional constantes da Lei 23/2007 de 4 de Julho) não se encontrando inquinado de qualquer vício de direito ou de forma.
2. O conteúdo específico do interesse público em causa encontra completa e legitima identificação no procedimento prosseguido) que respeitou todas as garantias da ora recorrente.
*
O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n." 2 do artigo 9.° do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146° n° 1 do CPTA).
*
Cumpre apreciar e decidir em conferência.

FUNDAMENTAÇÃO
11.1. FACTOS PROVADOS

Na 1ª instância, os factos provados foram os seguintes:
A) A... é cidadã moçambicana e tem residência habitual ..., ..., Maputo, Moçambique. Cfr. Documento de folhas 94 dos autos.
B) No dia 28 de Julho de 2008, A... viajou de Moçambique para Portugal no voo TAP TP 7278, com destino ao Aeroporto de Lisboa. Cfr. Documento de folhas 104 dos autos.
C) Na companhia dos menores B...e C..., e da amiga D..., e os filhos desta E... e F.... Cfr. Documentos de folhas 104 a 108 dos autos.
D) A... tinha pago previamente o alojamento para si e para os seus dois filhos no Hotel Tivoli, em Lisboa. Cfr. Documento de folhas 111 e 112 dos autos.
E) A... viajou com o "Passaporte de Serviço" "E ..." da República de Moçambique emitido em Setembro de 2004 e válido até 30 de Junho de 2013. Cfr. Documentos de folhas 95 a 103 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.
F) A... foi ouvida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tendo sido elaborado "Auto de Declarações" com o seguinte teor:
"Pelas 14h30 terça-feira, 29 de Julho de 2008) neste Posto de Fronteira do Aeroporto Internacional de Lisboa perante mim) G...) Inspector-adjunto do SEF compareceu aro) cidadã(o) que se identificou como sendo A...) alegadamente de nacionalidade Moçambicana) nascida(o) a 09.10.1969) que declara por sua honra de livre e espontânea vontade que:
P- Está disposta a responder às questões por mim colocadas.
R- Sim.
P- Qual é o seu nome completo?
R- O meu nome é A....
P- Qual é a sua data e local de nascimento?
R- Nasci a 09.10.1969 em Maputo.
P- Qual é a sua nacionalidade?
R- Sou moçambicana.
P- A senhora apresentou neste Posto de Fronteira um passaporte de Serviço Moçambicano. Por que motivo é titular de um passaporte de serviço?
R- Porque o meu marido) I...; é membro da Frelimo e faz trabalhos para a Frelimo. Ele tem uma tipografia e muitas vezes a Frelimo faz encomendas de panfletos e outros documentos para a tipografia do meu marido.
P- O seu marido é funcionário público?
R Não.
P- Há quanto tempo a senhora tem passaporte de serviço?
R- Desde 2004.
P- A senhora solicitou a emissão desse passaporte de serviço?
R- Quem tratou de tudo foi o meu marido.
P- Qual é a sua profissão?
R- Neste momento não faço nada.
P- Alguma vez foi funcionária pública ou trabalhou em representação do Estado moçambicano?
R- Não.
P- qual é o motivo da sua vinda a Portugal?
R- Eu venho para ver uma prima que mora aqui) a J...e para levar o meu filho C...a uma consulta médica.
P- Quanto tempo fica em Portugal?
R- Fico 10 dias.
P- Onde se vai alojar?
R- No hotel Tivoli em Lisboa.
P- Para além do C...a senhora tem averbada no seu passaporte uma outra criança) a B.... Qual é a sua relação com ela?
R- Ela é filha da minha cunhada ou seja é sobrinha do meu marido, mas eu cuido dela desde que ela era muito nova.
P- A senhora adoptou legalmente esta menina?
R- Não, ela tem vivido apenas connosco.
P- Alguma vez algum Tribunal lhe concedeu a tutela parental sobre a B...?
R- Não.
P- Durante esta entrevista foi de alguma forma alvo de maus tratos físicos ou psicológicos?
R- Não.
P- Percebeu todas as perguntas?
R- Sim.
Para constar se lavrou o presente Auto) lido em língua portuguesa) concluído pelas 14h05." Cfr. Documento de folhas 24 e 25 do processo administrativo.
G) No Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - Aeroporto de Lisboa foi em 29 de Julho de 2008 elaborada Informação/Notificação com o seguinte teor:
"Em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 38° da Lei 23/07 de 04 de Julho, é informado (a)/ notificadora) ora) passageiro(a) que se identificou como sendo A...) alegadamente de nacionalidade moçambicana, proveniente de Maputo, no voo TP 278 de 29/07/2008 do sentido da proposta de Recusa de Entrada em Território Nacional devido ao facto de não ser titular de documento de viagem válido para entrar em Portugal (passaporte falsificado) situação prevista nos artigos 32°, n° 1, alínea al. e 9° da Lei 23/07 de 04 de Julho.
Mais se informa do sentido da proposta de não autorização de entrada em Território Nacional dos seus filhos C... e Julieta Faustino Cumbe) devido ao facto de haver sentido de proposta de Recusa de Entrada em Território Nacional ao seu titular do poder paternal; situação prevista nos artigos 32°, n° 1, al. a e 31°, n° 2 da Lei 23/07 de 04 de Julho.
Foi reservado o espaço seguinte para o passageiro proceder às alegações que entenda como necessárias:" Cfr. Documento de folhas 16 do processo administrativo, assinado pela ora autora.
H) A A... foi entregue "NOTIFICAÇÃO DE RECUSA DE ENTRADA NA FRONTEIRA" com o seguinte teor:

(…)


I) Em 29 de Julho de 2008 aquela decisão de recusa da entrada em território nacional português a A... foi comunicada à representação diplomática/consular de Moçambique nos seguintes termos:
(…)
J) o Passaporte que A... exibiu foi objecto de análise pela Unidade de Identificação e Peritagem Documental do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras). Cfr, Relatório junto ao processo administrativo que se dá por integralmente reproduzido.
K) No Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi elaborado em 29 de Julho de 2008 "Relatório de Ocorrências - Entradas" no qual se refere designadamente o seguinte:
"PROPOSTA
Proponho que seja recusada a entrada em Portugal à cidadã que se identificou como sendo A...} alegadamente cidadã moçambicana} por não ser portadora de documento de viagem válido (passaporte Moçambicano falsificado, ao abrigo dos artigos 32°, n° l, al. a, e 9°, ambos da Lei 23/07 de 04,Jul.
Proponho ainda a apreensão do passaporte moçambicano n" 000s996) por apresentar fortes indícios de falsificação} nos termos do artigo 34° da Lei 23/07 de 04 Jul.
Proponho ainda que não seja autorizada a entrada em Território Nacional aos passageiros B...e C..., filhos menores da passageira Emelina Ngulele} por se encontrarem acompanhados da titular do seu poder paternal, em relação à qual proponho a recusa de entrada em Território Nacional; ao abrigo dos artigos 32°, n° 1, alínea a conjugado com o artigo 31°, n° 2 da Lei 23/07 de 04 de Julho( ... )
7. Súmula
Provenientes de Maputo no voo TP 278) compareceram neste posto de Fronteira os passageiros melhor identificados a fls. 1 do presente relatório de ocorrência) portadores dos seguintes documentos:
1- Emelina Ngulele - Passaporte ordinário de Moçambique n" EOOS996 emitido em 02.09.2004) válido até 30.06.2013.
2- B...- Passaporte ordinário de Moçambique n" F000307 emitido em 23.06.2006) válido até 30.06.2013;
3- C... - Passaporte ordinário de Moçambique n" F00030S emitido em 23.06.2006) válido até 30.06.2013;
4- Apresentam ainda bilhete de avião válido para o percurso Maputo-Lisboa-Maputo com regresso a Moçambique para 08.08.2008.
DA INTERCEPÇÃO
A passageira Emelina foi interceptada) conforme cópia da ficha de intercepção n" S30S) que se anexa copia) por existirem dúvidas quanto à autenticidade dos documentos que apresentou no controle documental.
DA ANALISE DOCUMENTAL
O documento em causa foi presente ao UIPD) local onde constatou que:
• Passaporte da República de Moçambique n" E...) apresenta fortes indícios de falsificação por substituição de fotografia:
• Os passaportes dos dois menores) filhos da passageira Emelina não apresentam indícios de falsificação;
DAS DECLARAÇÕES
Confrontado com os factos acima expostos a passageira qfirma ser sua verdadeira identidade a constante no passaporte por ela apresentado.
CONTACTOS EFECTUADOS
Esteve presente neste PF o Ministro Conselheiro da Embaixada da República de Moçambique em Lisboa) Sr.
Alberto M. Augusto) que falou com os passageiros e analisou os passaportes em causa) tendo concluído que de facto se verificavam indícios de falsificação por substituição de fotografia. no passaporte apresentado pela passageira Emelina Ngulele:
ANÁLISE DA SITUAÇÃO/CONCLUSÃO
Em face dos factos acima expostos) constata-se que a cidadã Emelina Ngulele é portadora de um passaporte que apresenta fortes indícios de falsificação por substituição de fotografia.
Assim) uma vez que a mesma não apresenta documento de viagem válido) proponho a sua recusa de entrada e apreensão do documento apresentado) conforme proposta efectuada a fls. 1 do presente relatório de ocorrência.
Estando a passageira acompanhada dos seus dois filhos menores proponho igualmente que não seja autorizada a sua entrada em T.N. ao abrigo do articulado legal enunciado a folhas 01 do presente RO;
Foi elaborada resenha dactiloscópica.
Nos termos do n° 1 do artigo 38° do Decreto-Lei n° 23/07 de 04 de Julho) foi a passageira informada do sentido da presente proposta nada tendo alegado.
A passageira foi notificada da recusa de entrada.
A companhia aérea foi notificada da recusa de entrada.
A passageira A... foi ouvida em auto de declarações (que se anexa ao presente RO) a fim de esclarecer o motivo da sua vinda a Portugal e porque razão é titular de passaporte moçambicano de serviço ( ... )
Chegou fax de Moçambique com expediente relativo ao pedido de prorrogação dos passaportes de serviço) que foi analisado pela LA. Conceição Bertólo e considerado irrelevante para a decisão de RE. (em anexo). ( ... )
Foi remetido o RO e o requerimento da Embaixada) ao Exmo. Sr. Director Nacional A4Junto.
Considerando que o motivo da recusa da entrada é falsificação dos passaportes o presente expediente não releva para alteração da decisão) em termos de facto e de direito.
Não obstante é remetido todo o expediente à consideração superior.
Após contacto da Direcção do Serviço) foi contactado o Exmo. Sr. Conselheiro da Embaixada) no sentido de esclarecer o Sr. Conselheiro que o documento remetido não se encontrava assinado) nem era remetido pelo embaixador ou pelo Cônsu0 pelo que tratando-se de documentos falsificados (esta falsificação foi constatada pelo próprio Sr. Conselheiro) conforme consta da súmula do R O, não havendo documentação a atestar a autenticidade dos documentos) nem havendo pedidos do embaixador ou do cônsul, o sentido provável da decisão seria o do indeferimento, pelo que o embarque das passageiras se deveria manter, a menos que houvesse expediente novo do Embaixador ou Cônsul de Moçambique.
Foi recebido expediente remetido pela embaixada de Moçambique com despacho da senhora Inspectora assistente que se anexa ao processo.
Pelas 22h40 foi contactado o Sr. Conselheiro da embaixada por parte do Sr. Inspector de turno que informou que os passageiros irão embarcar para Maputo no voo TP277 pelas 23 horas. "Cfr. Documento de folhas 1 a 5 do processo administrativo.
L) Naquele relatório foi exarado despacho pelo Inspector do Posto de Fronteira do aeroporto de Lisboa Paulo Reis, com o seguinte teor:"Concordo com os fundamentos da proposta. Notifique-se a passageira e a companhia aérea." "Competência subdelegada nos termos do despacho nº 11607/2008. Diário da República ii série) n° 80 de 23 de Abril de 2008". Cfr. Documento junto ao processo administrativo.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado pela Recorrente nas conclusões (sintéticas, suficientes, claras e simples, com indicação das normas jurídicas violadas) das suas alegações (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso), apenas podendo incidir sobre questões que tenham sido ou devessem ser anteriormente apreciadas e não podendo confrontar o tribunal ad quem com questões (coisa diversa de considerações, argumentos ou juízos de valor) novas ou cobertas por caso julgado - v. arts. 684°-3­4, 716° e 668°-1-d do CPC.
0 .
O tribunal a quo entendeu:
2.2.1. Nos termos do artigo 9°, n° 1 da Lei n? 23/2007, de 4 de Julho "Para entrada ou saída do território português os cidadãos estrangeiros têm de ser portadores de um documento de viagem reconhecido como válido".
De acordo com o estatuído no artigo 32°, n° 1, alínea a) do mesmo diploma "a entrada em território português é recusada aos cidadãos estrangeiros que: a) Não reúnam cumulativamente os requisitos legais de entrada."
Ou seja, é fundamento de recusa de entrada de cidadão estrangeiro em território nacional o facto de não ser portador de documento de viagem reconhecido como válido.
No caso dos autos, A... é cidadã moçambicana. No dia 28 de Julho de 2008, A... viajou de Moçambique para Portugal no voo TAP TP 7278, com destino ao Aeroporto de Lisboa.
Viajou com o "Passaporte de Serviço" "E ..." da República de Moçambique.
O passaporte que A... exibiu foi objecto de análise pela Unidade de Identificação e Peritagem Documental do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) que concluiu que aquele passaporte n° E... apresentava fortes indícios de falsificação por substituição de fotografia.
A... foi ouvida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e declarou que, não obstante ser portadora de um passaporte de serviço não presta nem nunca prestou serviço para o Estado Moçambicano. Mais disse que o marido é que formulou o pedido de emissão do passaporte. que detém desde 2004.
Ou seja, quer da análise do documento, quer das declarações da própria autora (que não obstante não ser, nem nunca ter sido servidora do Estado de Moçambique, segundo declarações da própria, é portadora de um passaporte de serviço - que pressupõe, por natureza, aquela qualidade), afigura-se que havia elementos de facto para concluir como se concluiu, isto é, que o passaporte de que a ora autora era portadora não podia ser reconhecido como válido. Como tal, a decisão a tomar, e nos termos dos normativos referidos, não podia deixar de ser outra que não a de recusa de entrada.
Improcede assim o invocado vicio de violação de lei.
2.2.2. Está provado que no "Relatório de Ocorrências - Entradas", elaborado no dia 29 de Julho de 2009 no posto de fronteira do Aeroporto de Lisboa foi pelo Inspector do Posto de Fronteira do aeroporto de Lisboa Paulo Reis proferido e exarado despacho com o seguinte teor: "Concordo com os fundamentos da proposta. Notifique-se a passageira e a companhia aérea." "Competência subdelegada nos termos do despacho n° 11607/2008. Diário da República, r n° 80, de 23 de Abril de 2008.
A proposta era a de recusa de entrada em Portugal, com fundamento de a cidadã ora autora não ser portadora de documento de viagem válido.
Aquela decisão é que constitui a decisão de recusa de entrada em território nacional português, a decisão que no caso concreto definiu a situação individual da ora autora (nos termos e com os efeitos do artigo 120° do CPA e 51°, n° 1 do CPTA). Não foi nem a notificação da proposta de recusa, nem a notificação de recusa de entrada na fronteira que constituíram a decisão definidora da situação individual e concreta da ora autora. Tais notificações constituíram apenas ou o cumprimento de formalidade procedimental (no primeiro caso) ou condição de eficácia daquela decisão de recusa de entrada (no segundo caso).
A decisão de recusa de entrada foi pois tomada, está provado, pelo Inspector do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, Paulo Reis.
Nos termos do artigo 37° da Lei n" 23/2007, de 4 de Julho (artigo que tem a epígrafe de "competência para recusar a entrada") '/1 recusa da entrada em território nacional é da competência do director-geral do SEF, com faculdade de delegação".
O Director Geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferiu despacho em 26 de Outubro de 2007 em que delegou "na Directora Central de Fronteiras, inspectora superior licenciada Ana Cristina Ascensão Jorge, com faculdade de subdelegação" a competência para "b) Recusar a entrada em território nacional, nos termos do artigo 3 7° da Lei n" 23/2007, de 4 de Julho". Aquele despacho n° 2S173/2007 foi publicado no Diário da República, 2a Série, n° 241, de 14 de Dezembro de 2007.
A Directora Central de Fronteiras, inspectora superior licenciada Ana Cristina Ascensão Jorge subdelegou, por despacho de 31 de Março de 2008, "com faculdade de subdelegação, no subdirector Central de Fronteiras, responsável pelo Posto de Fronteiras do Aeroporto de Lisboa (PFOO 1), inspector superior licenciado Luís Filipe Quelhas" a competência para "Recusar a entrada em território nacional, nos termos do artigo 37° da Lei nO 23/2007, de 4 de Julho". Aquele despacho n° 10708/2008 foi publicado no Diário da República, 2a série, n° 72, de 11 de Abril de 2008.
O subdirector Central de Fronteiras, responsável pelo Posto de Fronteiras do Aeroporto de Lisboa, inspector superior licenciado Luis Filipe Quelhas, por despacho de 11 de Abril de 2008, subdelegou designadamente no inspector Paulo Reis, a competência para "recusar a entrada em território nacional, nos termos do artigo 37° da Lei n" 23/07, de 4 de Julho, no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa." Tal despacho nº 11607/2008 foi publicado no Diário da República, 2- série, n° 80, de 23 de Abril de 2008.
Pelo exposto improcede o invocado vício de incompetência relativa do acto impugnado.
2.2.3. Um acto administrativo estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal, médio, colocado na situação concreta, possa ficar ciente do sentido da decisão, e das razões de facto e de direito que sustentam a decisão que consubstancia. Estará fundamentado se, atento o seu teor, for possível conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que se decidisse assim e não de outra forma. Estará suficientemente fundamentado quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão, quando seja possível conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente.
Do teor do "relatório de ocorrências - entradas" elaborado em 29 de Julho de 2008 no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (e que acima reproduzimos) resulta que a razão para a tomada de decisão de recusa de entrada em território nacional português de A... foi o facto de a mesma não ser portadora de documento de viagem válido. O passaporte exibido, passaporte moçambicano n° E..., foi analisado pela Unidade de Identificação e Peritagem Documental do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, que concluiu existirem fortes indícios de falsificação.
As razões para a decisão tomada são claras, suficientes e esclarecem concretamente a motivação do acto, nos termos do artigo 1250, n° 1 e 2 do CP A.
Razão porque improcede o invocado vício de falta de fundamentação.
1.
A Sentença não julgou correctamente o vicio de violação da lei do acto administrativo que recusou a entrada da Recorrente em território nacional, porquanto não foi feita prova nos autos da alegada falsidade do passaporte na E... apresentado pela Recorrente, recaindo sobre a entidade de Recorrida o respectivo ónus da prova?
Estamos em sede de regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (Lei 23/2007).
Para entrada ou saída do território português os cidadãos estrangeiros têm de ser portadores de um documento de viagem reconhecido como válido (art. 90-1).
Para a entrada em território nacional, devem igualmente os cidadãos estrangeiros ser titulares de visto válido e adequado à finalidade da deslocação (art. 100-1).
O que o art. 90 cit. exige é que Portugal (SEF) reconheça (ou não) o documento.
O que aqui se passou é que o SEF, no exercício das suas competências, não reconheceu como válido o passaporte da autora, fundando tal convicção num facto objectivo incoerente com o passaporte, facto admitido pela autora: tem um passaporte, com sinais de substituição da fotografia, de funcionário público moçambicano, mas não é e nunca foi funcionária pública; nem o seu marido.
Não é, aqui, portanto, necessária prova, nomeadamente uma prova com origem no Estado de origem do cidadão que quer entrar em Portugal, uma prova laboratorial e muito menos uma prova processual penal.
Decidiu bem o SEF. Decidiu bem o tribunal a quo.
Se o SEF não reconhecer o documento de viagem como válido, o estrangeiro não pode entrar em Portugal.
2.
A competência para recusar a entrada em território nacional, que o artigo 37° da Lei na 23/2007, de 4 de Julho, comete ao Director Geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, não é subdelegável no Inspector do Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa?
Há aqui um equívoco.
Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria.
O Director Geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (v. arts. 13° e 14° da LO-SEF: DL 252/2000) proferiu despacho em 26 de Outubro de 2007 em que delegou "na Directora Central de Fronteiras, inspectora superior licenciada Ana Cristina Ascensão Jorge, com faculdade de subdelegação" a competência para "b) Recusar a entrada em território nacional, nos termos do artigo 32 da Lei n. 23/2007de 4 de Julho". Aquele despacho, n° 28173/2007, foi publicado no Diário da República, 2a Série, n° 241, de 14 de Dezembro de 2007.
Esta delegação podia, assim, ser feita (v. arts. 13°-3 da LO-SEF e 35°-1-2 do CPA).
Esta Directora Central de Fronteiras (v. art. 31 ° da LO-SEF), inspectora superior licenciada Ana Cristina Ascensão Jorge, subdelegou, por despacho de 31 de Março de 2008, "com faculdade de subdelegação no subdirector Central de Fronteiras responsável pelo Posto de Fronteiras do Aeroporto de Lisboa (PF001) inspector superior licenciado Luís Filipe Quelhas" a competência para "Recusar a entrada em território nacional, nos termos do artigo 32 da Lei nº 23/2007 de 4 de Julho". Aquele despacho, n° 10708/2008, foi publicado no Diário da República, 2a série, n° 72, de 11 de Abril de 2008.
Esta 1ª subdelegação podia ser feita (v. art. 35°-1-2 e 36°-1 CP A).
A subdelegação não exige ela própria uma autorização legal (art. 36°-1 CPA).
Este subdirector Central de Fronteiras, responsável pelo Posto de Fronteiras do Aeroporto de Lisboa (v. arts. 44° e 51° ss da LO-SEF), inspector superior licenciado Luis Filipe Quelhas, por despacho de 11 de Abril de 2008, subdelegou designadamente no inspector Paulo Reis a competência para "recusar a entrada em território nacional, nos termos do artigo 32 da Lei nº 23/07 de 4 de Julho no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa”. Tal despacho, nº 11607/2008, foi publicado no Diário da República, 2a série, n° 80, de 23 de Abril de 2008.
A 2a subdelegação podia e pode ser feita (v. art. 35°-1-2 e 36°-1-2 CPA): assim, FREITAS DO AMARAL et al., CPA Anotado, 2007, p. 90.
O n° 2 do art. 36° foi, aliás, criado para facilitar as sub-subdelegações, rompendo com o antigo princípio geral de que delegatus non potest delegare.
Decidiu bem o SEF. Decidiu bem o tribunal a quo. Não há, pois, incompetência.
Portanto, o poder legal aqui exercido foi legalmente delegado 1 vez e depois subdelegado 2 vezes, ao abrigo dos arts. 35° e 36° do CPA, não tendo havido desrespeito pela regra do "imediato inferior hierárquico, adjunto ou substituto" prevista no art. 35°-2 cito Tal regra foi sendo sucessivamente respeitada atenta a LO-SEF.
3.
Foi violado o artigo 38° do CPA pelo acto de notificação.
Mas é irrelevante este aspecto.
O que o art. 38° impõe refere-se ao acto decisório e não à notificação. Mas, mesmo que ocorra como aqui ocorre tal irregularidade, não invalida o acto administrativo, não é uma falha intrínseca da decisão, pois que na realidade está em causa apenas permitir esclarecer o destinatário sobre os modos e tempos das impugnações, relevando assim apenas em termos de eficácia da decisão (assim: MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et al., CPA Comentado, 2a ed., anot. aos arts. 38° e 68°; J. E. FIG. DIAS et al., Noções Fundamentais de D. Adm., 2005, p. 78).
4.
Há falta de indicação dos factos concretos que fundamentam a conclusão a que se chegou acerca da falsidade do passaporte da Recorrente?
Um acto administrativo estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal, médio, colocado na situação concreta, possa ficar ciente do sentido da decisão, e das razões de facto e de direito que sustentam a decisão que consubstancia (v. art. 125° CPA).
A decisão aqui impugnada (que não deve ser confundida com o acto de notificação) tem os fundamentos de facto e de direito bem expressos, claros e suficientes (v. doc. 21 da p.i.): a ora autora é "portador de um documento de viagem válido falso/falsificado/alheio "; "arts. 31 °-2, 32°-1-a e 9° da Lei 23/07" (semelhante ao comunicado à embaixada - doc. 20 da p.i.).
Decidiu, pois, bem o tribunal a quo.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso.


III. DECISÃO

Em conformidade com esta fundamentação, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do T. C.A. -Sul em não conceder provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 27-10-11

PAULO PEREIRA GOUVEIA
CRISTINA DOS SANTOS
ANTÓNIO VASCONCELOS