Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:942/10.5BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/08/2018
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC
DECLARAÇÕES
PROCESSO DE INQUÉRITO
PROVA
Sumário:Elaborado o projecto de relatório de inspecção tributária quando já se encontrava em vigor a regra da publicidade do processo penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, [que procedeu à 15.ª alteração do Código de Processo Penal, e que por força do seu artigo 7º entrou em vigor em 15.09.2007] as declarações que o sócio gerente da Impugnante prestou à AT, na qualidade de arguido e no cumprimento dos deveres de cooperação [cf. artigo 9º, n.º1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira -RCPIT-], não podem ser consideradas “provas nulas”.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I.RELATÓRIO
... - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES ..., LDA veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA que julgou improcedente a impugnação judicial que ali deduziu na sequência das decisões que indeferiram os recursos hierárquicos que interpôs contra os despachos de indeferimento das reclamações graciosas que apresentara contra os actos de liquidação adicional de IRC, dos exercícios de 2002, 2003 e 2004 e respectivos juros compensatório, tudo no montante global de €385.702,44.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) - Salvo o devido respeito, a recorrente discorda do julgamento quer da matéria de facto quer na matéria de direito contido na douta sentença recorrida, ou seja, entende a recorrente que o Tribunal "a quo" efectuou um errado e incorrecto julgamento da matéria de fato e de direito.
B) - Assim, no fato provado n° 8, a fl. 7, está escrito: "o quadro seguinte reproduz os dados constantes dos inventários, inicial e final de 2002, evidencia os custos do exercício em função das obras a que se destinaram, bem como as vendas do exercício de 2002 ...".
C) - Contudo, a fl. 7 do fato provado n° 8 não podia estar escrito o referido texto uma vez que além do custo contabilizado do lote 26, na quantia de € 1.196.190,56 a recorrente suportou ainda o custo com o terreno de € 163.882,54, conforme documento 12 junto com a p.i.
D) - Acresce que, além do custo contabilizado com a construção da moradia do lote 98 de €97.525,94, a recorrente suportou ainda a quantia de € 27.664,72, a título de subcontratos, conforme documento vinte e nove junto com a p.i.
E) - Importa referir que, além dos custos dos terrenos e dos custos gerais, os custos com a construção suportados com os prédios dos lotes 26, 98, 96 e 11 não foram inferiores a € 1.186,369,70 (lote 26), 171.653,41 (lote 98), 158.214,78 (lote 96) e 208.078,94 (lote 11), custos estes superiores aos contabilizados pela recorrente e que foram, respectivamente € 594.508,10 (lote 26), € 70.092,05 (lote 98), € 50.775,54 (lote 96) e €144.765,43 (lote 119.
F) - Custos estes documentados, mas não contabilizados, e os não documentados que resultam provados da conjugação dos depoimentos das testemunhas Manuel ..., Maria Antónia ..., Pedro Manuel ... bem como dos documentos de fls. 1011a 1029 dos autos.
G) - Pelas mesmas razões e fundamentos acabados de descrever também não poderá constar do fato provado n°8 a seguinte afirmação de fl. 8 da douta sentença:
"Ao nível da avaliação dos custos do exercício, comprovamos na nossa análise, estarem os mesmos devidamente documentados e contabilizados. É feita a afectação a cada uma das obras a que se destinaram.
O inventário final de 2002 reflete o valor das obras existentes."
H) - Pelas mesmas razões e motivos acabados de descrever também não poderá constar do fato provado n°8 a seguinte afirmação de fl. 11 da douta sentença:
"A análise comparativa do inventário - inicial e final de 2004 permitiu identificar a actividade empresarial, obtendo-se a perspectiva da evolução das obras/centros de custos existentes.
O quadro seguinte reproduz os dados contantes dos inventários inicial e final de 2004, evidencia os custos do exercício em função das obras a que se destinaram, bem como as vendas do exercício de 2004."
l) - Pelas mesmas razões e motivos acabados de descrever também não poderá constar como fato provado o n°25 com a redacção conferida na douta sentença recorrida.
J) - Entende a recorrente que foi produzida prova documental e testemunhal suficiente e idónea para dar como provados os seguintes factos:
25. Os cheques a que se reporta o anexo dois do relatório e que no exercício de 2002 perfazem o montante global de €674.581,49 foram todos depositados na conta n°..., da agência de ... da Caixa ... cujos titulares eram Maria de Lurdes ... e João António ..., que eram também os únicos sócios da recorrente.
26. Os cheques a que se reporta o anexo dois do relatório e que no exercício de 2003 perfazem o montante global de €187.935,01 foram todos depositados na conta n°..., da agência de ... da Caixa ... cujos titulares eram Maria de Lurdes ... e João António ..., que eram também os únicos sócios da recorrente.
27. Os cheques a que se reporta o anexo dois do relatório e que no exercício de 2004 perfazem o montante global de € 176.850,00 foram todos depositados na conta n°..., da agência de ... da Caixa ... cujos titulares eram Maria de Lurdes ... e João António ..., que eram também os únicos sócios da recorrente.
28. Os cheques identificados nos artigos 100° a 113° da p.i., emitidos ao portador, no montante global de € 94.916,50 foram todos sacados sobre a conta n°..., da agência de ... da Caixa ... cujos titulares eram Maria de Lurdes ... e João António ..., que eram também os únicos sócios da recorrente.
29. Os cheques identificados nos artigos 138° a 144° da p.i., emitidos ao portador, no montante global de € 30.852,08 foram todos sacados sobre a conta n° ..., da agência de ... da Caixa ... cujos titulares eram Maria de Lurdes ... e João António ..., que eram também os únicos sócios da recorrente.
30. Os cheques identificados nos artigos 182° a 191°da p.i., emitidos ao portador, no montante global de € 49.627,92 foram todos sacados sobre a conta n°..., da agência de ... da Caixa ... cujos titulares eram Maria de Lurdes ... e João António ..., que eram também os únicos sócios da recorrente.
31. Os cheques identificados nos artigos 231° a 240° da p.i., emitidos ao portador, no montante global de € 81.094,89 foram todos sacados sobre a conta n° ..., da agência de ... da Caixa ... cujos titulares eram Maria de Lurdes ... e João António ..., que eram também os únicos sócios da recorrente.
32. A recorrente, teve de recorrer ao crédito bancário, pelo valor de 70% do custo de construção, para ter levado a efeito as construções efectuadas nos lotes 26, 98, 96 e 11, nos exercícios de 2002, 2003 e 2004.
33. A recorrente apenas em 24 de janeiro de 2008 teve conhecimento da pendência das liquidações de IRC de 2002 e 2003.
L) - Os factos provados supra n°25 a 27 resultam dos anexos um e dois do relatório da inspecção na qual consta a identificação da conta bancária onde os mesmos foram depositados.
M) - Os factos provados n°28 a 31 resultam dos documentos juntos com a p.i. e identificados nos artigos n°111° a 113°, 138° a 144°, 182° a 191° e 231° a 240°
N) - Por sua vez, o fato provado n° 32 resulta de forma inequívoca do depoimento da testemunha António Manuel ..., a qual depôs de forma convicta e persuasiva, conjugado com o depoimento da testemunha Manuel ... e o fato provado n° 33 resulta do documento dois junto com a p.i..
O) - Por sua vez, a douta sentença recorrida efectuou ainda um errado julgamento da matéria de direito.
P) - Assim, na douta sentença recorrida foi aceite e reconhecida a tese da Autoridade Tributária segundo a qual só foram confirmadas omissões aos proveitos e que todos os custos estavam devidamente reflectidos na contabilidade.
Q) - Tese esta que assenta em pressupostos errados, pelos motivos que se passa a explicar:
R) - Em primeiro lugar, a Autoridade Tributária, na pessoa da inspectora, à data dos fatos da inspecção feita à recorrente tinha conhecimento que as omissões eram comuns aos proveitos e aos custos, tanto assim é que no depoimento da testemunha Maria Antónia ..., que a 1 h 21 m e 57 s e seguintes da gravação do julgamento, e a propósito da existência ou não de custos documentados, transcrito supra e que de novo aqui se repete, disse o seguinte:
"Maria Antónia ...
Obviamente essas situações são sempre muito comprometedoras para as sociedades. Porque isso diz claramente que a empresa está a efectuar pagamentos e que está a dar cobertura a pessoas que não emitem, ou facturas, ou documentos... E isso é uma coisa que as empresas normalmente se inibem de fazer, de ir comprometer A, B ou C. Não, não conhecia."
S) - Em segundo lugar, o argumento segundo o qual não se aceitam os custos que não estejam documentados porque só existem cheques ao portador e aceitar os proveitos não documentados e baseados em cheques ao portador emitidos pelos clientes da recorrente reconduz-se a um tratamento absolutamente contraditório da recorrente: na esfera dos proveitos omitidos, valoriza-se a declaração do contribuinte para tributares cheques emitidos ao portador, mas na esfera dos custos omitidos, a declaração do contribuinte já não tem qualquer valor pelo fato de não haver documentos.
T) - Em terceiro lugar e conforme já foi alegado neste recurso, a existência de custos não documentados foi suscitada logo durante a inspecção tributária, fato este confirmado quer pela testemunha da Autoridade Tributária quer pelo TOC da recorrente, acrescendo referir que sobre esta matéria a Fazenda Pública teve oportunidade de se manifestar na contestação, direito que usou conforme melhor entendeu e em virtude disso não poderá a recorrente ser penalizada pela forma como a Fazenda Pública exerceu o seu direito de contestação.
U) - Em quarto lugar, importa referir que a recorrente efectuou prova suficiente segundo a qual os custos das construções objecto de venda, nos exercícios de 2002, 2003 e 2004, foram muito superiores aos custos da contabilidade, dando-se aqui por reproduzida a alegação deste recurso segundo a qual se demonstra que os custos das construções foram superiores ao próprio custo da contabilidade.
V) - No entendimento da douta sentença recorrida, a Autoridade Tributária fundamentou as correcções ao lucro tributável dos exercícios de 2002 a 2004 em meios de prova legalmente obtidos, mais concretamente, as declarações prestadas pelo sócio gerente da impugnante na qualidade de arguido em sede de inquérito criminal, prestadas por iniciativa própria e por outro lado o próprio relatório de inspecção.
X) - Meios de prova estes que são ilegais, conforme se passa a demonstrar:
Z) - Em primeiro lugar e tal como as cópias dos cheques emitidos pelos adquirentes dos imóveis não podem ser utilizadas pelo fato de não ter sido proferido julgamento no processo penal respectivo, assim também as declarações prestadas pelo arguido e sócio gerente no referido processo penal não podem ser utilizadas no procedimento tributário, ou seja, assim como aquelas cópias de cheques constituem prova nula pela mesma razão as declarações do arguido configuram também prova nula.
AA) - Em segundo lugar, o despacho do Ministério Público junto do Tribunal de ... a dar autorização à inspecção para ter acesso a todos os elementos existentes no processo foi comunicado em 13 de Julho de 2007 e as declarações do arguido João ... nas quais declarou os valores de venda dos prédios foram prestadas em 6 de Setembro de 2007, datas estas em que o processo penal não tinha ainda a natureza de processo público uma vez que a alteração no sentido da publicidade daquele processo apenas entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007, pelo que, não tendo aquele despacho nem aquelas declarações a natureza de ato público do processo penal à data em que foram praticadas, as mesmas não podem servir de fundamento para as correcções contidas no relatório de inspecção.
AB) - Em terceiro lugar, a fundamentação dos actos tributários é reportada ao momento a que os actos tributários, inspectivos ou não, são praticados, actos estes concluídos em Novembro de 2007, data em que foi enviada uma das notificações contendo o relatório de inspecção pelo que o entendimento do Tribunal a quo que se apoia nas alegações da impugnante, proferidas, em 2010, em sede de processo judicial, para dar como provada a simulação do preço de venda dos prédios e fracções escrituradas em 2002, 2003 e 2004, reconduz-se a uma fundamentação a posteriori, a qual é proibida por lei.
AC) - Em quarto lugar, a recorrente não tinha que se pronunciar, em sede de impugnação judicial, sobre o teor do relatório de inspecção na parte em que transcreve as declarações prestadas pelo gerente da recorrente em sede de inquérito criminal pois que, tratando-se de meios de prova ilegais, os mesmos não produzem efeitos em sede de procedimento inspectivo e por isso a recorrente não tinha que se manifestar sobre o teor das referidas declarações.
AD) - A douta sentença recorrida fez errada aplicação dos artigos 63°, 1 c), 2 e 4, 63°B, 9, 74°, 1, 81°, 1, 83°, 2, todos da LGT e do artigo 86°, 1 do CPP, na redacção anterior à L 48/2007.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, anulando-se as liquidações de IRC de 2002, 2003 e 2004.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de fls.1128 a 1130 dos autos, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir em conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Perante as conclusões da alegação da recorrente as questões em recurso são:
- se o tribunal a quo julgou erradamente a matéria de facto;
- se a prova constituída pelo auto de declarações do sócio da recorrente é nula, por ser prestada no âmbito do processo de inquérito sujeito ao segredo de justiça;
- erro de julgamento por se considerarem legais as liquidações sindicadas.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1. A ora impugnante, desenvolve a actividade de "compra e venda de bens imobiliários a que corresponde a CAE 70.120, estando enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC, para efeitos de IVA enquadra-se no regime de isenção previsto no art.9° do CIVA, tem o capital social de EUR 14.963,94 repartido por duas quotas entre João António ... e Maria de Lurdes ..., possui contabilidade organizada, o TOC responsável pela contabilidade é Manuel ... (cf. cópia do relatório de inspecção a fls. 118 dos autos).

2. Em 12/9/2006, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, no âmbito do processo de recurso de decisão de "derrogação de sigilo bancário" n°966/06.7BELRA, intentado por João António ... contra a decisão do Director Geral dos Impostos de permissão de acesso directo por parte da inspecção tributária a todas as suas contas bancárias e documentos bancários, julgou o recurso procedente e consequentemente anulou o despacho recorrido (cf. decisão constante do vol. l dos autos, anexa à P. I).

3. Em 14/11/2006 foi instaurado o processo de inquérito n°77/2006.5 IDSTR, alvo de acusação por parte do Ministério Público junto do Tribunal de ... em 9/9/2008 (cf. informações a fls. 351 e 352 dos autos).

4. Em 16/11/2006 foi iniciada uma acção inspectiva à impugnante, de âmbito parcial, respeitante a IRC, com base na Ordem de Serviço n°01200601476 de 15/11/2006, emitida pela Direcção de Finanças de ..., cuja carta aviso foi assinada pelo Gerente da impugnante em 16/11/2006, e a nota de conclusão foi assinada em 1/10/2007 (cf. carta aviso e ordens de serviços constantes a fls. 250 a 254 dos autos em suporte de papel).

5. Através do ofício n°999143 de 13/7/2007, foi comunicado o Despacho proferido pelo Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de ..., através do qual a Inspecção Tributária pode ter acesso a todos os documentos existentes nos autos de inquérito n°77/06.5IDSTR (cf. comunicação a fls. 19 do Processo instrutor vol. reclamação graciosa).

6. Em 6/9/2007, no âmbito do processo de inquérito NUIPC: 77/06.5 da Direcção de Finanças de ..., no Serviço de Investigação Criminal Fiscal, João António ... prestou na qualidade de arguido as declarações constantes de fls. 289 a 292 dos autos em suporte de papel, tendo rubricado o quadro constante de fls. 292 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, e das quais consta em síntese, o seguinte:

" (…)

Durante os exercícios de 2002 a 2004 alienou os imóveis identificados no mapa em anexo.

O valor recebido e entrado na empresa pela venda de cada um dos prédios urbanos foi o que consta na coluna "Preço/real".

Reconhece sem reservas que procedeu há simulação do preço de venda com os respectivos adquirentes, da maior parte dos apartamentos/moradias/lotes de terreno que vendeu entre os anos de 2002 a 2004, e onde interveio como representante da ... Soc. Construções ..., Lda., nas escrituras de compra e venda.

Isto é, declarou conjuntamente com os adquirentes dos imóveis identificados no mapa em anexo um valor como preço de venda na escritura notarial e recebia um valor superior como preço de alienação.

O preço da venda das fracções que acrescia ao preço da venda declarada nas escrituras realizadas no Cartório Notarial era depositado numa conta da agência da Caixa ... de ... n°..., titulada por si e pela esposa. Maria de Lurdes ....

(…)”

7. Em 13/9/2007 foi iniciada uma acção inspectiva à impugnante, de âmbito parcial, respeitante a IRC, com base na Ordem de Serviço n°... de 15/11/2006, emitida pela Direcção de Finanças de ..., cuja carta aviso foi enviada à impugnante em 31/1/2007, assinada pelo Técnico Oficial de Contas (TOC) da Impugnante em 17/9/2007, e a respectiva no final de 2003, nota de conclusão foi assinada em 1/10/2007 (cf. carta aviso e ordens de serviços constantes a fls. 263 a 266 dos autos em suporte de papel).

8. Em 29/10/2007, foi elaborado o relatório de inspecção tributária constante de fls. 270 a 277 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta em síntese o seguinte:

“(…)

II-2. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL

(...) Na sequência da obtenção de informação recebida nos serviços, no âmbito do PRAIT - 2005 - Projecto de verificação dos "mútuos duvidosos" na aquisição de imóveis do distrito de ... foi identificada a sociedade ... Soc. Construções ..., Lda. A acção é de âmbito parcial nos termos da alínea b) do n°1 do art.14° do RCPIT, visando a verificação do cumprimento das obrigações tributárias do sujeito passivo em sede de IRC.

Ill- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Os factos e fundamentos a seguir apresentados que sustentam as correcções à matéria colectável, valem relativamente aos três exercícios analisados, e descrevem-se de seguida:

As correcções que propomos incidem nos proveitos das vendas das fracções habitacionais (andares), moradias e lotes de terreno para construção.

No âmbito do processo de inquérito NUIPC 77/06.5 IDSTR obteve-se em resultado do mesmo um conjunto de informações relativas a diversos cheques depositados em conta particular dos sócios da Sociedade ... Soc. Construções ..., Lda., relativos ao pagamento de parte do preço de venda de diversas fracções habitacionais (andares e moradias) e lotes de terreno destinados a construção, vendidos pela sociedade, cheques que confirmamos terem sido emitidos sobre contas dos conhecidos adquirentes. Em auto de interrogatório datado de 2007/9/6 (em anexo 1), cuja diligência foi voluntariamente requerida pelo gerente da sociedade, Sr. António ..., e em que este veio reconhecer a simulação do preço de venda dos imóveis e a declarar os preços reais das transmissões, verificamos, em confronto com os cheques tomados do nosso conhecimento, que as declarações do sócio estão corroboradas pelos valores conhecidos (anexo 2).

Nos quadros seguintes, apresentados relativamente a cada um dos três exercícios analisados, estão identificadas as fracções, os adquirentes e os valores de venda (escritura e o real).

Exercício de 2002

(…)

O quadro seguinte reproduz os dados constantes dos inventários, inicial e final de 2002, evidencia os custos do exercício em função das obras a que se destinaram, bem como as vendas do exercício de 2002

Quadro 1

Descrição Exist. Inicial Custos do exercício Custos acumulados Vendas no exercício Existências Finais
PRODUTOS E TRABALHOS EM CURSO
Lota 95
30.543,19
-
30.543,19
-
30.543,19
Lote 11/Choromela 43
25.452,66
5.876,38
31 .329,04
-
31.329,04
Lote 52
118.091,20
-
118.091,20
-
118.091,20
Lote 26
1.130.228,77
65.961,88
1.196,190,65
1.310.591,33
56.579,82
Lote 96
27.433,89
21.134,07
48.567,96
-
48.567,96
Lote 38
27.433,88
70.092,05
97.525,93
110.000,00
0,00
Calços
25.462,14
-
25.462,14
-
25.462,14
Lote 18
0,00
15.407,13
15.407,13
-
15.407,13
Lote 42
0,00
20.542,43
20.542,43
-
20.542,43
Lote 54
0,00
127.322,66
127.322,66
-
127.322,66
Lote 94
0,00
30.511,02
30.511,02
-
30.511,02
TOTAL
1.384.645,73
356.847,62
1.741.493,35
1.420.591,33
504.356,59
(…)

Ao nível da avaliação dos custos do exercício, comprovamos na nossa análise, estarem os mesmos devidamente documentados e contabilizados. É feita a afectação a cada uma das obras a que se destinaram.

O inventário final de 2002 reflecte o valor das obras existentes.

(…)

No quadro seguinte estão identificadas as fracções, os adquirentes e os valores de venda (escritura e o real). Os valores indicados na coluna relativa a "valor escritura" correspondem aos valores da escritura constantes da escritura de compra e venda, que são igualmente os que servem de base ao registo contabilístico das vendas. Os valores indicados na coluna relativa a "valor real" têm por base os valores que o sócio gerente da sociedade ..., Lda., declarou, em auto de interrogatório, como sendo o preço real de venda das fracções.

Quadro 2

Artigo Matricial
Frac
Tipo/ Área
Nome
Adquirente
NIF
adquirente
Valor
escritura
Valor
real
Correcção
5.332 A LOJA/160 m2 ... SA. ...
249.398,95
249.398,95
0,00
5.332 B LOJA/175 m2 ......
249.398,95
249.398,95
0,00
5.332 C T4/204 m2 ......
99.759,58
174.759,58
75.000,00
5.332 E T4/198m2 ......
99.760,00
184.555,64
84.795,64
5.332 F T2/131 rr,2 ......
64.843,73
137.169,42
72.325,69
5.332 G T4/201 m2 ......
119.711,50
169.711.50
50.000,00
5.332 H T2/134m2 ......
69.831,71
102.253,55
32.421,84
5.332 l T4/194 m2 ......109.735,54 189.543,20 79.807,66
5.332 J T2/137m2 ......79.807,76 129.687,45 49.879,79
5.332 K T4/213m2 ......99.759,00 180.734,96 80.975,96
5.332 L T2/110m2 ......68.584,71 98.512,59 29.927,88
5.426 Moradia/184 m2 ......110.000,00 229.447,03 119.447,03
TOTAL 1.420.591,33 2.095.172,82 674.581,49
Não há outras correcções a considerar, senão as decorrentes da simulação dos negócios realizados. De acordo com o disposto no art.39° da LGT em caso de simulação de negócio jurídico a tributação recai sobre o negócio real. Desta forma, propomos uma correcção, por acréscimo aos proveitos declarados, de EUR 674.581,49 (total da coluna de correcções do quadro anterior), correcção esta com influência directa na matéria colectável de IRC de 2002, declarada pelo contribuinte que foi de EUR 11.805,69 e que é assim acrescida do mesmo montante.

O lucro tributável do exercício de 2002 corrige-se para 686.387,18.

Exercício de 2003

(…)

Quadro 2

Descrição Exist. Inicial Custos do exercício Custos acumulados Vendas no exercício Existências Finais
PRODUTOS E TRABALHOS EM CURSO
Lote 95
30.543,19
2.992,79
33.535,98
33.535,98
Lote 11/Choromela43
31.329,04
181.593,22
212.922,26
-
212.922,26
Lote 52
118.091,20
39.453,56
157.544,76
-
157.544,76
Lote 26 (1° esq)
56,579,82
-
56.579,82
70.000,00
Lote 96
48.567,96
43.281,46
91.849,42
110.000,00
Calços
25.462,14
-
25.462,14
30.000,00
-
Lote 18
15.407.13
13.294,92
28.702,05
-
28.702,05
Lote 42
20.542,43
64.518,09
85.060,52
-
85.060,52
Lote 54
127.322,66
128.762,79
256.085,45
-
256.085,45
Lote 94
30.511,02
30.511.02
-
30.511,02
Lote 88
-
20.369,00
20.369,00
20.369,00
Lote 90
-
30.000,00
30.000,00
30.000,00
TOTAL
504.356,59
524.265,83
1.028.622,42
210.000,00
854.731,04
Em 2003 o total da venda de produtos contabilizado e declarado perfaz o montante EUR 210.000,00 conforme registo no total da coluna de vendas do exercício, constante do Quadro 2 apresentado. Deste valor fazem parte a venda de um andar (fracção D da R. de Coimbra, 18, 20 e 22), uma moradia construída no lote 98, e um lote de terreno designado "Calços", adquirido em 2002

(…)

Artigo Matricial Frac Tipo/ Área Nome Adquirente NIF adquirente Valor
escritura
Valor real Correcção
5.332 D T 2 (fracção D) ......70,000,00 133.500,00 63.500,00
5.509 B Moradia lote 96 ......110.000,00 229.447,03 119.447,03
5.332 C Terreno calços ......30.000,00 34.987,98 4.987,98
210.000,00 397.935,01 187.935,01

Propomos uma correcção, por acréscimo aos proveitos declarados, de EUR 187.935,01 (total da coluna de correcções do quadro anterior), correcção esta com influência directa na matéria colectável de IRC de 2003 declarada pelo contribuinte que foi de EUR 18.699,54 e que é assim acrescida do mesmo montante.

O lucro tributável do exercício de 2003 corrige-se para EUR 206. 634,55.

Exercício de 2004

A análise comparativa do inventário - inicial e final de 2004 permitiu identificar a actividade empresarial, obtendo-se a perspectiva da evolução das obras/centros de custos existentes.

O quadro seguinte reproduz os dados constantes dos inventários inicial e final de 2004, evidencia os custos do exercício em função das obras a que se destinaram, bem como as vendas do exercício de 2004.

Quadro 3

Descrição Exist. Inicial Custos do exercício Custos acumulados Vendas no exercício Existências Finais
PRODUTOS E TRABALHOS EM CURSO
Lote 95
33,535,98
-
-
-
33.535,98
Lote 11/Choromela43
212.922,26
10.093,16
223.015,42
122.500,00
125.000,00
-
-
Lote 52
157.544,76
32.060,75
189.605,51
-
189.605,51
Lote 18
28.702,05
-
-
-
28.702,05
Lote 42
85.060,52
99.045,90
184.106,42
-
184.106,42
Lote 54
256.085,45
548.919,38
805.004,83
-
805.004,83
Lote 94
30.511,02
-
30.511,02
-
30.511,02
Lote 88
20.369,00
-
20.369,00
-
20.369,00
Lote 90
30.000,00
-
30.000,00
-
30.000,00
Lote 19
-
30 445,00
30.445,00
31.500,00
-
TOTAL
854.731,04
720.564,19
1.513.057,10
279.000,00
1.321.834,81
Em 2004 o total da venda de produtos contabilizado e declarado perfaz o montante de €279.000,00 conforme registo no total da coluna de vendas do exercício, constante do Quadro 3 apresentado. Deste valor fazem parte integrante a venda de duas moradias (fracção A e fracção B dos lotes 11/43) e o lote de terreno designado pelo n°19, adquirido este em 2004.

(…)
Artigo
Frac
Tipo/Área
Nome
NIF
Valor
Valor
Correcção
Matricial
Adquirente
adquirente
escritura
real
5.537 B Moradia (Lote 43)......122.500,00 195.850,00 73.350,00
......
5.537 A Moradia (Lote 43)......125.000,00 200.000,00 75.000,00
......
5.273 C Lote 19 ......31.500,00 60.000,00 28.500,00
......
279.000,00 455.850,00 176.850,00
Propomos uma correcção, por acréscimo aos proveitos declarados, de € 176.850,00 (total da coluna de correcções do quadro anterior), correcção esta com influência directa na matéria colectável de IRC de 2004 declarada pelo contribuinte que foi de €19.130,81 e que é assim acrescida do mesmo montante.

O lucro tributável do exercício de 2004 corrige-se para € 195.980,81.

(…)

VIII - DIREITO DE AUDIÇÃO

(…)

Através de requerimento recepcionado em 22/10/2007, o sujeito passivo, através do seu mandatário Dr. Victor ..., advogado, conforme procuração junta com requerimento, veio exercer o direito de audição sobre as propostas de correcção que constam do Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção.

No exercício do direito de audição, alega, em resumo, o seguinte:

(…)

Ponto 1 do requerimento

(...) Constar no Projecto de Relatório que o prazo do procedimento de inspecção foi prorrogado nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n°3 do art.36° do RCPIT, nada tem de relevante, a não ser o incumprimento do n°2 do artigo 36.°, o qual, no entanto devia ser devidamente fundamentado.

Posição dos serviços de inspecção:

(...)

Pontos 2° a 8° do requerimento

Assim, vem alegar que o direito à liquidação no que respeita ao ano de 2002 já caducou por força do disposto no n°1 do artigo 45° da LGT.

(…)

Posição dos serviços de inspecção:

(...)

Pontos 9° a 21° do requerimento

(...) ao serem utilizados no Projecto de correcções elementos que foram obtidos no Processo de Inquérito, foi violado o segredo de justiça.

(…)

Posição dos serviços de inspecção:

(…)

Face ao exposto, as correcções propostas devem ser mantidas na totalidade.

(…)”

9. Em 30/10/2007, o Chefe de Divisão, no âmbito da delegação de competências do Director de Finanças, proferiu o despacho de concordância com o relatório final descrito no ponto anterior, nos termos constantes de fIs. 268 dos autos.

10. Em 30/10/2007, os Serviços de Inspecção Tributária de ... enviaram ao ora impugnante por carta registada com aviso de recepção os ofícios n°10965 e n°10966, constantes de fls. 255 a 260 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido com o assunto "Notificação do Relatório de Inspecção Tributária".

11. Em 3/11/2007, a Direcção de Finanças de ... enviou ao impugnante por carta registada com o n°RM 4692 8537 9PT, o oficio n°1103/DITI, constante de fls. 280 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual dá conhecimento à ora impugnante do teor do relatório de inspecção e do despacho que sobre o mesmo recaiu.

12. Em 9/11/2007, foi emitida em nome da impugnante a liquidação n°2007 8310017544, relativa a IRC do período de 1/1/2002 a 31/12/2002, no valor de EUR 261.889,16, com data limite de pagamento de 19/12/2007 e a liquidação de juros n°2007-1996697 no valor de EUR 39.277,27, enviada à impugnante por carta registada sob o registo RY450433416PT realizado em 13/11/2007 (cf. liquidação e demonstração da compensação a fls. 326 e 329 dos autos em suporte de papel).

13. Em 12/11/2007, foi emitida em nome da impugnante a liquidação n°2007 8310017566, relativa a IRC do período de 1/1/2003 a 31/12/2003, no valor de EUR 70.484,05 com data limite de pagamento de 19/12/2007 e a liquidação de juros n°2007-1997262 no valor de EUR 8.433,56, enviada à impugnante por carta registada sob o registo RY450655130PT realizado em 15/11/2007 (cf. liquidação e demonstração da compensação a fls. 332 a 335 dos autos em suporte de papel).

14. Em 13/11/2007, foi emitida em nome da impugnante a liquidação n°..., relativa a IRC do período de 1/1/2004 a 31/12/2004, no valor de EUR 53.329,23 com data limite de pagamento de 19/12/2007 e a liquidação de juros n°2007-1999945 no valor de EUR 4.695,48, enviada à impugnante por carta registada sob o registo RY450758854PT realizado em 15/11/2007 (cf. liquidação e demonstração da compensação a fls. 338 a 342 dos autos em suporte de papel).

15.Em 2/5/2008, a impugnante apresentou no Serviço de Finanças de ..., três reclamações graciosas relativas a cada uma das liquidações de IRC, dos exercícios de 2002, 2003 e , constantes de fls. 3 a 8 do processo instrutor -reclamações, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nas quais alegou em síntese, a violação de sentença judicial que não autorizou a derrogação do sigilo bancário ao sócio gerente da reclamante, violação do n°6 do artigo 63°B da LGT e 348° do CPP, na medida em que a inspecção tributária obteve elementos através do processo de inquérito criminal que corre termos nos Serviços do Ministério Público de ..., concluindo pela nulidade do acto reclamado nos termos da alínea h) do n°2 do artigo 133° e do art.138° ambos do CPA.

16. Em 26/8/2008 o Director de Finanças proferiu três projectos de despachos para cada uma das reclamações constantes de fls. 49 e 55 do processo instrutor -reclamação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual propôs de forma igualitária, o indeferimento de cada uma das reclamações identificadas no ponto que antecede por intempestividade nos termos do artigo 77°, n°s 1 e 2 da LGT.

17. Em 9/9/2008, a impugnante exerceu o direito de audição prévia em cada uma dos processos de reclamação, nos termos constante a fls. 60 a 64, 52 a 56 do processo instrutor - reclamação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nas quais invocou o artigo 134°, n°2 do OPA, como fundamento da possibilidade de reclamação a todo o tempo face à invocação de nulidade do procedimento, no final de 2003.

18. Em 24/10/2008 o Director de Finanças proferiu os despachos de indeferimento dos três pedidos por inobservância do prazo para reclamar, nos termos dos despachos constantes de fls. 61 e 69 do processo instrutor - reclamação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

19. Em 4/11/2008 o mandatário da impugnante recepcionou os avisos de recepção que acompanharam o envio postal registado das decisões identificadas no ponto anterior (cf. ofício e AR a fls. 72 a 74, fls. 65 a 67 do processo instrutor - reclamação).

20. Em 28/11/2008, a impugnante apresentou os três recursos hierárquicos relativos às liquidações adicionais de 2002, 2003 e 2004, constantes de fls. 3 a 12 do processo instrutor - recurso hierárquico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21. Em 3/02/2010 a Directora de Serviços do IRC, no âmbito da subdelegação de competências, proferiu o despacho de indeferimento constante da informações n°58/2010 e n°59/2010, constantes de fls. 32 a 34 a do processo instrutor -recurso hierárquico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22. Em 3/3/2010 o mandatário da impugnante recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o envio postal registado das decisões identificadas no ponto anterior (cf. oficio e AR a fls. 45 e 46, do processo instrutor - recurso hierárquico).

23. O Técnico Oficial de contas só registou na contabilidade custos suportados por documentos, os custos relativos às compras dos terrenos e o custo do empréstimo bancário de cada obra constam da contabilidade (cf. depoimento da testemunha Manuel ..., TOC da impugnante).

24. Em 2010, Pedro Manuel ... elaborou uma estimativa de medições e orçamentos constante de fls. 1011 e seguintes dos autos em suporte de papel, relativamente aos projectos e memórias descritivas verificou apenas o exterior dos edifícios mas não o seu interior (cf. depoimento da testemunha engenheiro Pedro Manuel ...).

25. A contabilidade da impugnante era rigorosa e individualizava os custos por fracção devidamente documentados (cf. depoimento da testemunha Maria António ... inspectora tributária)».

Consta ainda da sentença recorrida que: «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e no depoimento das testemunhas Manuel ..., TOC da impugnante, engenheiro Pedro Manuel ... que prestou serviços para a impugnante e da testemunha Maria António ... inspectora tributária, quanto aos factos constantes dos pontos 22 a 24 dos facto provados.
Não foi relevada a restante prova testemunhal produzida porque se revelou superficial, demonstrando falta de conhecimento factual nas respostas dadas, insusceptível de produzir prova dos factos alegados.

*
Da análise das alegações e documentação apresentadas pela impugnante, constantes dos presentes autos, não se provou que os cheques emitidos ao portador e com origem em conta pessoal do sócio gerente e seu cônjuge respeitem ao pagamento de custos efectuados e não contabilizados, não foram considerados os documentos de carácter interno apresentados como meios de prova de custos não contabilizados, designadamente os extractos de contas.
Não foram relevadas as cópias das facturas apresentadas pela impugnante, constantes de fls. 588 a 978 dos autos em suporte de papel, porque apresentadas apenas em sede de impugnação judicial, não permitindo verificar se correspondem a custos já contabilizados e considerados pela administração fiscal, uma vez que a inspecção tributária considerou no resultado tributável todos os custos declarados e contabilizados pela impugnante.
Também não foram considerados como prova de alegados custos não contabilizados, os orçamentos constantes de fls. 1011 a 1029 dos autos, realizados no ano de 2010, ou seja já no âmbito da presente impugnação pela testemunha Pedro Manuel ... que claramente afirmou tratarem-se de meras estimativas realizadas, para as quais só verificou o exterior dos edifícios.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que importe registar como não provados.».

**

B.DE DIREITO

A Administração Tributária e Aduaneira (AT) na sequência de uma inspecção efectuada à sociedade «... - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES ..., LDA» (adiante Impugnante ou Recorrente) respeitante a Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), dos exercícios de 2002 a 2004, considerando que o preço por que foram vendidos os imóveis em 2002 a 2004 era superior ao declarado nas respectivas escrituras procedeu às correspondentes correcções do rendimento tributável declarado para aqueles anos e às consequentes liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios.

A Contribuinte impugnou judicialmente essas liquidações, pedindo ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a anulação desses actos tributários (liquidações de IRC dos exercícios de 2002 a 2004).

Por sentença proferida nos presentes autos foi a impugnação judicial totalmente improcedente.

Comecemos por conhecer da 1ª questão.

A recorrente nas conclusões A) a N) da sua alegação de recurso questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto e sustenta a sua discordância na prova documental e testemunhal produzida.

Entende que está incorrectamente julgado o ponto 8 do probatório e pretende que seja agora aditada por este Tribunal Central Administrativo os factos 25 a 27 elencados na Conclusão J) identificados na Conclusão J) e sustenta a sua discordância na prova documental e testemunhal produzida.

Da leitura das alegações e das conclusões resulta que se mostram cumprimentos os requisitos que constam do artigo 640º do Código Processo Civil. A saber:-a concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;- a especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa; e - a decisão alternativa que é pretendida.

Por conseguinte, importa apreciar o recurso nessa parte.

A recorrente face à pretendida alteração da matéria de facto defende haver lugar a correcção dos custos contabilizados uma vez que ficou demonstrado a existência de outros que não inscritos na sua contabilidade.

Antes, de entrarmos na análise específica deste fundamento de recurso, não podemos perder de vista que a partir do momento em que a recorrente se arroga o direito à dedutibilidade de custos que diz terem sido desconsiderados pela AT, é sobre si que recai o dever de comprovar esses custos (artigo 74°, n°1, da LGT).

Vejamos, então se a recorrente comprovou despesas para além das consideradas pela Administração Tributária.

Observou-se no Acórdão do STA, de 19.10.2005, proferido no processo n.º 0394/05 que «O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Convergentemente, concluiu o Acórdão do mesmo Tribunal, de 18.03.2004, proferido no processo n.º 065/04 que: «A valoração do depoimento das testemunhas situa-se no domínio da livre apreciação da prova enunciada no artigo 655º do C.P.C., intimamente conexionado com o princípio da mediação. As respostas do tribunal colectivo não constituem proposições isoladas. O sentido da decisão sobre determinado ponto da matéria de facto pode ser extraído, por interpretação, no contexto das demais respostas e da respectiva fundamentação e em conjugação com a fonte de que emerge a formulação do respectivo quesito.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Com efeito, o princípio da livre apreciação das provas, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência. E, por força do princípio da imediação, a tarefa de reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo.

Dito de outro modo, ao tribunal de recurso apenas e só é dado alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.

Na sentença recorrida ficou consignado, para o que aqui importa, que « A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e no depoimento das testemunhas Manuel ..., TOC da impugnante, engenheiro Pedro Manuel ... que prestou serviços para a impugnante e da testemunha Maria António ... inspectora tributária, quanto aos factos constantes dos pontos 22 a 24 dos facto provados.

Não foi relevada a restante prova testemunhal produzida porque se revelou superficial, demonstrando falta de conhecimento factual nas respostas dadas, insusceptível de produzir prova dos factos alegados.


*

Da análise das alegações e documentação apresentadas pela impugnante, constantes dos presentes autos, não se provou que os cheques emitidos ao portador e com origem em conta pessoal do sócio gerente e seu cônjuge respeitem ao pagamento de custos efectuados e não contabilizados, não foram considerados os documentos de carácter interno apresentados como meios de prova de custos não contabilizados, designadamente os extractos de contas.

Não foram relevadas as cópias das facturas apresentadas pela impugnante, constantes de fls. 588 a 978 dos autos em suporte de papel, porque apresentadas apenas em sede de impugnação judicial, não permitindo verificar se correspondem a custos já contabilizados e considerados pela administração fiscal, uma vez que a inspecção tributária considerou no resultado tributável todos os custos declarados e contabilizados pela impugnante.

Também não foram considerados como prova de alegados custos não contabilizados, os orçamentos constantes de fls. 1011 a 1029 dos autos, realizados no ano de 2010, ou seja já no âmbito da presente impugnação pela testemunha Pedro Manuel ... que claramente afirmou tratarem-se de meras estimativas realizadas, para as quais só verificou o exterior dos edifícios.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que importe registar como não provados.».

Á luz do que vem dito, do exame da sentença recorrida e do exarado quanto à fundamentação da matéria de facto é nosso entendimento que este fundamento do recurso é improcedente.

Com efeito, a prova documental em que a recorrente alicerça a pretendida alteração da matéria de facto fixada em 1ª Instância não permite dar demonstrado a efectiva correlação com as obras e construções efectivamente realizadas. De facto, estamos perante cópias de cheques cujas operações económicas que titulam se desconhecem, ou seja, não permitem suportar a aquisição de materiais e mão de obra com a construção dos prédios e moradias que faz correspondem aos custos agora assinalados, o mesmo se diga, relativamente ao custo do terreno.

Por outro lado, se a Meritíssima Juiz entendeu valorar diferentemente da recorrente os depoimentos das testemunhas António Manuel ..., Manuel ... e Maria Antónia ..., não pode esta Tribunal de recurso pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhas).

Perante o exposto, não existem, pois, fundamentos, para alterar a factualidade dada como provada, ao contrário do peticionado.

DO MERITO DO RECURSO

A sentença sob recurso julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações adicionais de IRC de 2002, 2003 e 2004 e juros compensatórios, resultante de correcções à matéria tributável advenientes da consideração, para efeitos de apuramento do lucro tributável daqueles exercícios, na simulação dos preços de venda dos imóveis por valores inferiores aos efectivamente pagos pelos compradores.

Para assim decidir entendeu a sentença recorrida que: «As declarações prestadas pelo sócio-gerente da impugnante não constituem elementos de prova obtidos, directa ou indirectamente, através de acto ilegal e como tal afiguram-se ainda assim, válidas as correcções técnicas efectuadas porque suportadas nas declarações prestadas pelo próprio sócio-gerente e na contabilidade da impugnante, não estão exclusivamente fundadas no meio de prova cuja obtenção é nula.».

Ou seja, o Tribunal a quo decidiu, pelas razões que aqui acabámos de reproduzir, que não havia qualquer razão para desconsiderar as declarações prestadas em processo de inquérito.

Nas conclusões V) e X) do recurso a recorrente sustenta que as declarações extraídas do inquérito criminal não podem ser utilizadas pela AT para fundamentar as correcções aritméticas que culminaram com as liquidações sindicadas, uma vez que o processo inquérito está sujeito ao segredo de justiça.

E, desenvolve a sua posição da forma seguinte: «Em primeiro lugar e tal como as cópias dos cheques emitidos pelos adquirentes dos imóveis não podem ser utilizadas pelo fato de não ter sido proferido julgamento no processo penal respectivo, assim também as declarações prestadas pelo arguido e sócio gerente no referido processo penal não podem ser utilizadas no procedimento tributário, ou seja, assim como aquelas cópias de cheques constituem prova nula pela mesma razão as declarações do arguido configuram também prova nula.» [Conclusão z) ]; «Em segundo lugar, o despacho do Ministério Público junto do Tribunal de ... a dar autorização à inspecção para ter acesso a todos os elementos existentes no processo foi comunicado em 13 de Julho de 2007 e as declarações do arguido João ... nas quais declarou os valores de venda dos prédios foram prestadas em 6 de Setembro de 2007, datas estas em que o processo penal não tinha ainda a natureza de processo público uma vez que a alteração no sentido da publicidade daquele processo apenas entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007, pelo que, não tendo aquele despacho nem aquelas declarações a natureza de ato público do processo penal à data em que foram praticadas, as mesmas não podem servir de fundamento para as correcções contidas no relatório de inspecção [Conclusão AA)]; «Em terceiro lugar, a fundamentação dos actos tributários é reportada ao momento a que os actos tributários, inspectivos ou não, são praticados, actos estes concluídos em Novembro de 2007, data em que foi enviada uma das notificações contendo o relatório de inspecção pelo que o entendimento do Tribunal a quo que se apoia nas alegações da impugnante, proferidas, em 2010, em sede de processo judicial, para dar como provada a simulação do preço de venda dos prédios e fracções escrituradas em 2002, 2003 e 2004, reconduz-se a uma fundamentação a posteriori, a qual é proibida por lei.» [Conclusão BB)].

Mas sem razão, como passamos a demonstrar.

Nos termos do n.ºs 1 e 2 do artigo 40º do Regime Geral das Infracções Tributarias (RGIT) adquirida a notícia de um crime tributário procede-se a inquérito sob a Direcção do Ministério Público, cabendo aos órgãos da administração tributaria, durante o inquérito, os poderes e as funções que o Código Processo Penal atribui aos órgãos de policia criminal, presumindo-se-lhes delegada a prática de actos que o Ministério Público pode atribuir àqueles órgãos.

Segundo o n.º2 do artigo 41º do RGIT «Os actos de inquérito para cuja prática a competência é delegada nos termos do número anterior podem ser praticados pelos titulares dos órgãos e pelos funcionários e agentes dos respectivos serviços a quem tais funções sejam especialmente cometidas.».

E afigura-se necessário sublinhar – tal como faz o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.02.2010 proferido no processo n.º 167/08.0GACLB-A.C1- , que: «Antes da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procedeu à 15.ª alteração do Código de Processo Penal, o processo penal encontrava-se em segredo de justiça durante a fase de inquérito, pois de acordo com o disposto no art.86.º, n.º1 do C.P.P. (na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto) passava a ser público a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tivesse lugar, até ao momento em que já não pudesse ser requerida. O processo era público a partir do requerimento de instrução, se a instrução fosse requerida apenas pelo arguido e este, no requerimento, não declarasse que se opunha à publicidade.

Nenhum despacho tinha assim de ser proferido para o inquérito ficar sujeito ao segredo de justiça.

A filosofia subjacente à publicidade do processo e segredo de justiça mudou radicalmente de paradigma com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.

O artigo 86.º do Código de Processo Penal, passou a dispor, designadamente, o seguinte:

« 1- O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei.

2- O juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o Ministério Público, determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais.

3- Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase do inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas (…) ». (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Ou seja, a regra é, desde 15 de Setembro de 2007, a de que o processo de inquérito é público e o segredo de justiça apenas pode vigorar, com a concordância do Juiz, durante os prazos estabelecidos na lei para a realização do inquérito.

Contudo, o secretismo processual, bem como a sua publicidade não eram absolutos, conforme deixou claro o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.04.2010, proferido do processo n.º 60/09.9YFLSB « (…) Quanto ao segredo de justiça, este podia ser parcialmente derrogado, na estrita medida das finalidades a obter, nomeadamente com vista: a) ao esclarecimento da verdade (podendo dar-se, para tal fim, conhecimento de acto ou de conteúdo de acto em segredo de justiça); b) à instrução de outro processo de natureza criminal ou disciplinar de natureza pública; c) à dedução de pedido de indemnização civil; d) à composição extrajudicial de litígio, em caso de processo criminal por acidente de viação, podendo ainda ser prestados esclarecimentos públicos acerca do processo, em determinadas condições, tudo nos termos constantes das disposições contidas nos números 5, 6, 7, 8 e 9 do art. 86.º.». (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No caso vertente, foi comunicado ao Serviço de Inspecção Tributária (em 13 de Julho de 2007), que por despacho proferido pelo Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de ... fora facultado o acesso a todos os documentos existentes no inquérito n.º 77/2006.5IDSTR.

Posto isto, ao contrário do que pretende a recorrente, as declarações prestadas por João António ... na qualidade de arguido (sócio da sociedade recorrente) em 6 de Setembro de 2007, na Direcção de Finanças de ...-Serviço de Investigação Criminal Fiscal- não configuram uma “ prova nula”.

Desde logo, nos termos do nº 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, «São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.».

Em anotação a este número, escrevem J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA Constituição da República Portuguesa Anotada – 3ª Ed., pág.206., «Os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana (artº1º) e nos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (artº2º), não podendo portanto valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos. Daí a nulidade das provas obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência (..). A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal, e relativa nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art.32º-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada, ou quando aniquiladora dos próprios direitos (cfr. art.18º-2 e 3)». (Constituição da República Portuguesa Anotada – 3ª Ed., pág.206.)

Esta norma, conquanto formalmente prevista para o processo penal, deve ser tida como aplicável em todo e qualquer processo, e reporta-se tanto à prova obtida pelas entidades públicas como pelas entidades particulares (Isabel Alexandre, Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina,1998, pág. 239).

Por outro lado, as declarações prestadas à AT no cumprimento dos deveres de cooperação (cf. artigo 9º, n.º1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira -RCPIT-), são utilizáveis, não apenas no processo de inspecção, que poderá dar lugar à correcção da situação tributária, mas também num eventual processo de natureza sancionatória penal, que venha a ser instaurado na sequência ou no decurso da inspecção.

De resto, à data em que foi elaborado o projecto de relatório de inspecção tributária (em 03.10.2007), encontrava-se já em vigor a regra da publicidade do processo penal (a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procedeu à 15.ª alteração do Código de Processo Penal, por força do seu artigo 7º entrou em vigor em 15.09.2007).

Por tudo, não pode entender-se -contrariamente ao que se consignou nas conclusões de recurso – que as declarações prestadas pelo sócio da recorrente constituem “prova nula” e como tal poderiam ser utilizados pela AT no âmbito do procedimento de inspecção.

Neste contexto, improcede o recurso nesta parte.

Sustenta, ainda, a recorrente se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões AB), que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provada a simulação do preço de venda dos prédios e fracções escrituradas em 2002, 2003 e 2004, com base no entendimento segundo o qual, não foi alegada a inveracidade da prática simulatória adoptada ou impugnados os valores reais dos imóveis atribuídos a cada uma das suas vendas, o que configura uma fundamentação a posteriori, a qual é proibida por lei.

A tributação das empresas deve fazer-se pelo lucro real, sendo regra geral a da determinação do lucro tributável com base na respectiva declaração de rendimentos, a qual, por sua vez, assenta na contabilidade.

Mas a AT pode proceder a correcções ao lucro tributável declarado pelo contribuinte, quando este não cumpre os deveres de cooperação a que está obrigado, designadamente o de ter a contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, cessando a presunção de veracidade da escrita se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.

Como tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, e sustentado pelo artigo 74.º nº 1 da LGT, em termos correspondentes ao disposto no artigo 342.º do Código Civil, tendo em conta o princípio da legalidade administrativa, sobre a Administração, recaí o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.

Para o que aqui importa, tenha-se presente que o artigo 39.º da LGT não impede a Administração Tributária de, perante uma escritura pública da qual consta determinado preço de venda, tributar em IRC, se para tanto tiver razões juridicamente válidas, o correspondente provento, considerando, por presunção ou por mera correcção, um preço superior ao declarado (cfr. acórdão deste TCA de 22.05.2007, proferido no processo n.º 01068/06).

Ora, como se diz na sentença «a própria impugnante não alega a inveracidade da prática simulatória adoptada ou impugna os valores reais dos imóveis atribuídos a cada uma das suas vendas.». Na verdade, a recorrente ao longo dos 300 artigos vertidos na petição de impugnação não questionou, a veracidade do conteúdo das declarações prestadas pelo seu sócio nas quais se afirma: « "Durante os exercícios de 2002 a 2004 alienou os imóveis identificados no mapa em anexo.
O valor recebido e entrado na empresa pela venda de cada um dos prédios urbanos foi o que consta na coluna "Preço/real".
Reconhece sem reservas que procedeu há simulação do preço de venda com os respectivos adquirentes, da maior parte dos apartamentos/moradias/lotes de terreno que vendeu entre os anos de 2002 a 2004, e onde interveio como representante da ... Soc. Construções ..., Lda., nas escrituras de compra e venda.
Isto é, declarou conjuntamente com os adquirentes dos imóveis identificados no mapa em anexo um valor como preço de venda na escritura notarial e recebia um valor superior como preço de alienação.
O preço da venda das fracções que acrescia ao preço da venda declarada nas escrituras realizadas no Cartório Notarial era depositado numa conta da agência da Caixa ... de ... n.° ..., titulada por si e pela esposa. Maria de Lurdes ....».
Aliás, a argumentação oferecida na petição inicial contra os actos tributários (liquidações) resume-se à consideração de custos que a recorrente indica como suportados com a aquisição de materiais e contratação de mão de obra e que não se encontram registados na sua contabilidade.

Desde modo, reconhecendo a recorrente as divergências entre o valor declarado no documento de compra e venda e o valor efectivamente pago pelos adquirentes, está legitimada a actuação da AT.

E, não apontando a recorrente qualquer outro erro de julgamento à sentença impõe-se a confirmação desta.

IV.CONCLUSÕES

Elaborado o projecto de relatório de inspecção tributária quando já se encontrava em vigor a regra da publicidade do processo penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, [que procedeu à 15.ª alteração do Código de Processo Penal, e que por força do seu artigo 7º entrou em vigor em 15.09.2007] as declarações que o sócio gerente da Impugnante prestou à AT, na qualidade de arguido e no cumprimento dos deveres de cooperação [cf. artigo 9º, n.º1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira -RCPIT-], não podem ser consideradas “provas nulas”.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.


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Após trânsito, remeta cópia certificada do presente acórdão ao Tribunal Judicial da Comarca de ... Serviços do Ministério Publico (processo Inquérito n.º NUIPC 77/0651DSTR).

Lisboa, 8 de Março de 2018.
[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]