Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:20/10.7 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FATURAÇÃO FALSA
IVA
ÓNUS PROBATÓRIO
INFORMAÇÃO CRUZADA
INQUISITÓRIO
PERÍCIA GRAFOLÓGICA
Sumário:I. É admissível a utilização de informação cruzada por parte da AT.
II. Tal não significa que essa informação não tenha de estar cabalmente identificada e concretizada no RIT onde venha a ser utilizada, pois só dessa forma é assegurada a transparência do procedimento e é permitido ao sujeito passivo o acesso a toda a informação relevante, designadamente para que a possa contraditar.
III. Se no RIT se lança mão de fórmulas conclusivas, sem que se consiga sequer caraterizar qualquer uma das situações com pormenor, não se pode concluir que a AT reuniu indícios sérios de que as transações tituladas por determinadas faturas não tiveram efetividade.
IV. Ainda que, nestes casos, a AT não tenha de provar a efetiva simulação, tem de elencar de forma factual e sustentada os indícios coligidos.
V. Não cabe ao Tribunal realizar a prova, quanto aos indícios recolhidos, que cabe à AT realizar em sede de ação inspetiva.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, a qual julgou procedente a impugnação deduzida por “B..., LDA” contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3522200904001141, referente às liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativas ao período compreendido entre maio e outubro do ano de 2005.


***

O DRFP apresentou as conclusões que infra se reproduzem:

“a) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial interposta por B... CONSTRUÇÃO CIVIL LDA., com o NIF 505254034, do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos de tributação patentes na demonstração de compensação n.º 2009 0000000024284, no montante de € 25.516,96.

b) Discorda a Fazenda Pública, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, porquanto procede a uma errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com consequente inadequado enquadramento jurídico, incorrendo em consequente erro de julgamento de direito com violação do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.

c) Em sede de procedimento inspectivo interno decorrido ao abrigo da OI200801582 a Administração Tributária determinou correcções em sede de IVA, em virtude da desconsideração do IVA indevidamente deduzido pela impugnante, referente a alegadas prestações de serviços tituladas por facturas emitidas pelos sujeitos passivos B... Lda., com o NIF…, e M... Lda., com o NIF ..., no valor global de € 25.516,96, com o fundamento de que tais operações e IVA correspondente contabilizadas pela impugnante não correspondem a serviços efectivamente prestados pelos subempreiteiros identificados.

d) E, para tal conclusão, importa considerar os factos a que apelaram os serviços de inspecção tributária e que sustentam o juízo formulado no sentido da existência de indícios fundados susceptíveis de abalar a credibilidade da escrita ou contabilidade organizada da impugnante, a qual, apesar de correctamente organizada, não reflecte a matéria tributável efectiva.

e) Impondo-se num segundo momento considerar a prova apresentada pela impugnante de que resulte que as facturas titulam efectivamente as prestações de serviços das mesmas constantes, com a consequente existência dos factos tributários alegados como fundamento para a dedução de custos nos termos do artigo 19.º do Código do IVA.

f) Conforme decorre do Relatório de Inspecção Tributária, o procedimento inspectivo interno em causa nos presentes autos foi desencadeado na sequência do procedimento de inspecção externa levado a cabo pela Direcção de Finanças de Lisboa com referência ao sujeito passivo M... Lda. que conclui pela existência de indícios fortes de emissão de facturas falsas, quer por parte do sujeito passivo, quer por parte de terceiros alheios à sociedade, e na sequência de informação da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais que sinalizava o operador B... Lda. como um prestador de serviços sem estrutura empresarial envolvido em esquemas de utilização de facturas indiciadas como falsas (vide fls. 110 a 111, 114 e 115 do processo administrativo apenso aos autos de impugnação).

g) Pelo que, tais factos, ainda que na origem do procedimento inspectivo, consubstanciam-se, desde logo, como factos susceptíveis de suportar o juízo a que chegou a AT para desconsiderar os custos com as prestações de serviços enunciadas e o IVA indevidamente deduzido, os quais conjugados com os restantes apontados pelos serviços de inspecção permitem concluir pela existência de indícios sérios da não materialização das operações em apreço.

h) Ainda, constituindo-se como facto índice adicional (segundo facto-índice), conforme anexo II ao Relatório de Inspecção Tributária, o facto de o sócio gerente da sociedade M... Lda., em termo de declarações datado de 07-04-2008, não ter confirmado qualquer prestação de serviços à impugnante, não obstante ter confirmado a prestação de serviços a outras sociedades, o qual não constando do probatório, decorre claramente da apreciação da prova documental e mostra-se susceptível de influir na decisão da causa, porquanto se erige como facto índice do juízo formulado pela Administração Tributária da não materialidade das operações, devendo por isso ser considerado como facto provado.

i) E, contrariamente ao entendimento sufragado na douta sentença, tal facto constitui-se como indício sério da não prestação dos serviços, e não como declaração confessória que devesse ser no âmbito daquele específico procedimento contraditada pela aqui impugnante, pois é apenas um princípio de prova de que as operações em causa tituladas por facturas da M... Lda. não correspondem a serviços efectivamente prestados por tal sociedade, incumbindo pois à impugnante, e não à Administração Tributária, como parece fazer crer a douta sentença, fazer a prova de tal efectividade, lançando mão do direito ao contraditório a que faz apelo a douta sentença.

j) Por outro lado, conforme resulta de tal anexo II, foi o sujeito passivo confrontado com as facturas emitidas nos anos de 2005 e 2006, sendo o ano de referência dos presentes autos o de 2005, pelo que, forçosamente se conclui que o sócio gerente confirmando serviços às empresas enunciadas no termo de declarações, confirma não ter prestado serviços à aqui impugnante.

k) A acrescer ao indício fundado decorrente da informação da DSIFAE e do procedimento inspectivo decorrido com referência aos sujeitos passivos em causa, veio em sede de audição prévia a impugnante proceder à junção de documentos que denunciam precisamente a falta de estrutura empresarial das empresas B... Lda. e M..., Lda. – e assim se constitui o terceiro facto-índice a considerar.

l) Os serviços de inspecção tributária, conforme exposição feita no Relatório de Inspecção Tributária, e não constante da alínea F) do probatório que se refere ao Relatório de Inspecção Tributária, analisaram tais documentos e verificaram: “Quanto aos seguros, eles não discriminam os trabalhadores, não respeitam a todos os períodos do exercício e, os prémios pagos são manifestamente insuficientes face aos montantes facturados e ao número de trabalhadores necessários para a realização dos serviços facturados.// Quanto às Folhas de pessoal; Na empresa “B...” somente consta um trabalhador e não existe registo de qualquer pagamento das contribuições devidas, Quanto à “M...”, as folhas existem, mas, os trabalhadores nelas indicados não tem qualquer contracto com a empresa e, apresentou 2 documentos correspondentes a pagamentos, nas importâncias de € 2.060,21 e 1.804,41, relativos aos Setembro e Agosto de 2005, respectivamente.// Quanto às certidões de regularidade contributiva perante as finanças, a única fotocópia apresentada pelo sujeito passivo, refere-se à empresa “B...” e respeita ao exercício de 2003, não ao exercício de que foi objecto de análise (Anexo III – 3 fls.)”.

m) Daí resultando inequivocamente factos que indiciam a ausência de estrutura empresarial das empresas envolvidas, sendo que, contrariamente ao afirmado na douta sentença, no referente à sociedade M... Lda., a facturação referente às prestações de serviços diz respeito a três meses – Julho, Agosto e Setembro - pelo que, os pagamentos correspondentes deveriam dizer respeito também a três meses, o que não sucede.

n) Ainda são apontados, e aqui afirmados, como factos indiciários estarem as sociedades envolvidas referenciadas como emitentes de facturas falsas, mais não cumprindo as suas obrigações declarativas ou de pagamento, não detendo contabilidade ou apresentando a mesma falta de credibilidade.

o) Sendo que o facto de os emitentes das facturas estarem referenciados como emitentes de facturação falsa constitui-se claramente como um facto relevante a considerar, indiciando a probabilidade séria de irregularidades quanto às facturas por tais empresas emitidas, competindo então à impugnante e não à AT alegar e provar que os serviços constantes das facturas foram efectivamente executados nos termos constantes das facturas.

p) E desta forma mostra-se colhido o quarto facto índice, a que juntamos de imediato o quinto facto índice que decorre de estarmos perante fornecedores que não cumpriram quaisquer obrigações fiscais declarativas ou de pagamento nos anos de 2005 e de 2006, facto este que deverá ser reconhecido como indício relevante a analisar em conjunto com os restantes elementos fácticos recolhidos.

q) Constataram ainda os serviços de inspecção tributária – e aqui apelamos ao sexto facto índice – que os serviços a que se referem as facturas em apreço nos autos terão sido pagos em numerário e por meio de cheque, sendo que o pagamento em numerário não permite confirmar o efectivo pagamento das prestações de serviços ou aferir da coincidência de valores facturados e pagos, pelo que, não deixa pois de se constituir como factor concorrente que reforça os sérios indícios de facturação falsa, independentemente da consideração de serem ou não correntes à data tais pagamento em dinheiro.

r) E quanto aos cheques, através dos quais alguns pagamentos terão sido efectuados de acordo com as declarações da impugnante, deverá realçar-se o facto de não terem sido lançados na conta corrente do fornecedor, desconhecendo-se os efectivos beneficiários dos mesmos, factos estes a que acresce o facto de não ter a impugnante facultado quaisquer cópias dos cheques que afirma ter utilizado para pagamento dos serviços prestados pelas sociedades em causa.

s) Por fim, quanto aos contratos e autos de medição constantes dos autos e juntos pela impugnante em sede de procedimento inspectivo, poderemos afirmar que dos contratos de adjudicação não resulta a prova da materialidade das operações, pois subsiste a falha, não suprida pela impugnante, de estabelecer a relação entre tais contratos, as facturas e as efectivas sociedades supostamente emitentes de tais facturas.

t) Ademais, mediante análise visual, a desconformidade das assinaturas nos documentos apresentados pela impugnante afigura-se notória, facto esse perfeitamente acessível ao declaratário normal e susceptível de se constituir pois como acrescido facto índice – o sétimo – de que resulta o juízo formado pela Administração Tributária de não materialidade das operações em causa.

u) E, entendendo o Tribunal a quo aprofundar tal análise objectiva, confirmando ou infirmando, por meio de exame à letra ou assinatura, ao Tribunal a quo incumbia ao abrigo do princípio do inquisitório actuar, determinando exame à letra ou assinatura, mas assim não entendeu o Tribunal a quo, e não afirmando a ausência de dúvidas, entendeu antes ser de desvalorizar o facto.

v) Assim, de acordo com o entendimento da Fazenda Pública, ou tal facto se constitui, em conjunto com os demais, como indício fundado da não materialidade das operações ou ao Tribunal a quo incumbia determinar exame pericial, pelo que, neste particular aspecto, padecerá a douta sentença de deficiente apreciação dos factos e/ou de défice instrutório em incumprimento do poder dever que se lhe mostra atribuído à luz do disposto no artigo 13.º do CPPT.

w) Ainda no referente aos documentos juntos pela impugnante é entendimento da Fazenda pública ostentarem os autos de medição aptidão probatória nula, uma vez que não se mostram assinados por qualquer por qualquer das partes intervenientes nas medições efectuadas em obra, inexistindo, portanto, a normal e exigida validação das partes envolvidas dos elementos e informação dos mesmos constantes.

x) E, quanto a este aspecto decorre dos factos dados como provados pela douta sentença na alínea E) que a douta sentença não procede a uma discriminação dos factos referentes aos contratos de adjudicação das obras e autos de medição que considera provados, pelo que, aquilo que resulta daí é que a matéria de facto se restringe ao facto de que a impugnante procedeu à junção de documentos de adjudicação e de autos de medição, desconhecendo-se quais, os intervenientes, as datas, o conteúdo, os termos do contrato e o objecto.

y) Nos termos expostos, e contrariamente ao entendimento sufragado na douta sentença, constituindo-se os factos enunciados, conjugados entre si, como factos dos quais decorre estarmos na presença de sérios indícios da não materialidade das operações, verificamos não resultar dos autos o nexo de causalidade necessário entre as facturas em causa nos autos emitidas pelas concretas sociedades B... Lda. e M... Lda., de forma a poder afirmar-se a materialidade das operações comerciais que a impugnante afirma ter realizado.

z) Por um lado, os indícios recolhidos, e supra enunciados, pela Administração Tributária são de molde a alicerçar um juízo adequado de probabilidade séria da inexistência material das operações comerciais tal como constantes das facturas em apreço nos autos, sendo que a Impugnante não logrou fazer a prova, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, de que as facturas titulam efectivamente os serviços delas constantes, uma vez que os documentos apresentados se configuram, como referido, insusceptíveis de sustentar tal a factualidade alegada pela impugnante, pelo que, por essa via, se comprova a inexistência dos factos tributários em que assenta a dedução do IVA à luz do artigo 19.º do Código do IVA.

aa) Em consonância com o entendimento veiculado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, a Administração Tributária tem o ónus da prova da verificação dos indícios ou pressupostos da tributação – pressupostos constitutivos de direitos que legitimam a sua actuação -, e o sujeito passivo a obrigação de provar a existência dos factos tributários relativos às operações efectuadas (vide neste sentido Acórdão do STA de 23-10-2002, proferido no Proc. n.º 01152/02).

bb) No caso sub judice não se exige, pois, senão "indícios fundados", ou seja, não se impõe à Administração Tributária a "prova concludente" de que por detrás dos documentos não está a realidade alegadamente subjacente, bastando indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte, ao qual não resta outro caminho que não seja a prova de que resulte que as facturas titulam os serviços delas constantes.

cc) Desta forma, mostrando-se suficientemente indiciada a simulação das operações em análise, e não tendo a recorrida feito a prova correspondente à demonstração da tese por si abraçada, de modo a comprovar a invocada realidade, não pode o IVA deduzido serem admitido fiscalmente, mostrando-se legitimada a correcção decorrente do procedimento inspectivo.

dd) A douta sentença incorreu, pois, em erro de julgamento de facto, por ter desconsiderado os factos supra enunciados como factos índice que se constituem como prova produzida nos presentes autos legitimadora da actuação da Administração Tributária e Aduaneira, mais desconsiderando factos de que decorre não ter a impugnante feito, como lhe incumbia à luz do artigo 74.º da LGT, prova da materialidade das operações comerciais, com consequente violação do disposto, à data, n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação totalmente improcedente.

Sendo que, V. Exas. Decidindo, farão a Costumada Justiça.”


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A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“a) Não merece qualquer tipo de censura a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, mostrando-se a mesma plenamente válida e correta quer do ponto de vista formal quer substancial.

b) A fundamentação da sentença expõe, de forma completa e concisa, os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, explicando o exame crítico das provas que serviram para a fundar encontrando-se indicados os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, e bem assim os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse no sentido manifestado.

c) Ao contrário do sustentado pela recorrente não se verifica na sentença qualquer desacerto no julgamento da matéria de facto, nem qualquer consequente erro de julgamento de direito, com violação do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.

d) Efetivamente, conforme se decidiu em primeira instância, não se mostra suficientemente indiciada a simulação das operações em análise,

e) Não se mostrando legitimada a correção decorrente do procedimento inspetivo.

f) Nenhum dos sete factos índice alegados pela recorrente nas suas alegações de recurso efetivamente se demonstraram ou provaram em qualquer momento dos autos de inspeção ou depois.

g) Sendo aliás que no decurso do processo inspetivo e depois no decurso do processo de reclamação subsequente, após cada reação processual da recorrida, a recorrente foi deixando cair cada um desses factos iniciais que estariam na origem do procedimento e das correções consequentes à matéria tributável, até no final ficar reduzida ao único facto de o SP, aqui recorrida, não demonstrar que tinha pago os serviços facturados.

h) É, pois, forçoso concluir que a actividade instrutória realizada foi claramente deficitária, não revertendo para o contribuinte o ónus de comprovar a materialidade das operações.

i) Pois a inversão do ónus do probatório só opera verdadeiramente depois de a Administração Tributária ter reunido e invocado indícios sólidos e coerentes capazes de permitir, com razoável certeza, abalar a credibilidade das declarações do contribuinte, o que não sucedeu.

j) A consideração de falta de estrutura empresarial dos dois fornecedores como indício, é meramente conclusivo, não tendo sido concretizado em nenhum facto ou dado, objetivo e concreto, que permita sustentar o juízo de valor que a fiscalização faz.

k) Relativamente a tal indício, como em relação aos demais, a Administração Tributária tinha, para cumprir o seu ónus de alegação, de indicar os factos que as referidas acções de inspeção estranhas à recorrida, recolheram para chegar à conclusão de que as referidas sociedades não tinham estrutura empresarial.

l) O facto de os referidos fornecedores serem referenciados como emitentes de facturação falsa não permite ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Impugnante, desde logo porque não ficou demonstrado – nem tal é alegado – que as referidas sociedades não exerciam a actividade para a qual foram constituídas ou que, neste caso concreto, não tenham efectivamente executado os serviços descritos nas facturas.

m) Quanto ao facto de o sócio-gerente da M..., Lda. não ter confirmado a prestação serviços à Impugnante, as declarações do referido sócio-gerente foram proferidas num procedimento em que a Impugnante não foi parte, nem exerceu o seu direito ao contraditório, pelo que as mesmas não têm qualquer valor confessório.

n) Notando ainda que a expressão utilizada, ou vertida para o termo de declarações anexo ao RIT, “confirmou ter prestado serviços a…”, não permite saber se o referido sócio-gerente foi confrontado com a situação fáctica em análise nos autos, ou seja, com as facturas emitidas à Impugnante.

o) Prosseguindo, quanto à circunstância de a AT sustentar que o pagamento dos serviços foi efetuado a dinheiro e não existem orçamentos ou contratos, ficou amplamente demonstrado nos autos que desde logo são os próprios serviços a admitirem que os orçamentos e contratos, existem,

p) A sustentação última da Recorrente de que as assinaturas nos respectivos documentos se apresentam de formas muito diversas e não correspondem à assinatura dos mesmos, (gerentes) quando ouvidos em termos de declarações, revela, conforme bem entendeu o tribunal a quo, estarmos aqui e mais uma vez perante um juízo de valor também meramente subjetivo e perfunctório, não se alicerçando em qualquer exame à letra ou assinatura constante dos referidos documentos, pelo que também deve ser desvalorizada.

q) Entendendo a recorrente de forma errada que a demonstração da falsidade das assinaturas deveria caber ao tribunal que deveria ter promovido tal produção de prova, sendo certo que desde a fase do procedimento inspetivo a impugnante, aqui recorrida vinha requerendo tal diligencia à AT, que sempre a negou.

r) Finalmente quanto à questão do pagamento a dinheiro a sentença ora recorrida, acompanhou e bem a argumentação sempre sustentada pela aqui recorrida, (e no acórdão anterior aqui citado), quando esta sempre afirmou que o pagamento em dinheiro era a forma mais corrente neste sector de actividade, nomeadamente no ano em questão (2005).

s) Tal é uma evidencia que decorre das regras da experiência comum, pelo que o referido indício, visto isoladamente, também não permite concluir que os serviços em causa não foram realizados e pagos.

t) Assim e por todo o anteriormente exposto, temos certo que a inversão do ónus do probatório só opera verdadeiramente depois de a Administração Tributária ter reunido e invocado indícios sólidos e coerentes capazes de permitir, com razoável certeza, abalar a credibilidade das declarações do contribuinte.

u) Neste caso, como bem se decide na sentença, de uma análise articulada aos factos índice anteriormente apontados, é forçoso concluir que a actividade instrutória realizada foi claramente deficitária, não revertendo para o contribuinte o ónus de comprovar a materialidade das operações.

v) Nos presentes autos de impugnação, mas também nos autos de inspeção e de reclamação administrativa, a AT sempre interpretou mal a necessidade que lhe cabia de provar a verificação dos indícios que lhe permitam abalar a credibilidade da contabilidade do SP,

w) E interpretou também mal as regras de valoração da prova, valorando de forma completamente parcial a prova e meios de prova que lhe aproveitavam, desconsiderando os meios de prova e a prova que aproveitavam ao SP.

x) A aqui recorrente foi ao longo destes três processos torcendo a realidade inicial que esteve na base da inversão do ónus da prova que lhe permitiu atuar, deixando ela própria cair os vários factos índice que supostamente legitimaram a sua actuação, para pelo meio criar alguns novos (veja-se a situação da alegada falsidade das assinaturas) , e no final ficar reduzida apenas a um hipotético facto: A não demonstração dos pagamentos por estes terem sido realizados em dinheiro.

Deve assim, em face do exposto, manter-se in totum a douta decisão a quo com a fundamentação e nos exatos termos em que foi proferida,

Termos em deverá ser negado provimento ao recurso a que ora se responde, com todas as consequências legais, fazendo-se assim JUSTIÇA.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista e emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) A Impugnante exerce a atividade de construção de edifícios (cfr. informação constante no RIT, não controvertida, fls. 374-481 dos autos, do PA [fls. 23 do pdf.]);

B) A 28/03/2008, os serviços de inspeção da AT emitiram a ordem de serviço n.º OI200801582, no âmbito do procedimento inspetivo que incidiu sobre o IVA e o IRC do exercício do ano de 2005 da Impugnante (cfr. fls. 374-481 dos autos, do PA [cfr. fls. 22 do pdf.]);

C) A 26/06/2008, no âmbito do procedimento inspetivo indicado na alínea anterior, os serviços de inspeção tributária endereçaram à Impugnante, através do ofício n.º 049074, um pedido de informações e esclarecimentos com o seguinte teor:

“(…)

1 - Informar quanto aos meios de pagamento utilizados por clientes e efectuados a fornecedores, relativamente à facturação dos serviços prestados e/ou compras e vendas efeçtuadas;

2 - Comprovação da existência de estrutura empresarial para realização dos serviços e/ou vendas facturadas;

3 - Informação sobre a relação comercial existente entre a empresa e os fornecedores a seguir indicados, bem como a identificação dos trabalhadores utilizados nas obras:

- M... Lda. NIPC. ...;

- B… Lda. …; (…)”

(cfr. fls. 374-481 dos autos, do PA [cfr. fls. 45 a 46 do pdf.]);

D) A 14/07/2008, deu entrada nos serviços de inspeção tributária a resposta da Impugnante ao ofício identificado na alínea anterior, da qual consta o seguinte:

“(…)

Em resposta ao vosso ofício ref.ª 049074 recepcionado em 30-06-2008, enviamos em anexo os documentos solicitados.

1. ° Os meios de pagamento dos nossos clientes pelos serviços prestados, com base nos preços previamente orçamentados e facturados, são feitos na generalidade por cheque à ordem da B..., Lda., ou por transferência bancária.

Os meios de pagamentos a fornecedores são feitos com cheque à ordem. Os serviços prestados pelos subempreteiros são pagos por cheque à ordem, cheque ao portador ou em numerário quando solicitado.

2. ° Juntam-se em anexo os documentos julgados necessários que comprovam a estrutura empresarial da B..., Lda.

A Contabilidade é assegurada externamente por empresa da especialidade, C..., Lda.

3. ° A relação comercial com as empresas mencionadas no ofício relativo ao ano de 2005, é a seguinte:

M... Construção Lda. NIPC ... - Executou trabalhos de prestação de serviços de pintura e de toscos “pedreiro" em regime de Subempreiteiro, sem materiais.

B... Construção Civil Lda. NIPC ... - Executou trabalhos de prestação de serviços de pintura e de toscos “pedreiro’’ em regime de Subempreiteiro, sem materiais. (…)” (cfr. fls. 1109-1187 dos autos [fls. 2 e 3 do pdf.);

E) A 03/09/2008, deu entrada nos serviços de inspeção tributária um requerimento da Impugnante o qual informa que envia em anexo “fotocópias das facturas, recibos, autos de medição e adjudicações dos trabalhos contratados e realizados em 2005, pelos seguintes empreiteiros: M... Construção Lda. NIPC ... B... Construção Civil Lda. NIPC ... (…)” (cfr. fls. 1109-1187 dos autos [fls. 33 do pdf.]);

F) A 31/10/2008, o Chefe de Divisão da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho a concordar com o relatório de inspeção tributária (RIT), elaborado no âmbito do procedimento inspetivo identificado na alínea B), do qual decorre, nomeadamente, o seguinte:

“(…)

2.2 - MOTIVO DA ACÇÃO INSPECTIVA

A referida acção inspectiva, com enquadramento no PNAIT 211,19, teve origem na sequência da acção de inspecção externa realizada por esta Direcção de Finanças - Divisão de Inspecção Tributária, relativamente ao sujeito passivo M... Ld.ª, que conclui pela existência de indícios fortes de emissão de facturas falsas quer por parte do sujeito passivo, quer por terceiros alheios à sociedade, na qual, o sujeito passivo em análise, é indicado como utilizador das referidas facturas, cujos serviços não foram confirmados pelo sócio- gerente da referida empresa (Vide Anexo II), razão pela qual foi proposta abertura de Ordem de Serviço para o apuramento dos factos que, ao longo do presente relatório, se dão como reproduzidos.

2.3 - No decurso da análise desenvolvida na acção de inspecção interna efectuada à empresa B... Construção Civil, Ld, constatamos a existência de fortes indícios de se tratar de um sujeito passivo que possui contabilidade, cumpridor das obrigações fiscais declarativas e de pagamento, que possui uma estrutura empresarial adequada ao exercício da actividade, mas, ao mesmo tempo, utilizador de facturas falsas, emitidas pelos “fornecedores" M... Lda. NIPC. ... e B... Construção Civil Ldª. NIPC …, uma vez que estes são “pseudo empresas", empresas sem estrutura empresarial que não possuem contabilidade (ou se a possuem não tem credibilidade), nem estrutura empresarial, capaz de exercer a actividade declarada que, inclusive, já se encontram referenciados noutros processos, como emitentes e utilizadores de facturas falsas. Também não cumprem com as obrigações fiscais declarativas e não entregam nos cofres do Estado os montantes de IVA indevidamente liquidados.

2.4 - O pagamento dos serviços foi efectuado a dinheiro e não existem orçamentos ou contractos, conforme declarado em resposta escrita, método normalmente usado no tipo de operações em causa.

(…)

3.3 - Estrutura empresarial do sujeito passivo

A empresa possui contabilidade e, demonstra possuir estrutura empresarial adequada ao exercício da actividade económica declarada - Tem pessoal, cumpre com as obrigações declarativas e de pagamento e apura, inclusivamente, imposto sobre o rendimento, bem como IVA liquidado superior ao por si deduzido. Porém, foram detectados indícios de recorrer a fornecedores que se dedicam exclusivamente à emissão de facturas falsas, cujo pagamento, segundo declarou a empresa, inicialmente, são efectuados por cheque à ordem, ou por transferência bancária, mas, não são contabilizados na contabilidade dos fornecedores, método corrente nessas operações, como já foi referido anteriormente.

3.3.1 - De referir que a empresa também, não vem cumprindo com o disposto no artigo 63-C da LGT, porquanto não movimentou uma conta bancária na contabilização do pagamento dos serviços em causa, alegando que os mesmos foram pagos por cheque ao portador, e por movimento da conta de caixa em numerário, no entanto, não foram identificados os beneficiários dos referidos cheques ao portador.

4 - Diligências efectuadas

Procedemos à circularização junto dos emitentes de facturas indiciadas como falsas, “fornecedores” constantes de listagem anexa, através da carta registada solicitando os seguintes elementos:

- Extractos de conta corrente;

- Cópia das facturas subjacentes às operações realizadas/contabilizadas;

- Informação quanto ao meio de pagamento utilizado pelo mesmo, relativamente à facturação dos serviços prestados e/ou vendas efectuadas;

- Fornecimento de elementos que comprovem a existência de uma estrutura empresarial para a realização dos serviços e/ou vendas efectuadas.

Notificou-se o sujeito passivo para apresentar o processo de documentação fiscal a título devolutivo, bem como alguns esclarecimentos, nomeadamente, quanto aos meios de pagamento utilizados, comprovação de estrutura empresarial, informação sobre a relação comercial existente com referidos fornecedores, e identificação dos trabalhadores utilizados nas obras, bem como a sua relação com o emitente das facturas relativas aos serviços prestados que indiciam a existência de negócio jurídico simulado.

O sujeito passivo remeteu alguns elementos e colaborou, no entanto, ficou fortemente indiciado a existência de facturação falsa com vista a deduzir custos que não foram efectivamente suportados e, IVA deduzido indevidamente.

(…)

8.2. AUDIÇÃO PRÉVIA

O direito de audição foi exercido, por escrito, através do advogado N..., que junta procuração forense, tendo dado entrada nos nossos Serviços em 2008/10/07, com o registo de entrada n° 85899.

No exercício do direito de audição, o sujeito passivo, na pessoa do seu advogado, veio pronunciar-se nos seguintes termos:

- Nos n°s 1 a 5, descreve, quantifica as correcções efectuadas, seus fundamentos e as respectivas infracções e punições indicadas do projecto de relatório da acção inspectiva interna efectuada ao exercício de 2005.

No n.° 6, alega demonstrar que o entendimento da Administração Fiscal, é forçado e baseado em premissas incorrectas, sendo por isso mesmo carente da devida fundamentação e prova.

No n.° 7 a 13 acusa a Administração Fiscal de tentar encontrar um responsável como suporte financeiro de um eventual prejuízo causado aos cofres do Estado, mas que na realidade não é o sujeito passivo em análise que efectivamente possa ter lesado o Estado, porque existem contratos, obras, orçamentos, autos de medição que estão escritos e assinados referentes a todas as obras e facturas. Os dois fornecedores, colocaram pessoal em obra, que executaram os trabalhos contratados e que o sujeito passivo teve o cuidado de pedir alvarás, declarações de Seguros de acidentes de trabalho, folhas de pessoal, e bem assim certidões da Conservatória de Registo Comercial e de regularidade contributiva perante a segurança Social e Finanças e que tudo foi entregue e os serviços tem disso conhecimento.

Da análise efectuada aos documentos, permite-nos verificar o seguinte:

Quanto aos seguros, eles não descriminam os trabalhadores, não respeitam a todos os períodos do exercício e, os prémios pagos são manifestamente insuficientes face aos montantes facturados e ao número de trabalhadores necessários para a realização dos serviços facturados.

Quanto às Folhas de pessoal; Na empresa “B...” somente consta um trabalhador e não existe registo de qualquer pagamento das contribuições devidas, Quanto à “M...”, as folhas existem, mas, os trabalhadores nelas indicados não tem qualquer contrato com a empresa e, apresentou 2 documentos correspondentes a pagamentos, nas importâncias de €2.060,21 e 1.804,41, relativos aos Setembro e Agosto de 2005, respectivamente.

Quanto às certidões de regularidade contributiva perante as finanças, a única fotocópia apresentada pelo sujeito passivo, refere-se à empresa "B...” e respeita ao exercício de 2003, não ao exercício que foi objecto de análise (Anexo III - 3 Fls.).

Também é de referir que, relativamente a ambos os fornecedores e aos anos de 2005 e 2006, não foram cumpridas quaisquer obrigações fiscais declarativas e, de pagamento de impostos. No entanto, a empresa B... não solicitou aos referidos fornecedores quaisquer documentos comprovativos das obrigações fiscais, nomeadamente, declarações de rendimentos modelo 22 e declarações periódicas de IVA, pelo que é duvidoso a existência da certidão contributiva perante a Administração Fiscal, já que se trata de sujeito passivo que não cumpre com as suas obrigações declarativas e contributivas. Pelo contrário, tal atitude, conjugada com a afirmação do n.° 7 da petição, só demonstra que era do conhecimento do sujeito passivo que os emitentes das facturas não iria entregar nos cofres do Estado os devidos impostos, tornando-se por isso os utilizadores, responsáveis solidários e subsidiários, nos termos do artigo 79° do CIVA (Anterior 72.°) e do Artigo 22 da LGT. Desta forma, reiteramos que não confere o direito à dedução do IVA, conforme o disposto no Artigo 19° n° 4, do CIVA.

Os referidos factos, sustentam a existência de fortes indício de estarmos perante uma situação de negócio jurídico simulado.

As obras existem, mas, os trabalhos documentados pelas facturas em causa, nunca poderiam ter sido realizados pelas empresas “B..." e "M...”, uma vez que estas não têm estrutura empresarial para a sua realização, como já foi demonstrado no presente relatório.

Porventura foi colocado pessoal nas obras, mas, esse pessoal nunca foi identificado pelo sujeito passivo, nem efectuada a relação destes com os emitentes das facturas, esclarecimento esse pedido no n/ Ofício n. 0 49074, de 26-06-2008. Por outro lado (Anexo IV -2 Rs).

Os contratos, orçamentos, adjudicações, auto medição, também existem e estão assinados, mas, a assinatura é apresentada de formas muito diversas, como se pode constatar por comparação dos mesmos documentos, não correspondendo à assinatura dos mesmos, quando ouvidos em termo de declarações.

As facturas não contêm quaisquer elementos escritos que as relacione com os documentos atrás referidos e também contem uma assinatura diferente da constante nos mesmos.

A Administração Fiscal está na posse de factos objectivos e, materialmente fundamentados, que concorrem para a constatação da existência de operações simuladas, conforme declarações recolhidas junto dos prestadores de serviços. De facto, relativamente às facturas sobre as quais foram propostas correcções em sede de IRC e IVA, para o exercício em análise, que se encontram emitidas pelos prestadores de serviço B... Construção Civil, Lda e M... , Lda, foram recolhidas junto dos mesmos, elementos que permitem concluir que não foram por si prestados os serviços facturados ao sujeito passivo B... Construção Civil, Lda:

No caso do prestador de serviços designado por B..., foi o mesmo investigado por parte da Divisão de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE), que concluiu ainda pela falta de estrutura empresarial do prestador de serviços para a prestação dos mesmos e, inclusive, o Sr. Subdirector Geral da Inspecção Tributária despachou, no sentido de se proceder às correcções que se justificassem devidas, junto dos utilizadores das facturas indiciadas como falsas.

Acresce o facto de ser notório que as assinaturas “B...” constantes dos orçamentos, facturas e de outros documentos existentes no processo, ser manifestamente diferente;

No caso da correcção em sede de IRC e IVA, ter por fundamento o não reconhecimento dos custos e correspondente dedução de imposto (Iva) declarado pelo contribuinte, compete à Administração Fiscal, apenas, fazer prova, de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação através de factos objectivos e materialmente fundamentados, competindo ao contribuinte o ónus de provar a existência dos factos tributários que alegou, quando do exercício do direito de audição.

Logo, para além de ter declarado que os serviços foram efectivamente prestados, deveria ter comprovado mediante a apresentação de documentos fidedignos a efectiva prestação dos mesmos.

Por outro lado, o sujeito passivo declara ter realizado os pagamentos “ora em numerário ora em cheque.

Relativamente aos pagamentos em numerário, constituíam um procedimento normalmente utilizado na actividade em causa. Todavia, para o exercício de 2005, já era imposta por lei a emissão de cheques nominais ou a realização de transferências bancárias, no entanto, é do conhecimento gerai que, para efectuar pagamentos de montante elevado, o procedimento normal adoptado é o de emissão de cheques, sendo que a posição do sujeito passivo, seria mais facilmente defensável, nesta situação. O facto do pagamento ser realizado em numerário, como normalmente acontece quando estamos perante casos de utilização de facturação falsa, não permite confirmar o efectivo pagamento dos serviços, nem se o montante dos pagamentos coincide com os valores facturados.

Quanto aos cheques que diz ter emitido, estes não foram lançados na conta corrente do fornecedor e, torna-se necessário comprovar o efectivo beneficiários dos mesmos. De qualquer forma, não foram disponibilizados pelo sujeito passivo, cópia dos cheques que o mesmo afirma ter utilizado para pagamento dos serviços prestados pelas sociedades em causa (B... e M...

Em conclusão, não se pode aceitar o alegado pelo sujeito passivo, porque se resume a alegações teóricas, já que não apresenta novos elementos ao processo, a ter em conta na fundamentação da decisão, pelo que se mantêm as correcções inicialmente propostas, cujo resumo se apresenta nas primeiras páginas deste Relatório. (…)” (cfr. fls. 374-481 dos autos, do PA [fls. 19 a 32 do pdf.];

G) A 06/12/2008, a AT emitiu em nome da Impugnante as seguintes liquidações adicionais de IVA, referentes ao exercício do ano de 2005, bem como de juros compensatórios:

(cfr. fls. 374-481 dos autos, do PA [fls. 94 do pdf.]);

H) A 23/03/2009, com referência às liquidações indicadas na alínea anterior, deu entrada no Serviço de Finanças de Oeiras 3 uma reclamação graciosa apresentada pela Impugnante, à qual foi atribuído o número 3522200904001141 (cfr. fls. 482-613 dos autos [fls. 4 do pdf.]);

I) A Impugnante juntou à reclamação graciosa referida três documentos designados por “Alvará de Construção”, emitidos pelo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário, dois dos documentos em nome de B... – CONTRUÇÃO CIVIL, LDA, com a indicação de se encontrarem válidos até 31-01-2005 e 31-01-2006, respetivamente, e um dos documentos emitido em nome de M... – CONSTRUÇÃO, LDA, com a indicação de se encontrar válido até 31-01-2006 (cfr. fls. 482-613 dos autos, do PA [fls. 39, 40 e 41 do pdf.]);

J) A 11/12/2009, o Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa identificada na alínea H) (cfr. fls. 614-714 dos autos, do PA [fls. 81 a 96 do pdf.]);

K) A 25/03/2009, a Autoridade Tributária (AT) instaurou em nome da Impugnante o processo de execução fiscal n.º 3522200901019724, referente ao IVA, na quantia exequenda de € 28.594,83 (cfr. fls. 374-481 dos autos, do PA [fls. 5 do pdf.]);

L) Na mesma data, foi efetuado no processo de execução fiscal indicado na alínea anterior a compensação n.º 00000039045/2009, no valor de € 29.144,08, tendo o aludido PEF sido extinto por pagamento voluntário (cfr. fls. 374-481 dos autos, do PA [fls. 5 do pdf.]).


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não existem outros factos provados ou não com relevância para a decisão da causa.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Para a fixação da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nos documentos constantes dos autos e no processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.

No que diz respeito à prova testemunhal produzida no processo n.º 21/10.5BESNT, cujo aproveitamento para estes autos se determinou, do depoimento das quatro testemunhas inquiridas não resultou nenhum facto relevante para a decisão desta causa.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

M) A sociedade comercial denominada de “B..., Lda” tinha um dossier para cada obra no qual constavam:

- Alvarás emitidos pelo IMOPPI, comprovativos da inscrição das sociedades M..., Lda. a 08.01.2003, válido até 31.01.2006, e B... , Lda, Lda. a 26.11.2003, válidos um até 31.01.2006 e outro até 31.01.2005;

- Documentos de adjudicação;

- Autos de medição;

- Extrato de conta referente ao fornecedor B..., Lda;

- Cartões de contribuinte das referidas sociedades;

- Comprovativo da inscrição junto da Segurança Social, datado de maio de 2005, relativo à sociedade M..., Lda. de 10 trabalhadores e do pagamento de contribuições, no valor de € 912,71;

- Recibo de um prémio de seguro de acidentes de trabalho relativo à sociedade M..., Lda, datado de junho de 2005;

- Declaração de início de atividade da atividade e cópia da certidão do registo comercial relativo à sociedade B... l, Lda;

- Certidão de regularidade contributiva relativa à sociedade B..., Lda emitida a 21.11.2003 (cfr. documentos juntos a fls. 82 a 92, 121 a 123 e 172 a 176 do processo de reclamação graciosa e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3522200904001141, referente às liquidações adicionais de IVA relativas ao período compreendido entre maio e outubro do ano de 2005.

Ab initio, importa ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso importa aferir se o Tribunal a quo:

¾ Incorreu em erro de julgamento de facto, por ter valorado, erroneamente, a factualidade constante nos autos e bem assim por ter omitido factualidade reputada de relevo para a presente lide;

¾ Cometeu erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, no atinente ao IVA indevidamente deduzido, competindo, nessa medida, aquilatar:

o Do âmbito e extensão do ónus probatório;

o Da existência de indícios suficientes para legitimar a atuação da AT, e cumprido esse ónus aferir da prova da materialidade das operações;

Apreciando.


Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos (1).

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” (2)

Salientando, ainda, neste particular, que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.(3)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.”(4).

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente requer alterações ao probatório, as quais se consubstanciam em aditamentos por complementação e por substituição, por reporte ao meio probatório que descreve, importando, assim, aferir da sua pertinência para a decisão da causa.

Atentemos, então e per se, nas visadas alterações ao probatório.

A Recorrente começa por requerer o aditamento ao probatório da seguinte factualidade, face ao teor de fls. 110 e 111 do PA:

“O procedimento inspetivo em apreço nos presentes autos foi motivado por informação da Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais que sinalizava os operadores em causa como prestadores de serviços sem estrutura empresarial envolvidos em esquemas de utilização de faturas indiciadas como falsas.”

De relevar, desde já, que a aludida factualidade não só já se encontra espelhada na alínea F), atinente, precisamente, ao Relatório de Inspeção Tributária, na qual é feita, expressa, menção ao desiderato que motivou a ação inspetiva, como a mesma é não controvertida, tendo, outrossim, sido valorada pelo Tribunal a quo para efeitos de análise e densificação do respetivo ónus probatório.

Logo, qualquer incorreto julgamento da mesma redunda, quando muito, em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto, mas não legitima o aditamento de qualquer factualidade atinente ao efeito, mormente, a requerida pela Recorrente.

Prosseguindo.

Mediante convocação do anexo II ao Relatório de Inspeção Tributária, requer que fique a constar no probatório o facto que infra se descreve, na medida em que o mesmo foi erigido enquanto facto índice, donde, mostra-se relevante para a presente lide:

“O sócio gerente da sociedade M... Lda., em termo de declarações datado de 07-04-2008, não confirmou qualquer prestação de serviços à impugnante, não obstante ter confirmado a prestação de serviços a outras sociedades.”

De relevar, desde já, que o mesmo não contempla a roupagem de um facto, sendo eminentemente conclusivo e opinativo, donde insuscetível de integrar o probatório nos moldes em que foi peticionado.

De todo o modo, e não obstante na alínea F) e por reporte ao respetivo Relatório Inspetivo seja feita menção ao aludido Anexo II, tendo, inclusivamente, o mesmo sido objeto de valoração e ponderação na decisão recorrida, ajuíza-se, por uma questão de consistência e leitura escorreita do probatório, que seja aditada a seguinte factualidade:

N) O Relatório de Inspeção Tributária evidenciado em F), continha quatro anexos, relativos a:

a) Anexo I: Lista das faturas emitidas pelas sociedades M..., Lda, e B... Construção Civil, Lda, que deram origem às correções efetuadas;

b) Anexo II: termo de declarações do sócio-gerente da sociedade M..., Lda, no âmbito da ação inspetiva relativa a esta sociedade e extrato de parte do RIT;

c) Anexo III: certidão relativa B... Construção Civil, Lda, de 21.11.2003, de situação tributária regularizada, e termo de declarações do sócio-gerente da mesma sociedade, de 04.07.2006;

d) Ofício de pedido de esclarecimentos remetido à Impugnante (cfr. fls. 117 a 175 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Continuando.

Advoga, outrossim, que deverá ser reformulada a alínea E) dos factos provados, porquanto não se procede a uma concretização dos factos considerados provados no referente à aludida alínea do probatório.

Contudo, neste concreto particular, não se encontram reunidos os pressupostos do citado artigo 640.º do CPC, na medida em que não só não é materializado o competente aditamento, com a competente corporização da asserção fática, como não é avançado, como legalmente se impõe, qualquer meio probatório atinente ao efeito.

De todo o modo, sempre se dirá que a alínea E), está, devidamente, substanciada espácio-temporalmente com a devida fundamentação do respetivo meio probatório, não carecendo de qualquer materialização adicional.

E por assim ser, indefere-se a visada alteração ao probatório.

Continua peticionando, desta feita, uma alteração à alínea F) do probatório, porquanto o mesmo não contempla um excerto que reputa de relevante para o efeito, concretamente o que infra se descreve:

“Quanto aos seguros, eles não descriminam os trabalhadores, não respeitam a todos os períodos do exercício e, os prémios pagos são manifestamente insuficientes face aos montantes facturados e ao número de trabalhadores necessários para a realização dos serviços facturados. // Quanto às Folhas de pessoal; Na empresa “B...” somente consta um trabalhador e não existe registo de qualquer pagamento das contribuições devidas, Quanto à “M...”, as folhas existem, mas, os trabalhadores nelas indicados não tem qualquer contracto com a empresa e, apresentou 2 documentos correspondentes a pagamentos, nas importâncias de € 2.060,21 e 1.804,41, relativos aos Setembro e Agosto de 2005, respectivamente. // Quanto às certidões de regularidade contributiva perante as finanças, a única fotocópia apresentada pelo sujeito passivo, refere-se à empresa “B...” e respeita ao exercício de 2003, não ao exercício de que foi objecto de análise (Anexo III – 3 fls.)”.

Contudo, não se vislumbra o alcance de tal alteração, na medida em que de uma leitura aturada da visada alínea F), concretamente, da página 9 da decisão recorrida, a partir do terceiro parágrafo, consta, precisamente, esse excerto reputado relevante pela Recorrente.

E por assim ser indefere-se a visada alteração ao acervo fático dos autos.

De relevar, in fine, que não obstante no ponto 20) das alegações de recurso a Recorrente faça alusão -genericamente- a menção a constar no probatório, a verdade é que nada corporiza nesse e para esse efeito, sendo certo que, de todo o modo, o expendido nesse ponto é absolutamente conclusivo e opinativo, donde, insuscetível de integrar o probatório.


***

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto atentemos, então, no erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Apreciando.


A Recorrente convoca erro de julgamento, porquanto o Tribunal a quo procedeu a uma errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com inadequado enquadramento jurídico, e clara violação do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.

Densifica, para o efeito, que os factos a que apelaram os serviços de Inspeção Tributária e que sustentam o juízo formulado no sentido da existência de indícios são suficientes, fundados e suscetíveis de abalar a credibilidade da escrita ou contabilidade organizada da impugnante, a qual, apesar de corretamente organizada, não reflete a matéria tributável efetiva.

Propugna, nesse âmbito, que os emitentes das faturas não possuem, desde logo, estrutura empresarial, encontrando-se envolvidos em esquemas de utilização de faturas indiciadas como falsas, sendo certo que o sócio gerente da sociedade “M... Lda”, não confirmou, no respetivo termo de declarações, qualquer prestação de serviços à Impugnante, não obstante ter confirmado a prestação de serviços a outras sociedades.

Sublinhando, adicionalmente, que as visadas sociedades não cumpriram com as suas obrigações declarativas ou de pagamento, não detendo contabilidade ou apresentando a mesma falta de credibilidade, sendo, outrossim, de valorar que os serviços a que se referem as faturas terão sido pagos em numerário e por meio de cheque, sendo que o pagamento em numerário não permite confirmar o efetivo pagamento das prestações de serviços ou aferir da coincidência de valores faturados e pagos.

Refuta, igualmente, qualquer valia decorrente da junção aos autos dos contratos e autos de medição na medida em que não só não é possível estabelecer o competente nexo, como há que ponderar a desconformidade das assinaturas nos documentos.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão visada, porquanto válida e correta, quer do ponto de vista formal, quer substancial.

Reitera que, conforme decidido pelo Tribunal a quo, não se mostra suficientemente indiciada a simulação das operações em análise, e nessa medida, não se mostra legitimada a correção decorrente do procedimento inspetivo, na medida em que nenhum dos sete factos índice alegados pela Recorrente se mostra, efetivamente, demonstrado.

Adensando, in fine, que é forçoso concluir-se que a atividade instrutória realizada pela AT foi, claramente, deficitária, não revertendo para o contribuinte o ónus de comprovar a materialidade das operações.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Comecemos por aquilatar a natureza e a mecânica do IVA.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Na verdade, o IVA funciona pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

O objetivo de neutralidade vertido na Diretiva IVA 2006/112 (Diretiva IVA) determina que: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço” (vide 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º).

O direito à dedução é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante (5).

Com efeito, o regime das deduções visa libertar integralmente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (6).

O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantiva e formal (7).

No concernente à definição, âmbito e abrangência do direito à dedução, importa chamar à colação o teor do Aresto do STA, proferido no processo nº 01148/11, com data de 03 de julho de 2013, no qual é feita uma análise bastante aprofundada e minuciosa sobre esta questão, e a cuja fundamentação se adere.

Os mecanismos de dedução do IVA, estão consagrados nos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Nos termos do artigo 19.º, do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Porém, também de acordo com o artigo 19.º do CIVA, desta feita o seu n.º 3, dimana que:

“Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.”.

Por seu turno, o artigo 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina igualmente que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.

Chegados aqui e resumindo, da leitura destas normas retira-se que só o imposto que tenha, efetivamente, incidido sobre bens adquiridos para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, pode ser deduzido o IVA incidente sobre as operações tributáveis.

Sendo certo que, para efetivar o ónus da prova em sede de direito à dedução do IVA, é jurisprudência assente que basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respetiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, passando ulteriormente a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de exercer o direito à dedução do IVA, provando, assim, que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.

Para o efeito, atente-se no teor do Aresto proferido pelo STA, em Plenário, no âmbito do processo nº 0591/15, datado de 17 de fevereiro de 2016, cujo sumário se extrata na parte que os autos releva:

“II - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.

III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”.

No mesmo sentido, apontam os Arestos do STA, proferidos, igualmente, em Plenário no âmbito dos processos com os nºs 01424/05, e 587/15, datados de 27 de fevereiro de 2019 e 16 de março de 2016, respetivamente, a cuja fundamentação se adere.

Vistos os conceitos de direito que relevam para o caso dos autos e densificada a questão do ónus da prova, importa transpor o direito para o caso em apreço, competindo, assim, aferir se procede o erro de julgamento assacado pela Recorrente no sentido de que, inversamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, foram recolhidos indícios suficientes pela AT, e não resultou provada a materialidade das operações.

Ab initio, importa salientar que a questão objeto de discussão nos presentes autos, foi apreciada no Acórdão prolatado por este TCAS no processo nº 21/10.5 BESNT, datado de 14 de outubro de 2021, processo concernente à mesma parte, num contexto fático em tudo similar (promanam do mesmo Relatório Inspetivo, e concernem ao mesmo ano, existindo apenas alteração ao nível do tributo -no aludido processo discutia-se a legalidade da desconsideração dos custos respeitantes ao exercício de 2005, enquanto nos presentes autos aprecia-se a legalidade do IVA- e pontualmente de fixação da matéria de facto, mas sem relevo digno de registo) e a convocar o mesmo quadro legal.

O citado Aresto, confirmou a inexistência de indícios, e é, precisamente, na linha da aludida jurisprudência que subscrevemos, e tendo em vista a desejável uniformização de jurisprudência consagrada no artigo 8.º do Código Civil, que realizaremos o nosso julgamento.

E por assim ser, e uma vez que a, ora, Relatora integrava, inclusive, o aludido Coletivo enquanto Segunda Adjunta, passaremos a transcrever a fundamentação jurídica em que se esteou a confirmação da procedência da impugnação judicial, na medida em que a mesma é inteiramente transponível para o caso vertente e com a qual nos revemos e perfilhamos na íntegra.

Lê, então, no citado Aresto:
“Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, na sua perspetiva, foram reunidos, pela AT, indícios suficientes que permitem concluir que as faturas emitidas não corresponderam a efetivos serviços prestados, não tendo resultado provado nos autos o contrário.
Vejamos.
Nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.
Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.
É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a AT não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais3. Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.
3 Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18).
Como tal, cumpre verificar se a AT cumpriu o seu ónus probatório, ou seja, aferir se foi pela mesma alegada e demonstrada a existência de indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos documentos em causa, legitimando a desconsideração dos custos, por não se enquadrarem no âmbito do art.º 23.º do CIRC.
In casu, as correções efetuadas respeitaram a faturas emitidas pelas sociedades M... e B....
Compulsado o RIT, verifica-se que no mesmo se refere:
a) Ocorreu uma inspeção externa à sociedade M..., na qual se concluiu pela existência de fortes indícios de se tratar de emitente de faturas falsas;
b) O sócio gerente da sociedade M... não confirmou qualquer prestação de serviços à Impugnante;
c) Ambas as sociedades não possuem estrutura empresarial;
d) Ambas as sociedades não possuem contabilidade ou, se a possuem, não tem credibilidade;
e) Ambas as sociedades estão referenciadas noutros processos como emitentes de faturas falsas;
f) O pagamento foi efetuado em dinheiro;
g) O pagamento foi efetuado por cheques à ordem ou por transferência bancária;
h) Foram dadas respostas pelo sujeito passivo, mas ficou fortemente indiciada a existência de faturação falsa.
Verifica-se da análise do RIT na sua integralidade que o mesmo é sobretudo conclusivo e lacónico.
A questão, ao contrário do que parece resultar das alegações da Recorrente, não tem a ver com o facto de não se poder lançar mão de elementos coligidos noutras ações inspetivas.
Com efeito, em abstrato, é admissível a utilização de informação cruzada por parte da AT4.
4 Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 05.02.2015 (Processo: 08097/14), de 22.02.2018 (Processo: 08959/15), de 07.06.2018 [Processo: 813/11.8BELRA (09855/16)] e de 28.11.2019 (Processo: 1264/15.0BELRA), bem como do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.07.2017 (Processo: 00396/09.9BEPNF).
No entanto, tal não significa que essa informação não tenha de estar cabalmente identificada e concretizada no RIT onde venha a ser utilizada. Ou seja, se se utilizar informação, coligida em procedimentos de inspeção que visaram os emitentes das faturas, nos procedimentos de inspeção relativos aos destinatários dessas mesmas faturas, nestes últimos tem de estar cabalmente identificada a informação cruzada utilizada, pois só dessa forma é assegurada a transparência do procedimento e é permitido ao sujeito passivo o acesso a toda a informação relevante, designadamente para que a possa contraditar.
Ora, no caso dos autos, tais elementos obtidos em outros procedimentos não estão explanados no RIT.
Assim, verifica-se que o RIT se socorre sobretudo de fórmulas conclusivas, muitas vezes comuns a ambos os fornecedores, sem que se consiga sequer caraterizar qualquer uma das situações com pormenor.
Desde logo, é referido que os fornecedores não têm contabilidade ou, se a têm, não é credível. Fica por esclarecer quem não tem de todo contabilidade, quem tem contabilidade não credível e por que motivo essa contabilidade não é credível.
Por outro lado, é referido não terem as sociedades em causa estrutura. Ora, não estamos aqui perante um facto, mas perante uma conclusão extraída pela AT, com base em elementos fáticos que não são explanados. Ou seja, nada é referido do ponto de vista fático que sustente essa conclusão.
E se esta ausência de suporte fático é, per se, basilar, no sentido de se concluir que não há aqui, na verdade, um verdadeiro indício, mas uma conclusão, não pode deixar de se sublinhar que os elementos juntos pela Impugnante em sede de exercício do direito de audição (v.g. em relação aos trabalhadores, em relação aos alvarás de construção), elementos esses ou que foram laconicamente rejeitados pela AT ou sobre os quais esta não se pronunciou, lançam ainda dúvidas sobre a afirmação conclusiva produzida.
É ainda referido no RIT serem as sociedades emitentes das faturas sociedades não declarantes, mas nada é especificado quanto a esta questão.
É também referido terem sido feitos pedidos de informação aos emitentes das faturas, mas nada se sabe sobre o resultado de tais pedidos de informação.
Portanto, o teor do RIT é conclusivo e lacónico, o que não se compadece com as exigências de prova em termos de reunião de indícios. Ainda que, nestes casos, a AT não tenha de provar a efetiva simulação, tem de elencar de forma factual e sustentada os indícios coligidos. E isso não foi feito.
Apenas em sede de análise do direito de audição são refutados os argumentos do sujeito passivo, no sentido de as prestações terem efetivamente existido, desconsiderando os elementos apresentados para a demonstração da efetividade das operações, mas sem que, a montante, se caraterize cabalmente cada uma das situações em causa.
Aliás, refira-se que, como já mencionado, foram juntos elementos documentais relativos aos trabalhadores, tendo os mesmos sido desconsiderados, de forma também ela iminentemente conclusiva (v.g. referência ao número de trabalhadores necessários para a realização dos serviços, sem qualquer tipo de mensuração ou caraterização).
É ainda feita alusão ao termo de declarações do sócio-gerente da M..., no sentido de que o mesmo ali não afirmou ter prestado serviços à Recorrida, conclusão que não permite extrair o facto negativo de que não prestou serviços à Recorrida, ao contrário do que defende a Recorrente. Trata-se, aliás, de termo de declarações obtido em sede de procedimento inspetivo feito à M..., sem que, como referimos, nada conste do RIT em termos de resposta desta sociedade aos pedidos de informação formulados no âmbito da ação inspetiva que está na origem dos presentes autos.
Finalmente, a referência aos pagamentos realizados é pouco clara, ora se falando em pagamentos em numerário, ora se falando em cheques, ora se falando em transferências bancárias, sem que se identifique minimamente a que faturas se referem em concreto.
Ou seja, existe um conjunto de faturas elencado, mas em relação ao qual não é especificamente explanado o tipo de pagamento efetuado.
Mesmo em relação aos cheques, a AT refere ser necessário aferir o seu efetivo beneficiário, mas nada decorre do RIT no sentido de se ter tentado obter esse elemento, limitando-se a referir que a Recorrida não disponibilizou a cópia dos cheques. Ora, rigorosamente, tal elemento nunca foi pedido pela AT, que se limitou a solicitar esclarecimentos sobre os meios de pagamento efetuados, esclarecimentos esses prestados pela Impugnante. Ou seja, não decorre do processo administrativo que tenha havido qualquer ato intencional da Impugnante de não disponibilização das cópias dos cheques, que nunca lhe foram pedidas.
Acrescente-se ainda, tal como refere o Tribunal a quo, que, em 2005, o art.º 63.º-C da LGT tinha a seguinte redação:
“1 - Os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida.
2 - Devem, ainda, ser efetuados através da conta ou contas referidas no n.º 1 todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.
3 - Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto” (sublinhado nosso).
Estando nós a analisar o exercício de 2005, à época a retribuição mensal mínima cifrava-se nos 374,70 Eur., sendo o limite previsto no n.º 3 do art.º 63.º-C da LGT no valor de 7.494,00 Eur., valor esse que muitas das faturas em causa nem sequer alcançavam, como decorre da análise do anexo ao RIT que contém a respetiva discriminação.
Aliás, a proibição de pagamento em numerário só foi aditada à LGT pela Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto (cfr. art.º 63.º-E).
Todo este contexto implica a relevância de identificar cabalmente as situações, o que não foi feito, dada a abordagem genérica efetuada.
Portanto, também do afirmado no RIT nada se consegue extrair, dada a falta de discriminação das situações, que permita, em concreto, aferir que pagamentos foram feitos através de numerário e que pagamentos foram feitos por outros meios.
Sublinhemos novamente que cabe em primeira linha à AT carrear os tais indícios, não se podendo a mesma escudar numa ausência de prova por parte do sujeito passivo, quando estamos a analisar uma fase do procedimento em que o ónus probatório pertence à administração.
Ou seja, atento o teor do RIT, neste caso em concreto verifica-se que os elementos coligidos pela AT são parcos e em grande parte conclusivos. Não foram coligidos factos, ao contrário do referido pela Recorrente, mas sim elencadas conclusões.
Sendo certo que em situações como a dos autos não cabe à AT demonstrar a efetiva simulação, a mesma tem de cabalmente evidenciar os indícios que recolheu, de forma concreta e discriminada. Isso não aconteceu no caso dos autos, em que a abordagem é genérica e conclusiva. O aspeto menos conclusivo prende-se com o facto de os emitentes das faturas não terem sido declarantes no exercício em causa, mas esta circunstância, por si só, não é suficiente para sustentar a posição da AT.
Carece de pertinência o alegado quanto aos argumentos em torno dos contratos, uma vez que se trata de argumentação da AT para afastar o entendimento de que se está perante efetivas operações, alegado pela Recorrida. O que é aqui relevante é a primeira fase do procedimento, a fase da reunião dos indícios de que se está perante faturação falsa, o que, in casu, não ocorreu.
Não se alcança igualmente o referido a propósito de as prestações de serviços da sociedade M... terem respeitado apenas aos meses de julho, agosto e setembro, quando no quadro anexo ao RIT as faturas datam de quatro meses.
No tocante às assinaturas alegadamente distintas, voltamos a estar perante elementos apresentados pela Recorrida que a AT desconsiderou para efeitos de demonstração da efetividade das operações (e não para identificação dos indícios). Essa desconsideração foi feita através de uma análise meramente empírica, não sustentada em qualquer exame pericial, que caberia, em primeira linha, à AT demonstrar, não se vislumbrando qualquer violação do princípio do inquisitório por parte do Tribunal nesta parte, dado estarmos perante a análise da aferição da reunião dos indícios, não podendo, nesse particular, o Tribunal substituir-se à administração na sustentação do ato.
Quanto à demais documentação apresentada pelo sujeito passivo, a sua análise carece de pertinência, porquanto tal análise justificar-se-ia se a AT tivesse logrado reunir os indícios exigíveis nos termos já mencionados. Só nesse caso cabe ao sujeito passivo o ónus da prova da efetividade das operações e só nesse caso se justifica a análise dos documentos apresentados pelo administrado, no sentido de demonstrarem ou não tal efetividade.
Como tal, a AT, tal como decidiu o Tribunal a quo, não logrou cumprir o seu ónus probatório, o que desonera o contribuinte de demonstrar a efetividade das operações.
Assim sendo, carece de razão a Recorrente.”

Ora, aderindo, na íntegra, à aludida fundamentação jurídica, como visto, inteiramente transponível para o caso vertente, ter-se-á de concluir que a decisão recorrida não merece a visada censura, na medida em que realizou uma correta interpretação e densificação do regime normativo, com a devida e adequada transposição para a realidade fática em apreço.

Enfatize-se apenas, e a final, que não logra provimento a argumentação da Recorrente no sentido de que o convocado Aresto -e que vimos seguindo- não teve em consideração que as informações cruzadas obtidas em sede de processo crime constituem um meio de prova ao abrigo do disposto no artigo 76.º, nº1 da LGT e 115.º do CPPT, desde logo, porque o mesmo analisa e pondera as aludidas informações apenas não retira, e bem, a conclusão almejada pela Recorrente.

Note-se, ademais, que tais informações para além de carecerem de uma densificação particularizada e devidamente substanciada no respetivo Relatório Inspetivo -o que, como visto, não sucede no caso vertente- a verdade é que as mesmas radicam em meros indícios externos, estando, assim, concatenados com fatores exógenos e a montante da Recorrida, o que, per se, fragiliza a factualidade apurada, porquanto na falta de apuramento de elementos objetivos concatenados com a própria e que permitam descredibilizar a contabilidade da Recorrida, os mesmos não permitem legitimar a atuação da AT e as correções dimanantes da ação inspetiva.

Não se validando, outrossim, o aduzido quanto à circunstância do visado Aresto ter, erroneamente, entendido que a AT não fez uma imperiosa e casuística apreciação no domínio dos elementos carreados aos autos, mormente, em sede de audição, e isto porque de uma leitura atenta do visado Relatório Inspetivo promanam, efetivamente -e como claramente enunciado no Acórdão convocado- asserções e juízos conclusivos sem a devida substanciação e, como legalmente se impunha.

O mesmo se diga e retira no atinente à apreciação do termo de declarações, e sua inerente valoração, bem como aos meios de pagamento, sendo de ressalvar e sublinhar, neste particular, que não resulta que a AT tenha requerido quaisquer elementos adicionais tendentes a refutar o pagamento, quando, de resto, é expressamente avançada a existência de cheques nominativos.

Contrariando-se, in fine, o advogado no atinente à violação do princípio do inquisitório, mormente, no atinente à demanda de qualquer perícia grafológica, e isto porque não obstante o aludido princípio constitua, efetivamente, um poder/dever do Juiz, a verdade é que o mesmo não pode desvirtuar o ónus probatório que existe, a montante, sobre as partes. Enfatize-se que a demonstração dos indícios compete à AT e em sede inspetiva.

Note-se, ademais, que “[o] princípio do inquisitório, não pode servir para as partes se eximirem do seu ónus probatório. A intervenção ativa do julgador tem de ser sempre balizada pela igualdade processual das partes, e com o respeito pela justa repartição do ónus da prova (8).”

Acresce, outrossim, e corroborando o supra expendido que, a aduzida, desconformidade nas assinaturas, mesmo a confirmar-se, não poderia granjear, como é bom de ver, o efeito pretendido pela Recorrente em sede de existência de indícios fundados para legitimar as correções sindicadas. Com efeito, não há no Relatório de Inspeção Tributária, nenhum facto objetivo de que possa ser extraída a conclusão de que as suas declarações não devam ter-se como verdadeiras, atenta a forma, irrepreensível, da sua contabilidade e escrita, e como, expressamente, reconhecido no respetivo Relatório.

E por assim ser, ter-se-á de concluir, que a realidade fática convocada pela AT não é suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, logo os indícios recolhidos pela AT não permitem suportar, objetivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e que determinou as correções respeitantes a IVA indevidamente deduzido quanto às visadas sociedades.

Carecendo, por conseguinte, de qualquer relevância as alegações atinentes à efetividade e materialidade das operações, na medida em que a sua apreciação resulta, necessariamente, prejudicada.

Pelo que, a AT incorre em ilegalidade implicante da invalidade dos atos de liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, e nessa medida a sentença recorrida que assim o decidiu deve ser confirmada, na esteira, como visto, do convocado Aresto que secundamos e já transitado em julgado.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Fazenda Pública.

Registe. Notifique.


Lisboa, 24 de novembro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)



(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.

(2) Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.

(3) HENRIQUE ARAÚJO: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt

(4) AC. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1

(5) Vide neste sentido, designadamente, Acórdãos TJUE Mahagében e Dávid, C 80/11 e C 142/11; Bonik, C 285/11; e Petroma Transports C 271/12, e demais jurisprudência aí citada, todos disponíveis em http://curia.europa.eu

(6) Para o efeito, atente-se, designadamente, nos Acórdãos Dankowski, C 438/09; Tóth, C 324/11; Petroma, C-271/12, Senatex, C 518/14, Paper Consult, C 101/16, e jurisprudência aí referida disponíveis em http://curia.europa.eu.

(7) Vide, designadamente, o já citado Aresto Paper Consult, C 101/16.

(8) Como aduzido no Aresto prolatado no processo nº 1478/06, de 14.11.2019, relatado pela, ora, Relatora.