Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1081/16.0BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA DELONGA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
QUESTÕES DE DIREITO TRIBUTÁRIO
EXCLUSÃO DO ÂMBITO DO ART.º 6.º DA CEDH; LEI N.º 67/2007, DE 31-12
VIOLAÇÃO DO DIREITO À JUSTIÇA EM PRAZO RAZOÁVEL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
NÃO PRESUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MONTANTE DO DANO
HONORÁRIOS DE ADVOGADO
DANO INDEMNIZÁVEL
Sumário:I – A jurisprudência do TEDH não obstante afirmar a defesa de uma interpretação alargada do conceito de direitos e obrigações de carácter civil, também vem entendendo que quando estejam em casa matérias relativas ao contencioso fiscal, ainda que se verifiquem efeitos pecuniários ou patrimoniais na esfera do contribuinte, aquele conceito não abrangerá os indicados litígios, que ficarão de fora da aplicação do art.º 6.º da CEDH;
II - Assim sendo, quando se invoque um atraso na administração da justiça decorrente de um processo que envolva questões fiscais, o regime do art.º 6.º da CEDH não deverá ser aplicado, por se estar frente a matérias que extravasam o conceito de direitos e obrigações de carácter civil;
III - Nestes casos, a referida responsabilidade regula-se e tem de ser aferida com base na legislação nacional e por reporte para a jurisprudência que tem sido desenvolvida pelos nossos tribunais superiores em sede de acções de responsabidade extra-contratual do Estado;
IV - Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;
V - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;
VI – Ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente a uma acção de impugnação de mediana complexidade, a referida lide demorou, no seu todo, que incluiu uma instância de recurso, cerca de 11 anos;
VII- Estando em causa uma acção de responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado;
VIII – Porque se está em causa um processo relativo a questões fiscais, excluído do âmbito de aplicação do art.º 6.º da CEDH, não há que seguir a jurisprudência do TEDH relativa ao citado art.º 6.º da CEDH, que presume a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, sem necessidade de alegação e prova por banda do A.;
IX - Os danos decorrentes do valor pago e a pagar a título de honorários de advogado, pela interposição da acção e do recurso para efectivar o direito indemnizatório do A. por atraso na administração da justiça, são danos patrimoniais indemnizáveis.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO
J..... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou o Estado Português (EP) a pagar ao A. e Recorrente uma indemnização de €1.740,00, acrescida de juros legais desde a data da citação, para ressarcimento de danos não patrimoniais, por atraso na administração da justiça, decorrente do atraso num processo de impugnação judicial do acto de liquidação do IMI.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “1ª. A matéria de facto provada nos autos (sentença) demonstra que o Estado- Julgador violou os prazos processuais fixados, nomeadamente para a prática dos actos conducentes à decisão definitiva.
2º. Ficou assente e provado, como estão, os requisitos da responsabilidade civil.
3ª. O atraso da Justiça ou o direito a decisão em prazo razoável por aplicação do preceito constitucional contido no artigo 20º nº. 4, do artigo 12º. da Lei 67/2007 de 31-12 e artigo 6º. §1º da CEDH tem o alcance e conteúdo concreto do direito ao recebimento de indemnização.
4ª. Que atenta a entrada do processo de impugnação tributária em 1ª. Instância em 31-05-2006 e a decisão final em 29-06-2017 (TCAS-CT) ocorreram 11 anos, o que se mostra muito para lá do razoável.
5ª. Acompanhando a jurisprudência do TEDH, a duração média – que corresponde à duração razoável – de um processo em 1ª. instância é de cerca de 3 anos e a duração média de todo o processo ou resolução global da lide, deve corresponder um período que vai de 4 a 6 anos, sendo que nas impugnações judiciais e atento os prazos processuais, como tese geral, excederá o prazo razoável aquela que demore mais de dois anos numa instância.
6ª. Que os danos a título não patrimonial não carecem de prova nem alegação pois que se circunscrevem aos danos comuns, ou seja, a todos quanto recorrem à Justiça e não vêem as suas pretensões decididas em prazo razoável.
7ª. Pelo que se mostra razoável atribuir ao ora Recorrente uma indemnização a título de danos não patrimoniais conforme peticionado, ou seja, 7.600,00 € por atraso de 6 anos atenta a data da decisão final da mencionada impugnação judicial que ocorreu apenas 11 anos após a entrada da P.I.
8ª. Devendo este Tribunal ad quem, neste segmento, revogar a sentença recorrida que considerou, ao arrepio do que se tem considerado razoável na tramitação e decisão do pleito e, diga-se, quanto ao quantum indemnizatório que atribui, ilícito apenas um atraso de 3 anos e aplicar um quantum de 580,00 € por cada ano de atraso, corrigindo-a e, assim, aplicando a melhor jurisprudência porque justa e de direito.
9º. Nos termos da melhor Jurisprudência deve este Tribunal ad quem revogar a Decisão Recorrida, atribuindo, quanto ao valor peticionado como dano patrimonial referente ao que suportou o ora Recorrente com honorários de advogado, já que mal andou o Tribunal a quo.
10º. Já que, que o montante de honorários peticionados pelo ora Recorrente se prendem com o mandato forense na presente acção, cujo mandato que nos termos do CPTA é de constituição de mandatário obrigatório.
11ª. Tem sido entendimento unânime nos Tribunais Superiores internos, quer este Tribunal ad quem, quer no STA, que as despesas com o pagamento de honorários de advogado são custos e como tal danos indemnizáveis.
12ª. Pelo que deve este Tribunal ad quem, revogar a sentença recorrida, atribuindo ao ora Recorrente indemnização no montante peticionado de honorários com Advogado na presente acção no montante de 1476,00 € e, bem assim com recurso à equidade no valor que este terá de suportar, necessariamente com a subscrição do presente recurso.
13ª. Necessariamente por efeito de “correcção” da Decisão do Tribunal a quo, condenar o R. Estado ao pagamento das custas e taxas de justiça.
14ª. Impõe-se a condenação do R. nos termos peticionados.”

O Recorrido EP, aqui representado pelo Ministério Público (MP), nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1- Não basta atender em abstrato à duração global do processo para se aferir da existência ou não de excesso de prazo razoável, uma vez que deverá sempre atender-se às circunstâncias do caso concreto num determinado momento do sistema judicial do país em referência (artigo 6º da CEDH e nº 4 do artigo 202 da CRP e acórdão do STA de 9.10.2008, proferido no processo nº 319/08).
2- O Tribunal a quo decidiu de forma assertiva, aplicando bem o Direito aos factos, quanto ao ponderar as circunstâncias do caso concreto, a extensa e complexa tramitação processual, a utilização de duas instâncias, a escassez de recursos humanos face às elevadas pendências processuais, classificando os últimos 3 anos, como prazo excessivo.
3- As despesas com honorários de advogados e patrocínio da ação integram-se nas custas de parte traduzidas no quantitativo monetário devido pela parte vencida à parte vencedora, não podendo ser equacionadas como danos patrimoniais.
4- Nestes termos, o Tribunal a quo, decidiu de forma ajustada e proporcional, em plena consonância com o conjunto do ordenamento jurídico vigente, ao julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada e ao atribuir ao autor a indemnização de € 1740,00, acrescidos dos respetivos juros legais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.”

Colhidos os vistos, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS
Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório por ter sido fixado o montante de €1.740,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, por um atraso na administração da justiça de 3 anos, quando haveria de ter sido fixado o montante de €7.600,00, por existir um atraso de 6 anos na administração da justiça, porquanto o processo de impugnação tributária deu entrada em 1.ª instância em 31-05-2016 e a decisão final pelo TCAS só ocorreu em 29-06-2017, cerca de 11 anos depois;
- aferir do erro decisório por não ter sido atribuído a título de dano patrimonial o valor correspondente a €1.476,00, por honorários a pagar ao Mandatário do A. e Recorrente com a presente acção, acrescido do valor correspondente aos honorários com este recurso, a fixar pelo critério da equidade;
- e aferir de um erro decisório por não se ter determinado ao Estado o pagamento das custas e taxa de justiça.

Vem o Recorrente arguir um erro de julgamento por ter sido fixado o montante de €1.740,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, por um atraso na administração da justiça de 3 anos, quando haveria de ter sido fixado o montante de €7.600,00, por existir um atraso de 6 anos na administração da justiça, porquanto o processo de impugnação judicial do acto de liquidação do IMI, deu entrada em 1.ª instância em 31-05-2016 e a decisão final pelo TCAS só ocorreu em 29-06-2017, cerca de 11 anos depois.

O direito a uma decisão judicial em prazo razoável foi consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na versão introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09.
Esse mesmo direito está consagrado nos art.ºs. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04-11-1950 (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13-10, com depósito em 09-11-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 1/79, de 21-01-1979) e tem igualmente protecção nos art.ºs 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-1948 (publicada no DR de 09-03-1978) e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, com depósito em 15-06-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 187/78, de 16-08-1978).
Refira-se, no entanto, que relativamente ao art.º 6.º da CEDH tem sido entendido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que os direitos e obrigações de carácter civil que ficam abrangidos por esse preceito da Convenção excluem as questões de direito tributário, por estas últimas questões se situarem no âmago das prorrogativas e poderes do Estado – cf. neste sentido, entre outros, os Acs. Editions Periscope c. França, n.º 11760/85, de 26-03-1992; National & Provincial Building Society, Leeds Permanent Building Society and Yorkshire Building Society c. Reino Unido, n.ºs. 21319/93, 21449/93 e 21675/93, de 23-10-1997; Ferrazzini c. Itália, n.º 44759/98 de 12-07-2001; Västberga Taxi Aktiebolag and Vulic c. Suécia, n.º 36985/97, de 23-07-2003, ou Emesa Sugar N.V. c. Países Baixos, n.º 62023/00, de 13-01-2005. Na doutrina, vide, neste sentido, Barreto, Irineu Cabral - A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, 4.ª ed., 2010, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 154-155; Focaelli, Carlo – Equo processo e Convenzione europea dei diritti dell`uomo: contributo alla determinazione dell`art. 6 della Convenzione. Milão: Cedam, 2001, pp. 156-157.
Ou seja, a jurisprudência do TEDH não obstante afirmar a defesa de uma interpretação alargada do conceito de direitos e obrigações de carácter civil, também vem entendendo que quando estejam em causa matérias relativas ao contencioso fiscal, ainda que se verifiquem efeitos pecuniários ou patrimoniais na esfera do contribuinte, aquele conceito não abrangerá os indicados litígios, que ficarão de fora da aplicação do art.º 6.º da CEDH.
Diz o TEDH, no Ac. Ferrazzini c. Itália, n.º 44759/98, de 12-07-2001, que porque “as questões fiscais ainda fazem parte do núcleo duro das prerrogativas de autoridade pública, permanecendo dominante a relação entre o contribuinte e a comunidade”, tal “contencioso fiscal escapa ao campo dos direitos e obrigações de carácter civil, apesar dos efeitos pecuniários que produzem necessariamente para o contribuinte” (tradução nossa, a partir da versão em inglês).
Assim sendo, quando se esteja frente a litígios relacionados com o contencioso fiscal, não se aplicará, segundo a própria jurisprudência do TEDH, o art.º 6.º da CEDH.
Por conseguinte, no caso em apreço, relativo a um atraso na administração da justiça decorrente de um processo de impugnação judicial de um acto de liquidação do IMI, não obstante o indicado direito a uma decisão judicial em prazo razoável estar consagrado no art.º 6.º da CEDH, o regime decorrente desse preceito não poderá ser aqui aplicado, por se estar frente a matérias que extravasam o conceito de direitos e obrigações de carácter civil.
Portanto, para o caso em apreço, não há que invocar ou aplicar o art.º 6.º da CEDH, por a matéria em questão não se incluir no âmbito de aplicação daquele preceito, nem há que invocar, pelo menos directamente ou em 1.ª linha, a jurisprudência do TEDH, para fundar o pedido de responsabilidade civil do Estado. Esta responsabilidade regula-se e tem de ser aferida com base na legislação nacional e por reporte para a jurisprudência que tem sido desenvolvida pelos nossos tribunais superiores em sede de acções de responsabidade extra-contratual do Estado.
Ora, no nosso ordenamento jurídico a responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas vem consagrada na CRP, no art.º 22.º, enquanto princípio geral desde a revisão constitucional de 1982 (Lei-Constitucional n.º 1/82, de 30-09-1982).
Naquela data inicial, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, que não consagrava em termos expressos a responsabilidade do Estado pelo funcionamento defeituoso do serviço público de justiça e designadamente pela delonga anormal na administração da justiça.
Todavia, a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias passaram a considerar que o artigo 22.º da CRP determinava um princípio geral de responsabilidade civil do Estado por danos causados no exercício das suas funções – política, legislativa, jurisdicional ou administrativa – e que era uma norma directa e imediatamente aplicável, servindo, por isso, de fundamento para a interposição de uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito e culposo (cf. neste sentido, o Ac. do STA, n.º 26535, de 07-03-1989, que deu o mote à alteração jurisprudencial nesta matéria, ou mais recentemente fazendo a referência à anterior jurisprudência o Ac. do STJ n.º 368/09.3YFLSB, de 08-09-2009. Vide também, entre outros, os Acs. do, do STA n.º 0533/09, de 19-11-2009 ou n.º 0122/10, de 05-05-2010 ou n.º 0144/13, de 27-11-2013. Na doutrina, vide, entre muitos outros Jorge Miranda - “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, pp. 927-934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, p. 496; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, pp. 60- 61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, pp. 576-620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, pp. 7-13; Maria da Glória FP Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, pp. 40-46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, pp. 8-9).
Entretanto, foi publicada a Lei nº 67/2007, de 31-12, que no seu artigo 12.º vem prever em termos expressos que “é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”.
Nos termos da Lei nº 67/2007, de 31-12, são pressupostos - cumulativos - para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas na administração da justiça, a existência de um facto ilícito e culposo, que tenha provocado danos e a verificação de um nexo de causalidade entre aquele facto e os danos verificados.
O facto é entendido como um acto conteúdo positivo ou negativo, como uma conduta de um órgão ou do seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas.
No caso, o facto corresponderá ao acto ou à omissão da administração (da justiça, vg. aos tribunais), de proceder à regular tramitação e decisão num processo.
Exige-se, depois, a ocorrência de uma ilicitude, reconduzível à violação por aquele facto de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, ou à prática de actos materiais que infrinjam tais normas e princípios, ou que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser consideradas (cf. art.ºs. 7.º e 12.º da Lei nº 67/2007, de 31-12).
Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, a jurisprudência nacional vem invocando que para a apreciação da violação do prazo razoável, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais.
Verificada a violação de um dado prazo, essa constatação não será, contudo, o bastante para se concluir pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Diversamente, há então que atender também às circunstâncias do caso concreto: (i) à complexidade do caso - aqui relevando o número de partes ou de testemunhas ou o número de meios de prova a produzir; (ii) o comportamento processual das partes; (iii) a actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e a importância do litígio para o interessado – vg., havendo que apreciar-se o concreto assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor ou os próprios bens que se pretendem salvaguardar com o litígio.
Assim, verificando-se um atraso no cumprimento de prazos por razões ainda justificadas face aos termos do concreto litigio, ou derivadas de comportamentos provocados pelas próprias partes, há que afastar, nestas situações, o preenchimento do conceito de “prazo razoável”.
Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu. Para o cômputo desse prazo global releva não apenas a fase declarativa, desde o seu início, mas também a fase de execução judicial, importando apurar, no todo, o tempo em que decorreu até que uma dada pretensão formulada em juízo fosse efectivamente conhecida ou satisfeita.
Assim, como se defende no STA no Ac. n.º 0319/08, de 09-10-2008, “Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.” (sobre a apreciação do pressuposto da ilicitude por quebra do direito à justiça em prazo razoável, para além do acórdão do STA, acima citado, vide, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 122/09, de 08-07-2009, 090/12, de 10-09-2010, 122/10, de 05-05-2010, 144/13, de 27-11-2013 ou 72/14, de 21-05-2015).
Quanto à culpa, é entendida enquanto um juízo subjectivo ou de censurabilidade, que liga o facto ao agente, por ter praticado a própria conduta ilícita ou por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e adoptar.
Por aplicação dos art.ºs. 10.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, a culpa é apreciada pela diligência que é exigível, em abstracto, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor em face do circunstancialismo próprio do caso concreto.
Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, a culpa personalizável no próprio autor do acto, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado. Considera-se, pois, que da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a indicada culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Por aplicação do art.º 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.º 350.º, n.º 2, do CC).
No que concerne ao pressuposto dano, corresponderá à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão, ou na adopção tempestiva procedimentos cautelares e de medidas provisórias que tenha sido oportunamente requeridas para se acautelar direito.
Atendendo à concreta situação, que não se coaduna com um princípio de restauração natural, aqui afasta-se a regra do 562.º do CC, concretizando-se o direito à reparação pelo dano, sempre, através de uma prestação pecuniária.
Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC, quando indicam que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso, como o grau de culpabilidade do agente (cf. também art.º 41.º da CEDH).
Para a efectivação da responsabilidade exige-se, ainda, a verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Aplica-se aqui, tal como para os demais casos da responsabilidade do Estado pelo ilícito, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC, preceito segundo o qual a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Ou seja, só ocorre este nexo quando os danos, em abstracto, são consequência apropriada do facto. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega.
Feito o anterior enquadramento, apreciemos, em concreto, o caso dos autos, considerando o que antes ficou dito.
Diz o Recorrente que o atraso na administração da justiça ocorreu porque o processo de impugnação tributária n.º 500/06.9BEALM, que apresentou no TAF de Almada, deu entrada em 1.ª instância em 31-05-2006 e a decisão final pelo TCAS só ocorreu em 29-06-2017, cerca de 11 anos depois.
Como decorre da matéria de facto apurada, após a apresentação do referido processo, foi prolatado o despacho de admissão liminar em 07-06-2006 e em 15-12-2006 foi indicada para a inquirição de testemunhas a data de 17-05-2007, na qual tal inquirição teve realmente lugar. Assim, até aqui, não se verificaram atrasos significativos na tramitação processual. Entretanto, em 15-06-2007, o A. veio requerer uma ampliação do pedido. Em 19-11-2007 foi prolatado um despacho determinando às partes a apresentação de alegações, o que veio a ser feito em 18-01-2008. Segue-se o parecer do MP e em 31-03-2008 o processo é concluso ao juiz, que vem a despachar em 16-09-2008, para que fossem juntas aos autos as gravações dos depoimentos, o que é feito em 22-09-2008.
Entretanto, é junto aos autos um processo de reclamação graciosa e alguns documentos.
Em 20-11-2013, é prolatado um despacho indicando que estando a preparar-se para a decisão, o juiz titular verificou ser necessário a obtenção de mais documentos junto dos Serviços de Finanças, o que vem a solicitar e é depois entregue nos autos. Em 24-01-2014 é prolatada a decisão de 1.ª instância.
Assim, verifica-se, que após uma tramitação inicial do processo não demasiado demorada, estando o processo pendente de decisão em 22-09-2008, tal só veio efectivamente a ocorrer cerca de 5 anos e 4 meses depois daquela data. Nos autos verifica-se, ainda, que naquele entretanto ocorreram algumas vicissitudes processuais que, não obstante, irrelevaram na tramitação processual e na decisão final.
Por conseguinte, há que admitir, que uma dilação de tempo de mais de 5 anos para a prolação da decisão, não pode ser tida como uma dilação razoável.
Igualmente, a tramitação total em 1.ª instância por um tempo que rondou os 8 anos, ter-se-á que rotular como demorada e excessiva.
Apresentado o recurso em 06-02-2014 e remetido o processo ao TCA em 09-05-2014, após vicissitudes várias, em 20-11-2014 foi o processo concluso ao juiz titular e a decisão de recurso veio a ser proferida por acórdão de 23-03-2017.
Assim, não obstante uma demora na decisão do acórdão pelo TCAS de cerca de 2 anos e 4 meses, nesta 2.ª instância a tramitação do processo estendeu-se por um total de cerca de 3 anos, o que em termos objectivos não é um tempo demasiado excessivo.
Frente ao que ora vem provado, considerando o teor da indicada decisão de 1.ª instância, não se pode rotular a mesma como muito complexa ou difícil.
O processo de impugnação corresponde a uma PI de apenas 5 páginas, implicou a audição de apenas 1 testemunha e foi alvo de uma decisão que assentou essencialmente em prova documental. No caso, também não se apelaria para um quadro jurídico demasiado complicado, que gerasse celeuma na doutrina e jurisprudência, de difícil aplicação prática. Por seu turno, as vicissitudes processuais do processo também não remetem para uma acção que se tenha mostrado complexa a esse nível.
Em suma, face às circunstâncias do caso, o mesmo tem de reputar-se como de mediana complexidade. Trata-se de um caso que apresenta um número de partes diminuto e que teve a apresentação de meios de prova simples. Quanto ao comportamento das partes no processo, dos dados apurados não resulta que estas tenham litigado com imperícia, ou de forma prejudicial à lide mais célere.
Quanto à importância do litígio para o interessado, estava em causa apenas a impugnação do pagamento do IMI relativo a 3 anos, por um valor de 1.533,03€, que veio depois a ser ampliado ao IMI liquidado em 2006 e anos seguintes, num total de €5.281,59, valor este que não se pode reputar de muito elevado e, portanto, de importância considerável.
No mais, nada ficou provado nestes autos.
Neste seguimento, atendendo às circunstâncias do caso – e considerando a jurisprudência nacional acima indicada - teremos que admitir que foi excessivo quer o tempo de cerca de 5 anos e 4 meses para a prolação da decisão de 1.ª instância – porquanto se tratava de um processo de mediana dificuldade, cuja elaboração da sentença não clamava uma dificuldade excepcional, que justificasse maior demora e ponderação - quer o tempo global do litígio de cerca de 11 anos entre a apresentação da PI e a resolução do processo em 2.ª instância.
Como acima se indicou, a jurisprudência nacional na esteira da jurisprudência do TEDH, vem assinalando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância, o período de 3 anos.
Igualmente, refira-se, o art.º 96.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que prevê que: “2 – (…), o processo judicial tributário não deve ter duração acumulada superior a dois anos contados entre a data da respectiva instauração e a da decisão proferida em 1.ª instância que lhe ponha termo.”
Quanto a este último preceito, não obstante ser meramente indicativo e ordenador, ainda assim, ajuda a servir de parâmetro para aferir o tempo que idealmente se requer para a duração do processo judicial tributário em 1.ª instância.
Ora, o processo em questão demorou em 1.ª instância cerca de 8 anos, mais do dobro do tempo que vem sendo apontado pelo TEDH e pelos nossos tribunais superiores e mais de um triplo do tempo em relação ao referido no art.º 96.º do CPPT.
Como se disse, o referido processo, não obstante a sua delonga, era um processo de dificuldade média, que teve a prova sobretudo adstrita à documental e que não clamava pela aplicação de um quadro legal difícil ou complexo.
Quanto ao grosso do tempo da demora, ocorreu na fase da prolação da decisão de 1.ª instância, não porque tenham ocorrido entre a data da inquirição da testemunha e aquela prolação vicissitudes complicadas ou pesadas, mas, simplesmente, porque a referida decisão demorou mais de 5 anos a ser prolatada.
Mais se indique, que não releva nos presentes autos para efeitos de afastar a ilicitude da conduta do Estado, a alínea CM da matéria de facto assente, uma vez que o elevado número de processos pendentes no tribunal não pode ser fundamento para isentar ou obstar à efectivação da responsabilidade por atrasos na administração da justiça. Nestas situações, o Estado responderá civilmente pela desorganização do aparelho judicial, assim como pela deficiente definição dos quadros do tribunal. Aquela mesma prova terá, apenas, que ser apreciada em sede de culpa, para a atenuar.
Por conseguinte, ainda que não se possa rotular o tempo total de 11 anos como de claramente exagerado, quando comporte o total da tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância e um recurso, com todas as suas possíveis vicissitudes, ainda assim, frente ao caso concreto há aqui que concluir pela ocorrência de uma violação do direito à justiça num prazo razoável.
Está, pois, verificado o requisito da ilicitude que dá lugar à obrigação de indemnizar.
No que concerne à culpa, existirá uma culpa de serviço, uma culpa globalmente considerada. Ou seja, a administração da justiça não funcionou de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, desde logo porque não conseguiu efectivar num tempo mais curto e portanto mais razoável a justiça que se almejava.
Aqui chegados, haverá que aferir da verificação dos restantes pressupostos para imputar a responsabilidade ao Estado, isto é, há que aferir da existência de danos e da verificação do nexo de causalidade entre estes e o ilícito. Ora, frente a estes pressupostos a presente acção haveria necessariamente de claudicar.
Como já se indicou, porque a presente acção é relativa a um atraso na administração da justiça decorrente de um processo de impugnação da liquidação do IMI, está a respectiva matéria excluída da aplicação do art.º 6.º da CEDH e do alcance directo da jurisprudência do TEDH em volta desse preceito.
Assim, aqui não há que aplicar o indicado preceito e a referida jurisprudência, quando se apartem do nosso quadro normativo, designadamente da Lei n.º 67/2007, de 31-12 e daquela que é jurisprudência adoptada pelos nossos tribunais superiores frente a essa Lei.
O TEDH tem vindo a entender que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, quando se esteja frente a direitos e obrigações de carácter civil, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Tal prova só se exigirá quando os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.ºs 62361, de 29-03-2006, Riccardi Pizzati c. Itália ou 50262/99, de 22-06-2004, C. Bartl c. República Checa).
Porém, essa jurisprudência do TEDH não deverá aplicada ao caso ora em apreço, que se relaciona com um atraso na administração da justiça relativo a um processo sobre matéria fiscal, não incluída no âmbito de aplicação do art.º 6.º da CEDH.
Logo, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31-12, para poder proceder o pedido formulado nesta acção pelo A., relativamente aos danos não patrimoniais, teria de ter ficado provado que tais danos se haviam verificado como consequência do ilícito.
Como decorre dos autos, o A. alegou na PI ter tido danos morais, mas tais danos não ficaram provados. Por seu turno, através deste recurso o A. e Recorrente não impugna o julgamento de facto, limitando-se a arguir que face à jurisprudência do TEDH relativamente ao art.º 6.º da CEDH, esses danos presumem-se existentes.
Como indicamos, aqui não se aplica a referida jurisprudência do TEDH, não havendo que presumir-se os danos morais frente a um atraso na administração da justiça decorrente de um processo em matéria fiscal. Nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31-12, para o A. ser ressarcido pelos danos não patrimoniais que invoca, teria de ter provado a existência desses danos.
Assim, não estando provada na presente acção a existência de danos não patrimoniais, o correspondente pedido havia de ter claudicado in totum.
No caso em apreço, o recurso à presunção de danos que vem construída pela jurisprudência do TEDH, com base na aplicação do art.º 6.º da CEDH, não faz sentido, porque é contrária à Lei n.º 67/2007, de 31-12, que exige a prova do dano moral para poder proceder a indemnização a esse título.
A decisão recorrida atribuiu ao A. e Recorrente a indemnização de €1.740,00, acrescida de juros legais desde a data da citação, para ressarcimento de danos não patrimoniais, por atraso na administração da justiça, decorrente do atraso num processo de impugnação judicial do acto de liquidação do IMI, aplicando ao caso aquela que é a jurisprudência do TEDH frente ao art.º 6.º da CEDH. A invocação da CEDH, da jurisprudência do TEDH e da presunção de danos não patrimoniais sempre que a violação do prazo razoável tenha sido constatada, é feita de forma expressa na decisão recorrida, que, assim, concedeu a indicada indemnização, ainda que não tenham sido provados pelo A. quaisquer danos morais. A aplicação do art.º 6.º da CEDH e da jurisprudência do TEDH pelo Tribunal recorrido também seguirá alguma jurisprudência do STA e do TCAN, que aplica o regime do art.º 6.º da CEDH e a jurisprudência do TEDH sobre esse preceito, ainda que a matéria se relacione com questões fiscais, sem distinções relativamente às matérias relativas a direitos e obrigações de carácter civil (cf. nesse sentido, o Ac. do STA n.º 292/17, de 30-03-2017, que não admitiu recurso de revista num caso relativo a uma impugnação tributária, ou os Acs. do TCAN n.º 678/11.0BEPRT, de 04-11-2016 e n.º 2767/06.3BEPRT, de 05-07-2012, que aplicaram o art.º 6.º da CEDH em casos relativos a atrasos na administração da justiça que envolviam impugnações tributárias).
O Estado não apresentou recurso da decisão recorrida, aceitando os seus termos.
Por conseguinte, não obstante não se acompanhar a referida decisão, quando atribuiu a indemnização ao A. por danos não patrimoniais, presumindo a existência desses danos por decorrência da constatação do pressuposto ilicitude, a mesma terá agora de se manter, porque não vem recorrida pelo EP.
Claudica, portanto, o presente recurso, por não estarem provados na acção quaisquer danos não patrimoniais e consequentemente não estarem provados os pressupostos dano e nexo de causalidade, exigíveis cumulativamente nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31-12, para a atribuição de uma qualquer indemnização ao A. por danos não patrimoniais.

Quanto à alegação de recurso relativa ao erro decisório, por não terem sido reconhecidos ao A. danos patrimoniais pelo valor de €1.476,00, correspondentes aos honorários a pagar ao mandatário do A. e Recorrente com a presente acção, acrescidos do valor correspondente aos honorários com este recurso, a fixar pelo critério da equidade, terá de proceder parcialmente.
Alega o A. e Recorrente que está provado o dano de €1.476,00, relativo a despesas com honorários pela interposição desta acção, face ao conteúdo do doc. 1 à PI.
Acontece, porém, que tal dano não resulta indicado entre os factos provados na decisão recorrida. Na verdade, o A. e Recorrente não impugnou o julgamento de facto, tendo aceite o mesmo. O que significa, que o A. e Recorrente aceitou que não esteja provado nos autos que despendeu €1.476,00 em honorários de advogado. Ora, a não impugnação da matéria de facto por banda do Recorrente em sede de recurso, implica a preclusão do seu conhecimento pelo Tribunal superior.
Portanto, porque não ficou provado nos autos que o A. tivesse efectivamente despendido €1.476,00 em honorários de advogado e porque o A. e Recorrente conformou-se com esse julgamento de facto, não o impugnando em sede deste recurso, há que concluir, primeiramente, que o dano pelo valor concreto de €1.476,00, relativo a honorários pagos pelo A. ao seu mandatário para interpor a presente acção em 1.ª instância é um dano não provado.
Em conclusão, não está provado nos autos o montante do dano com o patrocínio pelo mandatário judicial no valor de €1.476,00.
Não obstante, atendendo a que na PI deste processo se indicava o valor de €9.276,00, exigir-se-ia para a sua interposição o patrocínio por mandatário judicial (cf. art.º 11, n.º 1, do CPTA). Igualmente para a apresentação deste recurso tal patrocínio é exigido. Apreciados os autos, constata-se, ainda, que o A. se encontra patrocinado por Advogado.
Logo, sem embargo de não estar provado nos autos que o A. tenha despendido a quantia de €1.476,00 em honorários de advogado, ter-se-á de admitir que o A. incorreu (ou vai incorrer) em despesas com advogado, porquanto aqui ocorre patrocínio obrigatório e o A. e Recorrente encontra-se efectivamente patrocinado nesta acção.
Ou seja, há que dar como provado que o A. tem despesas com o patrocínio nesta acção e recurso, apenas não se sabendo porque montante, ou qual o concreto valor dessas despesas. Consequentemente, porque não ficou provado nos autos o valor concreto destes danos, tal quantificação vai ter de ocorrer posteriormente, em incidente de liquidação.
Logo, na falta de prova – e considerando que o A. e Recorrente não impugnou o julgamento de facto – terá de claudicar a alegação relativa à existência de um erro decisório por não lhe ter sido atribuída uma indemnização por danos patrimoniais no valor de €1.476,00.
Porém, procederá aquela mesma alegação quando entendida como se referindo apenas à existência de um dano não quantificado, relativo aos honorários de advogado pelo processo em 1.ª e 2.ª instância (cf. art.º 358.º, n.º 2, do CPC).
Na verdade, com relação aos indicados honorários, por um valor a quantificar, há que considerar preenchidos os pressupostos do dever do Estado a indemnizar.
A ilicitude da conduta do Estado e a correspondente culpa decorre, como acima referimos, da tramitação por um total de cerca de 11 anos de uma acção de impugnação. Esse tempo tem de rotular-se de desrazoável, por tal impugnação ter demorado cerca de 5 anos a mais do que seria admissível nos padrões indicados pela nossa jurisprudência para outros casos de atraso na administração da justiça.
Aqueles mesmos honorários correspondem a uma lesão ou a um prejuízo de ordem patrimonial produzido na esfera jurídica do A. e Recorrente.
Igualmente, no caso, está verificado o nexo de causalidade entre os reclamados danos pelo patrocínio nesta acção e o facto ilícito, que corresponde à maior delonga da acção de impugnação, porquanto a presente acção só se tornou necessária porque o A. e Recorrente quis efectivar o seu direito indemnizatório por aquela delonga exagerada.
Como acima indicamos, estando aqui em causa um pedido de responsabilidade por facto ilícito, aplica-se a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC. Por conseguinte, para aferir do nexo de causalidade haverá que verificar se o facto ilícito - o atraso na administração da justiça - constituiu, em concreto, uma condição sine qua non do dano que se invoca e se, em abstracto, aquele facto também era capaz (ou idóneo) para, em condições normais, produzir o dano invocado.
Ora, os danos que o A. e Recorrente já teve – e terá - com o pagamento de honorários de advogado, resultantes da interposição da presente acção e recurso – em que se requer uma indemnização por atraso na administração da justiça – decorrem, em concreto e em abstracto, do facto ilícito. Na verdade, o atraso na administração da justiça foi a razão, em concreto, que justificou a interposição desta acção. Depois, em abstracto, a interposição de uma acção para efectivar a responsabilidade do Estado é também uma consequência normal e adequada, consequente à verificação daquele atraso.
Será este também o sentido da jurisprudência do STA, que nos indica que nas acções intentadas para se efectivar uma indemnização por acto ilícito, os danos decorrentes dos honorários de advogado, que resultem da interposição dessa mesma acção, são danos indemnizáveis. Neste sentido vejam-se, entre outros, os Acs. do STA n.º 01635/15, de 14-04-2016, n.º 0308/07, de 28-11-2007, n.º 01328A/03, de 24-04-2007 n.º 01036/05, de 19-12-2006, n.º 039934. De 08-03-2005 ou n.º 043994, de 09-06-1999. Em sentido próximo veja-se também o Ac. do TCAN n.º 00304/07.1BEPRT, de 15-07-2015. Esta jurisprudência segue aquele que também é adotada pelo TEDH, vg no Ac. 64890/01, Apicella c. Itália. Este mesmo assunto foi alvo de uma revista, admitida muito recentemente pelo STA, através do Ac. 0256/18, de 12-04-2018, mas que ainda não foi decidida.
Ora, a presente acção visa efectivar a responsabilidade do Estado por um acto ilícito, decorrente de um atraso na administração da justiça. Por conseguinte, as despesas com os honorários de advogado, necessárias à interposição desta acção e correspondente recurso devem ter-se por motivadas por aquela ilicitude. Ou seja, são ressarciveis enquanto dano não patrimonial.
De notar, contudo, que o STA também já entendeu que no valor dos honorários de advogado, a ressarcir a título de danos por acto ilícito, há apenas que computar aqueles valores que sejam considerados os adequados e necessários para debelar o ilícito ou para efectivar o direito do A., a aferir frente ao caso concreto.
Nesse sentido, no Ac. do STA n.º 0314/13, de 19-05-2016, entendeu-se que: “não há qualquer obrigação de satisfação integral dos honorários forenses. Acresce a isso que a tabela de honorários para apoio judiciário deve funcionar como um valor indiciário do que seja um serviço minimamente adequado para alcançar a defesa pretendida. Finalmente, cabe ao juiz da causa adaptar todos estes tópicos orientadores ao caso concreto dos autos (às suas peculiaridades), e, de acordo com um juízo equitativo, arbitrar o montante que deve ser ressarcido a título de indemnização por despesas com honorários forenses.”
Por conseguinte, o recurso procede também nesta parte, por se dever determinar o pagamento das despesas com honorários de advogados, que o A. e Recorrente tenha tido na 1.ª instância e que decorram do presente recurso, pelo valor que se venha a apurar em incidente de liquidação, atendendo à jurisprudência acima citada, que determina que aquele valor fica balizado, frente ao caso concreto, pelos valores considerados como os adequados e necessários para debelar o ilícito ou para efectivar o direito do A.

Quanto à última alegação do recurso, improcede manifestamente. Diz o A. e Recorrente que há um erro decisório por não se ter determinado ao Estado o pagamento de custas e taxa de justiça, por a acção dever proceder integralmente.
Na decisão recorrida determinou-se o pagamento de custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, não obstante não se ter fixado, em concreto, essa mesma proporção.
Como decorre dos autos o A. veio peticionar na PI uma indemnização por danos morais no valor de €7.800,00 (que no presente recurso diminui para €7.600,00), acrescida de uma indemnização por danos patrimoniais, de €1.476,00, no valor total de €9.276,99.
Na decisão recorrida foi determinada a procedência parcial da acção e condenado o R. EP no pagamento da quantia de €1.740,00, acrescida de juros legais, desde a data de citação e até efectivo pagamento.
Portanto, naquela 1.ª instância foi determinado, e aqui bem, que o A. ficasse responsável pelas custas na parte em que decaiu, falhando apenas quando omitiu a indicação da concreta proporção desse decaimento (cf. art.º 527.º, n.º 2, do CPC).
Quanto ao R. EP, estava isento de custas, por isenção objectiva, face ao determinado no art.º 4.º, n.º 1, al. a), do RCJ.
Assim, porque o R. EP está isento de custas nos termos do citado RCJ, não terá que pagar as mesmas ou a taxa de justiça, como o A. clama neste recurso.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento parcial ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, por honorários de advogado;
- em substituição, condenar o R. Estado Português ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, correspondentes ao valor necessário e adequado ao pagamento dos honorários de advogado pela interposição da presente acção e recurso, em valor a quantificar ulteriormente em incidente de liquidação;
- em manter a decisão recorrida quando determinou o pagamento pelo Estado Português de uma indemnização por danos patrimoniais no valor de €1.740,00, acrescida de juros legais, desde a data de citação e até efectivo pagamento, por tal segmento decisório não ter sido alvo de recurso pelo Estado Português;
- fixa-se o decaimento das custas em 1.ªa instância, pelo Recorrente, em 50%;
- custas de recurso pelo Recorrente, na proporção do decaimento, que se fixa em 50%;
- o R. está isento de custas em 1.ª e 2.ª instância.

Lisboa, 20 de Setembro de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)