Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:294/13.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS.
EXCESSO NA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
Sumário:1. Na demonstração do excesso na quantificação da matéria colectável, com recurso a métodos indirectos, as regras dos ónus da prova objectivos devem ser aplicadas no quadro da norma legal de habilitação que serve de base à intervenção administrativa.
2. Tal convoca para o seu “interior” o escrutínio judicial da legalidade/juridicidade da actividade administrativa, incluindo o controlo do preenchimento dos pressupostos de facto que estão na base da decisão de quantificação da matéria colectável, o que inclui a verificação sobre a própria (in)existência do facto tributário.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 375/388, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “J... M... A... M..., Unipessoal, Lda”, visando os actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, relativos aos exercícios de 2008, 2009, 2010, no valor total de €128.826,11.
Nas alegações de recurso de fls.406/411, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1. A douta sentença recorrida decidiu pela procedência do pedido fundamentando com o facto do critério de avaliação indirecta da matéria colectável ser falível e não ter tido em conta vários factos descritos pela Impugnante.
2. Invoca ainda a decisão sob recurso que há prova documental da existência de menus para dia específico que inclui bebidas como o Doc. a fls. 274 dos autos.
3. Com o sempre devido respeito, não pode a FP concordar com a decisão.
4. Conforme explanado no Relatório da Inspecção Tributária (RIT), a AT não teve conhecimento da existência de menus nem a Impugnante provou que os vendesse.
5. A expressão menus utilizada pela testemunha pode equivaler a “prato do dia”. Este tinha o valor de €5,00 ou €6,00, o que, acrescido da bebida somaria os € 8,00 ou €9,00 mencionados na inquirição.
6. A fixação da matéria colectável por avaliação indirecta utilizou os dados documentais fornecidos pela Impugnante em detrimento dos rácios fornecidos pelo sistema informático.
7. O rácio é uma média de valores obtidos da actividade dos contribuintes inscritos com o mesmo CAE da Impugnante e inclui um intervalo entre um sujeito passivo com maior margem bruta de prestação de serviços e um com a menor margem e, bem assim, o que é fixado para os contribuintes faltosos, tornando-se mais distorcido da realidade por essa razão.
8. Todos os métodos de quantificação por avaliação indirecta são falíveis atento o próprio conceito de avaliação por presunção.
9. No Anexo B do RIT, a fls. 5, 6 e 7, foram fornecidas ementas pela Impugnante segundo as quais este não fornecia menus mas sim pratos do dia em que a bebida não estava incluída.
10. Tal prova documental contraria a testemunhal.
11. O Doc. de fls. 274 respeita a 2012 e não aos exercícios impugnados e respeita a uma situação pontual pelo que não pode fundamentar a decisão.
12. Do depoimento do Sr. A... S..., é possível inferir que nos almoços de grupo, os clientes escolhiam previamente as bebidas e que o preço total do almoço era dividido pelos membros do grupo e não o sentido com que interpretou a Mmª Juiz a quo os referidos factos.
13. Os autoconsumos internos foram considerados pelo dobro do indicado pela Impugnante pelo que o valor considerado pela AT foi em favor da mesma.
14. Tendo decidido no sentido da procedência do pedido, incorreu o julgador da 1ª instância em erro de julgamento.
X
Não há registo de contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 420/421) no qual se pronuncia no sentido da recusa do provimento do presente recurso jurisdicional.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A. A Impugnante é uma sociedade que tem por objeto a exploração de estabelecimento de restauração e é proprietária e explora, o estabelecimento comercial – restaurante – “D...” (fls. 96 e 97 dos autos e depoimento das testemunhas).
B. Em 2011, a Impugnante substituiu o software e hardware do restaurante “D...”, tendo sido apagado do computador servidor, todos os dados de suporte à contabilidade que aí se encontravam, relativos à atividade diária da Impugnante dos anos transatos (cfr. depoimento das testemunhas).
C. Em 11/01/2012, foram emitidas Ordens de serviço n.° OI20120.. e OI201200.. pela Direção de Finanças de Faro que originaram uma acção externa de inspecção abrangendo os exercícios de 2008 a 2010 (cfr. fls. 58 a 61 dos autos).
D. Em 30/01/2012, foi enviado ofício nº 2778, à Impugnante com o assunto: carta- aviso onde consta que a inspeção é de âmbito geral (cfr. fls. 52 dos autos).
E. Em 09/02/2012 o Restaurante O D..., propriedade da Impugnante sofreu um incêndio na cozinha, constando do “relatório de ocorrência nº 48/2012” que “foram destruídos vários documentos de contabilidade geral que se encontravam na arrecadação/armários, relativamente aos anos de 2006 a 2010” (cfr. fls. 223 dos autos).
F. Em 12/01/2012, foram emitidas as Ordens de Serviço OI201... e OI201... para inspeção parcial ao ano de 2008 e aos anos de 2009 e 2010, respetivamente (cfr. fls. 58 e 59 dos autos).
G. Em 30/01/2012, foi enviada “Carta-aviso” à Impugnante referente a “Inspeção Geral” aos exercícios de 2008 a 2010 (cfr. fls. 52 dos autos).
H. Em 04/06/2012 foi emitido “Despacho nos termos dos nºs 4 e 5 do art. 46º do RCPIT”, para “consulta, recolha e cruzamento de elementos”, bem como, nota de diligência referente ao exercício de 2012 (cfr. fls. nº 53 e 54 dos autos).
I. Em 21/05/2012 foi enviada “Carta-aviso” à Impugnante referente a “Inspeção Parcial” aos anos de 2008, 2009 e 2010 (cfr. fls. 56 dos autos).
J. Em 05/06/2012, a Impugnante tomou conhecimento das Ordens de Serviço, mediante assinatura do sócio gerente, referidas na alínea F) (cfr. fls. 58 e 59 in fine).
K. A inspeção tributária iniciou-se em 05/06/2012 e terminou em 05/09/2012 (cfr. fls. 96 dos autos).
L. Em 19/06/2012 a Administração Tributária notificou a Impugnante para “facultar os ficheiros SAF-T (PT) da Faturação (livres de erros) respeitantes aos anos de 2008, 2009 e 2010 (…)”; “facultar “cópia dos talões de transferência de pagamento automáticos (TPA) referentes aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 e fotocópia da carta de vinhos e ementas utilizadas pelo sujeito passivo no estabelecimento comercial “Restaurante D...” no decorrer dos anos de 2008,2009 e 2010” e ainda “identificar (discriminando) e quantificar, todos os autoconsumos internos, efetuados no decurso dos exercícios económicos de 2008, 2009 e 2010” (cfr. fls. 215, 216 e 217 dos autos).
M. Em 25/06/2012, a Impugnante apresentou requerimento de resposta junto com documentos insertos nos autos de fls. 218 a 274, onde constam, nomeadamente, as cartas de refeições e cartas de vinhos do restaurante “D...” (cfr. fls. 253 a 264 dos autos).
N. Em 25/11/2012 foi elaborado o relatório final, o qual se tem reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, nomeadamente, consta o seguinte:
(Texto no Original)
(cfr. fls. 91 a 183 dos autos)
O. Em 10/10/2012, foi aposto na 1ª folha do RIT, pelo Diretor de Finanças Adjunto de Faro, no âmbito de delegação de competências, o seguinte despacho: “Concordo.” (cfr. fls. 91 dos autos)
P. Em 11/10/2012, através do ofício nº 21056 foi comunicado ao Ilustre Mandatário da Impugnante o Relatório de Inspecção Tributária e o despacho que sobre ele recaiu (cfr. fls. 13 e 14 dos autos).
Q. A Impugnante apresentou um “pedido de revisão da matéria colectável ”que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 190 a 205 dos autos).
R. Os peritos reuniram em 29/11/2012, não tendo chegado a acordo (cfr. fls. 208 dos autos).
S. Em 30/11/2012, na falta de acordo entre os peritos, o Diretor de Finanças de Faro proferiu a seguinte decisão:
(Texto no Original)
(cfr. fls. 206 e 207 dos autos);
T. Em 03/12/2012, através do ofício nº 25240 foi comunicado à Impugnante a decisão do pedido referido na alínea anterior (cfr. fls. 205 dos autos).
U. Em 07/12/2012, foram emitidas as liquidações de IRC e juros compensatórios, nºs 2012831005…, 20128310059… e 2012831… relativas aos anos de 2008, 2009 e 2010, nos valores de €31.158,65, €35.219,48 e €52.084,36 (cfr. fls. 45 a 53 do p.a.).
V. Em 15/12/2012 foi emitida “demonstração de liquidação de IRC sem documento de cobrança” (cfr. fls. 65 dos autos).
W. Em 21/12/2012, foi a Impugnante notificada pessoalmente, na pessoa do seu gerente da liquidação referente a 2008 de IRC e IVA no valor de €36.177,41 e €17.426,19, respetivamente (cfr. fls. 53 do p.a.).
X. Em 10/01/2013, a Administração Tributária presumiu a notificação da Impugnante por Via CTT da “demonstração de liquidação de IRC” (cfr. fls.65 dos autos).
Y. Em 17/01/2013, foi enviado ofício nº 11.. com o assunto: notificação das liquidações – IRC e IVA 2008 (cfr. fls. 62 dos autos).
Z. Da carta do restaurante “D...” consta: “Vinho da casa – Copo – 15 cl: €1,50”; (cfr. fls. 180 dos autos).
AA. Foram entregues pela Impugnante, no âmbito da inspeção “listas do dia”, bem como inventário do vinho com “existências iniciais e finais” (cfr. fls. 129 a 165 dos autos).
X
Em sede de «Factualidade não provada» consignou-se:
«Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.».
X
Em sede de «Fundamentação de julgamento» consignou-se:
«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, no processo administrativo junto aos autos e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência contraditória.//O depoimento das testemunhas foi esclarecedor e convincente, tendo relevado o depoimento das testemunhas da Impugnante, no que diz respeito quer ao funcionamento do restaurante propriedade da Impugnante, quer à relação em termos financeiros e contabilísticos entre esta e o seu único sócio J... M....//A testemunha M… de F… P…, por ter feito a contabilidade da Impugnante, teve conhecimento direto dos factos e o seu depoimento foi claro e coerente, referindo que, tratando-se a Impugnante de uma sociedade unipessoal, havia uma conta-corrente entre o único sócio e esta, pelo que, os fornecedores por vezes eram pagos com capital da empresa, outras vezes, pelo próprio sócio. Entre estes, era feito um documento denominado “operações diversas” que, não obstante a falta da assinatura do sócio, era aceite na contabilidade para justificar o acerto da conta-corrente. Quando existiam receitas por parte da Impugnante, os valores faturados, eram depositados, mas por vezes, a receita divergia dos montantes depositados, pois não eram feitos no próprio dia da faturação.//Mais relevou também para a prova dos factos relativos à falta de dados e documentação de suporte aos elementos contabilísticos. O depoimento de R… L…, por ser representante da empresa responsável pela instalação do programa informático de faturação do restaurante, teve conhecimento direto dos factos e o seu depoimento mostrou-se convincente pela sua clareza, precisão e coerência, tendo referido que propuseram à Impugnante a aquisição de um novo programa informático de gestão do restaurante e o novo software obrigou à substituição também do hardware.// Na altura e atualmente, existem dois computadores, um é o servidor e o outro é um posto, onde se fazem as encomendas das refeições e quando fizeram a substituição, por engano, foi feita sobre o computador que era, na altura, o servidor, onde estavam guardados todos os dados anteriores a 2011. Mais relevou o depoimento de C… G…, cozinheiro, que, confirmou, tal como referido no documento inserto fls. 223 dos autos, a ocorrência de um incêndio que destruiu também documentos necessários para efeitos contabilísticos.//No que diz respeito aos factos relativos à atividade da Impugnante foi relevante a testemunha A... S..., que é fornecedor e também cliente da mesma, que também tem conhecimento dos factos e não obstante ter um discurso menos fluído, em comparação com as restantes testemunhas, mostrou-se convincente.//Quer esta testemunha, quer a testemunha R… L… ou ainda, C… G… permitiram esclarecer que o restaurante trabalhava essencialmente com refeições do dia (carne ou peixe), ou económica (de grupos) ou ainda menu turístico, sendo que, os recibos emitidos apenas faziam referência em termos globais, sem discriminação dos produtos consumidos.//No que diz respeito à inspeção tributária e aos resultados a que a Administração Tributária chegou, foi importante o depoimento da inspetora tributária em confronto com a testemunha F… S… que, participou como perito no procedimento de inspeção tributária.//A inspetora tributária confirmou que nas pastas da contabilidade estavam apenas dados diários, registados em “famílias”, como por exemplo, bar. Não era possível verificar o que cada cliente consumiu em comida, refrigerantes, vinhos, etc. pois normalmente essas informações estão no software de gestão do estabelecimento e que, no caso, não lhe foi disponibilizado. Confirmou o que havia sido referido pelas testemunhas da Impugnante, quanto à explicação dada para a falta de documentos de suporte.//Esclareceu o tribunal que a opção pelo critério escolhido dos vinhos, resultou da conclusão de que, face à falta de outros dados, relativamente a outros produtos, como por exemplo, peixe, no que diz respeito às garrafas de vinho, a sua análise e quantificação seria mais viável já que conseguiriam proceder à quantificação, porque tinham as existências iniciais e finais e como estavam declarados pelo sujeito passivo, era fácil confrontar e ver se havia omissões, em termos de vinhos.// Referiu que, no cálculo, os vinhos que eram consumidos na cozinha ou pelo próprio sócio, ou funcionários, foram expurgados do resultado, tendo, inclusive considerado como preço de custo, o valor maior das faturas para dar margem para as oscilações. Resultou também do depoimento da inspetora que verificaram a existência de vinhos que eram vendidos no estabelecimento, mas que não constava na carta de vinhos. Veio também confirmar que não teve em conta o vinho vendido a copo e presumiu que uma garrafa é aberta para ser consumida em apenas uma refeição. Finalmente, referiu ainda que havia sido dado um valor para “quebras e desvios” de garrafas, tendo sido levado em conta no nº de garrafas vendidas no exercício e o procedimento foi o seguinte: foram à listagem de fornecedores que vendiam o vinho, verificaram as quantidades de garrafas que cada fornecedor vendeu à empresa, e retiraram as devoluções nas notas de crédito.».
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2.2. De Direito.
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 375/388, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “J... M... A... M..., Unipessoal, Lda”, visando os actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, relativos aos exercícios de 2008, 2009,…. , no valor total de €128.826,11.
2.2.2. Para julgar procedente a impugnação, no que respeita ao vício de erro na quantificação, a sentença estruturou a argumentação seguinte:
«A metodologia adotada pela Administração Tributária para apurar, por presunção, o volume de negócios da Impugnante, foi a “Relação existente entre o valor presumido da venda de vinhos e a percentagem ponderada dos vinhos no total das receitas contabilizadas pelo sujeito passivo”.
Foi eleita como amostra de trabalho a comercialização de vinhos e repercutiu em todo o restante (90%) do volume de negócios da Impugnante.
Como decorre do RIT, a percentagem na ponderação no total das prestações de serviço é de 10,80% em 2008, 10,63% em 2009 e 11,42% em 2010, com base na documentação entregue pela Impugnante.
Do relatório de inspeção tributária resulta que a Administração Tributária verificou as compras efetuadas aos fornecedores de vinho, através do controlo das quantidades constantes das faturas dos mesmos, que se encontravam na contabilidade, tendo em conta as existências iniciais e finais constantes dos inventários apresentados pela Impugnante e os preços de venda da carta de vinhos.
Mais resulta que, segundo a Administração tributária, seria o único critério possível, atenta a falta de elementos na contabilidade que permitissem utilizar qualquer outro.
Acontece que o método usado é também ele falível, já que, a Administração Tributária não teve em conta, vários factos descritos pela Impugnante (…).
Assim sendo, não podia a Administração, atentos os princípios da legalidade e proporcionalidade, fazer a presunção que fez, na tentativa de aproximação à realidade, quanto não teve em conta os factos referidos, consubstanciando uma situação de erro na quantificação, conforme defendido pela Impugnante».
2.2.3. A recorrente insurge-se contra o veredicto que fez vencimento na instância. Considera que a sentença incorreu em erro de julgamento ao dar como demostrado o erro na quantificação da matéria colectável. Invoca que a fixação da matéria colectável por avaliação indirecta utilizou os dados documentais fornecidos pela Impugnante em detrimento dos rácios fornecidos pelo sistema informático; o rácio é uma média de valores obtidos da actividade dos contribuintes inscritos com o mesmo CAE da Impugnante e inclui um intervalo entre um sujeito passivo com maior margem bruta de prestação de serviços e um com a menor margem e, bem assim, o que é fixado para os contribuintes faltosos, tornando-se mais distorcido da realidade por essa razão.
Por seu turno, a recorrida invoca na petição inicial de impugnação que o critério escolhido assenta na venda de vinhos, os quais representam 10% a 11% da facturação; ou seja, a AT elegeu como única amostra de trabalho a comercialização de vinhos, fazendo-a repercutir sobre o total do volume de negócios. Mais refere que «quando define como critério, mesmo no cálculo através de métodos indiretos, a adequação e a proporção à realidade do SP, a amostra deveria ser abrangente, no sentido de alcançar as diversas realidades de um restaurante, cuja venda de vinhos é totalmente acessória e não demonstrativa de qualquer realidade global.
Vejamos.
A quantificação da matéria colectável por métodos indirectos está sujeita a um imperativo de diferenciação dos casos e de apuramento da situação individual de cada contribuinte, que escapa a uma aplicação indiferenciada e mecânica da lei. A avaliação indirecta ocorre sempre que a base tributável não se pode definir, nem quantificar; consiste na determinação da matéria colectável, quer na sua base (nas suas fontes), quer no seu montante através de juízos de diagnose e de prognose, os quais se aproximam (devem aproximar) o mais possível da realidade.
A existência de um regime legal de avaliação indirecta comprova que o dever de apuramento da verdade material a cargo da Administração Fiscal não é um dever que decorre apenas do princípio da legalidade fiscal ou do princípio da igualdade fiscal, mas antes corresponde à solução encontrada no Direito fiscal para a eventual incerteza sobre os factos que integram o âmbito previsivo da norma de incidência fiscal, através da remissão para as normas de competência ou para normas de habilitação legal, na medida em que convocam um concreto regime de avaliação da matéria colectável. Por outras palavras, «cabe à [Administração Fiscal] o ónus da prova dos factos constitutivos do afastamento da presunção de verdade, que (…) levam ao preenchimento dos pressupostos de aplicação de correcções técnicas (avaliação directa) ou de aplicação de métodos indirectos, no caso de os vícios tornarem impossível o apuramento da matéria colectável»(1). «Num segundo momento, (…) deve ser demonstrado, através de um juízo de prognose póstuma, com base em regras de experiência comum, que o vício detectado é causa directa e necessária da impossibilidade de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos»(2). Ou seja, as regras dos ónus da prova objectivos devem ser aplicadas no quadro da norma legal de habilitação que serve de base à intervenção administrativa, o que convoca para o seu “interior” o escrutínio judicial da legalidade/juridicidade da actividade administrativa, incluindo o controlo do preenchimento dos pressupostos de facto que estão na base da decisão de quantificação da matéria colectável, o que inclui a verificação sobre a própria (in)existência do facto tributário.

No caso em exame, o critério de quantificação em apreço assentou, para os exercícios em causa, «na relação existente entre o valor presumido da venda de vinhos e a percentagem ponderada dos vinhos no total das receitas contabilizadas pelo sujeito passivo»(3).

Em face dos dados da contabilidade existentes, verifica-se que a análise da venda de vinhos corresponde ao único elemento de registo fiável (ponto IV do RIT), sendo este o critério de quantificação aplicado, cuja correcção em si mesma não é posta em causa pelo impugnante. Cabe a este último a prova do erro ou excesso na quantificação, prova que deve ser realizada através elementos que, de forma incisiva e conclusiva, permitam extrair a asserção de que, nas circunstâncias do caso concreto, existe critério de quantificação alternativo, mais afeiçoado à realidade do rendimento percebido do que aquele que no caso foi aplicado. O que não ocorreu no caso em exame. A prova testemunhal, só por si, não é suficiente para descredibilizar os elementos existentes no procedimento de inspecção, cujo valor probatório não foi questionado, de forma eficaz, pelo impugnante. Ou seja, as diferenças entre as vendas declaradas e as vendas efectivas detectadas não são postas em causa pelo impugnante (V. quadro 5 do RIT).

A dúvida ou a suspeita sobre o critério de quantificação aplicado não logra ultrapassar o limiar do ónus da prova do excesso na quantificação (artigo 74.º/3, da LGT).
Ao julgar em sentido diverso do referido, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue a impugnação improcedente.
Termos em que se impõe julgar procedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.
Custas pelo recorrido em primeira instância.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunta)
(Ana Pinhol - 2º. Adjunta)

(1) Elisabete Louro Martins, O ónus da prova no direito fiscal, Coimbra Editora, 2010, pp. 147/148.
(2) Elisabete Louro Martins, O ónus da prova…, cit., p. 148.
(3) Ponto V. do RIT.