Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11623/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/14/2015
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:SERVIÇO UNIVERSAL DO MERCADO DE COMERCIALIZAÇÃO DE ELECTRICIDADE – LADA;
INCOMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:1.O exercício da actividade de comercialização de electricidade no quadro do serviço universal sob licença de comercialização de último recurso, não configura nenhuma situação indiciária da sujeição da actividade exercida pelo particular a vinculações de desempenho de funções administrativas – cfr. artºs. 45º nº 3, 52º, 53º e 55º, DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) e artºs. 46º, 47º nºs. 1 e 2 a 49, DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06).

2. O referido em 1., significa a inaplicabilidade do regime da informação procedimental no âmbito de previsão do artº 4º nº 1 g) ou nº 2, Lei 46/2007, 24.08 (LADA).

3.O litígio envolvendo obrigações emergentes do serviço universal sob licença de comercialização de último recurso no sector da electricidade, configura uma situação jurídica subtraída à competência da jurisdição administrativa, atento o disposto no artº 4º nº 1 d) ETAF.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EDP Serviço Universal SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida p0elo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em sede de acção de intimação (artº 104º CPTA), dela vem recorrer concluindo como segue:

1. Na sentença recorrida, o Tribunal "a quo" julgou improcedente uma excepção dilatória de incompetência absoluta por considerar que, sendo a Entidade Requerida uma "concessionária de serviço público", ela se "mostra abrangida pela norma atributiva de competência material aos tribunais administrativos contida no artigo 4º nº 1, alínea d), do ETAF
2. Sucede que, tal preceito, ao submeter à jurisdição administrativa "a fiscalização da legalidade das normas das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos", aponta como elemento determinante para a administratividade dos litígios respeitantes a actos praticados por privados a questão de saber se tais sujeitos são ou não detentores de poderes públicos de autoridade;
3. Na verdade, o campo normal da actuação das entidades privadas em relação a terceiros é o direito privado, pelo que as relações que elas estabelecem com terceiros são, em regra, relações jurídicas privadas e os litígios delas emergentes são apreciados pelos tribunais judiciais;
4. Sem prejuízo disso, podem tais entidades ser dotadas, por força de lei ou por contrato, de poderes públicos de autoridade, caso em que os actos praticados no exercício desses poderes (e apenas e exclusivamente estes) são objecto de fiscalização pelos tribunais administrativos, ao abrigo do artigo 4º nº 1, alínea d), do ETAF;
5. Assim, é na apreciação do carácter público e autoritário dos poderes atribuídos e exercidos por entidades privadas - e não na qualificação do estatuto ou natureza jurídica dessas entidades, como entendeu o Tribunal "a quo", incorrendo num erro de julgamento - que reside o fator determinante para a delimitação da esfera de competência dos tribunais administrativos;
6. A EDP SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. é uma sociedade de direito privado, constituída pela EDP DISTRIBUIÇÃO ENERGIA, S.A para em cumprimento do disposto no artigo 73.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 29/2006, de 15 de fevereiro (diploma que estabelece as bases gerais da organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional) exercer a actividade de comercializador de último recurso;
7. Nenhum dos diplomas legais que regulam a actividade da EDP SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. lhe reconhece a titularidade de prerrogativas de direito público, nem tais poderes resultam de qualquer título (contratual ou de outro tipo) atribuído pelo Estado;
8. Não dispondo a Entidade Requerida deste tipo de poderes, o litígio que está na base do presente processo nunca poderá advir "de atos jurídicos praticados por sujeitos privados (...) no exercício de poderes administrativos", pelo que não estão reunidos os pressupostos de que depende, nos termos do artigo 4º nº 1, alínea d), do ETAF, a atribuição da competência para o julgamento de tal litígio aos tribunais administrativos;
9. Na medida em que essa competência também não se pode fundar, manifestamente, em nenhuma das outras alíneas deste nº 1do artigo 4.º do ETAF, deve concluir-se que a relação jurídica em causa está fora do âmbito da jurisdição administrativa;
10. Verifica-se, portanto, a excepção dilatória de incompetência absoluta, que o tribunal "a quo" não reconheceu, incorrendo desse modo num erro de julgamento - um erro que deverá ser corrigido por este Tribunal, determinando, em consequência, a absolvição da instância da Entidade Requerida; informação sobre um contador de energia eléctrica e contratos que a ele dizem respeito - são documentos administrativos de cariz procedimental (isto é, são documentos que integram ou resultam de um concreto procedimento administrativo que se encontra ainda em curso), que a Entidade Requerida estava obrigada a facultar à Requerente ao abrigo dos artigos 61.º e 64.º do CPA;
11. Caso assim não se entenda - o que mera cautela de patrocínio se admite, a sentença recorrida padece também de um erro de julgamento na parte em que, apreciando o mérito da causa, considera que a Requerente pode exercer, perante a Entidade Requerida, o direito de acesso a informação administrativa procedimental;
12. Entende o Tribunal "a quo" que os documentos solicitados pela Requerente - que respeitem a informação sobre um contador de energia eléctrica e contratos que a ele dizem respeito - são documentos administrativos de cariz procedimental (isto é, são documentos que integram ou resultam de um concreto procedimento administrativo que se encontra ainda em curso), que a Entidade Requerida estava obrigada a facultar à Requerente ao abrigo dos artigos 61.º e 64.º do CPA;
13. Sucede que as regras do CPA - incluindo as regras que prevêem os deveres de prestação de informações, permissão da consulta de processos e passagem de certidões, previstas nos artigos 61º a 63.º - só devem ser cumpridas por sujeitos privados sempre que estejam reunidos dois pressupostos:
(i) esses sujeitos desempenhem uma actividade administrativa ao abrigo de um título concessório; e
(ii) estejam a actuar no exercício de poderes de autoridade (cfr. artigo 2º nº 3 do CPA);
14. No caso em apreço, a Entidade Requerida não dispõe de quaisquer poderes de autoridade, pelo que, por esse simples facto, nunca poderia estar sujeita - como concluiu, erradamente, o Tribunal "a quo" - ao artigo 61º do CPA e ao dever de prestação de informações aí previsto;
15. Mas acresce ainda que a EDP SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. também não assume o estatuto de concessionária de serviço público, qualificação que só lhe pode ser atribuída - como se faz na sentença recorrida - por desconhecimento do quadro normativo vigente no que respeita à ordenação e funcionamento do sector eléctrico, bem como por desconsideração das diferentes variantes que compõem o fenómeno da privatização de tarefas públicas;
16. Esse processo de privatização abrange duas modalidades de cariz distinto: a privatização organizatória e a privatização material:
(i) a primeira abrange as situações em que a iniciativa privada se vê investida, por via da celebração de um contrato de concessão, de uma responsabilidade de execução - cabendo-lhe assumir, com autonomia, a gestão de uma tarefa pública - sem que ocorra qualquer metamorfose na natureza jurídica ou titularidade desta tarefa; diferentemente
(ii) no caso da privatização material, verifica-se um processo de efectiva deslocação de uma tarefa ou função pública para o sector privado, o qual tem por efeito a despublicização ou renúncia pública à sua titularidade;
17. Por vezes, nesta segunda forma de privatização, e quando estão em causa serviços de interesse económico geral, o Estado assume uma responsabilidade de garantia da prestação - obrigando-se a assegurar ou garantir a existência ou exercício efetivo da tarefa privatizada e continuando empenhado em que se alcancem determinados resultados ao nível da satisfação de necessidades da colectividade - o que faz através da imposição de obrigações de serviço público;
18. É exactamente nesta categoria de casos - que se reportam ao exercício, por um privado, de uma actividade económica despublicizada mas sujeita a obrigações de serviço público - que se enquadra a EDP SERVIÇO UNIVERSAL,S.A.;
19. Com efeito, como resulta indubitavelmente da análise do quadro legal que regula a sua atividade enquanto comercializador de último recurso (cfr., em particular, artigos 46.º a 49ºdo Decreto-Lei n.º 29/2006 e nos artigos 52º a 55º do Decreto-Lei n.º 172/2006), a Entidade Requerida não exerce uma tarefa de titularidade pública que lhe foi concessionada, mas sim uma tarefa privada sujeita a obrigações de serviço público, destinadas a assegurar que o fornecimento de um bem essencial, como é a energia elétrica, esta acessível a todos os indivíduos nela interessados - independentemente da respectiva situação económica, social ou geográfica;
20. Em suma, a Entidade Requerida não se integra no âmbito subjectivo de aplicação do CPA uma vez que este apenas integra sujeitos privados que sejam concessionários e que atuem no exercício de poderes de autoridade e a EDP SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. não é uma entidade que exerça, por via de uma concessão, uma tarefa de titularidade pública e exatamente por isso - ou seja, pelo facto de exercer uma tarefa que foi despublicizada e é agora de cariz exclusivamente privado - não dispõe de quaisquer prerrogativas de autoridade;
21. Não se integrando no âmbito de aplicação do CPA, a Entidade Requerida não pratica atos que relevem da actividade administrativa e que, como tal, estejam sujeitos às regras e princípios que disciplinam esta actividade - incluindo as regras respeitantes ao dever de prestação de informação procedimental, previstas nos artigos 61.º a 64º daquele Código;
22. Ao decidir em sentido inverso, considerando que a Entidade Requerida está sujeita a tal dever e, em consequência, deferindo a intimação judicial deduzida pela Requerente, a sentença recorrida incorreu num erro de julgamento que justifica a sua revogação, concluindo-se pelo indeferimento do pedido de intimação formulado.

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A Recorrida C……….. – Construção ………………., Lda. contra-alegou, concluindo como segue:

1. Compulsado o Douto recurso, não se encontra qualquer referência ao objecto da intimação relativa ao fornecimento de informações.
2. A ora recorrida deseja apenas obter informação sobre os factos e sobre a base legal que fundamentou a alteração da titularidade do contador que, por contrato celebrado entre a EDP e a C…………, se encontrava adstrito à ora recorrida, que sempre cumpriu pontualmente as obrigações emergentes de tal contrato, o qual jamais foi revogado ou resolvido pela Electricidade de Portugal ou por qualquer das suas sucedâneas.
3. Há antes que questionar qual o hipotético desconforto que poderá causar à ora recorrente a divulgação dos elementos solicitados.
4. Nos termos da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, que criou mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, estabelecem-se o dever de informação que recai sobre o prestador, informação clara e conveniente da outra parte sobre as condições em que o serviço é fornecido, incluindo a prestação de todos os esclarecimentos que se justifiquem (artigo 4º);
5. De qualquer forma, o contrato celebrado assume sempre a natureza administrativa, quer por força de a entidade fornecedora do contador ser então uma empresa pública (Sociedade anónima de capitais públicos); quer ainda porque prosseguia actividades de natureza pública que eram, indistintamente, a produção, o transporte, a distribuição e a comercialização de energia.
6. Acresce que a EDP tal como, actualmente, as empresas que lhe sucederam, estão sujeitas a exigentes normas de serviço público, nomeadamente no que tange à regularidade do serviço, à prestação de informações e à protecção dos consumidores.
7. Não obstante as alterações legislativas relativas ao SEN; nos termos do nº 1 do artigo 12º do Código Civil, essa nova regulamentação só disporá para o futuro.
8. Nos termos do mesmo artigo 12º, ainda que fosse atribuída eficácia retroactiva à nova regulamentação, “ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
9. Nesta medida, sempre teria que aplicar-se a legislação administrativa, do tempo em que a Electricidade de Portugal (EDP) era uma empresa pública, dotada de poderes de autoridade e em que, nessa qualidade, atribuiu a titularidade do contador à C………..
10. Nos termos do nº 2 do artigo 12º do Código Civil, 1ª parte, “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal ou sobre os efeitos entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”.
11. Isto é, ainda que as condições de validade formal ou substancial da regulamentação da comercialização de energia tenham mudado por força da liberalização do SEN, entende-se que tais mudanças só abrangerão contratos futuros.
12. Assim, o contrato em apreço deverá reger-se pelas normas em vigor ao tempo da sua celebração, as quais apontam para a competência dos tribunais administrativos e para a viabilidade da presente intimação.
13. Se assim não fosse, nenhuma das sociedades teria qualquer responsabilidade, a EDP por ter sido extinta; e o Serviço Universal por só ter sido constituído após a alteração do SEN.
14. Por outro lado, sendo a recorrente sucessora legal dos direitos e obrigações da extinta EDP, assume a primeira os benefícios mas também os encargos da segunda.
15. É pois de aplicar o regime administrativo, no qual as partes fundaram a vontade de contratar.
16. Sem prescindir, não obstante a índole privada da comercialização de energia actual, a mesma fica sempre sujeita a regulamentação de Direito Público (Cfr. Tese de Mestrado da Dra. Joana Abreu, 2012, Evolução História do SEN, Capítulo II, págs. 11 a 23).
17. Finalmente, as obrigações de serviço público impõem a qualquer interveniente do SEN, a garantia, a segurança, a qualidade e a regularidade dos serviços prestados, bem como informar os consumidores (cfr. Alíneas a) e d) do nº 3 do artigo 5º; e artigo 6º do DL. nº 29/2006, de 15 de Fevereiro.
18. Contrariamente ao alegado pela recorrente, o artigo 4º do ETAF não se esgota apenas na sua alínea d).
19. Ao invés, também seriam de aplicar a esta situação as alíneas e) e f) do mesmo preceito, as quais apontam, decisivamente, para a pertinência das intimações para a jurisdição administrativa nas contendas mesmo entre sujeitos privados.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. A requerente dirigiu requerimento à Electricidade de Portugal pedido de informação relativo a transferência de contador, nos termos e teor do documento junto com o r.i. cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. doc. de fls. 31 a 34 dos autos).
2. O pedido, supra identificado, não foi satisfeito (admissão por acordo).


Nos termos do artº 662º nº 1, 1ª parte, CPC adita-se o probatório nos termos que seguem:

3. O teor do documento referido em 1. é o seguinte:
“(..) Lisboa, 28 de Junho de 2013
Assunto: Pedido de documentação relativa à transferência do contador associado à conta 200 314 704 627 relativo ao cliente n° l 314 704 627 (insistência).
Excelentíssimos Senhores,
Os meus melhores cumprimentos.
Na qualidade de advogado da firma C…….. - Construção ………., Lda. - conforme procuração forense em anexo - fui informado pela minha cliente, da troca de correspondência já efectuada entre a C………… e a EDP - Central de atendimento - a propósito do fornecimento dos dados que a C……….. solicitou, relativamente ao contador em referência (cfr. Cartas da C……….. e EDP que constituem, respectivamente, does. n°s l e 2).
Face à intrigante resposta da EDP - doc. n° 2 - cumpre, antes do mais esclarecer as três razões pelas quais a C……… não poderá ser considerada ente "terceiro" nesta questão.
Antes do mais, e em primeiro lugar, o contador identificado no assunto desta missiva sempre esteve na titularidade da C………, até para efeitos de realização da obra, concretamente do Edifício Porta ……….., em ……… (cfr. Factura em anexo que constitui doe. n° 3).
Em segundo lugar, por outro lado, o contador encontra-se - como aliás sempre sucedeu - presentemente em parte própria da C…………, não em zona comum do prédio dado que, neste caso, tratava-se de legalizar apartamentos turísticos, e não um qualquer prédio de habitação, não estando pois em causa o mero cumprimento de regras atinentes à propriedade horizontal.
Finalmente, cumpre esclarecer que a requerente C…………. é comproprietária de uma permilagem de 472/1000 do edifício (cfr. Resumo Patrimonial em anexo que constitui doe. n° 4) nunca podendo portanto, consequentemente, ser tida como parte "terceira", não elegível para efeitos da informação solicitada.
Por todos estes motivos, dizíamos, a Douta carta enviada pela EDP é, neste momento, intrigante e incompreensível, a não ser que de erro se trate.
Sendo assim, visando esclarecer cabalmente a dúvida suscitada por Vossas Excelências, consegui ainda convencer a minha constituinte a conceder-vos um inapelável e derradeiro prazo de dez dias, contados da recepção da presente missiva para, enfim, juntarem a documentação e informações solicitadas, isto é, cópias de toda a documentação que sustentou a eventual transferência da titularidade do contador em epígrafe", relativo à conta n° 200 314 704 627, código do ponto de entrega PT ……………. DY.
Na falta de resposta, dentro do prazo agora indicado, ver-me-ei forçado, contra vontade, a intimar judicialmente a Electricidade de Portugal a prestar as informações e juntar a documentação pertinente, o que redundará em perda de tempo para Vossas Excelências, além do pagamento de avultadas custas judiciais.
Mais aproveito esta oportunidade para recordar a Vossas Excelências que a Administração Pública e, bem assim, as empresas que prestam serviços de interesse público, estão vinculadas aos deveres de informação, passagem de certidões e consultas de documentos que lhes sejam solicitados (artigos 61° a 63° do Código do Procedimento Administrativo).
Consequentemente, dispõe o n° l do artigo 104° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - em execução dos princípios de acesso à informação anteriormente sintetizados - que "quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação da entidade administrativa competente (...) ".
Certo porém de que não será necessário o recurso à via judicial para resolução de uma questão tão simples, renovo os meus melhores cumprimentos, enquanto aguardo as vossas prezadas e urgentes notícias. (..)” – fls. 3133 dos autos.
4. O documento transcrito em 3. decorre na sequência do ofício da EDP – Serviço Universal datado de 17.06.2013, dirigido a C…….., Construções …………… Lda., cujo teor é o seguinte:
“(..) Assunto: Informação sobre contrato CPE:PT ……………. DY.
Exmos. Senhores,
Recebemos em 13/05/2013 a carta de V. Exas. que agradecemos e que mereceu a nossa melhor atenção.
Relativamente ao solicitado informamos que, como certamente compreenderão, não podemos prestar a terceiros quaisquer elementos ou informações referentes a contratos celebrados com os nossos clientes.
Tais elementos apenas podem ser fornecidos aos próprios ou a alguém devidamente habilitado para o efeito.
Lamentamos assim informar não nos ser possível satisfazer o solicitado.
Estamos disponíveis para qualquer esclarecimento complementar em www.edpsu. pt ou pela linha de apoio comercial, 808505505.
Com os nossos melhores cumprimentos (..)” – fls. 30 dos autos.



DO DIREITO


O cerne substantivo do presente recurso está em saber, primeiro, da natureza jurídica das funções do serviço universal no âmbito da actividade societária desenvolvida pela ora Recorrente no domínio da comercialização de energia eléctrica em baixa tensão, e, segundo, se no quadro das obrigações emergentes do serviço universal é concebível estender a entidades privadas o complexo normativo que define o regime de acesso à informação administrativa.
A opção que se tome nesta matéria há-de enformar a questão da competência dos tribunais administrativos no tocante ao pretendido acesso aos documentos solicitados pela Recorrida à ora Recorrente respeitantes a informação sobre um contador de energia eléctrica e contratos que a ele dizem respeito
Em sede de acção, o pedido deduzido pela ora Recorrida é o seguinte:
§ “(..) intimada a prestar toda a informação solicitada, além de fornecer a documentação que esteve na base da transferência da titularidade do contador acima identificado. (..)” – fls. 6 dos autos.
Tal pedido vem na sequência do solicitado por escrito junto dos serviços comerciais da Recorrente,
§ “(..) juntarem a documentação e informações solicitadas, isto é, cópias de toda a documentação que sustentou a eventual transferência da titularidade do contador em epígrafe", relativo à conta n° 200 314 704 627, código do ponto de entrega PT …………………. DY. (..)” – alíneas 1 e 3 do probatório.


1. serviço universal no sector da comercialização de electricidade;

A concorrência no sector eléctrico situa-se nas actividades de transporte, distribuição e comercialização de electricidade sendo a rede nacional de distribuição (RND) gerida pela EDP Distribuição Energia SA, titular da concessão da RND por 35 anos, conforme artº 70º DL 29/2006, 15.02.
No tocante à aquisição de electricidade pelos consumidores, estatui o artº 45º nº 2 DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06, 15.02) que – “A actividade de comercialização de electricidade é exercida em regime de livre concorrência, estando sujeita a registo …”, nos termos ddos artºs 46º e ss. deste Diploma.
Na decorrência do direito comunitário em matéria das regras comuns para o mercado da electricidade, com excepção do caso previsto no artº 36º nº 8 do citado Diploma, a lei impõe a separação societária da actividade de comercializador de último recurso – vd. artº 47º DL 29/2006, 15.02, artº 53º nºs 3 e 4 a) DL 172/2006, 23.08, hoje artºs. 46º e 47º nºs. 1 e 2 DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06) e artsº 45º nº 3, 52º e 53º DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) – e, consequentemente, a EDP Distribuição Energia SA, “(..) viu-se obrigada a constituir uma nova sociedade comercial, à qual foi atribuída (pelo prazo de vigência do contrato de concessão da RND) licença para o exercício da actividade de comercializador de último recuso: essa sociedade é a EDP – Serviço Universal SA, o maior comercializador português. (..)”. (1)

*
O titular da licença de comercializador de último recurso mostra-se sujeito ao bloco de obrigações que conformam o serviço universal, nos termos dos artºs. 45º nº 3, 52º, 53º e 55º, DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) e artºs. 46º, 47º nºs. 1 e 2 a 49, DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06).
O elenco de obrigações que conformam o serviço universal na vertente da protecção do consumidor no que tange ao direito à informação, tem assento expresso nos artºs. 5º nº 3 d), 6º nº 2, 44º nº 6 e 53º 2 c) do DL 215-A/2012, 08.10, verificando-se que, relativamente à versão inicial do DL 29/2006, de 15.02, o legislador procedeu a uma maior densificação dos direitos dos consumidores.
Concretamente, introduzindo (i) o artº 45º-A sob a epígrafe de “Relações com os clientes” e no que respeita ao Capítulo III relativo aos consumidores, (ii) sob a epígrafe “Direitos”, no artº 53º nº 5 o direito a “procedimentos transparentes e simples para o tratamento de reclamações relacionadas com o fornecimento de electricidade” e (iii) sob a epígrafe “Direitos de informação”, manteve no artº 54º nº 1 f) a “Consulta prévia sobre todos os actos que possam vir a modificar o conteúdo dos seus direitos.”
Por outro lado, em termos de mercado da electricidade o legislador não distingue os consumidores da comercialização regulada, isto é, do serviço universal, dos restantes, tanto assim que em termos de conceito, os consumidores do artº 6º nº 2 DL 29/2006, “(..) são os “utentes” que a Lei 23/96 [de 26 de Julho, que consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais, abrangendo o serviço de fornecimento de energia eléctrica] define com uma latitude coincidente com a do conceito de consumidor ou cliente de electricidade. (..)” (2)

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Como nos diz a doutrina que vimos citando, a prestação do serviço universal no sector da comercialização de electricidade, “(..) refere-se à exigência que se coloca ao Estado de garantir que no mercado, exista um operador em condições de fornecer electricidade a todos os clientes que o solicitem, a preços razoáveis – fixados pelas instâncias de regulação (ERSE) – observando a legislação aplicável.
O conceito encontra-se, portanto, associado a uma obrigação de fornecimento de electricidade em condições regulamentadas e com preço fixado pela entidade reguladora sendo que (..) Ao contrário do que se verifica noutros sectores (v.g., serviço universal de comunicações), a regulamentação do sector eléctrico não se ocupa do financiamento ou cobertura dos custos do serviço universal.
O princípio que se adopta é o de que as tarifas, incluindo as do serviço universal são fixadas de modo a proporcionar um determinado nível de proveitos ao comercializador de último recurso (cf. artº 14º do Regulamento Tarifário). Assume-se, por conseguinte, que os preços da electricidade hão-de, em todos os cenários, cobrir os custos do comercializador e deixar uma margem de proveitos (nível permitido de proveitos).
Eis o que resulta do disposto no artº 53º nº 2 do Decreto-lei nº 172/2006: “pelo exercício da actividade de comercialização de último recurso é assegurada uma remuneração nos termos do Regulamento Tarifário que assegure o equilíbrio económico e financeiro da actividade licenciada, em condições de uma gestão eficiente” (..) [cabe] não confundir os conceitos de serviço universal e de serviço público (enquanto prestação pública).
Na verdade, o serviço universal remete para uma responsabilidade pública de garantia exigindo que o Estado assegure, não por si mas através do próprio mercado, que certos serviços são prestados segundo condições especificadas. A prestação do serviço representa, de certo modo, um encargo para os prestadores, impondo-lhes que prestem os serviços abrangidos segundo regras predefinidas e não nas condições normais de mercado. (..)” (3)
Encargo que nesta área da comercialização de electricidade, é suportado pelos consumidores através das tarifas fixadas pela entidade reguladora (ERSE), regime que se mantém no âmbito do DL 215-B/2012, 08.10 diploma que, como já referido, procedeu à revisão do DL 172/06.

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Do que vem dito se conclui que os sujeitos processuais do presente litígio são um utente e o comercializador de último recurso no mercado eléctrico, respectivamente Recorrida e Recorrente, cujo objecto tal como conformado na petição inicial, emerge de obrigações do serviço universal na vertente da protecção dos consumidores no que tange ao direito à informação, com assento normativo expresso nos artºs. 5º nº 3 d), 6º nº 2, 44º nº 6 e 53º 2 c) do DL 29/2006, de 15.02 e revisão operada pelo DL 215-A/2012, 08.10.
Cabe, pois, saber se é concebível estender a entidades privadas o complexo normativo que define o regime de acesso à informação administrativa e submeter o litígio aos Tribunais Administrativos através do processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos artº 104° e ss., do CPTA, meio processual autónomo pelo qual se visa a resolução urgente e célere de pretensões que se reconduzem a assegurar o direito à informação administrativa procedimental e não procedimental, com assento constitucional, atento o disposto nos art°. 35°, n°s. l a 7 e no art°. 268°, nºs. l e 2, ambos da CRP, os quais haviam merecido já concretização ao nível do direito ordinário, conforme resulta do disposto nos artºs 61° a 65°, do CPA/82.


2. direito à informação procedimental e não procedimental – artº. 268º nºs l e 2, CRP;

Com efeito, no nº 1 do art. 268° da CRP, está consagrado que: “Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados” e no nº 2, do mesmo art. 268°, que: “Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.
Sobre o disposto no n.° 1 e no n.° 2 (princípio do arquivo aberto), diz Sérvulo Correia que “(..) A utilização neste nº 2 do advérbio "também" denota a consciência de um nexo conjuntivo entre os direitos à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos: são, na verdade, duas diferentes concretizações de um mesmo princípio geral de publicidade ou transparência da administração.
Mas se ambos se conjugam em torno do propósito de banir o "segredo administrativo", algo os diferencia: ao passo que o primeiro direito se concebe no quadro subjectivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.(..)”. (4)
Estes dois planos do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram respeitados aquando da sua incorporação no CPA/82 tratando do primeiro os artºs. 61° a 64° e do segundo o artº. 65°.
O direito à informação procedimental comporta, assim, três direitos distintos: o direito à prestação de informações (art. 61°), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (art. 62°).
O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art. 65°).
Os documentos administrativos a que o particular interessado tem acesso não são apenas os que têm origem ou são detidos por órgãos da Administração, mas também a sua reprodução e o direito de serem informados sobre a sua existência e conteúdo – vd. Ac. STA de 01/02/94, Proc. n.° 33555.
Neste domínio, o alcance e extensão da obrigação da Administração Requerida deve aferir-se tendo em atenção que a certidão é sempre um documento emitido face a um original que comprova ou revela o que consta dos seus arquivos, processos ou registos, e não declaração de ciência ou juízo de valor baseado em factos que constem dos seus arquivos ou preexistam no seu conhecimento – vd. Ac. STA de 17.06.97, Rec. 42279 “(..) está excluída a obtenção de pareceres, opiniões, instruções, ou qualquer outra forma de elucidação, seja de que natureza for, que extravasem do procedimento ou documento, o que exige a identificação ou individualização de um e do outro pela requerente, condição sine qua non para este poder ver a sua pretensão satisfeita.” - mais não sendo do que documentos que visam comprovar factos pela referência a documentos escritos preexistentes ou que atestam a inexistência desses documentos.
Neste sentido, mesmo que a informação ou documento, cuja certidão o Requerente requer, não se encontre no processo, terá o Requerido de informar ou passar a certidão “(..) quanto mais não seja para atestar a sua inexistência naquele processo e ou a falta de elementos para a sua localização noutro processos e, na hipótese de não possuir tal documento para informar qual a entidade que o detém, se tal facto for do seu conhecimento (..)” – vd. Ac. STA de 30/11/94, Proc. n.° 36256 – perante estas circunstâncias caberá emitir a correspondente certidão negativa.
Continuando com a doutrina da especialidade, “(..) Na definição constitucional, os titulares do direito à informação administrativa procedimental são aqueles que têm interesse directo no procedimento.
Já os titulares do direito de acesso a arquivos e registos administrativos são os cidadãos que não estão, para aquele efeito, em qualquer relação procedimental específica e concreta com a Administração Pública. (..)
Se quisermos utilizar duas expressões consagradas na dogmática, o direito à informação administrativa procedimental define-se como um direito uti singulis, sendo que o direito de acesso a arquivos e registos administrativos se caracteriza por ser um direito uti cives.
Ou, nas palavras de J. M. Sérvulo Correia, o direito à informação administrativa procedimental configura a “publicidade erga partes” e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos, independentemente de um procedimento, a “publicidade erga omnes” (in O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs. 9-10, pp. 135).
O primeiro perspectiva o indivíduo enquanto administrado, em sentido estrito, no quadro de uma específica e concreta relação com a Administração Pública e portador de interesses eminentemente subjectivos.
o segundo considera o particular como cidadão face ao poder, em termos mais genéricos.
Dizendo ainda de outra forma, o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de protecção de interesses mais objectivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da acção administrativa. (..)”. (5)
Do que vem dito decorre a configuração do direito à informação administrativa procedimental como direito subjectivo procedimental e em consequência do princípio do contraditório e das garantias de defesa, na medida em que “(..) quem participa num procedimento tem de conhecer o respectivo objecto e as vicissitudes por que o mesmo tenha passado desde o início. (..)”.(6)


3. comercializador de último recurso e regime da LADA; incompetência da jurisdição administrativa;

Feito este enquadramento, voltamos à questão que ora importa, e que é nuclear na economia do presente recurso, de saber se é concebível estender a entidades privadas o complexo normativo que define o regime de acesso à informação administrativa e, por consequência, submeter o litígio aos Tribunais Administrativos.

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A exclusão do dever de informação no âmbito da LADA relativamente a entidades jurídico-privadas destituídas de poderes de autoridade ou poderes públicos recolhe apoio maioritário da doutrina, pondo de manifesto que “(..) No caso das entidades particulares, a integração na Administração – e portanto a exposição ao direito administrativo – não se processa num plano institucional – torna-se necessário que elas se encontrem investidas de funções administrativas (..) em princípio, se um particular não assegura a execução, em nome próprio e com imputação pessoal, de uma função administrativa, não há lugar à aplicação do direito administrativo. (..)
(..) Nestes termos quando uma entidade particular se vê demandada num tribunal da jurisdição administrativa (fora dos casos em que podem ser demandados meros particulares ou sujeitos privados) a primeira exigência que se coloca é a de saber se a essa entidade se encontra confiada uma função administrativa (..) e aplicados critérios que conduzam a qualificar como administrativa a função que a entidade particular desempenha (..) deverão recusar-se critérios materiais (v.g., prossecução de interesse público ou satisfação de necessidades colectivas) [vem a propósito lembrar que a realização do interesse público não constitui um monopólio da Administração] e privilegiar critérios formais, que denotem, com suficiente precisão, a apropriação pública da função em causa. (..)”.
Continuando com a doutrina que vimos citando, em sede de sujeitos passivos abrangidos pelo disposto no artº 4º nº 1 g) ou nº 2, Lei 46/2007, 24.08, evidencia-se que “(..) no âmbito da LADA a situação das empresas do sector público contrasta com aquela em que se encontram “outras entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos” – em relação a estas últimas entidades (que podem ser, por exemplo empresas concessionárias de serviços públicos) parece-nos ficar claro que a LADA se aplica apenas quando actuem no exercício das referidas funções e poderes. Por razões compreensíveis, a sujeição apresenta pois um perfil funcional e não institucional (..)” (7)

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Como já afirmada logo de início, no caso do serviço universal no sector da comercialização de electricidade, a ora Recorrente actua no mercado livre de comercialização da energia eléctrica, embora sob o condicionamento legal da licença de comercialização de último recurso nos termos dos artºs. 45º nº 3, 52º, 53º e 55º, DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) e artºs. 46º, 47º nºs. 1 e 2 a 49, DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06).
O que significa que estando o mercado da comercialização de energia eléctrica liberalizado – cfr. artº 45º nº 2 DL 215-B/2012, 08.10 -, a circunstância da previsão legal do condicionamento de acesso mediante licença a esta específica actividade económica de serviço universal, não configura um acesso em regime de monopólio, dado que há outros empresas privadas a actuar no mercado num sistema de concorrência aberto à iniciativa económica privada à escala europeia, como é do conhecimento público.
Neste sentido, embora a ora Recorrente exerça uma actividade económica de acesso condicionado e regulada por lei, tal não constitui factor de apropriação pública da actividade desenvolvida, porque este quadro jurídico de condicionamento de exercício e regulação da actividade “(..) apenas pode indiciar uma apropriação pública nos casos em que a actividade de descondicionamento e de controlo de direitos não é legalmente privatizada e liberalizada. Assim, haverá, neste caso específico, um “princípio de apropriação pública”, sempre que a actividade for exercida por uma única entidade particular (indicada pelo Estado), em posição de monopólio ou de exclusivo publicamente enquadrado e regulado. (..)” (8)
Ou seja, a ora Recorrente é uma sociedade privada que exerce a sua actividade no mercado concorrencial da energia eléctrica aberto à iniciativa privada à escala europeia, licenciada para o exercício de comercializador de último recurso, sujeita às obrigações específicas do serviço universal nos termos da lei, sendo que a intervenção do Estado se contém nos limites da responsabilidade de garantia, em ordem à verificação do cumprimento efectivo das obrigações emergentes do serviço universal de acordo com o bloco normativo regulatório dos artºs. 45º nº 3, 52º, 53º e 55º, DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) e artºs. 46º, 47º nºs. 1 e 2 a 49, DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06).

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É conhecido caminho que tem sido percorrido pela tese que encara favoravelmente “(..) a possibilidade de sujeição ao julgamento pelos tribunais administrativos de todos os litígios emergentes da obrigação de serviço universal, no quadro do conceito comunitário de serviço de interesse geral, que já não meramente no quadro do conceito de matriz francesa de serviço público.
A questão da eventual relevância autónoma da obrigação de serviço público no quadro da justiça administrativa diz bem da evidente “objectivização” do direito administrativo, a qual leva a que em diversos sectores do ordenamento jurídico diminui a necessidade de efectuar a qualificação do ente jurídico em presença como público ou privado, para efeitos da determinação de traços de regime jurídico.
Não tendo sido intenção declarada do legislador da reforma acolher uma tal proposta, não só o conceito de relação jurídica administrativa, tal como o entendemos, pressupõe a inclusão das relações jurídicas decorrentes do estabelecimento de obrigações de serviço público, como o artº 4º do ETAF contém diversas disposições que permitem sustentar este entendimento. (..)” (9)
Todavia, como se disse, os conceitos de serviço universal e serviço público não se confundem e, no caso concreto, do quadro legal que conforma a actividade de comercialização de energia eléctrica no mercado de serviço universal não se retiram quaisquer elementos que, em concreto, constituam factores indiciários da sujeição da actividade exercida pela ora Recorrente a vinculações de desempenho de funções administrativas.

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Por quanto vem de ser dito, não se verifica nenhum quadro factual que permita a subsunção da situação trazida a recurso no âmbito de previsão do artº 4º nº 1 g) ou nº 2, Lei 46/2007, 24.08 (LADA), ou seja, não tem sustentação a aplicabilidade ao caso do regime da informação procedimental; assim sendo, o litígio respeitante a esta matéria configura uma situação jurídica subtraída à competência da jurisdição administrativa, por não se conformar com o disposto no artº 4º nº 1 d) ETAF.
Tudo visto, procedem as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 10 das conclusões, mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais.


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Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso e revogar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrido.

Lisboa, 14.MAIO.2015


(Cristina dos Santos) ………………………………………………………………

(Paulo Gouveia) Declaração de Voto …………………………………

(Nuno Coutinho).......................................................................................

Declaração de voto: Votei, por concordar inteiramente a decisão. Mas é necessário sublinhar que o sistema jurídico não pode deixar o particular sem tutela jurisdicional efectiva clara. Daí ser de lamentar que o legislador neste tipo de situações se mantenha calado, ora permitindo que o particular possa ter a ilusão de que está bem tutela pela jurisdição administrativa, ora crendo na “mão invisível” do “mercado virtuoso”, em que o “contrato” teria sempre partes com pesos equiparáveis. Mas isto não corresponde à vida real.
14.05.2015 Paulo Gouveia


(1)Pedro Gonçalves, Regulação, electricidade e telecomunicações, in Direito Público e Regulação nº 7, Coimbra Editora/2008, págs. 111, 99-100.
(2) Pedro Gonçalves, Regulação, … in DPR nº 7, págs. 114-115.
(3) Pedro Gonçalves, Regulação, … in DPR nº 7, págs. 141-142, 218-219.
(4) Sérvulo Correia, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs.9-10, págs. 133 e ss.
(5) Raquel Carvalho, O direito à informação administrativa procedimental - Publicações Universidade Católica, Estudos e Monografias/Porto/1999, págs.159/160.
(6) Pedro Machete, A audiência dos interessados no procedimento administrativo, Universidade Católica Editora, Estudos e Monografias/1996, 2ª ed., pág. 400.
(7) Pedro Gonçalves, Entidades privadas com poderes administrativos, CJA/58, págs. 54-55,57; O direito de acesso à informação detida por empresas do sector público, CJA-81, pág. 8, nota 18; Entidades privadas com poderes públicos, Almedina/2005, págs. 144-145, 467-470; Assis Raimundo, Ainda o acesso à informação detida por empresas públicas – Ac. STA, de 30.5.2012, P.263/13, CJA/98, págs. 43-44.
(8) Pedro Gonçalves, Entidades privadas com poderes públicos, Almedina/2005, págs. 467-470, 483-484.
(9) Assis Raimundo, As empresas públicas nos tribunais administrativos, Almedina/2007, págs. 331/332, 334/ 335,citando Fausto de Quadros, Serviço público e direito comunitário, in Os caminhos de privatização da Administração Pública – IV Colóquio Luso Espanhol de Direito Administrativo, Studia Iuridica nº 60, Coimbra Editora/2001, pág. 298.