Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:105/23.0BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REJEIÇÃO LIMINAR
ACTO INIMPUGNÁVEL
Sumário:
I – Se no momento em que processualmente cumpre ao juiz emitir despacho liminar nos autos cautelares, este se apercebe que é manifesta a ausência dos pressupostos processuais da acção principal de que aqueles dependem, deve retirar todas as consequências processuais daquela falta, rejeitando liminarmente o requerimento inicial, pondo assim fim a uma pretensão cautelar que estava, “ab initio”, condenada a improceder.
II – O regime processual onde se insere a audiência prévia é válido para a acção administrativa (vd. Título II do CPTA), mas não já para os processos urgentes, cuja tramitação e regime específico constam do Título III do CPTA e, muito menos, para os processos cautelares, cujo regime específico de tramitação consta do Título IV do CPTA.
III – Sendo o despacho que ordenou o despejo inimpugnável, devido à ultrapassagem do prazo de impugnação previsto no artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA, e que aquele cuja suspensão de eficácia era agora pedida se limitou a dar-lhe execução, nos termos previstos no artigo 177º do CPA, é manifesta a falta de pressupostos da acção impugnatória que a recorrente pretendesse intentar contra aquele despacho de 11-11-2022, por inimpugnabilidade do acto (neste caso, por ser um acto de mera execução de acto anterior, sendo indiferente para esta conclusão que o mesmo já não fosse impugnável), determinando a rejeição liminar do requerimento inicial, nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 116º do CPTA.
IV – Tal conclusão só poderia ser abalada caso a recorrente tivesse assacado ao acto suspendendo vícios próprios, na medida em que os actos que se limitem a executar acto administrativo exequendo prévio não são autonomamente impugnáveis, nos termos do nº 3 do artigo 53º do CPTA, só o podendo ser por vícios próprios, e na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador, algo que, porém, a recorrente não alegou nem logrou demonstrar, já que se limitou a reiterar os vícios que havia assacado ao despacho do presidente do município de Cascais de 4-2-2022.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. T. & Co Kg”, sociedade de direito alemão, com sede na P.. 2.., 6.., W., Alemanha, intentou no TAF de Sintra, ao abrigo do disposto nos artigos 112º e seguintes do CPTA, contra o Município de Cascais, e indicando como contra-interessados “M. – M. e G., Unipessoal, Ldª”, com sede na Rua M. L. 3. Bl …, ..º Dtº, no E., “C. E. Lote .., nº …”, sito na R. L., Lote .., …, no E., e V. M., residente na R. L., Lote .., .. – …º Esq., no E., uma providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, nomeadamente do despacho proferido pelo Presidente do Município de Cascais, datado de 11-11-2022 que, no âmbito despejo do administrativo, processo de cessação de utilização nº 4/2021, ordenou o despejo imediato do edifício sito na R. L. nº .., .. – E, M. E., no prazo de 45 dias.
2. O TAF de Sintra, por despacho datado de 8-2-2023, rejeitou liminarmente o requerimento inicial, com fundamento manifesta a falta de pressupostos da acção principal, nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 116º do CPTA.
3. Inconformado, a requerente da providência interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1. Por sentença datada de 08-02-2023 o tribunal “a quo” rejeitou liminarmente o presente requerimento inicial.
2. A autora, ora recorrente, não se conforma com a sentença recorrida porquanto o tribunal “a quo” não produziu a prova testemunhal indicada, pois afigura-se essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a audição das partes e bem assim das testemunhas arroladas.
3. Os factos carreados para os autos carecem de produção de prova, não se encontrando os presentes autos em condições para serem decididos sem que seja produzida qualquer diligência probatória.
4. Sem prescindir, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de convocação e de realização da audiência prévia prevista no artigo 87º-A do CPTA.
5. Ao que acresce que a sentença recorrida é omissa quanto aos factos dados como provados e como não provados.
6. Sendo certo que não foi produzida nenhuma prova nos presentes autos e que existem factos controvertidos.
7. Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento, que in casu não se realizou.
8. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607º, nº 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195º, nº 1 do CPC.
9. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.
10. Da sentença recorrida não consta qualquer referência ou menção à fundamentação da matéria de facto.
11. Sendo a sentença recorrida totalmente omissa no que respeita à fundamentação da matéria de facto dada como provada e dada como não provada.
12. O tribunal “a quo” julgou procedente a questão de falta de instrumentalidade da providência cautelar e considerou que a acção principal não foi interposta até à presente data, o que dita a extinção do presente processo cautelar.
13. Sucede que a ora recorrente apresentou a 31-05-2022 a acção principal – acção administrativa de impugnação de acto administrativo, encontrando-se a acção apresentada em prazo sendo um dos pedidos da providência cautelar e consequentemente da acção administrativa principal a nulidade do acto administrativo impugnado e não apenas a anulação do acto impugnado, o que significa que a acção administrativa pode ser proposta a todo o tempo.
14. Estabelece o artigo 41º, nº 1 do CPTA que sem prejuízo do disposto na lei substantiva e no capítulo seguinte, a acção administrativa pode ser proposta a todo o tempo.
15. E consagra o nº 1 do artigo 58º do CPTA que a impugnação de actos nulos não está sujeita a prazo.
16. Não sendo aplicável ao presente caso concreto o prazo de propositura de acção administrativa de impugnação de actos administrativos anuláveis de três meses (artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA), mas sim o prazo de propositura da acção administrativa de impugnação de acto nulos – a todo o tempo.
17. Não se verificando a suscitada falta de instrumentalidade da presente providência cautelar.
18. A sentença recorrida viola a alínea a) do nº 1 do artigo 123º do CPTA.
19. Ao que acresce que não se pode concluir que a notificação do acto impugnado foi a 22-2-2022 porquanto a notificação não se encontra perfeita, isto é a aqui contra-interessada M. – M. e G., Unipessoal, Ldª, não foi notificada e uma das invocadas causas da invocada nulidade do acto administrativo impugnado é a não notificação da contra-interessada, que ao não ter sido notificada não veio aos autos apresentar defesa em sede de audiência prévia, o que determina a nulidade do acto administrativo impugnado assim como a violação do direito à consulta dos autos e o acesso e publicidade dos mesmos, impondo-se assim a produção de prova.
20. Senão vejamos, a notificação não se encontra regularmente efectuada não se podendo presumir que a autora foi notificada do acto impugnado a 22-2-2022.
21. Não podendo o tribunal “a quo” prejulgar o fundo da questão e pela intempestividade da acção principal.
22. No caso dos autos a ora recorrente indubitavelmente peticiona a nulidade do acto administrativo, aliás a própria petição inicial inicia-se com o título “Das nulidades do processo de cessação de utilização” e com os subtítulos “Da nulidade da notificação” e “Da violação do direito de consulta do processo e do artigo 83º do CPA”, concluindo com o pedido de nulidade do acto administrativo impugnado, pedido esse que mais uma vez se refere será a todo o tempo.
23. Ao que acresce a recorrente requereu a inversão do contencioso ao abrigo do disposto no artigo 369º do CPC aqui aplicável, ex vi artigo 1º do CPTA no procedimento cautelar.
24. Não tendo o tribunal “a quo” proferido decisão acerca da dispensa ou não do ónus de propositura da acção principal e se a matéria adquirida no procedimento cautelar permite o tribunal formar uma convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência é ou não adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
25. Andou mal o tribunal “a quo” ao não dispensar a requerente do ónus da propositura da acção principal porquanto os factos em discussão no procedimento cautelar permitem ao tribunal formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e da natureza da providência decretada ser adequada a realizar a composição definitiva do litígio, prevenindo assim a duplicação das vias cautelar e principal em prol de uma maior economia, celeridade processual e segurança jurídica.
26. A sentença recorrida viola assim o disposto no artigo 123º, nº 1, alínea a) do CPTA, devendo ser revogada.
27. Mais se invoca a inconstitucionalidade da sentença recorrida.
28. A interpretação dada pelo tribunal “a quo” aos artigos 113º, nº 1 e 123º, nº 1, alínea a), ambos do CPTA, é manifestamente inconstitucional, o que se invoca desde já para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional”.
4. Não foram apresentadas contra-alegações.
5. Remetidos os autos a este TCA, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitido douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento.
6. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR

7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
8. E, tendo em conta as conclusões formuladas pela recorrente, impõe-se apreciar no presente recurso se a sentença recorrida enferma de nulidade nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alíneas c) e d) do CPCivil, se, nos termos previstas no artigo 607º, nº 4, do CPCivil, a mesma padece da nulidade processual prevista no artigo 195º, nº 1 do CPCivil, por omissão de convocação e de realização da audiência prévia prevista no artigo 87º-A do CPTA e, finalmente, se a sentença recorrida viola aos artigos 113º, nº 1 e 123º, nº 1, alínea a), ambos do CPTA.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. Pese embora a sentença recorrida se tenha abstido de enunciar separadamente os factos em que se baseou para rejeitar liminarmente o requerimento inicial apresentado pela ora recorrente, é possível agora suprir tal lapso, enumerando a factualidade dada como assente, com relevância para a apreciação do mérito do presente recurso:
i. Mediante despacho proferido em 4-2-2022, pelo Presidente da Câmara Municipal de Cascais, proferido no âmbito do despejo administrativo – processo de cessação de utilização nº 4/2021, foi determinada a cessação de utilização de prédio/fracção, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido – cfr. fls. 49vº do processo instrutor apenso aos autos que, sob o nº 199/22.5BESNT, correram termos no TAF de Sintra, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
ii. O despacho, supra identificado, foi aposto na informação nº 15/2017/DRLVTA, cujo teor aqui se dá por reproduzido – idem;
iii. Em 22-2-2022, a requerente foi notificada do despacho identificado no ponto i. – ibidem;
iv. A requerente apresentou no TAF de Sintra uma acção de impugnação do despacho identificado em i., a qual deu entrada em juízo em 31-5-2022, e requereu a suspensão da eficácia do mesmo – cfr. processos nºs 199/22.5BESNT-A e 199/22.5BESNT, que correram termos no TAF de Sintra; elemento obtido por consulta ao SITAF;
v. No aludido processo cautelar nº 199/22.5BESNT veio a ser proferida sentença, com data de 20-6-2022, a julgar procedente a questão prévia de falta de instrumentalidade do processo cautelar, e atento o disposto no artigo 123º, nº 1, alínea a) do CPTA, a declarar extinto o processo cautelar – idem;
vi. A decisão a que se alude em v. veio a ser confirmada por acórdão deste TCA Sul, datado de 17-11-2022 – ibidem;
vii. Na acção principal a que se alude em iv., veio a ser proferida decisão de rejeição liminar da petição, com data de 8-2-2023, da qual foi interposto recurso jurisdicional para este TCA Sul – ibidem;
viii. Nos presente autos, a autora, invocando ser proprietária da fracção sita na R. L., Lote .., .., .. E, 2.-4., no E., vem impugnar o despacho proferido pelo Presidente do Município de Cascais, datado de 11-11-2022 que, no âmbito do despejo administrativo – processo de cessação de utilização nº 4/2021, ordenou o despejo imediato daquela fracção no prazo de 45 dias – cfr. petição inicial referente aos presentes autos;

B – DE DIREITO
10. Vejamos antes de mais se procedem as invocadas nulidades da sentença, que a recorrente aponta nas conclusões da sua alegação de recurso serem as previstas na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil (oposição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível) e na alínea d) do mesmo preceito (o juiz não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar ou conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento).
Vejamos então.
11. Como resulta de modo cristalino do discurso fundamentador da decisão ora sob recurso, aí se considerou que o acto principal que havia sido objecto de impugnação no processo nº 199/22.5BESNT-A, liminarmente rejeitado (e cuja suspensão de eficácia a aqui recorrente suscitou no âmbito do processo cautelar nº 199/22.5BESNT, sem sucesso, já que tal pretensão foi rejeitada pelo TAF de Sintra e confirmada por este TCA Sul), era o despacho proferido pelo Presidente do Município de Cascais, datado de 4-2-2022, despacho esse cuja impugnabilidade deixou de ser possível, atento o decurso ou ultrapassagem do prazo da respectiva impugnação judicial, razão pelo qual o mesmo se consolidou na ordem jurídica.
12. O despacho em causa havia determinado a cessação de utilização como serviços do edifício sito na R. L., nº .., … – E, M. E., E., e o consequente despejo administrativo do mesmo em caso de não cessação da referida utilização. Ora, como salientou a decisão recorrida, o acto contra o qual a recorrente veio reagir, solicitando a suspensão da sua eficácia (além de também ser objecto de impugnação), é o despacho do Presidente do Município de Cascais, datado de 11-11-2022, que em execução do seu despacho de 4-2-2022, se limitou a executar o acto administrativo anterior, que já havia determinado esse despejo, no caso de incumprimento da cessação de utilização.
13. Destas premissas, retirou o Senhor Juiz do TAF de Sintra a conclusão de que o despacho posterior do Presidente do Município de Cascais, de 11-11-2022 (acto cuja suspensão de eficácia foi liminarmente rejeitada pela decisão impugnada), se limitou a executar esse despejo, que já havia sido determinado pelo despacho anterior de 4-4-2022, isto é, constitui-se como um acto de execução do acto administrativo exequendo prévio, nos termos do artigo 177º do CPA, sendo que os actos que se limitem a executar acto administrativo exequendo prévio não são autonomamente impugnáveis, nos termos do nº 3 do artigo 53º do CPTA, só o podendo ser por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador, que a decisão impugnada não vislumbrou.
14. Como tal, salientou a decisão recorrida que a referida mera executoriedade do despacho do Presidente do Município de Cascais, de 11-11-2022, tinha como consequência que o mesmo era inimpugnável, nos termos da alínea i) do nº 4 do artigo 89º do CPTA, concluindo que não só era manifesta a falta de pressupostos da acção principal nº 199/22.5BESNT-A, aliás já rejeitada, por intempestividade da prática do acto processual, como era manifesta a falta de pressupostos de qualquer outra acção impugnatória que a recorrente pretendesse intentar contra o despacho Presidente do Município de Cascais de 11-11-2022, por inimpugnabilidade do acto, determinando a rejeição liminar do requerimento inicial, nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 116º do CPTA.
15. É assim absolutamente incontestável que não existe qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, na exacta medida em que as premissas enunciadas são concordantes com a decisão de rejeição liminar do requerimento inicial, nos termos previstos na alínea f) do nº 2 do artigo 116º do CPTA. E, por outro lado, também não ocorre qualquer ambiguidade ou obscuridade susceptível de tornar tal decisão ininteligível, já que a manifesta falta de pressupostos da acção principal sempre seria causa de rejeição do requerimento inicial da providência cautelar, com o que improcedem as invocadas nulidades da sentença.
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16. A segunda questão a apreciar no presente recurso consiste em determinar se a decisão recorrida padece da nulidade processual prevista no artigo 195º, nº 1 do CPCivil, por omissão de convocação e de realização da audiência prévia prevista no artigo 87º-A do CPTA.
Também aqui a resposta é negativa.
17. Com efeito, se no momento em que processualmente cumpre ao juiz emitir despacho liminar nos autos cautelares, este se apercebe que é manifesta a ausência dos pressupostos processuais da acção principal de que aqueles dependem, deve retirar todas as consequências processuais daquela falta, rejeitando liminarmente o requerimento inicial, pondo assim fim a uma pretensão cautelar que estava, “ab initio”, condenada a improceder.
18. E, por outro lado, se o regime processual onde se insere a audiência prévia é válido para a acção administrativa (vd. Título II do CPTA), ele já não o é para os processos urgentes, cuja tramitação e regime específico constam do Título III do CPTA e, muito menos, para os processos cautelares, cujo regime específico de tramitação consta do Título IV do CPTA, o que nos leva à conclusão que a decisão recorrida não poderia ter incorrido na nulidade processual prevista no artigo 195º, nº 1 do CPCivil, por omissão de convocação e de realização da audiência prévia prevista no artigo 87º-A do CPTA, porquanto tal audiência não tinha cabimento na forma processual de que a recorrente lançou mão, ou seja, não tinha cabimento no processo cautelar por esta intentado.
* * * * * *
19. Finalmente, resta apreciar se a decisão recorrida violou os artigos 113º, nº 1 e 123º, nº 1, alínea a), ambos do CPTA, adiantando-se desde já que também aqui a resposta é negativa.
20. Como resulta da matéria de facto dada como assente, correu termos na câmara municipal de Cascais sob nº 4/2021 um processo visando a cessação de utilização como serviços do edifício sito na R. L., nº .., .. – E, M. E., E., o qual veio a culminar com o despacho proferido em 4-2-2022 pelo respectivo presidente, a determinar a cessação de utilização de prédio/fracção e o consequente despejo administrativo (cfr. fls. 49vº do processo instrutor apenso aos autos que, sob o nº 199/22.5BESNT, correram termos no TAF de Sintra, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), notificado à aqui recorrente, ocupante do mesmo, em 22-2-2022.
21. No âmbito do processo cautelar que correu termos no TAF de Sintra sob o nº 199/22.5BESNT, em que era peticionada a suspensão de eficácia daquele despacho, veio a ser proferida sentença, com data de 20-6-2022, a julgar procedente a questão prévia de falta de instrumentalidade do processo cautelar, e atento o disposto no artigo 123º, nº 1, alínea a) do CPTA, a declarar extinto o processo cautelar, decisão essa que veio a ser integralmente confirmada por acórdão deste TCA Sul, datado de 17-11-2022.
22. No discurso fundamentador do aludido acórdão, salientou-se o seguinte:
(…)
Assente que está, nos termos supra, que aquele acto foi levado ao conhecimento da requerente, em 22.02.2022 (cfr. facto 3 do probatório) e que, apenas, em 31.05.2022, quando já haviam decorrido mais de três meses sobre essa data, é que foi intentada a acção administrativa principal de que estes autos dependem, é manifesto que se verifica o condicionalismo previsto no artigo 123º, nº 1, alínea a) do CPTA, segundo o qual, os processos cautelares se extinguem “(…) se o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou”.
Foi este o sentido da decisão do tribunal a quo. A decisão foi acertada, ainda que tenha incorrido em erro ao não equacionar que a acção principal já havia sido intentada em juízo em 31.05.2022, quando, em 20.06.2022, proferiu a decisão cautelar.
Ou seja, ainda que o silogismo subjacente à decisão ora em crise estivesse (parcialmente) equivocado, por defeito, a estatuição final foi acertada. Efectivamente, à data em que foi intentada a acção principal, já tinha decorrido o prazo de três meses de que o artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA fazia depender o exercício do direito a agir.
Pelo exposto, ainda que com a fundamentação (de facto e de direito) acima esgrimida, é de manter a decisão em crise e consequentemente, julgar improcedente o recurso interposto”.
23. Esta decisão foi replicada no despacho que rejeitou liminarmente a acção principal intentada pela aqui recorrente, decisão que, no entanto, ainda não transitou em julgado, por dela ter sido interposto recurso para este TCA Sul.
24. Porém, o objecto dos presentes autos cautelares é o despacho do presidente do município de Cascais, de 11-11-2022, que se limitou a determinar a execução do seu anterior despacho de 4-2-2022, que, esse sim, havia determinado a cessação de utilização de prédio/fracção sito na R. L., nº .., .. – E, M. E., E., e o consequente despejo administrativo.
25. Ora, como salientou a decisão recorrida, uma vez que o primitivo despacho era inimpugnável, devido à ultrapassagem do prazo de impugnação previsto no artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA, e que aquele cuja suspensão de eficácia era agora pedida se limitou a dar-lhe execução, nos termos previstos no artigo 177º do CPA, era manifesta a falta de pressupostos da acção impugnatória que a recorrente pretendesse intentar contra aquele despacho de 11-11-2022, por inimpugnabilidade do acto (neste caso, por ser um acto de mera execução de acto anterior, sendo indiferente para esta conclusão que o mesmo já não fosse impugnável), determinando a rejeição liminar do requerimento inicial, nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 116º do CPTA.
26. Ora, tal conclusão só poderia ser abalada caso a recorrente tivesse assacado ao acto suspendendo vícios próprios, na medida em que os actos que se limitem a executar acto administrativo exequendo prévio não são autonomamente impugnáveis, nos termos do nº 3 do artigo 53º do CPTA, só o podendo ser por vícios próprios, e na medida em que tenham um conteúdo decisório de carácter inovador, algo que, porém, a recorrente não alegou nem logrou demonstrar, já que se limitou a reiterar os vícios que havia assacado ao despacho do presidente do município de Cascais de 4-2-2022.
27. E, sendo assim, nenhum reparo há a fazer à decisão recorrida, que se deverá manter na ordem jurídica, com o que improcede o presente recurso jurisdicional.

IV. DECISÃO
28. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
29. Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 27 de Abril de 2023
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Dora Lucas Neto – 1ª adjunta)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)