Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:669/22.5 BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:03/09/2023
Relator:ANA PAULA MARTINS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; REQUISITOS CUMULATIVOS;FUMUS BONI IURIS; PERICULUM IN MORA;
Sumário:I - A exigência da verificação cumulativa dos requisitos previstos no artigo 120°, n.° 1 do CPTA para o decretamento da providência cautelar não significa que o Juiz tenha que apreciar todos os requisitos. Antes significa que o Juiz tem que concluir pela verificação de todos para poder conceder a providência requerida.
II- Não resulta adequado nem razoável, mas antes excessivo, que, por auferir o Autor pensão por aposentação compulsiva, no valor de 282,58 euros (no ano de 2021), veja negada a concessão (ou melhor, revogada a concessão inicial) do subsídio de doença, fixado no valor mensal de 4.596,30 euros, por um período de três anos (2018 a 2021).

III – Não pode o Tribunal afirmar ou presumir o periculum in mora apenas com base no valor da quantia a devolver, ainda que elevado.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO


L. F., melhor identificado nos autos, instaurou providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo contra o Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS), com os demais sinais nos autos, pedindo “a suspensão da eficácia dos atos administrativos, respetivamente:
- De anulação administrativa da concessão do subsídio de doença;
- Que manda devolver o valor recebido a título de subsídio de doença, no período de incapacidade temporária para o trabalho, entre 22.11.2018 e 15.11.2021;
- Do indeferimento do requerimento das prestações compensatórias dos subsídios de férias e de Natal; e
- Do ato, de facto, que consistiu na dedução em prestações devidas legalmente ao Requerente, de 2.538,00€.”
Na pendência da acção, foi requerida e deferida a ampliação do objecto e do pedido ao acto praticado pela Entidade Requerida, datado de 20.07.2022, que procede à anulação administrativa, com pedido de restituição, das prestações compensatórias de subsidio de férias e de natal, respectivamente, dos anos de 2019 e 2020, e 2018, 2019 e 2020.
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Por sentença de 20.10.2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou a acção improcedente e, em consequência recusou a providência cautelar requerida.
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Inconformado, vem o Requerente recorrer da sentença.
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O Recorrente aduziu as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida nos autos supra referenciados que julgou improcedente a ação a providência cautelar requerida, de suspensão de eficácia de atos administrativos;
2. De acordo com o disposto no art.º 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, são três as condições previstas para que os procedimentos cautelares sejam julgados procedentes:
a. “o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” (periculum in mora);
b. “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” (fumus boni iuris);
c. como requisito negativo, que “devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam, da sua concessão se mostrem superiores aqueles que podem resultar da recusa” da providência.
3. A decisão, sustentou-se na conclusão de que “não se vislumbra provável a procedência da ação principal com base no vicio de violação dos princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança, o que leva a concluir pelo não preenchimento do requisito do “fumus boni iuris”;
4. E não se pronunciou sobre a verificação da existência, ou não, de “periculum in mora”,
5. por considerar que o deferimento da providência requerida exigia a verificação cumulativa deste com o fumus boni iuris e do periculum in mora;
6. o recorrente têm muitas reservas quanto à opção seguida pelo tribunal, de não se pronunciar sobre a existência, ou não, de “periculum in mora”,
7. entendendo que a cumulação de princípios, para efeitos de decisão, não exclui, antes impõe, uma avaliação individualizada de das condições de aplicação de cada um como condição prévia de aplicação cumulativa.
8. mais entende, que cumulação como condição da decisão não dispensa a verificação, dos todos os requisitos, positivos e negativo;
9. sendo o “periculum in mora” um pressuposto essencial da tutela cautelar (não menos ou mais importante que outro) a verificação da sua aplicação, ao caso concreto, torna-se indispensável a uma boa aplicação do direito.
10. Tal entendimento decorre de que todos os requisitos são aferidos pela situação que, concretamente está em julgamento, e que,
11. o risco de uma decisão errada só pode ser afastado se forem analisados todos os requisitos de aplicação;
12. a douta sentença recorrida ao não verificar tas condições de aplicação do “periculum in mora” violou o disposto, nomeadamente do art.º 120.º, n.º 1, primeira parte, do CPTA.
13. no caso em apreço o recorrente tem um receio fundado da constituição de uma situação de facto consumado, com produção, cumulativa de prejuízos de difícil reparação para os seus interesses em caso de indeferimento da providência cautelar requerida.
14. com efeito, no momento do pedido da providência cautelar: o recorrente beneficiava de uma pensão de aposentação compulsiva de 282,58€ e
15. e não dispunha de outros rendimentos do trabalho ou substitutivos do trabalho, porquanto,
a. a concessão do subsidio de doença já havia cessado por ter decorrido o prazo máximo de pagamento daquela prestação o que ocorreu em 20.11.2021;
b. e aguardava (e ainda aguarda) a pensão de reforma por velhice;
c. o recorrente não auferia qualquer prestação de trabalho ou substitutiva do trabalho, como está alegado no requerimento cautelar.
16. Foi neste contexto que a requerida anulou o ato administrativo de concessão de um subsidio de doença, e
17. que veio exigir a devolução de 165.226,95€, pagos a esse título, com fundamento na perceção simultânea das duas prestações, e,
18. Na base de uma interpretação estritamente literal da norma do art.º 26.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, que se mostra violada.
19. Existe uma enormíssima discrepância entre os dois valores o que é relevante para afastar a uma interpretação literal e restritiva da referida norma do art.º 26.º, n.º 1
20. O recorrente entende que a dita norma viola, no presente caso, o principio constitucional da proporcionalidade.
21. O direito ao subsidio de doença é um direito fundamental, análogo aos direitos liberdades e garantias, com proteção constitucional, mostrando-se violado o disposto no art.º 63.º, n.º 2 da CRP;
22. As medidas restritivas devem ser, apenas, as necessárias, adequadas e proporcionais a alcançar os fins em vista,
23. A sentença recorrida impõe ao recorrente um sacrifício que não é adequado, não é razoável e viola o principio da proibição do excesso, nos termos do art.º 18.º, n.º 2 da CRP.
24. E viola igualmente o principio da proteção da confiança, enquanto principio caraterizador do estado de direito democrático, ínsito no art.º 2.º da Constituição,
25. A decisão julga como não verificada a violação do principio da legalidade, com fundamento, exclusivamente, na aplicação das regras do procedimento administrativo,
26. E entendendo que os princípios da proteção da confiança e da proporcionalidade “devem ceder face ao principio da legalidade”, isolando estes das regras gerais de interpretação das leis, o que merece a discordância do recorrente;
27. O recorrente entende ponderando o beneficio que resulta da concessão da providência cautelar e o prejuízo maior e injustificado para a outra parte contra a qual a providência é decretada, se deve concluir pela deferimento da providência cautelar, mostrando-se violado o disposto no art. 120.º, n.º 2 do CPTA.
28. A entidade recorrida não invocou qualquer prejuízo ou o interesse publico em caso de concessão da providência requerida.
29. Da providência, não decorre qualquer prejuízo para a Segurança Social;
30. Pelo que, o risco está, no caso em apreço, exclusivamente do lado do recorrente, facto também relevante para a decisão cautelar.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, a douta sentença recorrida revogada e concedida a providência cautelar requerida, como é de Direito.
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O Recorrido, devidamente notificado, não contra-alegou.
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O Ministério Público emitiu parecer, nos termos e para os efeitos dos artigos 146º e 147º do CPTA, no sentido de ser negado provimento ao recurso. *
Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
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II - OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda reside em saber se a sentença recorrida errou ao julgar não verificado o pressuposto fumus boni iuris e ao lugar prejudicado o conhecimento dos demais requisitos.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

De Facto
A sentença recorrida considerou indiciariamente provados os seguintes factos:
A. O Requerente encontra-se inscrito na Segurança Social, como trabalhador por conta de outrem, desde 16.04.1984, cfr. documento n.º 6 junto com o requerimento inicial.
B. Em sessão de 25.07.1990, o Conselho da C. G. D. decidiu o seguinte:
(imagem)
(…)”, cfr. documento a fls. 155 (paginação eletrónica).
C. Em 19.11.2018, o Requerente entrou em regime de baixa médica, por doença natural que o incapacitou temporariamente para o trabalho e manteve-se nesse regime até 13.05.2022, cfr. documento n.º 8 junto com o requerimento inicial.
D. Entre 22.11.2018 e 20.11.2021 a Segurança Social, pagou ao Requerente, regularmente, o subsídio de doença, em valor calculado em conformidade com as contribuições e quotizações entradas na Segurança Social, cfr. acordo.
E. Concomitantemente com a remuneração de trabalho, em 2021 o Requerente auferiu, a título de pensão de aposentação compulsiva, no valor mensal de €282,58, num total anual de €3.917,06, paga pela C. G. A., cfr. facto não impugnado e documento n.º 7 junto com o requerimento inicial.
F. Em 03.08.2021 o Requerente subscreveu formulário da Segurança Social relativo a pensão por velhice, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, cfr. documento n.º 11 junto com o requerimento inicial.
G. Em 23.11.2021 a C. G. A. dirigiu comunicação eletrónica à Entidade Requerida, da qual consta, designadamente, o seguinte:
(imagem)
(…)”, cfr. fls. 2 do processo administrativo.
H. Em 01.02.2022 o Requerente subscreveu formulário da Segurança Social relativo a prestações compensatórias de subsídio de férias e de subsídio de natal, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, cfr. fls. 12 a 14 do processo administrativo.
I. Os Serviços da Entidade Requerida subscreveram documento intitulado “Informação para despacho”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Foi atribuído subsídio de doença no período de incapacidade temporária para o trabalho de 2018-11-19 a 2018-11-30, prorrogado até 2021-11-20.
Posteriormente, por factos conhecidos supervenientemente, verifica-se que não estão preenchidas as condições legais de atribuição.
Face ao exposto, propõe-se a anulação administrativa da decisão de atribuição do subsídio de doença, nos termos do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, com base nos fundamentos a seguir indicados:
O subsídio de doença não é acumulável com outras prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho, concedidas no âmbito do subsistema previdencial ou de outros regimes de proteção social, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º, do Decreto Lei n. º 28/2004, de 4 de fevereiro na sua versão atualizada.
Acresce o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 28.º que, constitui dever do beneficiário, abrangidos pelo regime de proteção na doença, comunicar à instituição de segurança social "A titularidade de pensões ou de outras prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho, e respetivos montantes, bem como o regime de proteção social pelo qual lhe são atribuídas".
Na situação em análise, segundo documento facultado pelo Centro Nacional de Pensões, foi atribuída pensão da C. G. A., com efeitos a partir de 1986-04-01, pelo que, à data do início do período de incapacidade temporária para o trabalho acima referido, em 2018-11-19, já se encontrava a receber a pensão em apreço.
Mais se propõe que se proceda à:
 Audiência do interessado nos termos do artigo 121.º e seguintes do CPA, notificando-o de que na falta de resposta no prazo de 10 dias úteis, a contar da data da notificação, a anulação administrativa da decisão de atribuição do subsídio de doença ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do referido prazo.
 Comunicação dos respetivos prazos de reclamação e recurso.
 Notificação da obrigatoriedade de devolução das quantias indevidamente recebidas, nos termos do art.º 3 do Decreto-Lei n.º 133/1988, de 20 de abril, na sua versão atualizada.”, cfr. fls. 4 do processo administrativo.
J. Sobre o documento referido na alínea precedente recaiu despacho de 05.03.2022 da Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições com o seguinte teor: “Concordo”, cfr. fls. 4 do processo administrativo.
K. A Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições dirigiu ao Requerente ofício n.º 38415, com data de saída de 21.03.2022, sob o assunto “Notificação da decisão”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Informamos que a decisão de atribuição do subsídio de doença, no período acima indicado, será anulada administrativamente, nos termos do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data da receção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam impedir a anulação, juntando meios de prova se for caso disso.
Os fundamentos para a anulação administrativa da decisão de atribuição do subsídio de doença são os a seguir indicados:
Foi atribuído subsídio de doença no período de incapacidade temporária para o trabalho de 2018-11-19 a 2018-11-30, prorrogado até 2021-11-20.
Posteriormente, por factos conhecidos supervenientemente, verifica-se que não estão preenchidas as condições legais de atribuição.
O subsídio de doença não é acumulável com outras prestações compensatórias da perda da remuneração de trabalho, concedidas no âmbito do subsistema providencial ou de outros regimes de proteção social, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º, do Decreto Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro na sua versão atualizada.
Acresce o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 28.º que, constitui dever do beneficiário, abrangidos pelo regime de proteção na doença, comunicar à instituição de segurança social "A titularidade de pensões ou de outras prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho, e respectivos montantes, bem como o regime de proteção social pelo qual lhe são atribuídas.
Na situação em análise, segundo documento facultado pelo Centro Nacional de Pensões, foi atribuída pensão da Suíça, com efeitos a partir de 1986-04-01, pelo que, à data do início do período de incapacidade temporária para o trabalho acima referido, em 2018-11-19, já se encontrava a receber a pensão em apreço.
Informa-se ainda que nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 133/1988, de 20 de abril, na sua versão atualizada, no caso de o pagamento indevido das prestações resultar de alterações do condicionalismo da sua atribuição, cujo conhecimento por parte das instituições de segurança social dependa de informação dos interessados, a obrigatoriedade da respetiva restituição respeita à totalidade dos montantes indevidos, independentemente do período de tempo da respetiva concessão.
Mais se informa que, na falta de resposta, a anulação administrativa da decisão de atribuição do subsídio de doença ocorre no primeiro dia útil seguinte ao fim do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
 15 dias úteis para reclamar para o autor da presente notificação;
 3 meses para recorrer hierarquicamente;
 3 meses para Impugnar contenciosamente. (…)”, cfr. documento n.º 9 junto com o requerimento inicial e fls. 5 do processo administrativo.
L. O Requerente exerceu o direito de audiência prévia, dirigindo à Entidade Requerida requerimento datado de 31.03.2022, sob o assunto “Subsídio de doença – notificação – anulação administrativa”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual conta, com relevo, o seguinte:
“(…) (a) a pensão de que sou titular tem origem no exercício de funções públicas (na C. G. D.) e é paga pela C. G. A.); (b) sendo paga pela C. G. A. e, consequentemente, conhecida da Administração Pública, não há lugar à aplicação do disposto no art.º 28.º, n.º 2, al. b) do DL 28/2004 de 4/2, ou seja ao dever de comunicação; (c) a situação em causa não se enquadra na previsão da sobredita norma, aplicando-se, exclusivamente, quando as prestações existentes são provenientes de sistemas previdenciais externos.
(…) Termos em que, admitindo, sem conceder, a anulação administrativa do ato de concessão do subsídio de doença, entendo não ser devida devolução das prestações recebidas. (…)”cfr. documento n.º 10 junto com o requerimento inicial e fls. 6 e 7 do processo administrativo.
M. Os Serviços da Entidade Requerida subscreveram documento intitulado “Informação para despacho de anulação administrativa”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Em sede de audiência prévia, o beneficiário não apresentou documentos nem alegou factos que obstem à decisão de anulação de atribuição do Subsídio de Doença, referente ao período de incapacidade temporária para o trabalho de 2018-11-19 a 2018-11-30, prorrogado até 2021-11-20, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 168. ° do Código do Procedimento Administrativo, pelo que se propõe a anulação, com base nos seguintes fundamentos:
Foi atribuído Subsídio de Doença, no período de incapacidade temporária para o trabalho de 2018-11-19 a 2018-11-30, prorrogado até 2021-11-20.
Posteriormente, por factos conhecidos supervenientemente, verifica-se que não estão preenchidas as condições legais de atribuição.
O subsídio de doença não é acumulável com outras prestações compensatórias da perda da remuneração de trabalho, concedidas no âmbito do subsistema previdencial ou de outros regimes de proteção social, nos termos do n.º 1 do artigo 26. °, do Decreto Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro na sua versão atualizada.
Na situação em análise, segundo documento facultado pelo Centro Nacional de Pensões, foi atribuída pensão da C. G. A., com efeitos a partir de 1986-11-19, pelo que, à data do início do período de incapacidade temporária para o trabalho acima referido, em 2018-11-19, já se encontrava a receber a pensão em apreço.
Mais se propõe que se proceda à:
 Notificação do interessado da decisão de anulação de deferimento;
 Comunicação dos respetivos prazos de reclamação e recurso.”, cfr. fls. 10 do processo administrativo.
N. Sobre o documento referido na alínea precedente recaiu despacho de 19.04.2022 da Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições com o seguinte teor: “Concordo”, cfr. fls. 10 do processo administrativo.
O. A Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições dirigiu ao Requerente ofício n.º 53525, com data de saída de 29.04.2022, sob o assunto “Notificação da decisão”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Pelo presente ofício e nos termos do meu Despacho proferido em 2022-04-19, informa-se V. Exa. de que a decisão de deferimento de atribuição do Subsídio de Doença, referente ao período de incapacidade temporária para o trabalho de 2018-11-19 a 2018-11-30, prorrogado até 2021- 11-20, foi anulada ao abrigo do disposto no n.º 2. ° do art.º 168.º do Código do Procedimento Administrativo.
Os fundamentos para a anulação da decisão de deferimento são os a seguir indicados:
Foi atribuído Subsídio de Doença, no período de incapacidade temporária para o trabalho de 2018-11-19 a 2018-11-30, prorrogado até 2021-11-20.
Posteriormente, por factos conhecidos supervenientemente, verifica-se que não estão preenchidas as condições legais de atribuição.
O subsídio de doença não é acumulável com outras prestações compensatórias da perda da remuneração de trabalho, concedidas no âmbito do subsistema previdencial ou de outros regimes de proteção social, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º, do Decreto Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro na sua versão atualizada.
Na situação em análise, segundo documento facultado pelo Centro Nacional de Pensões, foi atribuída pensão da C. G. A., com efeitos a partir de 1986-11-19, pelo que, à data do início do período de incapacidade temporária para o trabalho acima referido, em 2018-11-19, já se encontrava a receber a pensão em apreço.
Em sede de audiência de interessados, o(a) beneficiário(a) juntou documentos e alegou factos que não obstam à decisão de não atribuição.
Mais se informa que, em caso de não concordância com os termos da decisão, de acordo a legislação em vigor, dispõe de:
 15 dias úteis para reclamar para o autor da presente notificação;
 3 meses para recorrer hierarquicamente
 3 meses para impugnar contenciosamente. (…)”, cfr. documento n.º 1 juto com o requerimento inicial e fls. 11 do processo administrativo.
P. A Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições dirigiu ao Requerente ofício n.º 65212, datado de 25.05.2022, com data de saída de 27.05.2022, sob o assunto “Notificação da decisão”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Informa-se V. Ex.ª que o requerimento da prestação compensatória do subsídio Férias foi deferido, no montante de €2.538,00, corresponde a 60% do valor do subsídio que deixou de receber do empregador (artº 20º). (…)”, cfr. fls. 16 do processo administrativo.
Q. A Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições dirigiu ao Requerente ofício n.º 65213, datado de 25.05.2022, com data de saída de 27.05.2022, sob o assunto “Notificação da decisão”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Informa-se V. Ex.ª que o requerimento da prestação compensatória do subsídio Natal foi deferido, no montante de € 2.538,00, corresponde a 60% do valor do subsídio que deixou de receber do empregador (art.º 20º ). (…)”, cfr. fls. 15 do processo administrativo.
R. Em 02.06.2022 a Entidade Requerida deduziu ao Requerente o valor de €2.538,00, cfr. documento n.º 5 junto com o requerimento inicial.
S. O Diretor da Segurança Social dirigiu ao Requerente ofício, datado de 14.06.2022, sob o assunto “Notificação de restituição de prestações indevidamente pagas”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…) Informamos que se verificou ter sido pago indevidamente o valor total de 165.226,95 euros, conforme a seguir se indica. (…)”, cfr. documento n.º 2 junto com o requerimento inicial.
T. Os Serviços da Entidade Requerida subscreveram documento intitulado “Informação para despacho de indeferimento”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Propõe-se o indeferimento da prestação compensatória do subsídio de Férias, com base nos fundamentos previstos no Decreto-Lei n.º 2812004, de 4 de Fevereiro, nas redacções dadas pelos Decretos-Leis n.º 146/2005, de 26 de Agosto e n.º 302/2009, de 22 de Outubro„ a seguir indicados:
Não ter sido concedido subsídio de doença (alínea a) do artigo 15.º).
Mais se propõe que se proceda à:
 Audiência do interessado nos termos do art.° 100° e seguintes do CPA, notificando-o de que na falta de resposta no prazo de 10 dias úteis, a contar da data da notificação, o requerimento é indeferido considerando-se a data do indeferimento o primeiro dia útil seguinte ao do termo do referido prazo.
 Comunicação dos respectivos prazos de reclamação e recurso.”, cfr. fls. 17 do processo administrativo.
U. Sobre o documento referido na alínea precedente recaiu despacho de 27.06.2022 da Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições com o seguinte teor: “Concordo”, cfr. fls. 17 do processo administrativo.
V. A Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições dirigiu ao Requerente ofício n.º 75927, datado de 27.06.2022, com data de saída de 30.06.2022, sob o assunto “Notificação da decisão”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Informa-se V. Ex.ª de que o requerimento da prestação compensatória do subsídio de Férias será indeferido se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data da recepção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando meios de prova se for caso disso.
Os fundamentos para o indeferimento, previstos no Decreto-Lei acima indicado, são os seguintes:
Não ter sido concedido subsídio de doença (alínea a) do artigo 15.°).
Mais se informa que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 15 dias úteis, para reclamar;
- 3 meses para recorrer hierarquicamente;
- 3 meses para impugnar contenciosamente, prazo que se suspende caso tenha reclamado ou
recorrido hierarquicamente; (…)”, cfr. documento n.º 3 junto com o requerimento inicial e fls. 18 do processo administrativo.
W. Os Serviços da Entidade Requerida subscreveram documento intitulado “Informação para despacho de indeferimento”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Propõe-se o indeferimento da prestação compensatória do subsidio de Natal, com base nos fundamentos previstos no Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de Fevereiro, nas redacções dadas pelos Decretos-Leis n.º 14612005, de 26 de Agosto e n.º 302/2009, de 22 de Outubro„ a seguir indicados:
Não ter sido concedido subsídio de doença (alínea a) do artigo 15.°).
Mais se propõe que se proceda à:
 Audiência do interessado nos termos do art.º 100° e seguintes do CPA, notificando-o de que na falta de resposta no prazo de 10 dias úteis, a contar da data da notificação, o requerimento é indeferido considerando-se a data do indeferimento o primeiro dia útil seguinte ao do termo do referido prazo.
 Comunicação dos respectivos prazos de reclamação e recurso.”, cfr. fls. 19 do processo administrativo.
X. Sobre o documento referido na alínea precedente recaiu despacho de 27.06.2022 da Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições com o seguinte teor: “Concordo”, cfr. fls. 19 do processo administrativo.
Y. A Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições dirigiu ao Requerente ofício n.º 75926, datado de 27.06.2022, com data de saída de 30.06.2022, sob o assunto “Notificação da decisão”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Informa-se V. Ex.ª de que o requerimento da prestação compensatória do subsídio de Natal será indeferido se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data da recepção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando meios de prova se for caso disso.
Os fundamentos para o indeferimento, previstos no Decreto-Lei acima indicado, são os seguintes:
Não ter sido concedido subsídio de doença (alínea a) do artigo 15.°).
Mais se informa que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 15 dias úteis, para reclamar;
- 3 meses para recorrer hierarquicamente;
- 3 meses para impugnar contenciosamente, prazo que se suspende caso tenha reclamado ou
recorrido hierarquicamente; (…)”, cfr. documento n.º 4 junto com o requerimento inicial e fls. 20 do processo administrativo.
Z. Os Serviços da Entidade Requerida subscreveram documento intitulado “Informação para despacho”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Foi atribuída Prestação Compensatória do Subsídio de Natal:
- No valor de 336,06€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante o ano de 2018,
- No valor de 2.820,30€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante o ano de 2019,
- No valor de 2.820,30€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante o ano de 2020.
Foi atribuída Prestação Compensatória do Subsidio de férias:
- No valor de 2.820,30€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante o ano de 2019,
- No valor de 2.820,30€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante ano de 2020.
Posteriormente, por factos conhecidos supervenientemente, após análise ao Sistema de Informação da
Segurança Social, verifica-se que não estão preenchidas as condições legais de atribuição.
Face ao exposto, propõe-se a anulação administrativa da decisão de atribuição da Prestação Compensatória do Subsidio de Natal referente ao ano de 2018, 2019 e 2020 e a Prestação Compensatória do Subsídio de férias referente ao ano de 2019 e 2020, nos termos do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo,
com base nos fundamentos a seguir indicados:
Não reunia as condições de atribuição do subsídio de doença (alínea a) do artigo 15.°).
Mais se propõe que se proceda à:
 Audiência do interessado nos termos do artigo 121. ° e seguintes do CPA, notificando-o de que na falta de resposta no prazo de 10 dias úteis, a contar da data da notificação, a revogação ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do referido prazo.
 Comunicação dos respetivos prazos de reclamação e recurso.
 Notificação da obrigatoriedade de devolução das quantias indevidamente recebidas, nos termos do art.º 3.º do Decreto-Lei n.° 133/1988, de 20 de abril. (…).”, cfr. fls. 21 do processo administrativo.
AA. Sobre o documento referido na alínea precedente recaiu despacho de 13.07.2022 da Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições com o seguinte teor: “Concordo”, cfr. fls. 21 do processo administrativo.
BB. A Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições dirigiu ao Requerente ofício n.º 82153, com data de saída de 22.07.2022, sob o assunto “Notificação da decisão”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Informamos que a decisão de atribuição da Prestação Compensatória do Subsídio de Natal referente ad ano de 2018, 2019 e 2020 e a Prestação Compensatória do Subsídio de férias referente ao ano de 2019 e 2020, requeridas nas datas acima indicadas, serão anuladas administrativamente, nos termos do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo, se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data da receção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam impedir a anulação, juntando meios de prova se for caso disso.
Os fundamentos para a anulação administrativa da decisão de atribuição da Prestação Compensatória do Subsídio de Natal de 2018, 2019 e 2020 e de férias de 2019 e 2020 são os a seguir indicados:
Foi atribuída Prestação Compensatória do Subsídio de Natal:
- No valor de 336,06€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante o ano de 2018,
- No valor de 2.820,30€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante o ano de 2019,
- No valor de 2.820,30€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante o ano de 2020.
Foi atribuída Prestação Compensatória do Subsídio de férias:
- No valor de 2.820,30€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante o ano de 2019,
- No valor de 2.820,30€, referente ao período de incapacidade por doença subsidiada durante o ano de 2020.
Posteriormente, por factos conhecidos supervenientemente, após análise ao Sistema de Informação da Segurança Social, verifica-se que não estão preenchidas as condições legais de atribuição, uma vez que não reunia as condições de atribuição do subsídio de doença (alínea a) do artigo 15.°).
Informa-se ainda que, a anulação dos atos administrativos de atribuição de prestações tem como efeito a obrigação de repor, por parte dos beneficiários, os valores das prestações indevidamente recebidas (art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 13311988, de 20 de abril, na sua versão atualizada).
Mais se informa que, na falta de resposta, a anulação da decisão de atribuição do subsídio de doença, ocorre no primeiro dia útil seguinte ao fim do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
Mais se informa que, na falta de resposta, a revogação ocorre no primeiro dia útil seguinte ao fim do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
 15 dias úteis para reclamar para o autor da presente notificação;
 3 meses para recorrer hierarquicamente;
 3 meses para impugnar contenciosamente. (…)”, cfr. fls. 22 do processo administrativo.
CC. Durante o ano de 2021 o agregado familiar do Requerente auferiu rendimentos de trabalho dependente e/ou pensões obtidas no território português no valor total de €20.876,52, cfr. documento a fls. 138 (paginação eletrónica).
DD. O requerimento inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentado em 11.07.2022, cfr. fls. 1 (paginação eletrónica).
*
De Direito

O Requerente instaurou providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos que determinaram: (i) a anulação administrativa da concessão do subsídio de doença; (ii) a devolução do valor recebido, a título de subsídio de doença, no período de incapacidade temporária para o trabalho, entre 22.11.2018 e 15.11.2021; (iii) o indeferimento do requerimento das prestações compensatórias dos subsídios de férias e de Natal; e (iv) a dedução em prestações que o Requerente considera devidas, no valor de €2.538,00.
Como é sabido, as providências cautelares são mecanismos não autónomos de tutela de pretensões jurídicas que se desenvolvem na dependência de uma acção principal. São acessíveis ao administrado para tutela efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e assumem um carácter de sumariedade, provisoriedade e instrumentalidade.
Os critérios de atribuição das providências cautelares encontram-se fixados no artigo 120º do CPTA, de onde resulta que, para o decretamento de qualquer providência cautelar, devem verificar-se, de forma cumulativa, três requisitos: o periculum in mora, o fumus boni iuris e a prevalência do interesse do requerente cautelar (cfr. art 120º, nº 1 e nº 2 do CPTA).
Relativamente aos dois primeiros, os chamados requisitos positivos, preceitua o nº 1 do art. 120º que “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o Requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
Verificados aqueles requisitos, há ainda que proceder à análise do requisito negativo previsto no nº 2, que corresponde a uma ponderação “dos interesses públicos e privados” em presença.
Chamado a apreciar e decidir da verificação dos requisitos necessários ao decretamento da providência cautelar requerida, o Tribunal a quo concluiu pelo não preenchimento do requisito do fumus boni iuris. E acrescentou, de seguida, que “estando em causa pressupostos de verificação cumulativa, tal circunstância deve determinar o indeferimento da presente providência, ficando, pois, prejudicado o conhecimento dos demais requisitos cumulativos de que, à luz do disposto no artigo 120.º n.ºs 1 e 2 do CPTA, depende o decretamento da presente providência cautelar, respeitantes ao periculum in mora e à ponderação dos interesses em presença.”
Principia o Recorrente por imputar à sentença erro de julgamento pela não verificação dos demais critérios de decisão previstos no artigo 120º do CPTA, designadamente do requisito do “periculum in mora” (cfr. conclusões 1 a 15).
Para tanto, argui que a cumulação de princípios, para efeitos de decisão, não exclui, antes impõe, uma avaliação individualizada das condições de aplicação de cada um como condição prévia de aplicação cumulativa; que cumulação, como condição da decisão, não dispensa a verificação, de todos os requisitos, positivos e negativo; que, sendo o “periculum in mora” um pressuposto essencial da tutela cautelar (não menos ou mais importante que outro) a verificação da sua aplicação, ao caso concreto, torna-se indispensável a uma boa aplicação do direito; que o risco de uma decisão errada só pode ser afastado se forem analisados todos os requisitos de aplicação.
Não assiste razão ao Recorrente.
É pacífico que a concessão da providência cautelar depende da verificação cumulativa de três requisitos consagrados nos nºs 1 e 2 do artigo 120º do CPTA, como já acima referido.
A tanto não parece obstar o Recorrente. O que o mesmo contesta é a decisão de considerar prejudicado o conhecimento dos demais requisitos, respeitantes ao periculum in mora e à ponderação dos interesses em presença.
Não se lobriga tal argumentação.
A exigência da verificação cumulativa dos requisitos previstos no artigo 120°, n.° 1 do CPTA para que se decrete a providência cautelar não significa que o Juiz tenha que verificar todos os requisitos. Antes significa que o Juiz tem que concluir pela verificação de todos para poder conceder a providência requerida (ou outra).
Donde, não basta que se verifique um – qualquer um - dos requisitos para que a providência seja concedida. O mesmo é dizer que a falta de (qualquer) um dos requisitos acarreta a recusa da providência cautelar requerida.
E, se assim é, e tendo presente que, no processo, não é licito realizar actos inúteis (cfr. artigo 130º do CPC), diante da conclusão de que não há “fumus”, de que serve, qual o interesse em apreciar e decidir se há “periculum” e bem assim proceder à ponderação de interesses? Independentemente do resultado, sempre a decisão final será de recusa da providência. Não há nenhum efeito útil em apreciar e decidir pela verificação do “periculum in mora” (e ponderação de interesses) se se concluiu já pela não verificação do “fumus boni iuris”.
Sem necessidade de mais considerações, improcede o presente fundamento de recurso.
*
Contesta o Recorrente a decisão de não verificação do requisito “fumus boni iuris”.
Foi esta a fundamentação gizada na decisão em crise:

“(…)
O Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 146/2005, de 26 de agosto, e 302/2009, de 22 de outubro, pela Lei n.º 28/2011, de 16 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 22 de junho e pelo Decreto-Lei n.º 53/2018, de 2 de julho, estabeleceu o novo regime jurídico de proteção social na eventualidade doença, no âmbito do subsistema previdencial de segurança social.
Sob a epígrafe “Exclusão do direito ao subsídio”, o artigo 6.º do diploma estatui o seguinte.
“Não há lugar à atribuição de subsídio de doença aos beneficiários que se encontrem nas seguintes situações:
a) A receber quantias pagas periodicamente pelos empregadores sem contraprestação de trabalho, designadamente pré-reforma;
b) A receber prestações de desemprego;
c) A receber pensões de invalidez e velhice de quaisquer regimes de protecção social, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 27.º;
d) Reclusos em estabelecimento prisional, sem prejuízo da manutenção do subsídio em curso à data da detenção.”
Por sua vez, inserido na Secção III - Acumulação de prestações, o seu artigo 26.º, sob a epígrafe “Disposição Geral”, dispõe o seguinte:
“1 - O subsídio de doença não é acumulável com outras prestações compensatórias da perda da remuneração de trabalho, concedidas no âmbito do subsistema previdencial ou de outros regimes de protecção social, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2 - O subsídio de doença não é acumulável com prestações concedidas no âmbito do subsistema de solidariedade, excepto com o rendimento social de inserção, em que se observa o disposto no regime jurídico que regulamenta esta prestação.”
Já sob a epígrafe “Acumulação com prestações de natureza indemnizatória”, o artigo 27.º do mesmo diploma estatui que:
“1 - O subsídio de doença é acumulável com indemnizações por incapacidade temporária resultantes de doença profissional e de acidente de trabalho, desde que o valor destas indemnizações seja inferior ao montante do subsídio, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 19.º
2 - O subsídio de doença é acumulável com pensões concedidas no âmbito da protecção por acidente de trabalho e doença profissional e com outras pensões a que seja reconhecida natureza indemnizatória.”
Ora, no caso dos autos, está em causa precisamente saber se a pensão por aposentação compulsiva, em substituição da pena de demissão aplicada pela C. G. D. e que é paga ao Autor pela CGA assume natureza indemnizatória ou não e, consequentemente, se pode ou não ser cumulada com o subsídio de doença, nos termos previstos nos artigos 6.º, n.º 1, alínea a), artigo 26.º, n.º 1 e 27.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro.
Dispõe o artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, que:
“A protecção na eventualidade doença realiza-se mediante a atribuição de prestações destinadas a compensar a perda de remuneração presumida, em consequência de incapacidade temporária para o trabalho.”
Por sua vez, o artigo 2.º do diploma estatui que:
“Para efeitos deste diploma é considerada doença toda a situação mórbida, evolutiva, não decorrente de causa profissional ou de acto da responsabilidade de terceiro pelo qual seja devida indemnização, que determine incapacidade temporária para o trabalho.”
Por outro lado, estatui o artigo 37.º, n.º 3, alínea c) do Estatuto da Aposentação (EA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro que:
“Há ainda lugar a aposentação quando o subscritor, tendo, pelo menos, cinco anos de serviço: (…) c) Seja punido com pena expulsiva de natureza disciplinar ou, por condenação penal definitiva, demitido ou colocado em situação equivalente, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do Artigo 40º”.
Por seu turno, o artigo 42.º daquele diploma estatui que:
“1. A aposentação compulsiva é aplicada por decisão da autoridade competente, pelas infracções disciplinares previstas na lei, ou por deliberação do Conselho de Ministros, nos casos permitidos em lei especial.
2 - A aplicação desta pena só terá lugar quando a C. informe que o subscritor reúne o pressuposto do tempo de serviço exigível, nos termos do artigo 37.º, para a aposentação ordinária.”
No caso dos autos, resulta da factualidade dada como provada o Requerente aufere, em substituição de pena de demissão aplicada pela C. G. D., uma pensão de aposentação compulsiva, paga pela C. G. A., fixada em 09.03.1986, sendo que em 2021 a mesma correspondeu ao valor mensal de €282,58, num total anual de €3.917,06 [cfr. Factos Provados B) e E)]. Assim, à data em que se verificou a incapacidade temporária para o trabalho do Requerente (desde 19.11.2018 até o dia 13.05.2022), este encontrava-se a receber pensão por parte da C. G. A., fixada em 09.03.1986 [cfr. respetivamente Factos Provados C), B) e E)].
A situação do Requerente corresponde a uma situação de aposentação (ainda que compulsiva) pois que em sessão de 25.07.1990, o Conselho da C. G. D. decidiu “(…) substituir a pena de demissão aplicada aos ex-empregados abaixo identificados, pela aposentação compulsiva, nos termos do art.º 16.º da Lei n.º 16/86, de 11 de Junho, com efeitos a partir das datas que igualmente se indicam: L. P. 09/03/86 (…)” [cfr. Facto Provado B)].
O subsídio por doença é um “substituto” da retribuição devida aos trabalhadores, que não pode ser cumulável com outra prestação compensatória da perda da remuneração de trabalho, concedida no âmbito de regime de proteção social (cfr. neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul 02.04.2009, processo n.º 04734/09) de 4 de fevereiro, ainda que por reporte ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 132/88, de 20 de abril). Excetuam-se os casos previstos no artigo 27.º do mesmo diploma, pelo que, com relevo para o caso em análise, pode o subsídio de doença ser acumulável com pensões concedidas no âmbito da proteção por acidente de trabalho e doença profissional e com outras pensões a que seja reconhecida natureza indemnizatória. É esta a tese do Requerente, considerando que a pensão de aposentação compulsiva que aufere corresponde a pensão com natureza indemnizatória, pela cessação do vínculo de emprego publico.
Não se afigura, contudo, que tenha razão.
Como vimos, de acordo com o artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, o subsídio de doença é acumulável com pensões concedidas no âmbito da proteção por acidente de trabalho e doença profissional e com outras pensões a que seja reconhecida natureza indemnizatória.
Todavia, se é certo que a pensão por aposentação compulsiva paga pela C. G. A. ao Requerente, na sequência de substituição de pena de demissão por parte da C. G. D., não assume a natureza de pensão de invalidez ou velhice de quaisquer regimes de proteção social a que alude o artigo 6.º, alínea c) do diploma, aspeto em que estão as partes concordantes (cfr. artigo 23.º, 1.ª parte do requerimento inicial e artigo 13.º da oposição), também não se pode considerar que a mesma assume natureza indemnizatória, para que possa ser aplicado o regime do artigo 27.º, n.º 2. Com efeito, julga-se, ainda que indiciariamente, que a pensão em causa foi fixada para substituição da pena de demissão determinada pela C. G. D. ao Requerente pelo que não assume carater indemnizatório para os efeitos a que se reporta aquele preceito legal e o fim da acumulação de pensões com o subsidio de doença.
A aposentação, consubstanciada na cessação do exercício de funções, com a consequente atribuição de uma prestação pecuniária mensal vitalícia, designada por pensão, pode decorrer diretamente da lei (ex.: limite de idade) ou de iniciativa (ex.: incapacidade) ou decisão (ex.: aposentação compulsiva). No caso dos autos, foi atribuída ao Requerente uma pensão de aposentação compulsiva, que decorre da cessação do exercício de funções do Requerente na C. G. D., mas que não assume caráter indemnizatório, antes sancionatório. Quando o artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro alude a “outras pensões a que seja reconhecida natureza indemnizatória” não tem em vista situações como a dos autos, de pensões de aposentação compulsiva, cuja natureza se afigura sancionatória e não indemnizatória.
Pelo exposto, não se afigura provável a precedência da ação principal com base no alegado vício de violação de lei.
*
Alega ainda o Requerente que os atos suspendendo violam os princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança.
(…)
O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, n.º 2, 2ª parte da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), proíbe o sacrifício desadequado, inexigível ou excessivo dos direitos e interesses dos particulares. Este princípio decompõe-se em três subprincípios: adequação, exigibilidade e proibição do excesso e proíbe, por isso, o sacrifício desadequado, inexigível ou excessivo dos direitos e interesses dos particulares, pelo que as medidas restritivas devem ser necessárias, adequadas e proporcionadas ao bem público que se pretende alcançar ou ao mal público que se pretende evitar.
Por sua vez, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado. O princípio constitucional da segurança jurídica e da proteção da confiança, expresso na não violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático [cfr. artigos 2.º e 9.º, alínea b), da CRP].
Se é certo que estes princípios norteiam a atividade da Administração relativamente aos particulares, é igualmente verdade que, conforme referiu e realçou, tais princípios podem ser restringidos, sendo as medidas a adotar necessárias, adequadas e proporcionadas ao fim público que se pretende atingir e com fundamento bastante. Significa isto que tais princípios cedem, designadamente, face ao princípio da legalidade.
É precisamente esse o caso dos autos, porquanto verificado supervenientemente que não estavam preenchidas as condições legais de atribuição do subsídio de doença, por este não ser acumulável com outras prestações compensatórias da perda da remuneração de trabalho, concedidas no âmbito do subsistema previdencial ou de outros regimes de proteção social, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º, do Decreto Lei n. º 28/2004, de 4 de fevereiro, outra não poderia ser a solução a adotar pela Administração que não fosse a anulação do subsídio de doença concedido, a exigência da sua restituição e a anulação administrativa do deferimento das prestações compensatórias do subsidio de Natal e de Férias [cfr. Factos Provados O) e BB)]. Ora, tal atuação decorre do princípio da legalidade, previsto no artigo 3.º do CPA que igualmente norteia a atuação da Administração e que, na ponderação entre a factualidade provada e os princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança se sobrepõe a estes últimos, conduzindo, consequentemente à anulação administrativa do ato de concessão do subsídio de doença, bem como à ordem de restituição e ainda à anulação administrativa das prestações compensatórias do subsidio de Natal e de Férias.
Motivo pelo qual, correspondendo a restituição determinada no valor de €165.226,95 ao valor recebido pelo Requerente a título de subsídio de doença entre o período de 19.11.2018 e 20.11.2021, não se verifica a violação do princípio da proporcionalidade sendo que, nos termos supra expostos, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança devem ceder face ao princípio da legalidade, não se verificando a sua violação.
Pelo exposto, ainda que num juízo perfunctório como carateriza as providências cautelares, não se vislumbra provável a procedência da ação principal com base no vício de violação dos princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança, o que leva a concluir pelo não preenchimento do requisito do fumus boni iuris
(…)”

Contrapõe o Recorrente que a pensão que aufere não se enquadra em nenhum dos tipos referidos no art.º 6.º do DL 28/2004 já que se trata, de uma pensão/sanção, que significa uma indemnização pela cessação do vínculo com o estado. E enquanto pensão de natureza sancionatória (indemnizatória por cessação do vínculo contratual publico) não está sujeita ao regime que proíbe acumulação previsto no invocado art.º 26.º do aludido Decreto-Lei 28/2004, antes se enquadrando na previsão do n.º 2 do aludido art.º 27.
Mais argui que existe uma enormíssima discrepância entre os dois valores o que é relevante para afastar a uma interpretação literal e restritiva da referida norma do art.º 26.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 28/2004, de 04.02; que a dita norma viola, no presente caso, o principio constitucional da proporcionalidade; que se mostra violado o artigo 63º, nº 2 da CRP; que as medidas restritivas devem ser, apenas, as necessárias, adequadas e proporcionais a alcançar os fins em vista; que a sentença recorrida impõe um sacrifício que não é adequado, não é razoável e viola o principio da proibição do excesso, nos termos do art.º 18.º, n.º 2 da CRP; bem como o principio da protecção da confiança.
Vejamos.
No que tange ao critério fumus boni iuris, que se traduz em a atribuição de uma providência estar dependente da formulação de um juízo sobre as perspectivas de sucesso que o requerente tem no processo principal, cabe assinalar que, com a revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10, o mesmo se uniformizou, deixando de obedecer a regimes distintos, consoante a providência requerida fosse conservatória ou antecipatória.
Assim, actualmente, independentemente de a providência requerida ser conservatória ou antecipatória, sempre será de exigir a probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.
Vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo que, para a integração do requisito ora em análise, “provável” é o que “tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça”, sendo que, no domínio jurídico, “isso exige que algum dos vícios atribuídos pela requerente ao acto suspendendo se apresente já – na análise perfunctória típica deste género de processos – com a solidez bastante para que conjecturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do acto” – cfr. os acórdãos de 15.09.2016 - Proc. n.º 0979/16; de 08.03.2017 - Proc. n.º 0651/16; de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17; de 08.06.2017 - Proc. n.º 050/17; 30.11.2017 - Proc. n.º 01197/17; de 08.02.2018 - Proc. n.º 01215/17; de 15.11.2018 - Proc. nº 229/17, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Atentemos no caso em apreço.
Resulta da factualidade apurada que, em 19.11.2018, o ora Recorrente entrou em regime de baixa médica, por doença natural que o incapacitou temporariamente para o trabalho e que, entre 22.11.2018 e 20.11.2021, a Segurança Social pagou ao Requerente, regularmente, o subsídio de doença, no valor mensal de 4.596,30€, em razão das contribuições entregues (um total de 35,5%, sendo 24,5% a cargo da entidade empregadora e 11,0% do trabalhador).
Concomitantemente, o Requerente auferiu pensão de aposentação compulsiva.
Com efeito, mostra-se apurado nos autos (facto B) que, em sessão de 25.07.1990, o Conselho de Administração da C. G. D. decidiu substituir a pena de demissão aplicada ao ora Recorrente pela pena de aposentação compulsiva, com efeitos a partir de 09.03.1986. Decisão tomada ao abrigo da Lei 16/86 de 11.06., que amnistia diversas infracções e concede perdões de penas, mais precisamente do seu artigo 16º, nos termos do qual “As penas de demissão aplicadas ao abrigo do estatuto disciplinar aprovado quer pelo Decreto-Lei 191-D/79, de 25 de Junho, quer pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, serão substituídas por aposentação compulsiva, desde que os interessados o requeiram nos 60 dias subsequentes à entrada em vigor da presente lei e se verifique o condicionalismo exigido pelo Estatuto da Aposentação” (nº 1); sendo que a “substituição prevista no n.º 1 só se efectua quando as infracções punidas tenham sido praticadas no período compreendido entre o início da vigência do Decreto-Lei 191-D/79, de 25 de Junho, e o dia 9 de Março de 1986 e produz efeitos apenas a partir desta última data.” (nº 2)
Por efeito da passagem à aposentação, foi atribuída ao ora Recorrente uma prestação substitutiva dos rendimentos da actividade profissional.
O artigo 6.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04.02. afasta a possibilidade de concessão do subsídio de doença aos pensionistas por motivo de velhice e invalidez, ressalvando o disposto no artigo 27.º, mais especificamente o seu n.º 2, que, excepcionalmente, admite a coexistência com outras prestações, nas quais se incluem pensões de natureza indemnizatória.
A pensão auferida pelo Recorrente não tem natureza indemnizatória, o que afasta a pretendida aplicação do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04.02.
Por outro lado e até primeiramente, a pensão por aposentação compulsiva paga pela C. G. A., na sequência de substituição de pena de demissão por parte da C. G.D., não assume a natureza de pensão de invalidez ou velhice de quaisquer regimes de protecção social, não se subsumindo no artigo 6.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 28/2004, de 04.02.
Assim, a questão fica reduzida ao disposto no artigo 26º, segundo o qual “O subsídio de doença não é acumulável com outras prestações compensatórias da perda da remuneração de trabalho, concedidas no âmbito do subsistema previdencial ou de outros regimes de protecção social …”.
Considerou o Tribunal a quo que tal normativo obsta à acumulação do subsídio de doença com a pensão por aposentação, sem que ocorre a violação dos princípios da proporcionalidade e da protecção da confiança.
Concordaríamos com o decidido na sentença em crise se não afrontássemos os valores envolvidos.
Consideramos, porém, que não o podemos/devemos fazer.
E, nessa medida, afigura-se-nos que estamos perante violação grave do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, n.º 2, 2ª parte da Constituição da República Portuguesa e no artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo, na dimensão de proibição do excesso.
O Autor foi aposentado compulsivamente, no ano de 1990, com efeitos a 09.03.1986, com uma pensão (que, em 2021, ascende a 282,58 euros).
O Autor, que contava com menos de 40 anos de idade, veio, como seria expectável, a exercer nova actividade profissional, tendo contribuído para a segurança social, enquanto trabalhador por conta de outrem.
Não resulta adequado nem razoável, mas antes excessivo, que, por auferir o Autor a aludida pensão, no valor de 282,58 euros (no ano de 2021), veja negada a concessão (ou melhor, revogada a concessão inicial) do subsídio de doença, fixado no valor mensal de 4.596,30 euros, por um período de três anos (2018 a 2021).
Não nos parece aceitável que a atribuição ao Autor de uma pensão por aposentação compulsiva - contando menos de 40 anos de idade -, de um valor irrisório, o condene a ficar desprovido de protecção na doença, isto é, a não mais poder usufruir de subsídio de doença, em caso de incapacidade para o trabalho (que veio, entretanto, a exercer).
Como se lê em voto de vencido exarado em aresto do STA de 19.06.2007 (proc. nº 011058/06), “Hoje, sabe-se que a velha máxima dura lex sed lex corresponde a uma fase ultrapassada da evolução do direito: a lei tem de ser dura quando se justificar que o seja e não pode sê-lo quando não houver razão para o ser, porque isso é proibido pelo, principio constitucional da necessidade/ proporcionalidade. Mas, mesmo quando tenha de ser dura, a lei não pode ser MÁ. Tem de ser o menos dura possível, como impõe aquele princípio.”
Para atingir os objectivos do legislador, não é necessário que o Autor se veja privado da totalidade do subsídio de doença, bastando que ele não some as quantias correspondentes a cada prestação compensatória da perda da remuneração de trabalho.
A interpretação e aplicação que é feita do artigo 26º do DL 28/2004 à situação do Autor traduz-se em ficar este reduzido ao pagamento de uma pensão de quantia inferior a metade do salário mínimo nacional.
A retribuição mínima mensal garantida por lei, pode e deve ser, no plano individual, arvorada em critério objectivo de aferição do montante pecuniário indispensável a cada trabalhador para poder satisfazer as suas necessidades básicas quotidianas.
Como afirma o Tribunal Constitucional é “ilógico e desrazoável que se suprimam as prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho cobertas por um sistema previdencial de caráter contributivo e obrigatório, sem qualquer ponderação do resultado negativo que possa ter na situação de vida dos destinatários, e simultaneamente se invoque o direito de assistência material, enquadrado num sistema de proteção social não contributivo e financiado por transferências do Orçamento do Estado, para fazer face às situações de carência que daí possam resultar e assim dar concretização ao direito a uma existência condigna (cfr. artigos 26.º e 90.º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro)” – cfr. ac. 858/2014 (proc. nº 360/2014), de 10.12.2014 e ac. 611/2016 (proc. 445/16), de 15.11.2016.
Assinale-se ainda que a não acumulação do subsídio de doença com a pensão de velhice ou de invalidez – legalmente expressa - está em consonância com a aplicação aos pensionistas por velhice ou por invalidez em actividade de uma taxa contributiva inferior àquela que é aplicável aos trabalhadores em geral. Assim, a uma taxa contributiva mais favorável corresponde uma redução do âmbito material do regime geral. Para o que aqui releva, não têm aqueles pensionistas direito à protecção na eventualidade de doença. O que não está legalmente previsto (ao menos expressamente) para os pensionistas por aposentação compulsiva em actividade.
Pelas razões sumariamente apresentadas, afigura-se-nos, pois, como provável que a acção principal venha a ser julgada procedente.
A arguida violação do artigo 63º, nº 2 da CRP, nos termos do qual “Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários”, é questão nova, não invocada perante o Tribunal a quo e por ele não tratada.
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Em face do decidido supra, isto é a verificação do requisito fumus boni iuris importa agora conhecer do requisito periculum in mora.
O requisito periculum in mora consiste no “fundado receio de que quando o processo principal chegue ao fim já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja pelo menos porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis” - Cfr. Almeida; Mário Aroso, Cadilha; Carlos Alberto Fernandes, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, Almedina, 2005, p.606.
Para aferir da verificação ou não deste requisito, diz Vieira de Andrade que o juiz “deve fazer um juízo de prognose colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do Requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar ‘compreensível ou justificada’ a cautela que é solicitada”. – in A Justiça Administrativa (Lições), 7ª edição, Coimbra, Almedina, 2005, p. 331.
Impõe o legislador que haja, no caso concreto, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou de um prejuízo de difícil reparação, cabendo ao requerente o ónus de alegação e demonstração.
A prova da produção de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação carece da demonstração de que estes são evidentes e reais através de factos que mostrem ser tais prejuízos fundamentados.
Em causa está a devolução de 165.225,95 euros, a efectuar nos termos do Decreto-lei nº 133/88 de 20.04., que dita que a restituição do valor das prestações indevidamente pagas possa ser efectuada através de pagamento directo ou por compensação com prestações devidas pelas instituições; estando prevista a possibilidade do pagamento em prestações mensais dos benefícios indevidamente recebidos (cfr. artigos 6º e 7º).
A este respeito, mostra-se apurado que, durante o ano de 2021, o agregado familiar do Requerente auferiu rendimentos de trabalho dependente e/ou pensões obtidas no território português no valor total de €20.876,52, correspondendo o valor de 3.917,06 à pensão auferida pelo Recorrente e o valor de 16.959,46 a rendimentos da cônjuge.
Sabemos que, no ano de 2021, o Recorrente não auferiu rendimentos de trabalho por estar em situação de incapacidade temporária para tal (desde 19.11.2018), tendo auferido prestações de doença, entretanto consideradas indevidas.
Mostra-se ainda apurado que, em 03.08.2021 o Requerente requereu pensão por velhice.
A presente providência cautelar foi instaurada em 11.07.2022.
Ora, a matéria de facto apurada nos autos – que não foi alvo de censura – é insuficiente para que se possa formular um juízo de que a demora da acção principal acarretará para o ora Recorrente prejuízos de difícil reparação ou uma situação de facto consumado.
Poder-se-ia cogitar que foi alegada matéria concernente ao requisito ora em análise e não levada ao elenco dos factos provados nem sujeita a prova por não ter o Tribunal a quo emitido pronúncia.
Porém, não é o caso.
No requerimento inicial, alegou o Autor que:
- Conta neste momento, a idade de 70 anos, encontrando-se a aguardar a reforma;
- Os actos cuja suspensão requere “colocaram-no, desde já, numa situação real de ausência de rendimentos do trabalho, e de rendimentos substitutivos do trabalho, que ameaçam mantê-lo numa situação de penúria de rendimentos do trabalho ou substitutivos destes, em caso de manutenção e execução dos referidos atos”;
- O acto que “consiste na exigência de devolução das prestações auferidas, a título de subsídio de doença, se for executado, deixá-lo-á, por largos, anos privado da reforma”;
- A “gravidade dos efeitos dos atos em causa, justifica a suspensão dos mesmos, bem como a entrega do valor ilicitamente retido, não podendo esperar pela tramitação e decisão da ação de que esta providência é dependente, sob pena de não ser acautelada a reparação eficaz dos danos decorrentes da execução de ato administrativo ilegal e o efeito útil de uma decisão que venha a ser proferida no processo principal”.
Ora, tais alegações são meros juízos conclusivos que caberia ao tribunal retirar de factos concretamente alegados.
O Requerente não fez qualquer esforço, desde logo, em alegar matéria factual concreta que, uma vez demonstrada, permitissem ao Tribunal concluir nos termos em que aquele o fez.
O Tribunal não pode afirmar ou presumir o periculum apenas com base no elevado valor da quantia a devolver, sobretudo se atendermos ao valor da remuneração auferida pelo Autor, que será de 4800,69 euros (não estando este valor expresso na factualidade apurada, infere-se dos valores atribuídos a título de doença e prestações compensatórias do subsídio Natal e do subsídio de férias).
Importa ainda sublinhar que a cessação da incapacidade temporária para o trabalho implica, em princípio, a retoma a actividade laboral, não sendo o pedido de reforma por velhice ou a idade de 70 anos, sem mais, impeditivos da mesma.
A alegação e demonstração do “fundado receio” a que o art.º 120º, n.º 1 do CPTA se refere, incumbe ao requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada, “não sendo lícito ao tribunal que se substitua ao mesmo nessa incumbência, e bem assim, de oferecer prova sumária dos fundamentos em se sustenta a existência desse requisito” (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008, proc. 0381/08 e de 22/01/2009, proc. 06/09, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Nestes termos, haverá que concluir que o Requerente, ora Recorrente, não logrou demonstrar que se mostra preenchido o requisito periculum in mora, como é seu ónus.

Não se verificando, em cúmulo, os dois requisitos positivos previstos no nº 1 do artigo 120º do CPTA, resta prejudicado o conhecimento do requisito negativo previsto no nº 2 da mesma norma.

Assim, revoga-se a sentença recorrida porquanto errou ao julgar não verificado o fumus boni iuris e, conhecendo em substituição, recusa-se a adopção da providencia requerida com fundamento na não verificação do periculum in mora.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e, em substituição, recusar a adopção da providência cautelar requerida.
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Custas a cargo do Recorrente.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 09 de Março de 2023
Ana Paula Martins
Carlos Araújo
Frederico Macedo Branco (com voto de vencido, nos termos que se seguem)

Voto de Vencido:

Tenderia a reconhecer a verificação do “periculum in mora” por entender que a determinada devolução de 165.226,95€, sempre causará, necessariamente, consequências no quadro da gestão da economia familiar do Requerente, aqui Recorrente, enquanto “(…) prejuízos de difícil reparação para os (seus) interesses”. (Artº 120, nº 1 alínea b) CPTA), em linha com o já decidido, nomeadamente, no Acórdão do TCAN nº 00364/20.0BEMDL, de 05-03-2021.

Frederico Macedo Branco