Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09697/16
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.
ARTº.266, Nº.2, DA C.R.PORTUGUESA. ARTº.59, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ACTUAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA VIOLADORA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.
Sumário:1. Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.), consubstanciando um deles a hipótese em que o próprio executado oferece uma garantia idónea susceptível de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, do C.P.P.T.).
2. A citada garantia idónea, de acordo com o legislador, pode consistir na prestação de garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor, na fiança ou na hipoteca voluntária, idoneidade essa que deve ser aferida pela susceptibilidade de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário).
3. Ponderado o disposto nos artºs.52, nºs.1 e 2, da L.G.Tributária, e 183, nº.1, do C.P.P. Tributário, a execução fiscal pode suspender-se mediante a prestação da dita garantia idónea por parte do executado (ou até de um terceiro com interesse em tal-v.g.promitente-comprador de um imóvel que não ocupa o lugar de executado). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. A citada garantia idónea, de acordo com o legislador, pode consistir na garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor ou na hipoteca voluntária, idoneidade essa que deve ser aferida pela susceptibilidade de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário). Sobre o valor da garantia, deve esta abranger a dívida exequenda, juros de mora computados até cinco anos e custas, tudo acrescido de 25% e conforme dispõe o artº.199, nº.5, do C.P.P.Tributário.
4. O mencionado regime é, obviamente, uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, os quais sempre devem presidir à constituição da garantia e sua manutenção, durante as vicissitudes que podem ocorrer no processo de execução fiscal suspenso.
5. A Constituição da República consagra no seu artº.266, os princípios fundamentais por que se deve reger a actividade da Administração Pública, entre os mesmos surgindo, após a revisão constitucional de 1997, o princípio da boa-fé (cfr.nº.2). A expressa menção deste princípio, desenvolvido no direito civil (cfr.v.g.artºs.227, 334 e 762, do C.Civil), significa que ele foi erigido pela Constituição à categoria de princípio jurídico autónomo de direito público. Já no domínio da lei ordinária, vamos encontrar a boa-fé reconhecida no artº.59, da L.G.Tributária, normativo que consagra o princípio da colaboração entre a A. Fiscal e os contribuintes, o qual tem como núcleo essencial os deveres de informação recíprocos dos mesmos intervenientes no procedimento tributário gracioso, mais presumindo a boa-fé na actuação de ambas as partes. Esta exigência recíproca de relacionamento segundo as regras da boa-fé já constava, igualmente, do artº.6-A, nº.1, do anterior C.P.Administrativo.
6. A actuação da Fazenda Pública com os contornos temporais descritos no processo deve ter-se como violadora do princípio da boa-fé que preside à actividade administrativa, porque frustra a legítima expectativa de apreciação da pretensão apresentada pelo executado, ancorada no princípio da decisão. Sendo que, a violação pela Fazenda Pública de um dever procedimental segundo as regras da boa-fé, pode consubstanciar um vício autónomo de violação de lei.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.207 a 213 do presente processo, através do qual julgou totalmente procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo reclamante/recorrido, “Ga…, L.da.”, visando acto de penhora levado a efeito no âmbito do processo de execução fiscal nº. …, o qual corre seus termos no … Serviço de Finanças de ….
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.219 a 226 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a sentença que decidiu que o ato de penhora sindicado nos autos incorre em violação de lei e violação do princípio da boa-fé, ou até nas nossas palavras, dos princípios da igualdade e de direito a uma tutela jurisdicional efetiva, mormente por entender que se encontrava a decorrer o prazo para impugnação;
2-Com efeito refere a decisão recorrida “pendiam pedidos de suspensão de execução e apreciação de garantia prestada e de indicação do valor da garantia a prestar, pelo que o ato de penhora sindicado é ilegal e deve ser anulado, o que se decidirá, ficando prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas (cfr. Art.º 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex-vi art.º 2.º, alínea e), do CPPT”);
3-Verifica-se em suma quanto ao objeto dos presentes autos:
- A reclamante foi citada no PEF … em 15-09-2015 (doc. 27 junto pela impugnante com a p.i.), conforme ponto D do probatório.
- Em 16-10-2015 entregou requerimento no SF a pedir a suspensão da execução fiscal em razão suposta intensão de prestar garantia, solicitando que lhe fosse notificado o valor da garantia a prestar (doc. 34 junto pela impugnante com a p.i.), conforme ponto F) do probatório.
- Em 20-10-2015 foi-lhe enviado o ofício n.º 8967 em resposta ao solicitado (doc. 43 junto pela impugnante com a p.i.), conforme ponto K) do probatório.
- Em 03-11-2015 a reclamante foi notificada do depósito da Penhora e da demonstração da aplicação de crédito, cujo depósito da Penhora n.º … foi efetuado em 29-10-2015, (como consta da tramitação do PEF apenso), conforme ponto L) do probatório;
4-Com o devido respeito, a motivação da sentença recorrida erra nos factos e na interpretação e aplicação do direito, maxime é contrária ao previsto no n.º 2 do art.º 169.º do CPPT;
5-Atentemos pois a que, nesse contexto, a sentença ao afirmar que pendiam pedidos de suspensão de execução e apreciação de garantia prestada e de indicação do valor da garantia a prestar, labora em erro, como se poderá constatar do probatório supra porquanto a reclamante fora notificada do valor da garantia a prestar mais do que uma vez, porque a apreciação de garantia a prestar decorria noutro processo não apensado ao PEF … que corre em paralelo com os presentes autos e porque o ato de penhora, uma vez que o pagamento da dívida não estava assegurado não é ilegal e muito menos, violador do princípio da boa-fé. Assim, na situação fática constante dos autos, o que está em apreço não é a quebra do princípio da boa- fé, mas o benefício da execução prévia de que a AT goza, uma vez que os atos jurídico-fiscais depois de notificados aos sujeitos passivos, são capazes de produzir os seus efeitos independentemente da legalidade ou ilegalidade dos mesmos; pois que se assim não fosse, o interesse público seria posto em causa;
6-Como refere em sumário o acórdão proferido pelo STA no processo n.º 0320/15, disponível em www.dgsi.pt:
"I – Os n.ºs 2 e 3 do art.º 36.º da LGT são perentórios ao estabelecer que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes e que a AT não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias (cfr. Também o n.º 3 do art. 85.º do CPPT), salvo nos casos expressamente previstos na lei.
II – A indisponibilidade dos créditos tributários, consagrada no n.º 2 do art. 30.º da LGT («O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária»), foi reafirmada pelo n.º 3 aditado àquele artigo pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), que estipula: «O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial";
7-Portanto, como decorre do quadro legal, nas situações em que o executado não cumpriu a obrigação de pagamento após o período de pagamento voluntário e, efetivamente não tenha prestado garantia, passados os trinta dias de oposição, por via da execução não admitir moras ou paragens, terá que se dar cumprimento à previsão do art.º 215.º do CPPT, procedendo de imediato à penhora, sendo irrelevante que ainda não se tenha esgotado o prazo para discutir a legalidade da dívida quando a mesma não se encontre garantida. A suspensão da execução fiscal apenas pode ter lugar nos casos expressamente previstos na lei - art.º 85.º, n.º3, do CPPT, o que não foi ponderado pela decisão recorrida;
8-Assim sendo, não se compreende a motivação da sentença recorrida quando afirma que:
“Deve ter-se por ilegal, por violação do princípio da boa-fé acolhido na lei ordinária e na lei constitucional, que impõem uma atuação em adequação com a “confiança suscitada na contraparte”, nos termos do disposto no art.º 52.º da LGT, do art.º 10.º do CPA e do art.º 266.º da CRP, a atuação da Administração Tributária que tendo a perceção de que a Reclamante pretendia impugnar judicialmente os atos de liquidação da dívida dada à execução fiscal, praticou atos de execução, designadamente o ato de penhora reclamado, enquanto decorria a apreciação do pedido de suspensão da execução e apreciação da garantia prestada e de indicação do valor da garantia a prestar…”. Até porque o requerimento da reclamante teria apenas um efeito dilatório, uma vez que nada fez na sequência do requerido;
9-Diga-se até que, face ao quadro jurídico-constitucional vigente e entendimento jurisprudencial, apenas se vislumbra como legal a atuação da Administração Fiscal quando efetue penhora decorrido o prazo de oposição, após citação formal do executado, mesmo que ainda não se tenham esgotado os prazos de reação contra a ilegalidade das liquidações que tenham dado origem à dívida de imposto objeto de compensação, desde que não esteja constituída garantia da dívida e que, ao visado sejam assegurados os meios de defesa;
10-Portanto, como decorre do quadro jurídico-legal, nas situações em que o executado não cumpriu a obrigação de pagamento após o período de pagamento voluntário e, efetivamente não tenha prestado garantia, passados os trinta dias de oposição, por via da execução não admitir moras ou paragens, terá que se dar cumprimento à previsão do art.º 215.º do CPPT, procedendo de imediato à penhora, sendo irrelevante que ainda não se tenha esgotado o prazo para discutir a legalidade da dívida quando a mesma não se encontre garantida. No fundo, estão em causa dois princípios até consagrados constitucionalmente, a saber: o princípio da legalidade tributária e o princípio da indisponibilidade do crédito tributário. Ou seja, contrariamente à decisão recorrida, salvo melhor entendimento, a conduta adotada pelo órgão competente em sede de execução fiscal, onde se encontra proibida a moratória e a suspensão da execução fora dos casos previstos em numerus clausus na lei, considera-se adequada chegada a fase de cobrança coerciva;
11-Ou seja, servindo a impugnação apenas para atacar a legalidade da liquidação, atente-se ao facto de que em qualquer dos casos, para que se suspendesse a cobrança executiva seria necessária a associação de garantia ao meio processual adequado para que então se produzissem os efeitos suspensivos da cobrança, nos precisos moldes do artigo 169.º n.º 2 do CPPT: ou seja, tornar-se-ia necessária a prestação de garantia após o términus do prazo de pagamento voluntário e, antes de decorrido o prazo de oposição, ou seja, 30 dias após a citação, condição imprescindível para impedir o benefício da execução prévia de que goza a A.T.;
12-Como decorre dos factos (provados) a reclamante apesar de não ter associado contencioso de anulação no PEF em apreço, nem nele ter prestado garantia até ser citada (nem até à data da penhora), embora citada e advertida para no prazo de 30 dias efetuar o pagamento da dívida e acrescido até ao montante em falta, prazo findo o qual sem prestação de garantia ou verificação de pagamento, seria acionado o prosseguimento de execução, nada fez nesse sentido;
13-Ou seja, embora o processo executivo se suspenda após a citação, deve prosseguir uma vez que termine o prazo de trinta dias após a citação, nos termos do art.º 203.º do CPPT e, nestas situações em que a executada não cumpriu a obrigação de pagamento após o período de pagamento voluntário e, o deixou esgotar sem que efetivasse a prestação de garantia, passados os trinta dias de oposição, por via da execução não admitir moras ou paragens, terá que se dar cumprimento à previsão do art.º 215.º do CPPT, procedendo à penhora;
14-No fundo, estão em causa dois princípios até consagrados constitucionalmente: o princípio da legalidade tributária e o princípio da indisponibilidade do crédito tributário. Ora como decorre do já exposto, a justiça tributária encontra-se subordinada à Constituição da RP e à lei e por isso, também no procedimento se consagram os dois referidos princípios;
15-Como se pode concluir, o facto de ter decorrido o prazo de oposição à execução após citação sem que a reclamante prestasse garantia e o facto de a AT ter procedido à penhora com o fim de garantir o pagamento da execução fiscal, revela uma atuação em obediência ao princípio da legalidade não conflituante com o princípio da igualdade por via da unidade e harmonia sistemática do ordenamento jurídico. Assim sendo, não se compreende a motivação da sentença recorrida quando afirma que “Com efeito, perante tal jurisprudência consolidada a A.T. ao invés de denominar os atos praticados como constituição de penhor legal seguido de penhora e consequente efetiva aplicação do valor do reembolso na execução fiscal, pretendendo desse modo criar a aparência da legitimidade legal quando procede à efetiva aplicação de créditos fiscais titulados pelos executados antes mesmo de terminarem os prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial...”;
16-Em rigor, como já referimos o que está em apreço é o benefício da execução prévia de que a AT goza, uma vez que os atos jurídico-fiscais depois de notificados aos sujeitos passivos, são capazes de produzir os seus efeitos independentemente da legalidade ou ilegalidade dos mesmos, pois se assim não fosse, o interesse público seria posto em causa. Atente-se a que o legislador, não deixou de acautelar as garantias dos administrados, conferindo-lhes a faculdade de a tal obstarem através da prestação de garantia e dotando-os de meios de defesa capazes de paralisar esse efeito executório do ato administrativo-tributário;
17-Do exposto decorre certamente o facto de que a AT se encontra, na sua atuação, vinculada ao princípio da legalidade, agindo como tal em conformidade com a lei positivada, a única forma que lhe possibilita orientar o seu procedimento de acordo com o adotado em situações idênticas , tendo-se limitando a AT a seguir a lei por via do princípio da legalidade da atuação administrativa. Assim, sem conceder e em último caso estaríamos quanto muito perante uma ilegalidade abstrata sem qualquer causa na atuação administrativa;
18-A garantia associada ao contencioso de anulação, com o fim de sindicar a legalidade da liquidação que se encontra a ser exigida coercivamente, atribuiria efeito suspensivo em relação aos efeitos de tal liquidação. No entanto a decorrência do prazo para impugnar não obsta à prossecução da execução que não se pode suspender senão por causa legal. Pelo contrário é a prestação de garantia em sede de execução fiscal que impede a prossecução da tramitação executiva e a suspende de forma a obstar à penhora, sendo que, quando tal não se verifique, deve a execução prosseguir obrigatoriamente com vista à cobrança coerciva;
19-Ou seja, estão em causa duas situações completamente distintas que podendo eventualmente atingir um fim idêntico para o sujeito passivo, não são indiferentes no sistema jurídico, uma vez que no respeita ao interesse público foi consagrado pelo legislador que os efeitos dos atos legalmente notificados ao contribuinte podem produzir os seus efeitos independentemente da discussão da sua legalidade. Está pois em causa a primazia do interesse público reconhecido também através da prossecução da celeridade na conclusão do processo de execução fiscal, em consonância com o previsto no artigo 177.° do CPPT sob a epígrafe “Prazo de extinção da execução”;
20-Tal perceção corrobora, salvo melhor entendimento, a afirmação de Jorge Lopes de Sousa que em anotação 9 ao artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por si anotado e comentado, que «O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 386/2005 entendeu que o n.º 1 deste art.º 89.º não é materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e do acesso aos tribunais (art.ºs 13.º e 20.º, n.º 1 da CRP), quando interpretado com o sentido de permitir a compensação logo que a dívida se torna exigível, findo o prazo de pagamento voluntário de 30 dias (aplicável, nos termos do art.º 85.º, n.º 2, do CPPT, quando não for fixado prazo especial), mesmo antes de estar findo o prazo para o exercício do direito de impugnação, que é de 90 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 102.º deste Código, embora desta interpretação resulte que o contribuinte que vise obstar à compensação tenha de impugnar o ato de liquidação dentro daquele prazo de 30 dias, sob pena de perder o direito de ver suspensa a execução, pois a dívida, operada a compensação, fica cobrada». Tal interpretação e aplicação do direito é a que deve ser utilizada no que concerne à estatuição do previsto pelo legislador no n.º 2 do art.º 169.º do CPPT;
21-Ademais, sendo o procedimento consagrado através de um feixe de atos, deve ser declarada a legalidade da atuação da AT refletida no seu iter procedimental, mantendo-se a penhora por ser legal;
22-Em consequência, salvo melhor e erudito entendimento, deve revogar-se a sentença recorrida;
23-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
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A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.245 a 257 dos autos), nas quais pugna pelo não provimento do presente recurso, mais terminando com as sequentes Conclusões:
1-O recurso interposto pela RFP incide sobre sentença proferida, em 05.04.2016, pela 1ªUnidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual deu provimento à reclamação de decisões do órgão de execução fiscal aí deduzida em razão de considerar procedente a ilegalidade da penhora efectuada pelo Órgão de Execução Fiscal;
2-A argumentação da RFP centra-se num único pressuposto essencial: terminado o prazo de pagamento voluntário da dívida exequenda, não procedeu a recorrida nem ao pagamento da mesma, nem à prestação de garantia nos termos do artigo 169.º do CPPT;
3-Desta forma, ter-se-ia limitado a AT fazer o que lhe competia, convertendo um penhor que havia constituído previamente em penhora, num cumprimento cabal e exemplar da legalidade;
4-A RFP esquece-se, porém, de referir com mais pormenor a quantidade absurda de ilegalidades de que padece a sua actuação ao longo da instância executiva (que afectam, naturalmente, a legalidade da penhora efectuada) nem consegue, aparentemente, perceber o que terá levado a recorrida a não prestar garantia voluntária por forma a suspender a execução - o que esta faz agora questão de esclarecer;
5-A compensação é um mecanismo de extinção de obrigações que se efectiva mediante declaração de uma parte à outra, conforme artigos 847.º e 848.º do Código Civil., a recorrida foi, pois, notificada em 10.10.2015 do acto de compensação n.º…, datado de 05.10.2015, no qual a AT aplicou um crédito fiscal da requerente no pagamento da dívida dada a execução, no valor global de € 777.362,34 (setecentos e setenta e sete mil trezentos e sessenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos);
6-Aliás, a segunda página do Doc.33 dos autos, sob o nome "DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS", refere expressamente a compensação nº …, bem como a data da mesma: 05.10.2015. No quadro de demonstração do mesmo documento pode ler-se "Aplicação do crédito em dívidas Ex. Fiscal" e o próprio teor da missiva deixa clara a realização da extinção de uma dívida tributária por compensação. Tendo-se a AT apropriado de um reembolso da recorrida para compensar dívidas fiscais desta, não parece, pois, haver margem para dúvidas no que à realização de uma compensação nos termos do artigo 89º do CPPT diz respeito;
7-Ora, sendo certo que no momento em que a compensação foi realizada se encontrava a decorrer o prazo que assistia à recorrida para interposição de impugnação judicial ou oposição à execução, a AT violou o disposto no nº1 do artigo 89º do CPPT. Conforme argumentado na reclamação, a doutrina e a jurisprudência são unânimes quanto à impossibilidade de realização de compensações de créditos fiscais nestas condições, o que levou a recorrida a apresentar uma primeira reclamação e tendo, naturalmente, este douto Tribunal validado esse entendimento [cf. Acórdão de 31.03.2016, proferido nos autos que correm sob o n.º 09455/16 no 2º Juízo – 2ª Secção (Contencioso Tributário)];
8-A AT parece, todavia, desconhecer por completo a figura da compensação, querendo fazer querer que esta não passará de um "processo" que depende da realização de penhores e penhoras, misturando estes vários mecanismos sem qualquer coerência nos mesmos processos de execução - ou talvez conheça perfeitamente a dita figura mas prefira denominá-la de "constituição de penhor legal seguido de penhora" para obter o mesmo efeito à revelia dos prazos estipulados no artigo 89.º do CPPT;
9-Na realidade, a recorrida seria notificada apenas a 21.10.2015 da constituição de penhores legais a 06.10.2015, ou seja, no dia seguinte à data da compensação. Consistindo o penhor uma garantia de cumprimento de uma obrigação, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito (artigo 666º e ss do Código Civil), a sua constituição em momento posterior a uma compensação é totalmente desprovida de sentido, uma vez que a segunda opera, no momento em que é declarada, a extinção da dívida exequenda. O objecto destes actos administrativos é, portanto, impossível, devendo os penhores ser considerados nulos nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável subsidariamente por força do disposto na alínea d) do artigo 2º do CPPT;
10-Ao constituir penhores sobre um reembolso da recorrida que já havia sido compensado, talvez procurasse a AT emendar a mão após verificar a ilegalidade da compensação por si realizada. Todavia, ainda que não fosse considerada como um acto impossível, o que se admite mas não se concede, a própria constituição dos penhores estaria sempre ferida de ilegalidade por extemporânea e violação de lei. De facto, ao contrário do que afirma a RFP, a constituição de penhor não é um acto normal de coerção, mas um meio de garantia que extravasa o âmbito do processo executivo e que deve obedecer a um requisito de necessidade da sua constituição em ordem à efectividade da cobrança, nos termos da alínea b) do nº2 do artigo 50º da LGT, necessidade essa que a AT não logrou demonstrar;
11-Desta forma, nunca poderiam estes penhores ter sido constituídos sem qualquer fundamentação, ainda por cima na pendência dos prazos de defesa que assistiam à reclamante, sendo óbvio que os meios de defesa que assistem à recorrida foram coartados por este procedimento por parte da AT;
12-Os próprios Tribunais Superiores têm verificado que esta actuação confusa e pejada de ilegalidades por parte da AT parece ser recorrente, sendo certo que "(...) a verdade é que a jurisprudência firmada no sentido da inadmissibilidade da compensação de créditos por iniciativa da Administração tributária na pendência dos prazos de defesa e de pedido de suspensão da execução mediante oferecimento de garantia é igualmente transponível para o caso da constituição de penhor de créditos por iniciativa da Administração tributária que, ao que parece, surge agora utilizada pela administração tributária como sucedâneo da compensação (sendo operacionalizada através da mesma aplicação informática, que, aliás, parece identificar a constituição de penhor de créditos como sendo uma compensação (…)". A constituição destes cinco penhores legais está, também, portanto, irremediavelmente ferida de ilegalidade, por extemporânea e violação de Lei, tendo sido operada durante os prazos de defesa que assistiam à recorrida e não cumprindo o requisito de necessidade à cobrança efectiva da dívida nos termos da alínea b) do nº2 do artigo 50º da LGT – o que sempre implica a anulação dos posteriores actos de penhora;
13-Cumpre ainda referir que sempre foi intenção da recorrida sindicar a legalidade das liquidações adicionais de IVA de que foi alvo - o que viria efectivamente a fazer em sede de arbitragem a 28.10.2015. Sendo confrontada com a realização de uma compensação ilegal na pendência dos seus prazos de defesa, desde logo procedeu a recorrida à preparação respectiva reclamação por forma a acautelar os seus direitos. Todavia, não tendo a AT procedido à extinção das respectivas dívidas no Portal do Contribuinte e procurando a recorrida assegurar que a dívida exequenda permaneceria garantida uma vez demonstrada judicialmente a ilegalidade da compensação, decidiu esta requerer a suspensão de todos os cinco processos de execução;
14-Relativamente ao processo de execução nº …, conseguiu a recorrida providenciar uma garantia por meio de hipoteca de imóveis, que ofereceu juntamente com o requerimento de suspensão do processo dentro do prazo legal de que dispunha. Ainda assim, e ignorando deliberadamente o incidente de prestação de garantia em causa, a AT procedeu uma penhora no dia seguinte - 15.10.2015 - o que motivou a apresentação de reclamação por parte da recorrida. A AT viria a anular o acto de penhora, naquele que seria o único reconhecimento de ilegalidades por esta cometidas ao longo de todo este processo, encontrando-se a recorrida ainda a aguardar decisão quanto à idoneidade da garantida oferecida;
15-Relativamente aos processos de execução nºs …, …, … e …, não conseguiu a recorrida providenciar as garantias dentro do prazo tendo, no último dia de prazo de que dispunha para tal (15.10.2015), a suspensão dos referidos processos manifestando a sua intenção de sindicar a legalidade das liquidações adicionais de IVA. Solicitou, ainda, que a AT lhe efectuasse notificação com o valor que deveria garantir e o prazo de que dispunha para tal, uma vez que a garantia seria prestada para lá dos 30 dias durante os quais o respectivo valor se encontrava fixado na citação, nos termos do nº 6 do artigo 169º do CPPT. A AT viria a notificar a recorrida a 20.10.2015 do valor que deveria garantir a fim de suspender a execução em causa através do ofício nº 3967 criando, naturalmente, na recorrida, a legítima expectativa de poder, nestes termos, suspender a execução mediante a prestação de garantia;
16-Todavia, surpreendentemente, a recorrida foi notificada a 21.10.2015 da constituição dos penhores legais a 06.10.2015. Ou seja, a AT num dia fixa os valores para que a recorrida possa prestar voluntariamente garantia a fim de suspender a execução, quando na realidade já havia garantido a mesma por iniciativa própria a 06.10.2015, ainda que de forma ilegal, frustrando a legítima expectativa da recorrida de poder prestar garantia numa clara violação do princípio da boa-fé que deve presidir à actividade administrativa (art. 6º-A do CPA e art. 266º da CRP), como bem conclui o Tribunal a quo;
17-Ora, entre a compensação ilegal e a constituição de penhores, ainda que também de forma ilegal, ficou a dívida exequenda duplamente garantida, razão pela qual acabou a recorrida por não prestar as garantias a que se propôs. No entanto, foi a recorrida notificada a 03.11.2015 de que a AT havia procedido a 16.11.2015 a quatro penhoras no âmbito destes processos de execução. Isto significa que no dia seguinte àquele em que a recorrida requereu a suspensão das execuções, pedindo que a AT fixasse o valor da garantia a prestar, já a AT havia, supostamente, procedido a penhoras!
18-O procedimento da AT é, pois, absolutamente incompreensível: por um lado, criou a legítima espectativa na recorrida de poder voluntariamente garantir a dívida exequenda para depois a notificar de penhores e avançar com penhoras. Por outro lado, sabendo a AT da intenção da recorrida sindicar a legalidade das liquidações adicionais de IVA de que foi alvo e encontrando-se a dívida exequenda já garantida pela constituição, ainda que ilegal, de penhor legal, as execuções deveriam ter sido suspensas nos termos do nº1 do artigo 169º e do artigo 195º do CPPT, não se justificando de forma alguma as penhoras efectuadas;
19-De uma forma geral, não se compreende de que forma pretende a AT retirar qualquer tipo de nexo ou lógica da utilização simultânea de um mecanismo de extinção da obrigação - a compensação, seguida de um mecanismo de garantia - o penhor, e de um novo mecanismo de apreensão de bens à ordem do processo para pagamento de uma dívida exequenda extinta. Ao longo destes processos, a confusa aplicação de todos estes mecanismos legais não faz qualquer sentido, caindo a AT no absurdo de realizar uma compensação a 05.10.2015 sem dar sequer como extinta a dívida exequenda, proceder a penhores legais no dia seguinte (06.10.2015) e nunca suspender a execução, procedendo ainda a cinco penhoras - ilegais - sobre o montante já compensado, a 15.10.2015 e 16.10.2015;
20-Sendo que a avidez com que a AT lança mão de todos os mecanismos que tem ao seu alcance para, ignorando por completo as suas singularidades e impossibilidade de conjugação dos mesmos, se apropriar do valor correspondente ao reembolso de IRC da recorrida, demonstra, das duas uma: ou um desconhecimento assustador de cada figura e dos requisitos legais para a sua realização, ou simplesmente uma má-fé inqualificável;
21-Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, manter-se plenamente válida na ordem jurídica a sentença recorrida, assim fazendo V. Exas a costumada Justiça.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.273 a 276 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.209 e 210 dos autos - numeração nossa):
1-Pela ordem de serviço n.º …, assinada em 25/09/2014, a reclamante foi objecto de uma acção de inspecção ao exercício de 2011, de âmbito geral (cfr.cópia de relatório de inspecção junto a fls.25 e seg. dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2-Em face das correcções meramente aritméticas à matéria colectável efectuadas à contabilidade da reclamante, surgiram as respectivas liquidações adicionais de imposto (IVA) e juros compensatórios (cfr.documentos juntos a fls.69 a 96 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3-Por falta de pagamento das referidas liquidações, em 10/09/2015, foi instaurado pelo … Serviço de Finanças de … , entre outros, o processo de execução fiscal nº. …, no montante de € 28.760,93, com base na certidão de dívida nº. …, do qual surge como executada a reclamante, “Ga…, L.da.” (cfr.informação exarada a fls.151 a 154 dos presentes autos; capa e documentos juntos a fls.1 e seg. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4-Em 15/09/2015, a reclamante foi citada para os termos da execução (cfr.informação exarada a fls.151 a 154 dos presentes autos; documentos juntos a fls.13 e 25 do processo de execução fiscal apenso; documento de tramitação da execução junto a fls.29 do processo de execução fiscal apenso);
5-Em 14/10/2015, a reclamante requereu ao Chefe do … Serviço de Finanças de … a suspensão do processo de execução fiscal nº. …, em razão da sua pretensão de apresentação de impugnação judicial dos actos de liquidação da dívida dada à execução fiscal, bem como a aceitação a título de garantia das hipotecas dos imóveis cujas escrituras anexou (cfr.documentos juntos a fls.125 e seg. dos presentes autos);
6-Em 16/10/2015, a reclamante requereu ao Chefe do … Serviço de Finanças de … a suspensão, entre outros, do processo de execução fiscal nº. …, em razão da sua pretensão de apresentação de impugnação judicial dos actos de liquidação da dívida dada à execução fiscal, bem como a indicação do valor da garantia a prestar (cfr.documento junto com a fls.133 dos presentes autos);
7-Em 20/07/2015, havia sido efectuada a liquidação de IRC n.º …, resultante da actividade da impugnante/reclamante do exercício de 2014, cuja demonstração de compensação correspondeu a um reembolso de € 862.946,13 (cfr. documento junto a fls.135 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8-Pela demonstração de aplicação do crédito, documento de cobrança nº. …, de 05/10/2015, os serviços da AT procederam à compensação do crédito resultante do reembolso de € 862.946,13, na dívida exequenda total de € 777.362,34, apurando um saldo positivo de € 85.583,79 (cfr.documento junto a fls.136 e 137 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9-Em 06/10/2015, os serviços da AT procederam ao penhor legal do saldo positivo, no valor de € 29.317,26, a favor do processo de execução fiscal nº. … (cfr. documento junto a fls.138 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10-O montante de € 29.317,26 foi convertido em penhora nº. … em 16/10/2015, para aplicação no crédito em dívida em 29/10/2015, conforme demonstra o documento de acerto de contas nº. … (cfr.documentos juntos a fls.139 a 142 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11-Pelo ofício n.º8967, de 20/10/2015, a reclamante foi notificada, na pessoa da sua representante legal, dos montantes correspondentes a cada processo de execução fiscal, ficando alertada de que a quantia da garantia a constituir seria o valor da soma das quantias exequendas crescidas de 25% (cfr.documento junto a fls.143 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12-Em 03/11/2015, a reclamante foi notificada da demonstração de acerto de contas, no valor de € 29.317,26 (cfr.documentos juntos a fls.17 e 17 verso do processo de execução fiscal apenso);
13-A presente reclamação foi remetida ao … Serviço de Finanças de … via correio registado em 13/11/2015, visando o acto de penhora identificado no nº.10 supra (cfr.documentos juntos a fls.188 e seg. dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal quanto aos factos provados alicerçou-se nos documentos juntos aos autos e acima referidos em cada número do probatório, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar totalmente procedente a presente reclamação de acto de órgão de execução fiscal, mais tendo anulado o acto de penhora reclamado (cfr.nº.10 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese, que a decisão recorrida erra na interpretação e aplicação do direito, sendo contrária ao previsto no artº.169, nº.2, do C.P.P.T. Que decorre do quadro jurídico-legal, nas situações em que o executado não cumpriu a obrigação de pagamento após o período de pagamento voluntário e, efectivamente não tenha prestado garantia, passados os trinta dias de oposição, por via da execução não admitir moras ou paragens, terá que se dar cumprimento à previsão do artº.215, do C.P.P.T., procedendo de imediato à penhora, mais sendo irrelevante que ainda não se tenha esgotado o prazo para discutir a legalidade da dívida quando a mesma não se encontre garantida. Que a actuação da A. Fiscal se baseou no privilégio da execução prévia de que goza, uma vez que os actos jurídico-fiscais, depois de notificados aos sujeitos passivos, são capazes de produzir os seus efeitos independentemente da legalidade ou ilegalidade dos mesmos, visto que se assim não fosse, o interesse público seria posto em causa. Que a conduta da Fazenda Pública se fundamentou, igualmente, em dois princípios consagrados constitucionalmente: o princípio da legalidade tributária e o princípio da indisponibilidade do crédito tributário. Que se deve manter a penhora objecto da presente reclamação, porque legal (cfr. conclusões 4 a 22 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direccionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/08/2012, proc.5859/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9100/15; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.28).
Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.), consubstanciando um deles a hipótese em que o próprio executado oferece uma garantia idónea susceptível de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, do C.P.P.T.).
Ponderado o disposto nos artºs.52, nºs.1 e 2, da L. G. Tributária, e 183, nº.1, do C. P. P. Tributário, a execução fiscal pode suspender-se mediante a prestação da dita garantia idónea por parte do executado (ou até de um terceiro com interesse em tal-v.g.promitente-comprador de um imóvel que não ocupa o lugar de executado).
O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. A citada garantia idónea, de acordo com o legislador, pode consistir na garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor, na fiança ou na hipoteca voluntária, idoneidade essa que deve ser aferida pela susceptibilidade de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário). Sobre o valor da garantia, deve esta abranger a dívida exequenda, juros de mora computados até cinco anos e custas, tudo acrescido de 25% e conforme dispõe o artº.199, nº.5, do C. P. P. Tributário (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/9/2011, proc.4925/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9100/15; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.423 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.411 e seg.; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.246 e seg.; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.73 e seg.).
O regime exposto é, obviamente, uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, os quais sempre devem presidir à constituição da garantia e sua manutenção, durante as vicissitudes que podem ocorrer no processo de execução fiscal suspenso.
"In casu", conforme se vinca na decisão do Tribunal "a quo", existe um crédito a favor da reclamante/recorrida proveniente de um reembolso derivado da liquidação de I.R.C. do ano 2014, no montante de € 862.946,13 e, esta é, simultaneamente, devedora à A. Fiscal de uma dívida de I.V.A. de 2011, já em fase de cobrança coerciva em execução fiscal. Mais decorre do probatório que a reclamante/recorrida foi citada para a execução fiscal em 15/09/2015 (cfr.nº.4 do probatório), sendo que, em 6/10/2015, os serviços da Fazenda Pública procederam ao penhor legal do saldo no valor de € 29.317,26, derivado de anterior compensação, a favor do processo de execução fiscal nº. … (cfr.nº.9 da matéria de facto provada). Por sua vez, tal penhor legal foi convertido em penhora no pretérito dia 16/10/2015 (cfr.nº.10 do probatório).
E recorde-se que o prazo, de trinta dias, para deduzir oposição ao processo de execução nº. …, nos termos do artº.203, nº.1, al.a), do C.P.P.T., teve o seu termo final em 15/10/2015.
Ora, do exame da factualidade provada, deve concluir-se que na data em que a A. Fiscal procedeu ao penhor legal do saldo no valor de € 29.317,26 (6/10/2015), derivado de anterior compensação, a favor do processo de execução fiscal nº. …, ainda não tinha ocorrido o termo final do prazo para deduzir oposição ao mesmo processo de execução.
Ainda, na data em que tal penhor legal foi convertido em penhora (pretérito dia 16/10/2015), foi apresentado pela sociedade reclamante/recorrida, pedido de suspensão do mesmo processo de execução fiscal nº. …, em razão da sua pretensão de apresentação de impugnação judicial dos actos de liquidação da dívida dada à execução fiscal, bem como pedido de indicação do valor da garantia a prestar no âmbito do mesmo processo executivo (cfr.nº.6 do probatório).
A Constituição da República consagra no seu artº.266, os princípios fundamentais por que se deve reger a actividade da Administração Pública, entre os mesmos surgindo, após a revisão constitucional de 1997, o princípio da boa-fé (cfr.nº.2). A expressa menção deste princípio, desenvolvido no direito civil (cfr.v.g.artºs.227, 334 e 762, do C.Civil), significa que ele foi erigido pela Constituição à categoria de princípio jurídico autónomo de direito público. Já no domínio da lei ordinária, vamos encontrar a boa-fé reconhecida no artº.59, da L.G.Tributária, normativo que consagra o princípio da colaboração entre a A. Fiscal e os contribuintes, o qual tem como núcleo essencial os deveres de informação recíprocos dos mesmos intervenientes no procedimento tributário gracioso, mais presumindo a boa-fé na actuação de ambas as partes. Esta exigência recíproca de relacionamento segundo as regras da boa-fé já constava, igualmente, do artº.6-A, nº.1, do anterior C.P.Administrativo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/1/2013, proc.6337/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/3/2016, proc.9282/16; J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.803 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.495 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, a actuação da Fazenda Pública com os contornos temporais acima acabados de descrever deve ter-se como violadora do princípio da boa-fé que preside à actividade administrativa, porque frustra a legítima expectativa de apreciação da pretensão apresentada pelo executado, ancorada no princípio da decisão. Sendo que, a violação pela Fazenda Pública de um dever procedimental segundo as regras da boa-fé, pode consubstanciar um vício autónomo de violação de lei (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/2/2012, rec.89/12).
Em conclusão, o acto de penhora sindicado é ilegal e deve ser anulado, tudo conforme decidiu o Tribunal "a quo".
Por último, sempre se dirá que a decisão recorrida não violou os artºs.169, nº.2, e 215, do C.P.P.T., tal como os princípios da legalidade tributária e da indisponibilidade do crédito tributário e o privilégio da execução prévia.
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 29 de Junho de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)