Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:262/18.7BELRA
Secção:2.ª Secção – CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:12/19/2018
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RECLAMAÇÃO 276º CPPT
ENVIO POR CORREIO ELECTRÓNICO
TEMPESTIVIDADE
Sumário:I - No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância, o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº.1, do C.P.Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida.
II - O desfecho da questão que aqui nos ocupa passará por saber se, efectivamente, a petição de reclamação foi remetida ao IGFSS, por correio electrónio, no dia 12/06/17, tal como a Recorrente defende, ou se apenas deu entrada nos competentes serviços em 22/02/18, como aponta a data aposta no carimbo de entrada do dito articulado inicial e como, de resto, a sentença veio a considerar.
III - É verdade que os elementos juntos, concretamente das cópias da correspondência trocada por correio electrónico, não exibem os ficheiros anexos, o que não permite apontar com certeza o concreto dia do seu envio; não é menos verdade, contudo, que a actuação dos Serviços da Segurança Social, na correspondência trocada com a Senhora Mandatária, faz supor que os anexos terão chegado ao destino.
IV - Com efeito, admitindo que os serviços em causa actuaram num quadro de normalidade, com observância de regras próprias de uma administração transparente e colaborante, a resposta dada no sentido de reencaminhar para análise um email que antes não havia chegado em condições de ser integralmente consultado, faz supor que os elementos terão sido recebidos em condições de serem lidos.
Apesar disto, ou seja, de um circunstancialismo claramente indiciador de que a p.i de reclamação foi apresentada em momento muito anterior a 22/02/18, este Tribunal não pode afirmar, com a certeza e a segurança que a questão da caducidade do exercício do direito de acção exige, que tal articulado foi efectivamente remetido em momento anterior àquela data, nem (obviamente) qual o concreto dia do seu envio.
V - Entendemos que há aqui um evidente défice instrutório que não poderá deixar de ser colmatado pelo Tribunal de 1ª instância, porquanto existe a possibilidade séria de, com produção de prova adicional, designadamente junto dos competentes Serviços do IGFSS, ser estabelecido outro quadro factual mais alargado e rigoroso, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer cabalmente os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão da questão da caducidade do direito de acção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:PROCESSO N.º 262/18.7BELRA

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


1. RELATÓRIO

M………… vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria que, em sede de reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT, no âmbito do processo executivo …………e aps., instaurado pela Secção de Processo Executivo de Leiria, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, julgou verificada a “excepção da caducidade do direito de acção” e, em consequência, “absolveu do pedido a entidade exequente”.
A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
1. Dispõe o art.º 84.º CPTA que “com a contestação ou no respectivo prazo, a entidade demandada é obrigada a proceder (…) ao envio do processo administrativo”
2. inicial havia dado entrada através de correio A entidade Demanda nunca juntou aos autos o processo administrativo, omissão esta que, claramente, constitui uma nulidade processual, que aqui expressamente e desde já, se invoca.
3. Ora, a data de entrada de uma qualquer peça processual em juízo apenas e só pode ser provada por documento junto ao processo administrativo a que respeita, não podendo as partes pronunciar-se sobre tais factos e muito menos fazer tal prova.
4. E se do processo executivo junto pela entidade administrativa e cuja junção nunca foi notificada à Recorrente, constava um comprovativo de envio e recepção de um mail remetido pela Signatária à Entidade demandada datado de 12.06.2017 data em que a Recorrente pagou a taxa de justiça (vide fls 11 a 13 do ofício remetido pela entidade demandada)
5. Tais documentos não podiam simplesmente ser ignorados pelo Tribunal “a quo” que perante os mesmos, se ainda tivesse alguma dúvida que a reclamação havia entrado por e-mail em 12.06.2017, só tinha que notificar a Entidade Demandada para que cumprisse a sua obrigação de juntar o PA aos autos
6. Não o tendo feito mantem-se a nulidade invocada e consequentemente da sentença recorrida
7. É que juntar o processo executivo não é o mesmo que juntar o processo administrativo, pois daquele não constam os seguintes documentos:
a. E-mail de 12.06.2017 remetido, pela Recorrente com a reclamação (doc 1)
b. E-mail de 13.06.2017 remetido pela entidade demandada a solicitar novo envio da reclamação (doc 2)
c. E-mail de 13.06.2017 remetido, pela Recorrente uma vez mais com a reclamação, com assinatura digital (doc 3)
d. E-mail de 13.06.2017 remetido, pela Recorrente com a reclamação, sem assinatura digital, (doc 4)
e. E-mail de 13.06.2017 remetido pela entidade demandada informando a Signatária que “o seu email foi encaminhado para a respectiva secção de processo executivo para analise”, (doc 5)
f. E-mail de 09.02.2018 remetido, pela Recorrente reencaminhando, toda a correspondência trocada com os serviços no que respeita ao envio inicial, (doc 6)
g. E-mail de 09.02.2018, remetido, pela Recorrente reencaminhado, uma vez mais o próprio email de envio da reclamação (doc 7)
8. Documentos estes, cuja necessidade de junção aos autos por ter sido criada, pela primeira vez, pela sentença da primeira instância, aqui em crise, se requer nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 651.º CPC
9. Logo tendo a decisão da entidade administrativa objecto de reclamação sido recepcionada no dia 01.06.2017 e tendo a reclamação dado entrada no dia 12.06.2017 – o dia 22.02.2018 é a apenas a data de entrega do suporte em papel - impõe-se a decisão que a mesma não foi extemporânea.
10. Termos em que, não podia o Douto Tribunal “a quo” decidir como decidiu pela caducidade do direito de acção da Recorrente, impondo-se, consequentemente a revogação da sentença aqui em crise e a sua substituição por outra que aprecie o pedido da Recorrente tal como peticionado.
Ou seja:
1) Tendo a Recorrente sido citada em reversão em 25.09.2009, ou seja, após o decurso do prazo prescricional de 5 anos - art.º 69.º Lei de Bases da Segurança Social e art.º 187.º do CRCSPSS - no que respeita às contribuições e cotizações relativas ao período de Janeiro de 2003 a Agosto de 2004 e sendo a prescrição de conhecimento oficioso, impunha-se à Demandada que conhecesse da prescrição de tais tributos
2) Acresce que, contrariamente à fundamentação da decisão em crise, parece-nos obvio, que a citação em processo de execução fiscal não tem nem pode ter eficácia retroactiva o que, sendo contra os mais elementares princípios do direito português, ferindo claramente princípios constitucionais absolutamente basilares, tornando a decisão aqui em crise e, mesmo o despacho de reversão, NULOS,
Para quando assim se não entenda, no que não se concede,
3) Deve a decisão aqui em crise ser anulada e substituída por outra que reconheça a prescrição de todos os tributos que já se encontravam prescritos à data em que ocorreu a citação para a reversão da executada, ou seja 25.09.2009, ou seja
a) Contribuições de janeiro de 2003 a Agosto de 2004
b) Cotizações de janeiro de 2003 a Agosto de 2004
4) Não sendo devidas as contribuições e cotizações supra descritas, obviamente não pode a Reclamante ser responsabilizada pelo pagamento de quaisquer juros de mora
5) Por conseguinte, deve a sentença sob escrutínio ser revogada e, em consequência, ser substituída por outra que declare a nulidade da decisão reclamada ou para quando assim se não entenda, no que não se concede, que declare prescrição dos créditos, com a consequente extinção parcial dos processos executivos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a Douta sentença recorrida ser declarada nula e por consequência ser declarada a nulidade da decisão reclamada ou para quando assim se não entenda, no que não se concede, declarada prescrição dos créditos, com a consequente extinção parcial dos processos executivos
Para tanto e nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 651.º CPC requer-se a junção aos autos de 7 documentos cuja necessidade de junção aos autos por ter sido criada, pela primeira vez, pela sentença da primeira instância, apenas agora se requer
Assim se fazendo JUSTIÇA

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 25.09.2009, foi recebida pela Reclamante comunicação da “CITAÇÃO (REVERSÃO)” para o processo executivo n.º ……….. e aps., pela quantia exequenda de € 6.492,24 e acrescido de € 4.095,73, relativa a Contribuições e Cotizações [cfr. ofício, registo dos CTT e aviso de recepção de fls. 48-53 do processo físico].

2. Em 13.01.2017 a Reclamante apresentou no processo executivo n.º …………. e aps. uma exposição em que invocou a prescrição de parte das dívidas exequendas [cfr. e-mail e requerimento de fls. 58.63 do processo físico].

3. Em 31.05.2017, foi proferido despacho no processo executivo n.º ………. e aps., que indeferiu o pedido de declaração da prescrição de parte das dívidas exequendas [cfr. despacho fls. 66 do processo físico].

4. Em 31.05.2017, foi remetida comunicação à Reclamante do despacho referido no ponto 3. [cfr. ofício com a referência “IGF ….…..” e data de saída de 31.05.2017, remetido sob o registo dos CTT n.º RF312965120PT, cfr. código de barras e n.º de registo dos CTT, carimbo da referência e data apostos no ofício de fls. 65 do processo físico].

5. Em 22.02.2018 foi registada a entrada na Secção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social da reclamação que visa o acto a que se referem os pontos 3. e 4. [cfr. carimbo de entrada de fls. 2 do processo físico].
Foram considerados provados os factos, com relevo para a decisão a proferir, que resultam da análise dos documentos identificados junto a cada um dos pontos do probatório, que não foram impugnados na sequência da notificação à Reclamante para exercer o contraditório face ao teor dos mesmos [cfr. despacho de 22.03.2018], os quais resultam da tramitação do processo executivo decorrente dos documentos juntos pelo órgão de execução fiscal, com relevo para a contextualização e apreciação da questão sob apreciação, os quais não carecem de ser alegados, por serem do conhecimento oficioso do tribunal, em virtude do exercício das suas funções [artigo 412.º, n.º 2 do CPC, ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT].»

2. Do Direito

Como acima ficou dito, o TAF de Leiria, considerando ter sido ultrapassado o prazo de que a executada dispunha para apresentar reclamação ao abrigo do artigo 276º e ss do CPPT, do despacho proferido em 31/05/17, no processo executivo nº ….………. e aps, julgou “procedente a excepção da caducidade do direito de acção” e, em consequência, absolveu do pedido a entidade exequente.
A Reclamante, ora Recorrente, mostra total discordância com o assim decidido, pedindo a este Tribunal que aprecie e decida diversas questões.
Antes, porém, e porque foram juntos 7 documentos ao presente recurso jurisdicional, coloca-se a questão prévia da sua admissibilidade nesta fase.
Os documentos em questão são os seguintes:
- E-mail de 12.06.2017 remetido, pela Recorrente com a reclamação (doc 1);
- E-mail de 13.06.2017 remetido pela entidade demandada a solicitar novo envio da reclamação (doc 2);
- E-mail de 13.06.2017 remetido, pela Recorrente uma vez mais com a reclamação, com assinatura digital (doc 3);
- E-mail de 13.06.2017 remetido, pela Recorrente com a reclamação, sem assinatura digital, (doc 4);
- E-mail de 13.06.2017 remetido pela entidade demandada informando a Signatária que “o seu email foi encaminhado para a respectiva secção de processo executivo para analise”, (doc 5);
- E-mail de 09.02.2018 remetido, pela Recorrente reencaminhando, toda a correspondência trocada com os serviços no que respeita ao envio inicial, (doc 6);
- E-mail de 09.02.2018, remetido, pela Recorrente reencaminhado, uma vez mais o próprio email de envio da reclamação (doc 7);
Para sustentar a oportunidade da junção dos referidos documentos, refere a Recorrente que a necessidade da sua exibição “foi criada, pela primeira vez, pela sentença da 1ª instância”, pelo que invoca o disposto no artigo 651º, nº1 do CPC.
Vejamos, então.
Sobre a admissibilidade da junção de documentos nesta fase processual, tenhamos presente o que a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem entendendo a este propósito, recuperando, para tal, o sumário do acórdão proferido neste TCA Sul, em 25/01/18, no processo nº 312/17.4 BEBJA, no qual se lê o seguinte:
“(…) 6 - Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
A -Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
B -Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
C -Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
D -Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil; artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);
E -Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
7. A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal.
8. No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.al.d) supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº.1, do C.P.Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida”.
Ora, no caso, já o dissemos, a decisão recorrida considerou a reclamação intempestivamente apresentada, tendo presente, para tanto, a data de envio do ofício de notificação da decisão reclamada, conjugada com a data aposta na p.i de reclamação.
O que a Recorrente aqui vem defender é, já se viu, a tempestividade da apresentação do articulado inicial de reclamação, sustentando, em síntese, que não foi ponderado que, previamente à apresentação da reclamação “em papel” (em 22 Fevereiro de 2018), já a petição electrónico, em 12 Junho de 2017.
E, como tal, são os documentos demostrativos da troca de correspondência por via electrónica, entre a Sra. Dra. A…………, Mandatária da Reclamante, e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), relativos a tal envio da reclamação, em Junho de 2017, que a Recorrente pretende agora juntar e ver criticamente ponderados.
Na verdade, tais documentos não constavam dos autos, em concreto do PEF. Assim sendo, jamais foram tidos em consideração.
Resulta evidente que os documentos em causa se mostram relevantes para a análise da questão que aqui – e para já – nos ocupa (a caducidade do direito de acção), a qual, de resto, é matéria do conhecimento oficioso.
No caso, afigura-se evidente que foi com a decisão proferida em 1ª instância que a Recorrente se viu confrontada com a necessidade de exibir tais elementos, admitindo como óbvia (até este momento) a sua inclusão nos autos.
Nesta conformidade, e sem necessidade de maiores considerações, deve concluir-se que a junção destes documentos se mostra justificada, sendo, pois, admissível.
Oportunamente, o Tribunal fará reflectir na matéria de facto o circunstancialismo a extrair de tais documentos.

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Importa, antes de prosseguir para a análise da matéria de facto, apreciar a nulidade suscitada nas conclusões 1, 2, 5 (última parte) e 6.
Defende a Recorrente que, nos termos do artigo 84.º CPTA “com a contestação ou no respectivo prazo, a entidade demandada é obrigada a proceder (…) ao envio do processo administrativo”; no caso, a “entidade Demanda nunca juntou aos autos o processo administrativo, omissão esta que, claramente, constitui uma nulidade processual”; o Tribunal a quo tinha, segundo a Recorrente, que notificar a Entidade Demandada para que cumprisse a sua obrigação de juntar o PA aos autos; não o tendo feito, cometeu uma nulidade.
Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito.
Estamos no âmbito de uma reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT e, como tal, em sede de execução fiscal.
Assim sendo, não há que chamar à colação o CPTA, em concreto o artigo 84º, relativo ao envio do processo administrativo aos autos.
No caso sub judice, deve aplicar-se – isso sim – o disposto no artigo 278º, nº5 do CPPT, nos termos do qual, a subida da reclamação ao Tribunal Tributário deve ser acompanhada por cópia do processo de execução fiscal – “A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária”.
Ora, no caso, o que se verificou foi precisamente isso.
Efectivamente, compulsados os autos, constata-se que o IGFSS, concretamente a Secção de Processo Executivo de Leiria, a coberto do ofício nº ……….., remeteu ao TAF de Leiria a reclamação apresentada por M…….……, acompanhada de cópia do processo executivo (cfr. fls. 1 e 14 e ss dos autos).
Nada mais, para além do processo executivo, se impunha remeter aos autos (aliás, no caso de reclamação de acto do órgão da execução fiscal, como aqui se verifica, nem se alcança o que pretende a Reclamante com a expressão “processo administrativo”).
Assim sendo, e na certeza que não se impunha à Fazenda Pública a junção de qualquer outro processo para além do PEF remetido aquando da subida dos autos, devem concluir-se pela improcedência da nulidade que aqui veio invocada.
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Coisa diversa daquela que ficou apreciada e decidida é de saber se os autos reuniam todos os elementos necessários a decidir (desde logo, a excepção suscitada) ou se, como parece, com a remessa da reclamação ao Tribunal não foram remetidos todos os elementos atinentes à reclamação apresentada, designadamente os respeitantes à data e meio de apresentação do respectivo articulado inicial, os quais, naturalmente, não podiam deixar de constar dos autos.
É, efectivamente, o que se afigura ter ocorrido.
Vejamos, então, não perdendo de vista a enumeração/ descrição dos sete (7) documentos juntos com o recurso jurisdicional.
Entramos, então, na necessária análise da matéria de facto, a qual se impõe em resultado da admissão (já aqui decidida) daqueles documentos apresentados pela Recorrente, tendo presente que a questão de direito em causa visa reapreciar a (decidida) caducidade do direito de acção.
Nesta conformidade, face à prova documental junta, deve aditar-se ao probatório o seguinte:
6 – No dia 12 de Junho de 2017, pelas 18h42m, a Senhora Advogada, Dra. A……….., remeteu ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), com referência ao processo de execução fiscal nº ………….. e apensos, uma mensagem de correio electrónico que apresentava, além do mais, o seguinte teor:
“Exmos. Senhores
Agradecia o especial favor de darem entrada à reclamação nos termos do 276º CPPT cuja PI, DUC, pagamento e procuração junto em anexo.
Mais agradecia que acusassem a recepção do presente mail.
(…)”
- cfr. fls. 84 dos autos.
7 – No dia 13 de Junho de 2017, pelas 11h46m, o IGFSS, em resposta à mensagem referida no ponto anterior, comunicou para o endereço “A….-a…..-12…… @adv.oa.pt” o seguinte:
“Acusamos a receção da V/ mensagem infra que mereceu a nossa melhor atenção.
Informamos que não se encontram em anexo quaisquer ficheiros pelo que deverá proceder ao seu reenvio, em formato PDF
(…)”
- cfr. fls. 85 dos autos.
8 – No mesmo dia 13 de Junho de 2017, pelas 12h09m, em resposta à mensagem anterior, a Senhora Advogada, Dra. A……….., remeteu ao IGFSS, com referência ao processo de execução fiscal nº …………. e apensos, uma mensagem de correio electrónico que apresentava, além do mais, o seguinte teor:
“(…)
Junto reencaminho o mail em que anexei os ficheiros referidos no mail: PI, DUC, pagamento e procuração.
Confirmem-me sff se conseguem visualizar os mesmos.
Como o problema pode ter a ver com o facto de o mail ir com a assinatura digital, reencaminharei, de seguida o mesmo para este mail sem essa assinatura.
(…)”
- cfr. fls. 86 dos autos.
9 – No dia 13 de Junho de 2017, pelas 12h12m, a Senhora Advogada, Dra. A………, remeteu ao IGFSS, com referência ao processo de execução fiscal nº …………. e apensos, uma mensagem de correio electrónico que apresentava, além do mais, o seguinte teor:
“(…)
Como combinado reencaminho o mail ontem enviado sem a assinatura digital.
Confirmem-me sff se conseguem visualizar os anexos e, bem assim, se pretendem que entregue junto dos vossos serviços em suporte de papel.
(…)”
- cfr. fls. 88 dos autos.
10 - No dia 13 de Junho de 2017, às 16h.01m, o IGFSS, em resposta à mensagem referida no ponto anterior, comunicou para o endereço “A……-a…..-12….. @adv.oa.pt” o seguinte:
“(…)
Acusamos a receção da V/ mensagem que mereceu a nossa melhor atenção.
Informamos que o seu email foi encaminhado para a respectiva secção de processo executivo para análise.
Tão breve quanto possível ser-lhe-á dada resposta.
(…)
- cfr. fls. 89 dos autos.
11 – No dia 9 de Fevereiro de 2018, pelas 17h24m, a Senhora Advogada, Dra. A…….., remeteu à secção de processo executivo de Leiria, ao cuidado do Sr. Dr. M………., com referência ao processo de execução fiscal nº ………….. e apensos, uma mensagem de correio electrónico que apresentava, além do mais, o seguinte teor:
“(…)
No seguimento do atendimento ao balcão ontem realizado e dado que não conseguiram encontrar a reclamação junto envio os mails trocados com esses serviços.
De seguida reencaminho o mail com a reclamação.
Este mail é enviado sem assinatura digital, no entanto caso seja necessário a aposição da mesma, muito agradeço que me informem
(…)”
- cfr. fls. 91 dos autos;
12 - No dia 9 de Fevereiro de 2018, pelas 17h35m, a Senhora Advogada, Dra. A……..., remeteu à secção de processo executivo de Leiria, ao cuidado do Sr. Dr. M………, com referência ao processo de execução fiscal nº ……….. e apensos, uma mensagem de correio electrónico que apresentava, além do mais, o seguinte teor:
“(…)
Junto reencaminho o mail onde remeti a reclamação.
(…)”
- cfr. fls. 93
13 – Em 09/06/2017 foi emitido o DUC nº …………, no montante de € 204,00, o que se mostra junto à p.i, a fls. 11 dos autos;
14 – Tal montante, com referência ao DUC indicado no ponto anterior, foi pago através de MB, no dia 12/06/2017 (cfr. fl. 12 junto aos autos).
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Feito o aditamento à matéria de facto, nos termos propostos pela Recorrente, importa avançar para a questão fulcral que nos ocupa aqui: a caducidade do direito de acção.
Vejamos, então.
O desfecho da questão que aqui nos ocupa passará por saber se, efectivamente, a petição de reclamação foi remetida ao IGFSS, por correio electrónio, no dia 12/06/17, tal como a Recorrente defende, ou se apenas deu entrada nos competentes serviços em 22/02/18, como aponta a data aposta no carimbo de entrada do dito articulado inicial e como, de resto, a sentença veio a considerar.
Abra-se aqui um parêntesis para realçar que temos, obviamente, como pressuposto a validade da remessa da petição de reclamação de acto do órgão da execução fiscal por correio electrónico. Neste sentido, mas para a petição de oposição à execução fiscal, pode ver-se o acórdão do TCAN, de 22/02/12, no processo 00032/10.0BEPNF, nos termos do qual “ao processo judicial tributário (…) aplica-se subsidiariamente as normas do Código de Processo Civil (CPC) - o artigo 2.º, alínea e) do CPPT - designadamente o disposto no artigo 150.º do CPC. Esta norma estabelece que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição, ou por uma das seguintes formas: a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega; b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal; c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição. A lei não impõe, assim, e ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, a entrega da petição inicial em suporte de papel, admitindo como hipótese preferida a sua remessa por correio electrónico (…)”.
Fechado este breve parêntesis, deve dizer-se que, dos elementos que constam dos autos, em particular dos documentos juntos pela Recorrente, duma coisa podemos ter a certeza: desde 12 de Junho de 2017, a Reclamante, ora Recorrente, estabelece contactos com o IGFSS, através de correio electrónico, relacionados com o envio da PI, do DUC e da procuração, tudo com respeito ao PEF ………..
Fê-lo em 12 de Junho de 2017, em 13 de Junho de 2017 e em 9 de Fevereiro de 2018, através de inúmeras comunicações por correio electrónio. Com efeito, não apenas a Reclamante comunicou que estava a enviar os ditos elementos, como, em resposta ao IGFSS, comunicou que voltava a enviá-los por alegadamente os ficheiros não terem seguido em anexo, como, também, insistiu para saber se haviam sido recebidos no destino e prontificando-se, desde logo, para juntar os elementos em causa “em papel”.
Em resposta, os competentes serviços da Segurança Social informaram, além do mais, que o “email foi encaminhado para a respectiva secção de processo executivo”, o que faz supor que o constrangimento anterior, quanto ao não envio dos ficheiros, havia sido debelado. Por seu turno, os pontos 11 e 12 da matéria de facto fazem pressupor que, apesar do envio anterior da reclamação, a mesma pode ter sido extraviada e, como tal, não localizada pelos Serviços da Segurança Social.
Deve aqui evidenciar-se, também, que, em 12/06/17, foi paga a taxa de justiça correspondente ao DUC ………, o que nos remete – ao menos em princípio – para a contemporaneidade de tal pagamento e da apresentação do articulado.
Em face de todo o circunstancialismo, tal como descrito, a última coisa que se pode afirmar com certeza é que a petição inicial de reclamação deu entrada nos competentes serviços da Segurança Social em 22/02/18 e, como tal, que é extemporânea. Aliás, pelo contrário, o que o circunstancialismo de facto sugere é que a reclamação foi, de facto, enviada em momento bem anterior.
Não se desconsidera, porém, como evidencia o EMMP junto deste TCA, que dos documentos juntos pela Reclamante não resulta inequivocamente que a reclamação foi efectivamente remetida em 12 de Junho de 2017, até porque dos mesmos não consta evidência dos anexos remetidos. Contudo, de tal constatação – repete-se – não se pode extrair que “a reclamação só foi apresentada em papel em 22 de Fevereiro de 2018”.
É verdade – repete-se - que os elementos juntos, concretamente das cópias da correspondência trocada por correio electrónico, não exibem os ditos ficheiros anexos, o que não permite apontar com certeza o concreto dia do seu envio; não é menos verdade, contudo, que a actuação dos Serviços da Segurança Social, na correspondência trocada com a Senhora Mandatária, faz supor que os anexos terão chegado ao destino.
Com efeito, admitindo que os serviços em causa actuaram num quadro de normalidade, com observância de regras próprias de uma administração transparente e colaborante, a resposta dada no sentido de reencaminhar para análise um email que antes não havia chegado em condições de ser integralmente consultado, faz supor – repete-se – que os elementos terão sido recebidos em condições de serem lidos.
Apesar disto, ou seja, de um circunstancialismo claramente indiciador de que a p.i de reclamação foi apresentada em momento muito anterior a 22/02/18, este Tribunal não pode afirmar, com a certeza e a segurança que a questão da caducidade do exercício do direito de acção exige, que tal articulado foi efectivamente remetido em momento anterior àquela data, nem (obviamente) qual o concreto dia do seu envio.
Entendemos que há aqui um evidente défice instrutório que não poderá deixar de ser colmatado pelo Tribunal de 1ª instância, porquanto existe a possibilidade séria de, com produção de prova adicional, designadamente junto dos competentes Serviços do IGFSS, ser estabelecido outro quadro factual mais alargado e rigoroso, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer cabalmente os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão da questão da caducidade do direito de acção.
No processo tributário, e com base no princípio do inquisitório, temos que ao juiz é atribuído o poder de ordenar as diligências de prova consideradas necessárias para a descoberta da verdade, o que sempre deverá ocorrer quando perante uma questão que não é apenas de direito, o processo não fornecer os elementos necessários para decidir as questões de facto suscitadas. No caso, considerando que estamos ainda muito longe de uma situação de non liquet, a resolver por via das regras do ónus da prova, passará pela determinação das diligências pertinentes, mormente junto dos serviços da Segurança Social (os quais, de resto, até ao momento não aportaram aos autos nenhum elemento relevante sobre a questão do meio e data da apresentação da p.i).
Deste modo, perante esta evidência de défice instrutório dos autos, impõe-se a este Tribunal a anulação da sentença, nos termos do disposto no nº2 do artigo 662 do CPC – ampliação da matéria de facto – e a remessa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de aí serem ordenadas diligências instrutórias e fixada a pertinente factualidade e, depois, ser proferida nova decisão.
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3. DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, cumprindo-se em conformidade com as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias à discussão da matéria de facto para os fins acima precisados, após o que se deverá proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 19/12/18 (processo redistribuído à ora Relatora em 29/11/18; concluso em 30/11/18)



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Catarina Almeida e Sousa

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(Lurdes Toscano)

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(Jorge Cortês)