Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:659/18.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/30/2020
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:FONTES DO DIREITO DO TRABALHO;
PORTARIA DE EXTENSÃO;
COMPETÊNCIA SUBJECTIVA;
AVIAÇÃO CIVIL;
REENVIO PREJUDICIAL.
Sumário:

i) Dada a prevalência da fonte convencional – a emissão das portarias de extensão cede perante a autonomia coletiva, que não poderá ser afastada em tais casos -, não podem ser abrangidos por extensão os trabalhadores (e empregadores) representados pelas associações outorgantes de convenção coletiva (é o que decorre do princípio da filiação ou melhor, da dupla filiação).

ii) A emissão da portaria de extensão sub judice - Portaria nº 355/2017, de 14 de Novembro, publicada no DR, 1ª série, nº 221, de 16 de Novembro, que procedeu à extensão de um Contrato Colectivo de Trabalho, na área da aviação comercial - não afecta os valores da liberdade sindical dos trabalhadores da ora Recorrente, na medida em que tem carácter meramente subsidiário, cessando de imediato a sua aplicação no caso de ser celebrada uma convenção colectiva, nos termos gerais do artº 515º, do CT.

iii) A Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2017 veio definir os indicadores para a ponderação da emissão das portarias de extensão, na decorrência do art. 514.º, nº 2, do CT. Porém, tal não significa que o Governo, no exercício da sua competência administrativa regulamentar, esteja impedido de proceder à sua emissão quando não disponha de elementos referentes a todos os indicadores previstos no nº 1 da dita Resolução do Conselho de Ministros.

iv) Os identificados indicadores, não mais visam do que dar corpo ao desiderato enunciado no preâmbulo da Resolução: “[a] análise da evolução histórica da figura das portarias de extensão evidencia que, mais do que impor critérios condicionadores para sua emissão, importa que o decisor político tenha acesso a dados que lhe permitam levar a cabo uma «ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere», na qual deverá fundamentar a sua decisão”.

v) A Portaria em causa estende condições mínimas de trabalho, não sendo um instrumento que regule todas as variantes da actividade económica que tem como objecto e do seu concreto teor não resulta a violação do princípio da concorrência e do art. 9.º da Lei nº 19/2012 e do art. 101.º do TFUE..

vi) Sendo que os argumentos aduzidos agora pela RECORRENTE, e que assentam em motivos económicos, poderiam/deveriam ter sido deduzidos em oposição fundamentada ao projecto de portaria, de modo a fazer intervir o ministro responsável pelo respectivo sector de actividade económica, e nessa sede ser avaliada (art. 516.º, nºs 1 e 3, do CT).

vii) O facto de, eventualmente, estar em discussão uma norma de Direito Comunitário não implica, de forma necessária e automática, que se proceda ao reenvio para o TJUE, já que este depende da necessidade de formular uma questão prejudicial para a solução do litígio; razão por que o reenvio não deve ser efectuado sempre que: (i) a questão prejudicial não for necessária nem pertinente para o julgamento do litígio; (ii) o TJUE já se tenha pronunciado de forma firme sobre a questão ou já exista jurisprudência sua consolidada sobre ela; (iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

R... Designated Activity Company – Sucursal em Portugal, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, contra o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, uma providência cautelar de suspensão de eficácia de todas as normas da Portaria de extensão do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a RENA e o SITAVA e o SQAC (Portaria nº 355/2017, de 16.11).

O TAC de Lisboa, sem oposição, antecipou o juízo da sobre a causa principal (art. 121.º do CPTA).

Por sentença de 14.06.2019, a acção foi julgada improcedente e a Entidade Demandada absolvida do pedido de declaração de ilegalidade das normas, com efeitos circunscritos ao caso concreto da A.

Com tal decisão não se conformando, recorre a R… para este TCAS, terminando as alegações de recurso que apresentou as seguintes conclusões:

d. Conclusões

A. No entender da ora Recorrente, o Tribunal a quo andou mal:

- Ao não reconhecer a violação do princípio da subsidiariedade e especialidade, previsto no artigo 515º do CT, visto que existia já um instrumento de regulamentação negocial que cobria a actividade visada pela portaria de extensão sob escrutínio;

- Ao sufragar a decisão administrativa de extensão de uma portaria de extensão quando, admitidamente, a mesma não ponderou os factores cuja avaliação é determinada por regulamento administrativo, sendo que, com isso, violou a obrigação de ponderar as circunstâncias sociais e económicas que deve ancorar tal decisão, conforme previsto no artigo 514.º n.º 2 do CT.

- Ao não declarar a invalidade de uma portaria de extensão que viola a lei e regulamento administrativo e de um ato de membro do governo que contraria uma resolução do Conselho de Ministros; e

- Ao omitir a pronúncia quanto à violação da concorrência, emergente da extensão do instrumento de regulamentação coletiva em causa;

- Ao não declarar a invalidade da Portaria por falta de fundamentação.

Da violação dos princípios da especialidade e da subsidiariedade

B. Aquando da emissão da Portaria 355/2017, que veio estender o CCT RENA, já existia um instrumento de regulamentação coletiva negocial relativo ao setor do handling, nomeadamente o CCT AESH, cujo processo de emissão da portaria de extensão estava em curso pelo menos desde 15 de maio de 2017 (data de publicação do aviso de relativo ao projeto de extensão), e veio a ser efetivamente estendido a toda a atividade de assistência em escala, pela Portaria n.º 361/2017.

C. Por sua vez, o CCT RENA só viu o seu texto sequer publicado em 15 de outubro de 2017.

D. Apesar disso, a decisão recorrida defendeu que a Portaria n.º 361/2017 excluía do seu âmbito a auto-assistência em escala, atividade prosseguida pela Recorrente, explanando a seguinte tese:

“Da análise do âmbito funcional do contrato colectivo entre a AESH e o SITAVA e da extensão daquele, operada pela Portaria nº 361/2017, de 24 de Novembro, verifica-se que no CCT AESH/SITAVA se estabelece que aquele é aplicável às empresas pertencentes ao sector da assistência em escala, cuja actividade, embora não sendo a actividade principal, consista na prestação de serviços de assistência, seja auto-assistência ou assistência a terceiros. No entanto, a portaria de extensão não acompanha integralmente esse âmbito, já que as condições de trabalho constantes do contrato colectivo e sua alteração entre a AESH e o SITAVA, foram estendidas no território do continente às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante “que se dediquem à actividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos”. Quer isto dizer que a extensão operada visa apenas as empresas que se dediquem à actividade de prestação de serviços de assistência em escala a terceiros, afastando assim do seu âmbito as empresas, como a A., cuja actividade principal é o transporte aéreo, ainda que tenha serviços de auto-assistência em escala.”

E. Mas esta tese não faz sentido e não tem reflexo nos textos em causa, pois não existe qualquer elemento que possa fundar a convicção de que a portaria que estende o CCT AESH, quando menciona os “serviços de assistência em escala nos aeroportos”, se refere exclusivamente à assistência a terceiros.

F. Aliás, o argumento do Tribunal a quo desmente-se a si próprio, pois se o texto do CCT AESH refere incluir na prestação de serviços de assistência, seja a (i) auto-assistência; seja a (ii) assistência a terceiros; porque motivo é que a portaria que o estende, ao referir apenas “serviços de assistência”, estaria a excluir a primeira daquelas modalidades (auto-assistência) e não a segunda (assistência a terceiros)?

G. A verdade é que qualquer declaratário normal, concluiria que o âmbito da Portaria 361/2017, quando refere os serviços de assistência em escala, inclui tanto a modalidade de auto-assistência como a de assistência a terceiros e, caso pretendesse excluir alguma delas, o declarante normal mencioná-lo-ia.

H. Note-se que o próprio texto da Portaria 361/2017 assim o indica, porque, logo no segundo parágrafo do seu preâmbulo, descrevendo o âmbito do próprio CCT AESH, refere o seguinte:

“O contrato coletivo e a sua alteração entre a AESH (…) e o SITAVA (…) abrangem as relações de trabalho entre empregadores (…) que se dediquem à atividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos, correspondentes às categorias 1, 2, 3, 4 e 5 previstas no anexo I do Decreto-lei n.º 275/99, de 23 de julho”

I. Note-se que apesar de, reconhecidamente, o CCT AESH incluir ambas as modalidades de assistência, o emissor da portaria não sentiu necessidade de o clarificar neste trecho, tal como não o fez no texto do articulado. Assim, caso o Tribunal a quo quisesse, corretamente, obter indícios sobre o alcance da expressão “serviços de assistência em escala nos aeroportos” incluída na portaria, tinha elementos para o fazer no mesmo texto em que essa expressão surge.

J. Em face do exposto, e existindo já um instrumento de regulamentação negocial aplicável ao setor, a emissão da Portaria 355/2017, viola o artigo 515.º do CT, motivo pelo qual, prevalecendo a lei sobre a portaria, deveria a decisão recorrida ter declarado a ilegalidade de todas as normas da Portaria 355/2017.

Da violação do artigo 514º do Código do Trabalho e de Resolução do Conselho de Ministros

K. A decisão ora recorrida aplicou mal o Direito quando não declarou a ilegalidade da Portaria 355/ 2017, apesar de esta desrespeitar o disposto:

(i) no artigo 514.º n.º 2 do CT; e (ii) na Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/ 2017, publicada em 09.06.2017 (doravante “RCM 82/2017”).

L. A portaria de extensão assume a natureza de regulamento administrativo pelo que o poder de a emitir é limitado pelo princípio da legalidade administrativa, sendo sujeita, desde logo ao disposto no artigo 514.º n.º 2 do CT:

“A extensão é possível mediante a ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.”

M. Assim, duas questões avultam: (i) podia a Portaria 355/ 2017 ser aprovada sem a ponderação económica e social prevista na lei, nomeadamente através dos indicadores e elementos densificadores dessa imposição previstos na RCM 82/2017? e (ii) qual o resultado que se poderia extrair dessa ponderação, caso tivesse existido, à luz da informação existente?

(1) Da (in)validade de emissão de portaria de extensão na ausência de ponderação económica e social determinada pela Lei e RCM 82/ 2017

N. Face ao disposto no artigo 514. N.º 2 do CT, a extensão das condições de um CCT depende da ponderação das circunstâncias que aí se encontram expressamente mencionadas. Daí que a RCM 82/ 2017 disponha que o Conselho de ministros resolve:

“1 – Estabelecer que a decisão para a emissão de portaria de extensão, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 514.º e no artigo 515.º ambos do Código do Trabalho, deve ser precedida da análise dos seguintes indicadores:

a) Impacto sobre a massa salarial dos trabalhadores abrangidos e a abranger, tendo em vista a aferição dos possíveis impactos económicos da extensão;

b) Aumento salarial dos trabalhadores a abranger;

c) Impacto no leque salarial e na redução das desigualdades no âmbito do instrumento de regulamentação coletiva a estender;

d) Percentagem de trabalhadores a abranger (no total e por género);

e) Proporção de mulheres a abranger”.

O. Apesar do quadro legal impor a ponderação dos elementos acima referidos, a decisão recorrida, optou por ignorar essa obrigação, referindo que a falta de ponderação dos indicadores referidos na RCM 82/ 2017 não impede a emissão de portaria de extensão.

P. Mas este entendimento é totalmente inócuo porque a análise dos indicadores referidos na RCM 82/2017 é, precisamente, a ponderação de circunstâncias económicas e sociais determinada pelo artigo 514.º n.º 2 do CT. Ou seja, não se apreciando estes indicadores, incumpre-se directamente o disposto nesta norma legal.

Q. Acrescenta o Tribunal a quo, ainda neste domínio, que a análise em causa não era possível por: (i) não existirem dados disponíveis no Relatório Único/Quadros de Pessoal que a DGERT efetua; (ii) tratar-se aqui da extensão do primeiro CCT para o setor do transporte aéreo.

R. Mas não existe qualquer base legal para fundar a tese de que a análise exigida pela lei e pela RCM 82/ 2017 deve ser executada com base no Relatório Único/Quadros de Pessoal.

S. Assim, como é incompreensível a tese de que a extensão de um primeiro contrato coletivo poderá escapar à necessidade de ponderação nos mesmos termos em que o são outras extensões, quando o senso comum indicaria o contrário.

T. A verdade é que, tanto o disposto no artigo 514.º do CT, como o disposto na RCM 82/2017, determinam a necessidade de se efetuar essa ponderação obrigatoriamente, pelo que, mal andou o Tribunal a quo, quando sufragou um entendimento contrário.

U. Noutro plano, a decisão recorrida defende que a extensão da Portaria teria sido alvo de ponderação das circunstâncias económicas e sociais, apesar de não respeitar a RCM 82/2017.

V. Sem conceder, porque, como se disse, a RCM 82/2017 densifica precisamente a análise exigida por lei, a suposta ponderação resume-se ao seguinte trecho da Portaria 355/2017:

“No entanto, considerando que é o primeiro contrato colectivo para o sector do transporte aéreo, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector.”

W. Desde logo, o trecho transcrito não configura qualquer ponderação, sendo apenas uma referência aos objetivos genéricos de qualquer Portaria de Extensão

X. Mas sempre seria falso dizer que se uniformizam as condições mínimas de trabalho, quando para o setor do handling, como bem sabe administração pública e o Tribunal a quo, existia já o CCT AESH, que determina salários bem inferiores para as mesmas categorias profissionais.

Y. Acresce que, como se disse e não foi impugnado (sendo mesmo admitido pela decisão recorrida), a Recorrente é a única companhia aérea que seria afetada no âmbito da aplicação desta portaria à atividade de autoassistência, pelo que, no plano económico, a Portaria 355/ 2017 também não aproxima quaisquer condições de concorrência.

Z. Deste modo, é claro que a Portaria 355/ 2017, não foi precedida de qualquer concreta ponderação económica do setor, até porque não seria possível fazê-lo sem ouvir ou levar em conta a realidade da única entidade empregadora que se dedica à atividade de auto-assistência, precisamente a Recorrente.

(2) Da violação do Princípio da Livre Concorrência e da (in)devida ponderação das circunstâncias sociais e económicas: em particular, da violação do disposto no artigo 9.º da Lei n.º 19/2012 e do artigo 101.º do TFUE

I. Da omissão de pronúncia e da obrigatoriedade de aplicação do direito da concorrência pelos tribunais nacionais

AA. A decisão recorrida omitiu o dever de se pronunciar sobre a violação das regras da concorrência que resulta da extensão da Portaria 355/ 2017.

BB.Da alínea f) do artigo 81.º da Constituição decorre que incumbe prioritariamente ao Estado assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a “equilibrada concorrência entre empresas”.

CC. Sendo para mais obrigação dos tribunais portugueses aplicar o direito da concorrência nas disputas que lhe sejam submetidas, fazendo a subsunção dos factos ao disposto na lei da concorrência e nos Tratados europeus.

DD. Os tribunais já confirmaram repetidamente o direito de as Partes lhes suscitarem violações da concorrência com base em violação do TFUE, havendo inúmeros exemplos de aplicação do direito da concorrência pelos tribunais portugueses. Entre muitos outros exemplos, conforme afirma o Tribunal da Relação de Lisboa:

“tem-se o artigo [101.º], bem como o [102.º] do [TFUE] como disposições com efeito direto, que podem ser invocadas por particulares junto dos tribunais dos Estados-membros, independentemente de qualquer decisão comunitária prévia, no reforço da aplicabilidade direta decorrente do Regulamento 1/2003”37.

EE. Não obstante, o Tribunal a quo ignorou a questão jusconcorrencial suscitada pela Recorrente, defendendo que as suas alegações sobre a violação da concorrência, sendo de natureza económica, deveriam ter sido aduzidas em sede de oposição fundamentada ao projeto de portaria, Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 13540/16; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01397/15. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 3855/05.9TVLSB.L1-7. No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 627/09.5TVLSB.L1-7.

“não cabendo agora ao Tribunal substituir-se à Administração nessa apreciação”.

FF. Esta conclusão é manifestamente ilegal e, além disso, equivaleria a admitir que a função de sindicância cometida ao Tribunal é irrelevante ou desnecessária, caso a Administração defenda, após oposição à extensão dos efeitos de um CCT, não existir qualquer distorção da concorrência, por mais patente que essa mesma violação se revele.

GG. Na realidade, a regra é precisamente a contrária, ou seja, a existência de meios de reação administrativa não implica a perda de direito à impugnação judicial, a não ser que a lei expressamente o consagre.

HH. A sentença recorrida padece, por isso, do vício de nulidade por omissão de pronúncia, o que não invalida, nos termos do artigo 149.º do CPTA, que este Tribunal de apelação, agora, se pronuncie sobre esta matéria, o que se requer.

II. O CCT RENA e a manifesta violação do disposto no Artigo 9.º da LdC e no Artigo 101.º do TFUE

II. As empresas representadas pela RENA que estão licenciadas para actividades de auto-assistência, não as exercem de facto. Assim, o CCT RENA tem por efeito claro incrementar significativamente os custos da atividade da Recorrente, custos esses que, note-se bem, as próprias não suportam, distorcendo manifestamente, desse modo, a concorrência.

JJ. O n.º 1 do artigo 101.º do TFUE proíbe:

“todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas (…) que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:

a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação; (…)”

KK. A conduta e factos aqui em causa preenchem os requisitos de um acordo ou decisão proibido pelas regras da concorrência, pois (i) trata-se de um acordo ou decisão de associação de empresas; (ii) afeta o mercado nacional e as trocas entre estados-membros, de modo sensível; e (iii) tem o objetivo, ou o efeito de restringir a concorrência. Senão vejamos, o Um “acordo entre empresas” ou uma “decisão de associação de empresas”

LL. Para efeitos de aplicação das disposições em causa, o conceito de “empresa” deve ser interpretado autonomamente, de forma ampla, à luz da jurisprudência constante do TJUE, segundo a qual “o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do modo de financiamento e qualquer atividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado constitui uma atividade económica”.

MM. Ainda que se reconheça uma natureza especial aos acordos concluídos no âmbito de negociações coletivas entre parceiros sociais com vista a atingir, de um modo proporcional, objetivos de cariz estritamente social, não deixa a jurisprudência de asseverar que o artigo 101.º do TFUE deve ser aplicável a comportamentos que as regras da concorrência visam reprimir, (i) ainda que a entidade em causa não tenha fins lucrativos e (ii) alegadamente, prosseguir finalidades de natureza social.

NN. Como referido em Pavlov:

“Nem a prossecução de uma finalidade de carácter social, nem a ausência de fins lucrativos, nem as exigências de solidariedade, nem as outras regras relativas, designadamente, às restrições a que o organismo gestor estava sujeito na realização dos seus investimentos retiravam à atividade exercida pelo organismo gestor a sua natureza económica. Processo C-41/90, Höfner e Elser ECLI:EU:C:1991:161, para. 21.

Baseando-se no acórdão Fédération française des sociétés d'assurance e o., já referido, o Tribunal de Justiça decidiu, nos acórdãos (…) Albany, Brentjens' e Drijvende Bokken, que um fundo de pensões encarregado da gestão de um regime complementar de pensões, instituído por uma convenção coletiva celebrada entre as organizações representativas das entidades patronais e dos trabalhadores e no qual a inscrição foi tornada obrigatória pelas autoridades públicas, de todos os trabalhadores desse sector, é uma empresa na aceção do artigo [101.°] e seguintes do Tratado”.

OO. Com efeito nas palavras do Advogado Geral Jacobs:

“O teste consist[e] em saber se os acordos se limitam a modificar ou a estabelecer direitos e obrigações no seio da relação laboral entre empregadores e trabalhadores, ou se vão mais além e afetam diretamente as relações entre empregadores e terceiros, tais como (…) empregadores concorrentes”.

PP. No caso em apreço, as disposições constantes da convenção coletiva, no que à atividade de handling, e especificamente auto-assistência, diz respeito, não foram estabelecidas em nome dos trabalhadores daquelas empresas cujas condições de trabalho e de emprego melhoram, pois os mesmos não existem.

QQ. A extensão dos efeitos do CCT RENA, requerida pela RENA e sindicatos, que ocorreu de forma meramente administrativa e burocrática sem a devida ponderação (como se defendeu), deu corpo aos efeitos potencialmente restritivos da concorrência, resultantes deste acordo

RR. Na realidade, a extensão da aplicação do CCT RENA à atividade de autoassistência implica estender a outrem algo que não se aplica, em bom rigor, a nenhuma das empresas associadas da outorgante do CCT, o que é totalmente estranho ao conceito de portaria de extensão. C-180/98 a C-184/98, Pavel Pavlov e o. ECLI:EU:C:2000:428, paras. 110-111. Conclusões do Advogado Geral Jacobs, Case C-67/96 Albany International BV ECLI:EU:C:1999:28, para. 193.

SS. Ou seja, não existe qualquer circunstância ou necessidade social de equiparação de trabalhadores que pudesse beneficiar dos efeitos do CCT RENA, no âmbito da atividade de handling.

TT. A extensão da aplicação do CCT RENA afeta, pois, o bem-estar dos consumidores, porquanto o incremento de custos na atividade da Recorrente tem por efeito uma repercussão no nível de preços praticados nos diversos mercados de transporte aéreo em que atua, violando patentemente o disposto no artigo 101.º do TFUE e do artigo 9.º da LdC.

UU. Refira-se que, mesmo que a própria RENA não se qualificasse como empresa para este efeito, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, o CCT RENA não seria mais que uma manifestação da vontade dos associados da RENA em afetar exclusivamente a posição de mercado da Recorrente, restringir a concorrência e, desse modo, suscetível de ser enquadrado, ainda assim, como uma restrição de natureza horizontal entre os seus próprios associados.

VV. A aceção de decisão de associação de empresas, constante do n.º 1 do artigo 9. ° da Lei n.º 19/2012, abrange necessariamente todo e qualquer comportamento que traduza uma orientação emitida por uma associação, seja qual for a forma externa que possa concretamente revestir, desde que tenha a suscetibilidade de exercer uma influência sensível sobre o jogo da concorrência. Afetação do mercado nacional / as trocas entre Estados membros, de modo sensível (não negligenciável)

WW. É indiscutível que o CCT RENA acarreta um efeito nas trocas entre Estados membros, tanto que:

“um dos erros mais frequentes na aplicação do critério da afetação do comércio entre Estados-Membros deriva da crença de que uma prática restrita às fronteiras nacionais não pode preencher aquele critério. Por isso mesmo, nunca será demais repetir: pode haver afetação ainda que o mercado geográfico relevante seja meramente nacional, ou até sub-nacional” É jurisprudência constante que uma distinção entre o conceito de prática concertada e de acordo não se afigura necessária para efeitos de aplicação do disposto normativo em causa. Entre muitos outros, Processo C-238/05, Asnef-Equifax ECLI:EU:C:2006:734, para. 32: “uma qualificação precisa da natureza da cooperação em causa no processo principal não é suscetível de alterar a análise jurídica que se impõe por força do artigo [101].º”.

XX. Quando, na verdade:

“um acordo que se estende a todo o território de um Estado-membro tem, pela sua própria natureza, por efeito consolidar barreiras de carácter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado e assegurando uma proteção à produção nacional”43. Processo. C-8/72, Vereeniging van Cementhandelaren EU:C:1972:84, para (…)

“Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fim de apreciar se um acordo entre empresas ou uma associação de empresas apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência «por objetivo» na aceção do artigo [101.º(1) do TFUE], deve atender-se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que o mesmo se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa”.

YY. No caso em apreço, em virtude da portaria n.º 355/2017, o CCT RENA estende-se a todo o território nacional (através dos seus efeitos diretos e indiretos). Aplica-se, pois, uma presunção de afetação do comércio entre Estados Membros.

ZZ. Mas mais - a atividade de handling serve voos provenientes de diversos destinos europeus e internacionais, afetam-se ainda mercados onde se encontram ativas empresas de outros Estados Membros, (os próprios associados da RENA, a Recorrente e demais concorrentes), e, por fim, o incremento de custos resultante do CCT RENA dificulta - efetiva ou potencialmente - a entrada no mercado de novos operadores, nomeadamente de operadores provenientes de outros Estados-membros que recorram à auto-assistência. A restrição da concorrência por objeto/ objetivo ou por efeito

AAA. Segundo “resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que determinadas formas de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos”. Cfr. Miguel Sousa Ferro, “A obrigatoriedade de aplicação do Direito Comunitário da Concorrência pelas autoridades nacionais”, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 2007, p. 271-351.

BBB. É necessário examinar os factos subjacentes ao acordo e as circunstâncias específicas do seu funcionamento antes de se concluir que uma determinada restrição constitui uma restrição da concorrência por objectivo

CCC. A forma como um acordo é efetivamente aplicado pode revelar que o seu objetivo é o de restringir a concorrência, ainda que o acordo formal não contenha qualquer disposição expressa nesse sentido, sendo que neste caso a extensão dos efeitos a terceiros á o instrumento que dá forma à restrição concorrencial.

DDD. Todos estes fatores convergem no sentido de uma conclusão: em bom rigor, conforme abaixo se demonstrará, a extensão do CCT RENA constitui uma restrição da concorrência por objeto.

EEE. Mesmo que assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, o CCT RENA teria por efeito (efetivo ou potencial) a restrição da concorrência, pois, nos exatos termos usados pela Comissão, “deve existir a probabilidade de o acordo ter efeitos anticoncorrenciais”, podendo a restrição ser meramente potencial.

FFF. É o que sucede no caso da extensão do CCT RENA, pois é apta a estabelecer condições que um terceiro, aqui a Recorrente, terá de cumprir, mas mais ninguém, o que constitui uma distorção significativa às condições concorrenciais no mercado.

GGG. Sendo a Recorrente o único operador afetado por este instrumento com um modelo de negócio que inclui a auto-assistência, como opção legítima e forma de contenção de custos, ao tornarem mais onerosa essa autoassistência, as demais empresas “empurram” a Recorrente para um outro modelo de negócio, tornando, a sua operação geral de transporte mais onerosa

HHH. Nestes exatos termos, é indubitável que o CCT, associado à extensão que teve lugar, resulta numa probabilidade razoável de incremento do nível de preços praticados na atividade da Recorrente, refletindo-se, a final, nos preços praticados na sua atividade de transporte aéreo, em detrimento do bem-estar dos consumidores.

III. Assim, o CCT RENA tem por objeto e/ou efeito a restrição da concorrência, em violação do disposto no Artigo 101.º do TFUE e do artigo 9.º da LdC.

JJJ. Na aceção de decisão de associação de empresas já descrita, abrange-se necessariamente todo e qualquer comportamento que traduza uma orientação emitida por uma associação, seja qual for a forma externa que possa concretamente revestir, desde que tenha a suscetibilidade de exercer uma influência sensível sobre o jogo da concorrência no mercado em causa.

KKK. Sendo que é manifesto que a atuação da RENA, ao requerer a extensão do contrato coletivo às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não representados, teve como objeto, ou pelo menos claro efeito, distorcer as condições de concorrência no mercado, afectando gravemente apenas e tão-só um operador, a aqui Recorrente, pelo que a atuação daquela associação nos termos suprarreferidos constitui uma manifesta violação do disposto no artigo 101.º do TFUE e no artigo 9.º da LdC.

III. Não preenchimento dos requisitos de isenção

LLL. A Portaria n.º 355/2017 não cumpre os requisitos de isenção da aplicação das normas sobre restrição da concorrência previstas no n.º 3 do artigo 101.º do TFUE e no n.º 1 do artigo 10.º da Lei da Concorrência.

MMM. Desde logo porque o acordo em análise não reserva um benefício aos utilizadores dos serviços prestados pelas empresas em causa, resultando, pelo contrário, no incremento do nível de preços praticados no mercado de transporte aéreo

NNN. Assim, a Portaria n.º 355/2017, não pode reservar “aos utilizadores desses bens ou serviços uma parte equitativa do benefício daí resultante”, conforme dispõe o artigo 101.º n.º 3 do TFUE.

OOO. Note-se que, estando em causa um juízo de balanço económico, são, em bom rigor, raríssimos os processos em que os tribunais da UE concluíram no sentido de que considerações de outro teor (p.ex. ambiental, social, emprego) poderão ser relevadas no âmbito do disposto no n.º 3 do Artigo 101.º 44.

PPP. Em consequência de toda a análise jusconcorrencial que se expôs, dúvidas não subsistem de que acordo celebrado - entre a RENA, a SITAVA e o SQAC - e sua extensão, aqui em crise, distorce - desproporcional e discriminatoriamente - a concorrência e afeta a posição de mercado da Recorrente, a estrutura de mercado e, em última análise, o bem-estar dos consumidores, porquanto o incremento de custos na atividade da Recorrente tem por efeito – efetivo ou potencial - uma repercussão no nível de preços praticados nos diversos mercados de transporte aéreo em que atua.

QQQ. Ou seja, em suma, a Portaria 355/2017, que estende o CCT RENA, viola as leis e disposições da concorrência, pelo que deve ser declarada ilícita e nula, em conformidade com o disposto nos artigos 9.º, n.º 2 da LdC e artigo 101.º, n.º 2 do TFUE e, consequentemente, em conformidade com o disposto no artigo 143.º do CPA.

RRR. Acrescente-se que, para além da violação do disposto no artigo 101.º do TFUE e no n.º 9 da LdC, o CCT RENA e a sua extensão configuram uma violação do disposto no artigo 317.º do Código de Propriedade Industrial, que estabelece que “constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica”, dado que estabelecem um nível de obrigações insustentável, numa área económica que não praticam, o que os beneficiará indiretamente, às custas da Recorrente.

Da violação do dever de fundamentação da Portaria

SSS. Assumindo a natureza de regulamento administrativo, qualquer portaria de extensão, deve ser aprovada, nos termos do artigo 99.º do CPA:

“com base num projeto, acompanhado de uma nota justificativa fundamentada, que deve incluir uma ponderação dos custos e benefícios das medidas projetadas.”

TTT. No entanto, a Portaria 355/ 2017, não cumpre esta obrigação de fundamentação, como reconhece a decisão recorrida, resumindo-se a suposta fundamentação ao seguinte trecho:

“No entanto, considerando que é o primeiro contrato colectivo para o sector do transporte aéreo, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector.”

UUU. Ora, fundamentar é permitir a um terceiro compreender as razões que subjazem a uma conclusão e posterior decisão, algo que obviamente não é cumprido pela Portaria 355/ 2017, não permitindo a mesma a qualquer destinatário médio, um declaratário normal, compreender o que motivou concretamente, mesmo que de forma muito sucinta, o Exmo. Sr. Secretário de estado a decidir estender os efeitos do CCT RENA.

VVV. Mesmo que o procedimento administrativo tivesse levado em linha de conta elementos fundassem a sua convicção em estender o CCT RENA (o que admitidamente não ocorreu e é reconhecido na sentença), a verdade é que ninguém, que não os próprios decisores, poderiam ter conhecimento desse facto.

WWW. Assim, não é possível apreender o que levou à emissão da Portaria 355/2017, impossibilitando-se, ou no mínimo dificultando-se, a sua sindicância, o que determina a ilegalidade da sua emissão por violação do artigo 268º n.º 65 4 da CRP, artigo 99º do CPA e artigo 514.º n.º 2 do CT e, consequentemente, o artigo 143.º CPA.

O Recorrido, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, SA., apresentou contra-alegações expendendo conclusivamente o seguinte:













Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu a seguinte pronúncia:

Na presente ACÇÃO JUDICIAL classificada como OUTROS PROCESSOS CAUTELARES /SUSPENSÃO da EFICÁCIA da NORMA o A , pretende obter a SUSPENSÃO de EFICÁCIA de normas constantes de PORTARIA de EXTENSÃO que indica e entende e a nosso ver , entende bem que será aplicável o ART 46º N 2 A / CPTA .

Em primeiro lugar não se verifica qualquer violação de direitos fundamentais , interesses públicos especialmente relevantes ou de bens e valores constitucionalmente protegidos , ou bens do Estado pois discute-se apenas a EXECUÇÃO de PORTARIA DE EXTENSÃO e efeitos na companhia aérea R... Designated Activity Company – SUCURSAL em PORTUGAL .

PRONUNCIAMO NOS assim no sentido de que O MINISTÉRIO PÚBLICO não emite pronúncia sobre o mérito do RECURSO JURISDICIONAL porque não estão em causa DIREITOS FUNDAMENTAIS dos CIDADÃOS, interesses públicos especialmente relevantes ou algum dos bens e valores previstos no art. 9º n.º 2 CPTA”.



Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber se a decisão recorrida errou (tal como elencado pela Recorrente):

a) Ao não reconhecer a violação do princípio da subsidiariedade e especialidade, previsto no artigo 515º do CT, visto que existia já um instrumento de regulamentação negocial que cobria a atividade visada pela portaria de extensão sob escrutínio;

b) Ao sufragar a decisão administrativa de extensão de uma portaria de extensão quando, admitidamente, a mesma não ponderou os fatores cuja avaliação é determinada por regulamento administrativo, sendo que, com isso, violou a obrigação de ponderar as circunstâncias sociais e económicas que deve ancorar tal decisão, conforme previsto no artigo 514.º n.º 2 do CT.

c) Ao não declarar a invalidade de uma portaria de extensão que viola a lei e regulamento administrativo e de um ato de membro do governo que contraria uma resolução do Conselho de Ministros; e

d) Ao omitir a pronúncia quanto à violação da concorrência, emergente da extensão do instrumento de regulamentação coletiva em causa;

e) Ao não declarar a invalidade da Portaria por falta de fundamentação.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) A Requerente R... DESIGNATED ACTIVITY COMPANY – SUCURSAL EM PORTUGAL [anteriormente designada R... LIMITED – SUCURSAL EM PORTUGAL] tem como objecto social a “exploração de serviços de transporte aéreo de passageiros, carga, mercadorias e correio, bem como a prestação de serviços e a realização de operações comerciais, industriais e financeiras, relacionadas directa ou indirectamente com a referida exploração e, ainda, exercer quaisquer outras actividades consideradas convenientes aos interesses empresariais” – cfr. doc. nº 2 e 4, juntos com o r.i..

B) Em Portugal, a Requerente, para além da sua actividade principal de transporte aéreo de passageiros, tem igualmente como actividade a auto-assistência em escala ao transporte aéreo (vulgo, “self-handling”), sendo para o efeito titular de licença para o exercício das seguintes categorias de serviços:

- categoria 1 – Assistência Administrativa em terra e a Supervisão;

- categoria 3 – Assistência a Bagagem;

- categoria 5 – Assistência a Operações de Pista – cfr. doc. nº 1 e 2, juntos com a oposição.

C) A Requerente presta esses serviços de auto-assistência (self-handling), a si própria, nos seguintes aeroportos portugueses: Lisboa (Aeroporto Internacional Humberto Delgado); Porto (Aeroporto Internacional Francisco Sá Carneiro); Faro (Aeroporto Internacional de Faro); Ponta Delgada (Aeroporto João Paulo II) e Terceira (Aeroporto Internacional das Lajes) – acordo.

D) Em 06 de Dezembro de 2016 foi celebrado entre, por um lado, a AESH – Associação de Empresas do Sector de Handling e, por outro, o SITAVA – Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, um Contrato Colectivo de Trabalho (CCT), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 48, de 29/12/2016, com a última alteração publicada no Boletim do Trabalho e Emprego nº 13, de 08 de Abril de 2017, onde consta o seguinte:

- cfr. doc. nº 6, junto com o r.i..

E) Em 18/05/2017 foi aprovada a Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 82/2017, publicada no Diário da República, 1ª Série, nº 112, de 09.06.2017, onde consta o seguinte:

Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2017 O Programa de Governo do XXI Governo Constitucional, no eixo «Relançar o diálogo social e a negociação coletiva setorial, articulando-a com o nível das empresas, incluindo no setor público», consagrou como objetivo para a legislatura 2015-2019 a retoma do dinamismo do diálogo social a todos os níveis, da concertação social à negociação coletiva de nível setorial e de empresa. Para concretizar esse desígnio, o Governo propôs-se dinamizar a publicação de portarias de extensão e estabelecer disposições claras sobre os prazos legais razoáveis para a sua publicação. Foi acordado, no âmbito do «Compromisso para um Acordo de Médio Prazo», celebrado em dezembro de 2016, entre o Governo e a maioria dos parceiros sociais, apreciar, com base numa proposta do Governo, mudanças no enquadramento das portarias de extensão e o estabelecimento de prazos legais de emissão dos avisos e das portarias, no primeiro trimestre de 2017. As condições estabelecidas na Resolução de Conselho de Ministros n.º 90/2012, de 31 de outubro, enquadradas no Memorando de Políticas Económicas e Financeiras, visaram restringir a extensão administrativa, afigurando-se, portanto, contrárias ao desígnio de todos os Parceiros Sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social e prosseguido pelo XXI Governo Constitucional.

A referida Resolução, na redação que lhe foi dada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2014, de 27 de junho, ao estabelecer «critérios mínimos, necessários e cumulativos, a observar no procedimento para a emissão de portaria de extensão» substituiu o princípio do dever de ponderação dos interesses das partes visadas por um conjunto de requisitos que retiram ao processo o carácter de decisão não vinculada a pré-requisitos. A análise da evolução histórica da figura das portarias de extensão evidencia que, mais do que impor critérios condicionadores para sua emissão, importa que o decisor político tenha acesso a dados que lhe permitam levar a cabo uma «ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere», na qual deverá fundamentar a sua decisão. O Governo considera fundamental que, além do impacto da extensão de um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho na massa salarial total dos trabalhadores a abranger, seja ponderado o contributo da extensão para a promoção de melhores níveis de coesão e igualdade social, nomeadamente do ponto de vista da equidade de género, bem como para a efetivação do princípio constitucional «salário igual para trabalho igual». Por último, o Governo reconhece, no que é acompanhado por todos os Parceiros Sociais, que nos últimos anos os prazos utilizados para a análise e publicação de portarias de extensão se prolongaram de modo excessivo, sendo fundamental repor e garantir a razoabilidade desses prazos. Assim:

Nos termos alínea c) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:

1 - Estabelecer que a decisão para a emissão de portaria de extensão, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 514.º e no artigo 515.º, ambos do Código do Trabalho, deve ser precedida da análise dos seguintes indicadores:

a) Impacto sobre a massa salarial dos trabalhadores abrangidos e a abranger, tendo em vista a aferição dos possíveis impactos económicos da extensão;

b) Aumento salarial dos trabalhadores a abranger;

c) Impacto no leque salarial e na redução das desigualdades no âmbito do instrumento de regulamentação coletiva a estender;

d) Percentagem de trabalhadores a abranger (no total e por género); e) Proporção de mulheres a abranger.

2 - Estabelecer que o prazo máximo para análise, consulta pública e emissão de portaria de extensão é de 35 dias úteis, a contar da data do pedido de extensão ou da data da aceitação do pedido de depósito da respetiva convenção coletiva, nos casos em que ambos tenham sido apresentados em simultâneo, considerando que a consulta pública do projeto de portaria de extensão deve ser realizada nos termos do n.º 3 do artigo 516.º do Código do Trabalho.

3 - Estabelecer que a oposição à extensão administrativa deve ser efetuada diretamente para a Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho, preferencialmente, por via eletrónica.

4 - Estabelecer que na fixação da retroatividade das cláusulas de expressão pecuniária, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 478.º conjugado com o n.º 2 do artigo 514.º e com o artigo 516.º do Código do Trabalho, é tido em conta, designadamente, a data em que extensão é requerida, a data de produção de feitos conferida pelas partes às cláusulas de expressão pecuniária do instrumento de regulamentação coletiva a estender e o tempo efetivamente despendido pelos serviços da administração do trabalho na análise, consulta pública e proposta de emissão de portaria.

5 - Determinar a criação de um mecanismo de sinalização, da responsabilidade da Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho, incentivando os parceiros sociais diretamente abrangidos por instrumento de regulamentação coletiva objeto de extensão a indicar pontos focais, com vista a garantir que, sempre que possível, ainda na fase final do processo negocial, sejam fornecidos à administração do trabalho dados tendentes a iniciar-se a análise a uma eventual extensão.

6 - Determinar a criação de uma comissão técnica permanente entre a Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho e do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social que visa apoiar a instrução e análise célere e atempada da emissão de portarias de extensão.

7 - Determinar que a Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho e o Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, enviam, semestralmente, informação detalhada ao Centro de Relações Laborais, para que nesse âmbito possa ser efetuado o acompanhamento anual sobre a emissão de portarias de extensão.

8 - Determinar a revogação da Resolução de Conselho de Ministros n.º 90/2012, de 31 de outubro, na redação que lhe foi da pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2014, de 27 de junho.

9 - Determinar que a presente resolução produz efeitos no dia seguinte ao da sua publicação.

- cfr. doc. nº 7, junto com o r.i..

F) Em 13 de Setembro de 2017 foi celebrado entre, por um lado, a RENA – Associação das Companhias Aéreas em Portugal e, por outro, o SITAVA – Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos e o SQAC – Sindicato dos Quadros da Aviação Comercial, um Contrato Colectivo de Trabalho (CCT), depositado em 29 de Setembro de 2017, e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 38, de 15 de Outubro de 2017, tendo entrado em vigor em 20 de Outubro seguinte, onde consta o seguinte:

– cfr. doc. nº 5, junto com o r.i..

G) De entre as “Categorias profissionais” previstas no Anexo I do CCT RENA/SITAVA, constam, nomeadamente as de “Técnico de Tráfego de Assistência em Escala (TTAE)” e de “Operador de Assistência em Escala (OAE)” – cfr. doc. nº 5, junto com o r.i..

H) Consta do Anexo III do referido CCT, o seguinte:


«Imagem no original»

- cfr. doc. nº 5, junto com o r.i..

I) A Requerente não é filiada na associação de empregadores outorgantes (RENA) – acordo.

J) Em 13 de Setembro de 2017 a RENA, SITAVA e SQAC requereram junto da DGERT – Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, o seguinte:

“(…)

1. Na presente data, a RENA (…), e o SITAVA (…) e o SQAC (…) outorgaram o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) em anexo.

2. Consideram as partes encontrarem-se preenchidos os requisitos necessários à emissão de portaria de extensão do mesmo CCT. Na verdade, a RENA representa a esmagadora maioria das empresas que operam em Portugal no sector (transporte aéreo) abrangido pelo CCT – de que se excluem as empresas que possuem a sua própria convenção colectiva, ou seja, acordo de empresa ou acordo colectivo de trabalho – e a generalidade dos trabalhadores dessas empresas com filiação sindical encontra-se filiada no SITAVA. Importa notar que o ACT que antes vigorava neste sector havia também sido objecto de portaria de extensão.

3. Assim, solicita-se que sejam desencadeados os procedimentos visando esse objectivo – emissão de portaria de extensão – tornando aplicáveis as condições do CCT:

a) Às relações de trabalho entre as empresas e agências de navegação aérea representadas pela RENA e os trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas no CCT não representados pela associação sindical outorgante;

b) Às relações de trabalho entre as empresas e agências de navegação aérea do mesmo sector económico regulado pelo CCT e não representadas pela RENA (e, por isso, não signatárias do CCT) e os trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nele previstas.

(…)” – cfr. fls. 2, do PA.

K) Na sequência do requerimento apresentado pela RENA, SITAVA e SQAC foi pela Direcção de Serviços da Regulamentação Colectiva e Organizações do Trabalho (DSRCOT) da Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT), elaborada a informação nº 446/2017 – DSRCOT, datada de 02/10/2017, onde consta o seguinte:

- cfr. fls. 6-9, do PA.

L) Consta da Nota Justificativa, o seguinte:

– cfr. fls. 11, do PA.

M) Conforme informação da ANAC – Autoridade Nacional de Aviação Civil, estão autorizadas a exercer auto assistência em escala no território nacional, as seguintes companhias aéreas:

- A...

- A...

- B...

- D...

- E...

- K...

- T...

- T...

- T...

- U... - cfr. doc. nº 1, junto com a oposição.

N) Pela RENA e pela S..., S.A. foi deduzida oposição à emissão da Portaria de Extensão, no sentido de se excepcionar do seu âmbito as companhias aéreas relativamente às quais existe regulamentação colectiva própria – cfr. fls. 27-31 e 39-40, do PA.

O) Nessa sequência pela Direcção de Serviços da Regulamentação Colectiva e Organizações do Trabalho (DSRCOT) da Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT), foi elaborada a informação nº 519/2017 – DSRCOT, datada de 08/11/2017, onde consta o seguinte:


«Imagem no original»

(…)”- cfr. fls. 41-42, do PA.

P) Pela Portaria nº 355/2017, de 16 de Novembro, publicada no Diário da República, 1ª Série, nº 221, de 16/11/2017 e no Boletim do Trabalho e Emprego nº 44, de 29/11/2017, foi aprovada a extensão do contrato colectivo entre a RENA e o SITAVA e outro, nos termos seguintes:


Portaria n.º 355/2017

de 16 de novembro


Portaria de extensão do contrato coletivo entre a RENA - Associação das Companhias Aéreas em Portugal e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos - SITAVA e outro

O contrato coletivo entre a RENA - Associação das Companhias Aéreas em Portugal e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos - SITAVA e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 38, de 15 de outubro de 2017, abrange as relações de trabalho entre empregadores que, no território nacional, se dediquem à atividade de transporte aéreo, com ou sem autoassistência em escala e trabalhadores ao seu serviço, uns e outros representados pelas associações que as outorgaram.

As partes requereram a extensão do contrato coletivo às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não representados pelas associações outorgantes que na respetiva área e âmbito exerçam a mesma atividade.

Atendendo a que se trata da primeira convenção celebrada entre as partes o apuramento do Relatório Único/Quadros de Pessoal disponível, que se reporta ao ano de 2015, não contém informação que possibilite a análise dos indicadores previstos nas alíneas a) a e) do n.º 1 da RCM n.º 82/2017, de 9 de junho de 2017. No entanto, considerando que é o primeiro contrato coletivo para o setor do transporte aéreo, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo setor.

Embora a convenção tenha área nacional, a extensão de convenções coletivas nas Regiões Autónomas compete aos respetivos Governos Regionais, pelo que a presente extensão apenas é aplicável no território do continente. Considerando ainda que a convenção coletiva regula diversas condições de trabalho, procede-se à ressalva genérica de cláusulas contrárias a normas legais imperativas.

Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 478.º do Código do Trabalho e do estatuído nos n.os 2 e 4 da RCM, na fixação da eficácia das cláusulas de natureza pecuniária foi tido em conta a data do depósito da convenção e o termo do prazo para a emissão da portaria de extensão, com produção de efeitos ao primeiro dia do mês em causa.

Foi publicado o aviso relativo ao projeto da presente extensão no Boletim do Trabalho e Emprego, Separata, n.º 8, de 16 de outubro de 2017, na sequência do qual deduziram oposição a RENA - Associação das Companhias Aéreas em Portugal e a S…, S. A., pretendendo que sejam excecionadas da extensão as companhias aéreas abrangidas por convenção coletiva própria.

De acordo com o artigo 515.º do Código do Trabalho a presente extensão não é aplicável às relações de trabalho que no mesmo âmbito sejam reguladas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial. Por outro lado, tratando-se de norma imperativa, caraterizadora do âmbito de aplicação das portarias de extensão, a sua observância não depende de previsão expressa no articulado da portaria de extensão.

Ponderadas as circunstâncias sociais e económicas justificativas da extensão de acordo com o n.º 2 do artigo 514.º do Código do Trabalho, promove-se a extensão do contrato coletivo em causa. Assim, manda o Governo, pelo Secretário de Estado do Emprego, no uso da competência delegada pelo Despacho n.º 1300/2016, de 13 de janeiro de 2016, do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 18, de 27 de janeiro de 2016, ao abrigo do artigo 514.º e do n.º 1 do artigo 516.º do Código do Trabalho e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2017, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 112, de 9 de junho de 2017, o seguinte:


Artigo 1.º

1 - As condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a RENA - Associação das Companhias Aéreas em Portugal e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos - SITAVA e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 38, de 15 de outubro de 2017, são estendidas no território do continente:

a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade de transporte aéreo, com ou sem autoassistência em escala, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas;

b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não representados pelas associações sindicais outorgantes.

2 - Não são objeto de extensão as cláusulas contrárias a normas legais imperativas.


Artigo 2.º

1 - A presente portaria entra em vigor no quinto dia após a sua publicação no Diário da República.

2 - A tabela salarial e cláusulas de natureza pecuniária previstas na convenção, em vigor, produzem efeitos a partir de 1 de novembro de 2017.

O Secretário de Estado do Emprego, M…, em 14 de novembro de 2017.

- cfr. doc. nº 1, junto com o r.i..

Q) Pela Portaria nº 361/2017, de 24 de Novembro, publicada no Diário da República, 1ª Série, nº 227, de 24.11.2017, foi aprovada a extensão do contrato colectivo entre a AESH e o SITAVA, nos termos seguintes:


Portaria n.º 361/2017 de 24 de novembro

Portaria de extensão do contrato coletivo e sua alteração entre a AESH - Associação de Empresas do Sector de Handling e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos - SITAVA.

O contrato coletivo e sua alteração entre a AESH - Associação de Empresas do Sector de Handling e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos - SITAVA, publicados, respetivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 48, de 29 de dezembro de 2016, e n.º 13, de 8 de abril de 2017, abrangem as relações de trabalho entre empregadores que no território nacional se dediquem à atividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos, correspondentes às categorias 1, 2, 3, 4 e 5, previstas no anexo I do Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de julho, com exceção dos serviços de limpeza a aeronaves, abastecimento de combustível e lubrificantes, de manutenção de linha e catering, e trabalhadores ao seu serviço, uns e outros representados pelas associações que o outorgaram.

As partes requereram a extensão da convenção às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não representados pelas associações outorgantes que na respetiva área e âmbito exerçam a mesma atividade, observando o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2012, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 211, de 31 de outubro, alterada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2014, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 122, de 27 de junho de 2014, doravante designada por RCM.

O apuramento do Relatório Único/Quadros de Pessoal disponível reporta-se ao ano de 2015 e a convenção objeto da presente extensão foi inicialmente publicada em 29 de dezembro de 2016, pelo que não é possível aferir através daquele instrumento os elementos necessários para o apuramento dos critérios previstos nas subalíneas i) e ii) da alínea c) do n.º 1 da RCM, nem efetuar o estudo de avaliação do impacto da extensão da tabela salarial.

Não obstante, a parte empregadora subscritora da convenção demonstrou cumprir o requisito previsto na subalínea i) da alínea c) do n.º 1 da RCM, por ter ao seu serviço mais do 50 % dos trabalhadores do setor de atividade, no âmbito geográfico, pessoal e profissional de aplicação pretendido na extensão. Por outro lado, considerando que é o primeiro contrato coletivo para o setor de atividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo setor.

A tabela salarial da convenção prevê retribuições inferiores ao valor da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) em vigor. Considerando que a RMMG pode ser objeto de reduções relacionadas com o trabalhador, de acordo com o artigo 275.º do Código do Trabalho, as referidas retribuições apenas são objeto de extensão para abranger situações em que a RMMG resultante da redução seja inferior àquelas. Considerando que a convenção coletiva regula diversas condições de trabalho, procede-se à ressalva genérica da extensão de cláusulas contrárias a normas legais imperativas.

Embora a convenção tenha área nacional, a extensão de convenções coletivas nas Regiões Autónomas compete aos respetivos Governos Regionais, pelo que a extensão apenas é aplicável no território do continente.

Foi publicado o aviso relativo ao projeto da presente extensão no BTE, n.º 18, de 15 de maio de 2017, na sequência do qual deduziram oposição a RENA - Associação Representativa das Empresas de Navegação Aérea (atualmente denominada por RENA - Associação das Companhias Aéreas em Portugal), P… - Handling de Portugal, S. A., S… Portugal, S. A., R... Designated Activity Company - Sucursal em Portugal, S… Air Lines, Ltd., A… Airlines, U..., Inc. (Sucursal Portuguesa), L…, D... A…, L… Ground Services Portugal, Unip. Lda., B… Airlines, I… Support, Unipessoal, Lda. e a E… Airline Company Limited.

Em síntese, alegam as oponentes que: i) não existem circunstâncias sociais e económicas que justifiquem a emissão da portaria de extensão; ii) a AESH não tem ao seu serviço mais de 50 % dos trabalhadores no setor de atividade de assistência em escala; iii) a convenção a estender não se aplica às empresas representadas pela AESH, que têm convenções coletivas próprias, e o pedido de extensão visa apenas o aumento exponencial dos custos no setor e, consequentemente, a regulação artificial do mercado; iv) a extensão não pode abranger as companhias aéreas que tenham serviços de autoassistência em escala.

Alega ainda a P.. que tem Acordo de empresa celebrado com o SINTAC - Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil, o Sindicato Democrático dos Trabalhadores dos Aeroportos e Aviação - SINDAV e o STHA - Sindicatos dos Técnicos de Handling de Aeroportos, publicado no BTE, n.º 32, de 29 de agosto de 2016, que considera ser globalmente mais favorável e do qual pretende a emissão de portaria de extensão com vista à uniformização da aplicação das mesmas normas no seio da empresa.

Quanto a este último argumento, assinala-se que a presente extensão não se aplica às relações de trabalho entre empresas do mesmo setor de atividade e trabalhadores ao seu serviço abrangidas por regulamentação coletiva própria, por força do princípio da subsidiariedade das portarias de extensão, previsto no artigo 515.º do Código do Trabalho.

Relativamente ao argumento no sentido da inexistência de representatividade da AESH, refere-se que a associação apresentou argumentação com os critérios que relevaram para o cômputo da representatividade que invoca: designadamente os números respeitantes aos trabalhadores das categorias previstas na convenção, ao serviço das principais empresas do setor do handling a operar no território nacional e que prestem serviços com caráter permanente, excluindo os recrutados por curto período para situações pontuais. Com efeito, a presente portaria visa apenas os trabalhadores do mesmo âmbito profissional previsto na convenção, afetos às empresas que se dediquem à atividade de serviços de handling.

Não obstante a inexistência de informação que possibilite o estudo económico do impacto da tabela salarial, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo setor, observando-se deste modo a ponderação das circunstâncias sociais e económicas que a justificam, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 514.º do Código do Trabalho. Quanto ao argumento de que a convenção não se aplica aos empregadores representados pela AESH e que a portaria de extensão permite assim o aumento dos custos para as demais empresas e, consequentemente, a regulação artificial do mercado, não se afigura verosímil. Se por um lado, a existência do contrato coletivo em apreço não impede que os empregadores representados celebrem acordos de empresa, por outro, os empregadores abrangidos pela extensão também não estão impedidos de o fazer. Na verdade, não desconhecem as oponentes que mediante a celebração de convenção coletiva podem regular as condições de trabalho aplicáveis à sua atividade, como já sucede no caso do acordo coletivo (AC) das empresas de transporte aéreo, publicado no BTE n.º 35, de 22 de setembro de 1996, e dos acordos de empresa da P… e da E…. Ainda assim, o contrato coletivo em apreço aplica-se às empresas filiadas na AESH nas matérias não reguladas nos acordos de empresa e estes, por sua vez, regulam, também, outras matérias não previstas naquele. Por exemplo, o AE celebrado pela SPdH e várias associações sindicais prevê uma série de cláusulas com impacto pecuniário que não se encontram no clausulado do contrato coletivo, nomeadamente, relativas a anuidades, retribuição do trabalho noturno, abono para falhas, subsídio por condições especiais de trabalho, subsídio de refeição, prémio de distribuição de lucros, comparticipação nas despesas de infantário, subsídio para educação especial, subsídio para material escolar, entre outros, que justificam de certo modo a cláusula de preferência pelo AE prevista no contrato coletivo, o que não contraria o disposto no artigo 482.º do Código do Trabalho. Todavia, atendendo a que a alegação se funda em motivos económicos, a presente portaria é emitida nos termos do n.º 1 do artigo 516.º do Código do Trabalho.

No que concerne ao argumento de que a portaria de extensão não pode abranger as companhias aéreas que prestem serviços de assistência em escala, clarifica-se que existindo o referido AC entre várias companhias aéreas e o SITAVA, as mesmas estão automaticamente excluídas do âmbito da presente extensão por força do artigo 515.º do Código do Trabalho, uma vez que o âmbito profissional incide também sobre a atividade de assistência em escala, não carecendo por isso de norma expressa no articulado da portaria. Não obstante, atendendo a que o AC tem portaria de extensão e as companhias aéreas com serviços de autoassistência em escala que não o subscreveram podem ser abrangidas, em concorrência, pela presente extensão; considerando que cabe à RENA a defesa dos direitos e interesses dos empregadores nela filiados que se dediquem à atividade de transporte aéreo, com ou sem a atividade de assistência em escala como atividade complementar; considerando a existência de oposição daquela à emissão da extensão e que, posteriormente, foi celebrado contrato coletivo entre a mesma associação de empregadores e o SITAVA e outro, publicado no BTE, n.º 38, de 15 de outubro de 2017, para o setor de atividade de transporte aéreo, com ou sem autoassistência em escala; procede-se à exclusão expressa dos empregadores filiados na RENA do âmbito da extensão. Finalmente, a alegação da inexistência de fundamento no projeto de portaria para a sua emissão não tem cabimento. Na nota justificativa que o acompanha constam os fundamentos da intenção de se proceder à emissão da extensão, de acordo com a ponderação exigida no n.º 2 do artigo 514.º do Código do Trabalho, além dos critérios previstos no n.º 1 da RCM e demais regras do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicáveis.

Nestes termos, ponderadas as circunstâncias sociais e económicas justificativas da extensão, de acordo com o n.º 2 do artigo 514.º do Código do Trabalho e observados os critérios necessários para o alargamento das condições de trabalho previstas em convenção coletiva, nomeadamente o critério previsto na subalínea i) da alínea c) do n.º 1 da RCM, promove-se a extensão do contrato coletivo em causa e sua alteração.

Assim, manda o Governo, pelo Secretário de Estado do Emprego, no uso da competência delegada pelo Despacho n.º 1300/2016, de 13 de janeiro de 2016, do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 18, de 27 de janeiro de 2016, e pelo Secretário de Estado das Infraestruturas, no exercício das competências delegadas pelo Despacho n.º 9973-C/2017, de 13 de novembro de 2017, do Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, publicado no Diário da República, na 2.ª série, n.º 222, de 17 novembro de 2017, ao abrigo do artigo 514.º e do n.º 1 do artigo 516.º do Código do Trabalho e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2012, de 31 de outubro, alterada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2014, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 122, de 27 de junho de 2014, o seguinte:


Artigo 1.º

1 - As condições de trabalho constantes do contrato coletivo e sua alteração entre a AESH - Associação de Empresas do Sector de Handling e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos - SITAVA, publicadas, respetivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 48, de 29 de dezembro de 2016 e BTE, n.º 13, de 8 de abril de 2017, são estendidas no território do continente:

a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à atividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos, correspondentes às categorias 1, 2, 3, 4 e 5, previstas no anexo I do Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de julho, com exceção dos serviços de limpeza a aeronaves, abastecimento de combustível e lubrificantes, de manutenção de linha e catering, e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção;

b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade económica referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não filiados na associação sindical outorgante.

2 - O disposto na alínea a) do número anterior não é aplicável aos empregadores filiados na RENA - Associação das Companhias Aéreas em Portugal.

3 - As retribuições da tabela salarial inferiores à retribuição mínima mensal garantida apenas são objeto de extensão nas situações em que sejam superiores à retribuição mínima mensal garantida resultante de redução relacionada com o trabalhador, de acordo com o artigo 275.º do Código do Trabalho.

4 - Não são objeto de extensão as cláusulas contrárias a normas legais imperativas.


Artigo 2.º

1 - A presente portaria entra em vigor no quinto dia após a sua publicação no Diário da República. 2 - A tabela salarial e cláusulas de natureza pecuniária, em vigor, previstas na convenção produzem efeitos a partir do primeiro dia do mês da publicação da presente portaria.

Em 20 de novembro de 2017.

- consulta https://dre.pt.



II.2. De direito

II.2.1. Do mérito do recurso

A Recorrente suscitou nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre a questão da violação das regras da concorrência que, em seu entendimento, resulta da extensão da Portaria n.º 355/2017 (conclusões AA. a HH.).

Ora, lida a sentença recorrida verifica-se a questão foi efectivamente apreciada no ponto viii) do segmento IV, dedicado à fundamentação de direito, tendo sido aí decidido, quanto à questão da “violação da concorrência no sector do handling e da verificação de discriminação salarial”, o seguinte:

Os argumentos aduzidos pela Requerente assentam em motivos económicos. Poderia assim a Requerente ter deduzido oposição fundamentada ao projecto de portaria, de modo a tornar necessária a intervenção do ministro responsável pelo respectivo sector de actividade económica, para aí serem submetidas à competente avaliação, não cabendo agora ao Tribunal substituir-se à Administração nessa apreciação. Improcede também o vício invocado.”

Aliás, em boa verdade, o que decorre das conclusões FF) e GG) do recurso, é que a Recorrente discorda do julgamento efectuado pela sentença quanto a esta matéria. Pelo que, assentando a dissensão sobre o mérito do decidido e não sobre um vício da sentença, não ocorre a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

Pelo exposto, improcede a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Entremos agora na apreciação dos erros de julgamento imputados à sentença recorrida.

Na presente acção estão em causa as normas da Portaria nº 355/2017, de 14 de Novembro, publicada no DR, 1ª série, nº 221, de 16 de Novembro, que procedeu à extensão do Contrato Colectivo de Trabalho, celebrado em 13 de Setembro de 2017, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 38, de 15 de Outubro de 2017, entre a RENA – Associação das Companhias Aéreas de Portugal, o SITAVA - Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos e o SQAC – Sindicato dos Quadros da Aviação Comercial.

Pretende a ora Recorrente a declaração de ilegalidade das normas constantes dos artº 1º e 2º, da referida Portaria de Extensão, com efeitos circunscritos ao seu caso.

Pedido que foi julgado improcedente pelo tribunal a quo, com a seguinte fundamentação:

i) Da violação dos princípios da especialidade e da subsidiariedade

Aduz a A. que a Portaria de Extensão sub judice viola os princípios da especialidade e da subsidiariedade.

Na data da emissão da Portaria de Extensão sub judice, a área de actividade do handling (assistência em escala) já estava regulada por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial – o CCT entre a AESH e o SITAVA (publicado no BTE nº 48, de 29/12/2016).

A existência do referido instrumento de regulamentação colectiva aplicável ao sector de handling – o CCT AESH/SITAVA – impedia, atento o referido princípio da subsidiariedade, a emissão da Portaria de Extensão nº 355/2017.

A Portaria nº 355/2017 poderia ter feito uma extensão parcial do CCT RENA/SITAVA, conforme o artº 514º, nº 1 do Código do Trabalho permite, deixando fora da extensão as actividades de handling (nomeadamente o self-handling ou auto-assistência em escala). Não o tendo feito (referindo, expressamente, a assistência e a auto-assistência em escala), foi violado o princípio da subsidiariedade, previsto no artº 515º, do Código do Trabalho, bem como o princípio da especialidade decorrente do disposto no artº 514º, do Código do Trabalho.

Conclui, assim, que a Portaria enferma do vício de violação de lei, que gera a sua invalidade, nos termos do artº 143º, nº 1, do CPA.

Vejamos.

Dispõe o artº 514º, do CT, sob a epígrafe “Extensão de convenção colectiva ou decisão arbitral”, o seguinte:


Artigo 514.º

Extensão de convenção colectiva ou decisão arbitral


1 - A convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento.

2 - A extensão é possível mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.

Por seu turno, dispõe o artº 515º, sob a epígrafe “Subsidiariedade”, o seguinte: “A portaria de extensão só pode ser emitida na falta de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial.”.

Como ensina MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, a propósito das portarias de extensão, “Trata-se de um instrumento de regulamentação colectiva do trabalho através do qual o Governo (por intermédio do Ministro responsável pela área do emprego e do trabalho, e, em alguns casos, com o Ministro da tutela do sector de actividade – artº 514º nºs 1 e 2 do CT) determina o alargamento do âmbito de aplicação de uma convenção colectiva de trabalho ou de uma deliberação arbitral a empregadores que não subscreveram inicialmente a convenção e a trabalhadores não filiados nas associações sindicais outorgantes.

(…)

O objectivo da portaria de extensão é duplo. Por um lado, pretende-se integrar o vazio de regulamentação que existe em relação aos trabalhadores não filiados nas associações sindicais outorgantes das convenções colectivas de trabalho e aos empregadores que também não as outorgaram – este vazio decorre do facto de as convenções colectivas apenas de aplicarem aos outorgantes e aos respectivos membros, por força do princípio geral nesta matéria (o denominado princípio da filiação, que o Código do Trabalho consagra no art. 496º). Por outro lado, com esta extensão administrativa assegura-se a uniformidade do regime jurídico aplicável aos trabalhadores daquele sector. Por outras palavras, através das portarias de extensão promove-se a eficácia geral das convenções colectivas de trabalho num determinado sector profissional ou de actividade.” – cfr. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, parte I – Dogmática Geral, 4ª edição – 2015, Almedina, p. 271-272.

A portaria de extensão pode, portanto, ser emitida no caso de: “- os empregadores e os trabalhadores estarem integrados, respectivamente, no mesmo sector de actividade e profissional ao qual é aplicável a convenção colectiva de trabalho a estender (art. 514º nº 1 do CT):

- não haver uma convenção colectiva aplicável naquele sector de actividade e profissional (art. 515º, do CT);” - cfr. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., p. 273.

Conforme resulta dos factos provados, em 06 de Dezembro de 2016 foi celebrado entre, por um lado, a AESH – Associação de Empresas do Sector de Handling e, por outro, o SITAVA – Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos, um Contrato Colectivo de Trabalho (CCT), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 48, de 29/12/2016, onde consta o seguinte:


“Cláusula 1ª

Área e âmbito


1 – O presente contrato colectivo de trabalho, adiante simplesmente designado também por CCT aplica-se a todo o território nacional e obriga, por um lado, as empresas representadas pela Associação de Empresas do Sector de Actividade de Prestação de Serviços de Assistência em Escala ao Transporte Aéreo, e por outro, os trabalhadores ao seu serviço representados pelas organizações sindicais outorgantes.

(…)


Cláusula 2ª

Âmbito funcional


1 – O presente CCT será aplicável e obrigatório para todas as empresas, entidades e trabalhadores pertencentes ao sector da assistência em escala, cuja actividade, embora não sendo a actividade principal, consista na prestação de serviços de assistência, seja auto-assistência ou assistência a terceiros, desde que tais serviços sejam atendidos como serviços de assistência em escala nos aeroportos, correspondentes às categorias 1, 2, 3, 4 e 5.”.

Pela Portaria nº 361/2017, de 24 de Novembro, publicada no Diário da República, 1ª Série, nº 227, de 24.11.2017, foi aprovada a extensão do contrato colectivo entre a AESH e o SITAVA, “a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à actividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos, correspondentes às categorias 1, 2, 3, 4 e 5, previstas no anexo I do Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de Julho, com excepção dos serviços de limpeza a aeronaves, abastecimento de combustível e lubrificantes, de manutenção de linha e catering, e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção;

b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade económica referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não filiados na associação sindical outorgante.”

Em 13 de Setembro de 2017 foi celebrado entre, por um lado, a RENA – Associação das Companhias Aéreas em Portugal e, por outro, o SITAVA – Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos e o SQAC – Sindicato dos Quadros da Aviação Comercial, um Contrato Colectivo de Trabalho (CCT), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 38, de 15 de Outubro de 2017, onde consta o seguinte:


“Cláusula 1ª

Âmbito e área


1 – O presente contrato colectivo de trabalho adiante designado por CCT, aplica-se em Portugal às empresas e agências de navegação aérea filiadas na associação de empregadores outorgante que desenvolvam a actividade de transporte aéreo, com ou sem auto-assistência em escala, autorizadas a explorar a indústria de comunicações aéreas no país (Continente e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira), adiante designadas por empresas ou companhias, e os trabalhadores ao seu serviço representados pelos sindicatos outorgantes.

(…)”.

Pela Portaria nº 355/2017, de 14 de Novembro, publicada no DR, 1ª série, nº 221, de 16 de Novembro, foi aprovada a extensão do contrato colectivo entre a RENA e o SITAVA, nos termos seguintes:


“Artigo 1.º

1 - As condições de trabalho constantes do contrato colectivo entre a RENA - Associação das Companhias Aéreas em Portugal e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos - SITAVA e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), nº 38, de 15 de Outubro de 2017, são estendidas no território do continente:

a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade de transporte aéreo, com ou sem autoassistência em escala, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas;

b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não representados pelas associações sindicais outorgantes.”

A Requerente R... DESIGNATED ACTIVITY COMPANY – SUCURSAL EM PORTUGAL [anteriormente designada R... Limited – Sucursal em Portugal], tem como objecto social, além do mais, a “exploração de serviços de transporte aéreo de passageiros, carga, mercadorias e correio, bem como a prestação de serviços e a realização de operações comerciais, industriais e financeiras, relacionadas directa ou indirectamente com a referida exploração e, ainda, exercer quaisquer outras actividades consideradas convenientes aos interesses empresariais”.

Em Portugal, a Requerente, para além da sua actividade principal de transporte aéreo de passageiros, tem igualmente como actividade a auto-assistência em escala ao transporte aéreo (vulgo, “self-handling”), sendo para o efeito titular de licença para o exercício das seguintes categorias de serviços:

- categoria 1 – Assistência Administrativa em terra e a Supervisão;

- categoria 3 – Assistência a Bagagem;

- categoria 5 – Assistência a Operações de Pista.

A Requerente presta esses serviços de auto-assistência (self-handling), a si própria.

Entende-se por “Auto-assistência em escala”, para efeitos da aplicação do Decreto-Lei nº 275/99, de 23 de Julho, que regula as actividades de assistência em escala ao transporte aéreo nos aeroportos e aeródromos nacionais, a “prestação por um utilizador de um ou mais serviços ou modalidades de assistência em escala, sem celebração de qualquer tipo de contrato com terceiros para prestação desses serviços, a si próprio ou a outros utilizadores nos quais detenha uma participação maioritária ou que sejam maioritariamente detidos pela mesma entidade”.

A Requerente não é filiada na RENA – Associação das Companhias Aéreas em Portugal.

Da análise do âmbito funcional do contrato colectivo entre a AESH e o SITAVA e da extensão daquele, operada pela Portaria nº 361/2017, de 24 de Novembro, verifica-se que no CCT AESH/SITAVA se estabelece que aquele é aplicável às empresas pertencentes ao sector da assistência em escala, cuja actividade, embora não sendo a actividade principal, consista na prestação de serviços de assistência, seja auto-assistência ou assistência a terceiros. No entanto, a portaria de extensão não acompanha integralmente esse âmbito, já que as condições de trabalho constantes do contrato colectivo e sua alteração entre a AESH e o SITAVA, foram estendidas no território do continente às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante “que se dediquem à actividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos”. Quer isto dizer que a extensão operada visa apenas as empresas que se dediquem à actividade de prestação de serviços de assistência em escala a terceiros, afastando assim do seu âmbito as empresas, como a A., cuja actividade principal é o transporte aéreo, ainda que tenha serviços de auto-assistência em escala.

Neste conspecto, tendo presente (i) que a Requerente não é filiada na associação de empregadores outorgante do Contrato Colectivo, celebrado em 13 de Setembro de 2017 [a RENA], (ii) não está abrangida por convenção colectiva própria (iii) e que está apenas autorizada, enquanto empresa de navegação aérea, a desenvolver a actividade de auto-assistência em escala (self-handling), não há dúvida que às relações de trabalho em que a Requerente seja parte, são aplicáveis as condições de trabalho constantes do Contrato Colectivo RENA/SITAVA, por força da respectiva Portaria de Extensão, que veio estender, no território do continente, as condições de trabalho constantes do contrato colectivo entre a RENA e o SITAVA e outro, “às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade de transporte aéreo, com ou sem autoassistência em escala, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas;”.

Improcede, assim, a invocada violação dos princípios contidos nos artº 514º e 515º, do CT.

ii) Da violação do princípio da filiação

Aduz a A. que a Portaria sub judice infringe também o princípio da filiação, consagrado nos artº 496º e 497º, do Código do Trabalho.

A Requerente tem trabalhadores sindicalizados noutros sindicatos e outros não sindicalizados, pelo que é excessivo e contra legem que muitos trabalhadores, senão mesmo a sua maioria, vejam as suas relações laborais reguladas por um contrato colectivo de trabalho que não foi celebrado pela sua entidade empregadora e que é subscrito por um sindicato que não os representa.

Conclui, assim, que a Portaria enferma do vício de violação de lei, que gera a sua invalidade, nos termos do artº 143º, nº 1, do CPA.

Mais aduz que, da lista de empresas de navegação aérea, filiadas e representadas pela RENA, nenhuma delas se dedica, efectivamente, à actividade de auto-assistência em escala (self-handling), em Portugal, recorrendo, antes, a empresas externas, que lhes prestam serviços de handling, não tendo, naturalmente, ao seu serviço, trabalhadores com algumas das categorias profissionais de handling, como TTAE – Técnico de Tráfego de Assistência em Escala – Placa ou OAE – Operador de Assistência em Escala, as categorias profissionais dos trabalhadores da Requerente de self-handling.

As referidas profissões já têm regulamentação colectiva própria, que é a que decorre do CCT celebrado entre a AESH e o SITAVA, que foi objecto de extensão através da Portaria nº 361/2017.

Pelo que, às referidas profissões e, portanto, à actividade de handling (assistência em escala) prosseguida pela Requerente, deverá ser aplicável, nos termos do disposto nos artº 482º e 483º, do Código do Trabalho, o CCT AESH/SITAVA, ao invés do CCT RENA/SITAVA.

Vejamos então.

Dispõe o artº 496º, sob a epígrafe “Princípio da filiação”, o seguinte:


Artigo 496.º

Princípio da filiação


1 - A convenção colectiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.

2 - A convenção celebrada por união, federação ou confederação obriga os empregadores e os trabalhadores filiados, respectivamente, em associações de empregadores ou sindicatos representados por aquela organização quando celebre em nome próprio, nos termos dos respectivos estatutos, ou em conformidade com os mandatos a que se refere o n.º 2 do artigo 491.º .

3 - A convenção abrange trabalhadores e empregadores filiados em associações celebrantes no início do processo negocial, bem como os que nelas se filiem durante a vigência da mesma.

4 - Caso o trabalhador, o empregador ou a associação em que algum deles esteja inscrito se desfilie de entidade celebrante, a convenção continua a aplicar-se até ao final do prazo de vigência que dela constar ou, não prevendo prazo de vigência, durante um ano ou, em qualquer caso, até à entrada em vigor de convenção que a reveja.

De acordo com o disposto no artº 496º, nº 1 do CT, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.

Decorre deste normativo o princípio da filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.

Assim, é necessário, por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, que o trabalhador esteja filiado na associação sindical signatária.

Conforme refere LUIS GONÇALVES DA SILVA, “as convenções colectivas têm somente eficácia inter partes” pelo que “o âmbito subjectivo - ou pessoal - da convenção é determinado, em regra, pela filiação do empregador (caso não celebre a convenção directamente) e do trabalhador nas associações outorgantes. A isto se chama princípio da filiação ou, talvez mais correctamente, princípio da dupla filiação” – cfr. Código do Trabalho anotado, Direcção de Pedro Romano Martinez, Almedina, 9.ª edição, 2013, p. 982.

Por sua vez, a portaria de extensão tem por destinatário quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatárias da convenção colectiva ou da convenção arbitral que deu origem à decisão arbitral, surgindo, assim, como forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais ou de empregadores existente.

Como a este propósito refere BERNARDO LOBO XAVIER, as portarias de extensão como instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ainda que heterónomo, pretendem implementar um verdadeiro sistema legal, fixando condições específicas, propondo uma padronização e igualização das condições de trabalho – cfr. As fontes específicas de Direito do Trabalho e a superação do princípio da filiação, RDES, ano XLVI, XIX, 2ª série, abril/dezembro, 2005, p.121.

Mas cedem perante a autonomia colectiva, que não poderá ser afastada em tais casos – cfr., neste sentido, LUÍS GONÇALVES DA SILVA, Pressupostos, requisitos e eficácia da portaria de extensão, Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, vol. I, Almedina, 2001, p. 688, referindo que “resulta de forma inequívoca que o recurso à portaria de extensão é estritamente supletivo ou residual face à autonomia colectiva (…) estamos perante uma actuação da Administração que cede face à autonomia colectiva”.

Pelo que vem de referir-se resulta que a emissão da portaria de extensão sub judice não afecta os valores da liberdade sindical dos trabalhadores da Requerente, na medida em que tem carácter meramente subsidiário, cessando de imediato a sua aplicação no caso de ser celebrada uma convenção colectiva, nos termos gerais do artº 515º, do CT.

Aduz ainda a Requerente que da lista de empresas de navegação aérea, filiadas e representadas pela RENA, nenhuma delas se dedica, efectivamente, à actividade de auto-assistência em escala (self-handling), em Portugal, recorrendo, antes, a empresas externas, que lhes prestam serviços de handling, não tendo, ao seu serviço, trabalhadores com algumas das categorias profissionais de handling, como TTAE – Técnico de Tráfego de Assistência em Escala – Placa ou OAE – Operador de Assistência em Escala.

Como resulta dos factos provados, estão autorizadas a exercer auto-assistência em escala no território nacional, as seguintes companhias aéreas:

- A...

- A...

- B...

- D...

- E...

- K...

- T...

- T...

- T...

- U...

Essas companhias aéreas são representadas pela RENA (cfr. anexo III do CCT RENA/SITAVA).

Tal basta para concluir que o âmbito da convenção colectiva articula-se com o âmbito da associação de empregadores que a subscreveu, compreendendo-se assim a inclusão naquele de categorias profissionais ligadas à auto-assistência em escala (self-handling).

Improcede, por isso, a invocada violação do princípio da filiação.

iii) Da violação do princípio da prevalência da lei

Aduz ainda a Requerente que, ao violar os referidos princípios da filiação, da subsidiariedade e da especialidade, o Requerido violou o princípio da legalidade na sua dimensão do princípio da prevalência da lei, previsto no artº 266º, nº 2, da CRP e 3º, nº 1, do CPA, o que gera a invalidade da Portaria nº 355/2017, nos termos do artº 143º, nº 1, do CPA.

Não tem razão a Requerente, ante o que acima se deixou estabelecido, pelo que improcede a alegada violação do princípio da prevalência da lei.

iv) Da violação da RCM 82/2017, publicada em 09/06/2017

Aduz a Requerente que na emissão da Portaria de Extensão sub judice não foram ponderadas as circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, conforme determina a previsão do nº 2, do artº 514º, do Código do Trabalho, nem a mesma foi precedida da obrigatória análise dos indicadores constantes do nº 1 da RCM 82/2017.

Mesmo se fosse verdade o referido no preâmbulo da Portaria, quanto à inexistência de indicadores por “o apuramento do Relatório Único/Quadro de Pessoal disponível” se “reporta(r) ao ano de 2015” e “não conte(r) informação que possibilite a análise dos indicadores”, tal apenas significaria que a Portaria de Extensão (ainda) não poderia ser emitida, como foi.

Vejamos então.

Dispõe o artº 514º, nº 2, do CT que, “A extensão é possível mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.”.

Conforme consta do preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros nº 82/2017, de 18/05, publicada no DR, 1ª série, nº 112, de 09/06/2017, aquando da decisão para a emissão das portarias de extensão “importa que o decisor político tenha acesso a dados que lhe permitam levar a cabo uma «ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere», na qual deverá fundamentar a sua decisão.”.

Nesse sentido, pretende-se que, “além do impacto da extensão de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho na massa salarial total dos trabalhadores a abranger, seja ponderado o contributo da extensão para a promoção de melhores níveis de coesão e igualdade social, nomeadamente do ponto de vista da equidade de género, bem como para a efectivação do princípio constitucional «salário igual para trabalho igual».”.

De acordo com o nº 1, da RCM nº 82/2017, “1 – (…) a decisão para a emissão de portaria de extensão, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 514.º e no artigo 515.º, ambos do Código do Trabalho, deve ser precedida da análise dos seguintes indicadores: a) Impacto sobre a massa salarial dos trabalhadores abrangidos e a abranger, tendo em vista a aferição dos possíveis impactos económicos da extensão; b) Aumento salarial dos trabalhadores a abranger; c) Impacto no leque salarial e na redução das desigualdades no âmbito do instrumento de regulamentação colectiva a estender; d) Percentagem de trabalhadores a abranger (no total e por género); e) Proporção de mulheres a abranger.”

No caso dos autos, conforme consta do texto da Portaria nº 355/2017, de 16 de Novembro, que aprova a extensão do contrato colectivo entre a RENA e o SITAVA e outro, “ (…) Atendendo a que se trata da primeira convenção celebrada entre as partes o apuramento do Relatório Único/Quadros de Pessoal disponível, que se reporta ao ano de 2015, não contém informação que possibilite a análise dos indicadores previstos nas alíneas a) a e) do n.º 1 da RCM n.º 82/2017, de 9 de Junho de 2017. No entanto, considerando que é o primeiro contrato colectivo para o sector do transporte aéreo, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector. (…) Ponderadas as circunstâncias sociais e económicas justificativas da extensão de acordo com o n.º 2 do artigo 514.º do Código do Trabalho, promove-se a extensão do contrato colectivo em causa.”.

Ora, tal como se entende, e ao contrário do que defende a Requerente, o facto de não ter sido efectuado o estudo de avaliação dos indicadores previstos nas al. a) a e) do nº 1 da RCM nº 82/2017, não impedia que a portaria de extensão fosse emitida, conquanto a ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem se mostre feita.

Com efeito, considerando que é através dos dados disponíveis no Relatório Único/Quadros de Pessoal que a DGERT efectua o estudo de avaliação dos indicadores previstos nas alíneas a) a e) do n.º 1 da RCM n.º 82/2017, na falta dessa informação, resulta claro que a sua realização não era possível. Para além do mais, como também se refere no preâmbulo da portaria de extensão, trata-se do primeiro contrato colectivo para o sector do transporte aéreo, pelo que resulta compreensível a falta de dados estatísticos comparativos para aferir os impactos nos indicadores previstos na RCM n.º 82/2017.

Acresce que, não podendo a RCM n.º 82/2017 alterar a lei, os indicadores naquela previstos apenas podem ser entendidos como elementos adicionais, orientadores da ponderação, cuja falta não pode impedir a emissão de portaria de extensão se subsistirem circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente “a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere” (cfr. artº 514º, nº 2, do CT), tanto mais que, como determina o artº 485º, do CT, “O Estado deve promover a contratação colectiva, de modo a que as convenções colectivas sejam aplicáveis ao maior número de trabalhadores e empregadores”.

Pelo exposto, improcede também a invocada violação da RCM nº 82/2017.

v) Da violação do princípio da inderrogabilidade singular dos Regulamentos

Aduz a Requerente que o Secretário de Estado subscritor da Portaria de Extensão optou, expressamente, por não aplicar a RCM nº 82/2017. Tal procedimento determina que tenha sido violado o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.

Conforme resulta do nº 3, do artº 138º, do CPA, as Resoluções do Conselho de Ministros assumem a natureza de regulamentos, pelo que a Administração não pode deixar de aplicar as mesmas.

Conclui, assim, pela invalidade da Portaria nº 355/2017, nos termos do artº 143º, nº 1, do CPA.

Não tem razão a Requerente, ante o que acima se deixou estabelecido em iv), pelo que improcede a alegada violação do princípio da inderrogabilidade singular dos Regulamentos.

vi) Da violação da hierarquia entre Regulamentos Governamentais

Aduz ainda a Requerente que a Portaria de Extensão sub judice desconsidera a RCM nº 82/2017, quando impõe que as decisões para a emissão de portarias de extensão devem ser precedidas da análise de determinados indicadores, de modo a aferir do respectivo impacto.

No domínio dos regulamentos governamentais existe uma ordem de prevalência, a qual está prevista no nº 3, do artº 138º, do CPA, sendo que as RCM, com conteúdo normativo, têm uma ordem de prevalência sobre as Portarias.

Por força da relação entre regulamentos, verifica-se, in casu, a violação da ordem de prevalência entre regulamentos, prevista no artº 138º, nº 3, al. b) e c), do CPA, o que gera a invalidade da Portaria nº 355/2017, nos termos do artº 143º, nº 1, do CPA.

Vejamos.

Não tem razão a Requerente, ante o que acima se deixou estabelecido em iv) , pelo que improcede igualmente a alegada violação da hierarquia entre Regulamentos Governamentais.

vii) Da falta de fundamentação da Portaria de Extensão

Aduz ainda a Requerente que a Portaria de Extensão apresenta-se destituída de fundamentação, nos termos exigidos no artº 514º, nº 2, do Código do Trabalho, no artº 99º, do CPA e na RCM nº 82/2017.

O preâmbulo da Portaria de Extensão não permite à Requerente, como a outro destinatário normal, compreender as razões pelas quais o CCT RENA/SITAVA lhe é estendido, pois não é feita, conforme impõe a previsão do nº 2, do artº 514º, do Código do Trabalho, a “ponderação das circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem”, nomeadamente “a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão”, em especial no que respeita ao self-handling (auto-assistência em escala).

Também não foi feita nenhuma análise prévia de qualquer dos indicadores enunciados nas al. a) a e) do nº 1, da RCM nº 82/2017, que define os critérios, procedimentos e indicadores a observar para a emissão de portarias de extensão de convenção colectiva.

Nem se compreendendo como se chega à conclusão que a extensão se justifica, uma vez que não fundamenta em que medida a extensão do CCT RENA/SITAVA vai ter, no plano social, o efeito uniformizador das condições mínimas de trabalho e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector.

Vejamos então.

Como já acima se referiu, a portaria sub judice vem estender, no território do continente, as condições de trabalho constantes do contrato colectivo entre a RENA - Associação das Companhias Aéreas em Portugal e o Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos - SITAVA e outro, “a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade de transporte aéreo, com ou sem autoassistência em escala, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas; b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a actividade referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não representados pelas associações sindicais outorgantes.”.

O n.º 2 do artº 514º, do CT estipula que, "A extensão é possível mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no instrumento a que se refere".

Sobre o procedimento para a emissão de portaria de extensão, dispõe o artº 516º, do CT que o ministro responsável pela área laboral manda publicar o projecto de portaria de extensão no BTE, podendo qualquer pessoa singular ou colectiva que possa ser afectada pela extensão deduzir oposição fundamentada.

No âmbito do procedimento para a emissão de portaria de extensão é subsidiariamente aplicável o CPA (cfr. artº 516º, nº 4, do CT).

No que aqui releva, dispõe o artº 99º, do CPA, que o projecto de regulamento deve ser acompanhado de uma “nota justificativa fundamentada”.

Conforme resulta dos factos provados, consta da nota justificativa do aviso do projecto de Portaria e do preâmbulo da Portaria nº 355/2017, de 16 de Novembro, o seguinte: “Atendendo a que se trata da primeira convenção celebrada entre as partes o apuramento do Relatório Único/Quadros de Pessoal disponível, que se reporta ao ano de 2015, não contém informação que possibilite a análise dos indicadores previstos nas alíneas a) a e) do n.º 1 da RCM n.º 82/2017, de 9 de junho de 2017. No entanto, considerando que é o primeiro contrato coletivo para o setor do transporte aéreo, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo setor.”.

A emissão da portaria de extensão justifica-se, portanto, por motivos sociais e económicos. Por um lado, porque, em termos sociais, é indispensável que a todos os trabalhadores do sector sejam garantidas condições mínimas de prestação de trabalho. Por outro lado, em termos económicos, é importante que todas as empresas desse sector de actividade concorram com a mesma estrutura de custos.

Observa portanto a portaria de extensão o critério expressamente previsto no artº 514º, nº 2, do CT para a sua emissão: a identidade económica e social das situações no âmbito da extensão e no instrumento a que se refere.

Não se descortina, pois, insuficiência na fundamentação apresentada.

viii) Da violação da concorrência no sector do handling e da verificação de discriminação salarial

Aduz ainda a Requerente que, contrariamente ao que é conclusivamente referido no preâmbulo da Portaria de Extensão, a mesma determina uma violação da concorrência no sector do handling, bem como a existência de discriminação salarial nesse sector, o que também revela que a aplicabilidade da Portaria/CCT ao sector do handling (designadamente ao self-handling), não foi minimamente ponderada quando foi emitida a Portaria.

O CCT RENA/SITAVA é totalmente desadequado à realidade da actividade de auto-assistência em escala prosseguida pela Requerente.

A (forçada) aplicação do referido CCT RENA/SITAVA determina a perda de competitividade da actividade de auto-assistência em escala da Requerente face às empresas prestadoras de serviços de assistência em escala. As tabelas salariais e outros benefícios pecuniários previstos no CCT, como os valores dos subsídios de refeição, são “penalizadores” para a Requerente e têm um impacto significativo na sua massa salarial, designadamente face ao estabelecido no CCT AESH/SITAVA, aplicável às empresas de handling.

A Portaria de Extensão ao estender, de forma total, a aplicação do CCT RENA/SITAVA não está, ao contrário dos seus declarados objectivos, a “uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores”, nem a “aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector”.

Dado que a tabela salarial constante do CCT AESH/SITAVA, aplicável às empresas de handling, contem valores substancialmente inferiores à tabela salarial do CCT RENA/SITAVA, que a Portaria declara aplicável ao self-handling (auto-assistência em escala), as condições de concorrência do sector do handling ficam inevitavelmente distorcidas, não se verificando, assim, o declarado intuito de aproximação das condições de concorrência entre empresas do mesmo sector.

O diferente regime dos dois CCT, ao nível dos salários para as mesmas categorias profissionais, a que acrescem diferentes prestações pecuniárias, cria distorções e discriminações salariais entre trabalhadores que exercem exactamente as mesmas funções, no mesmo sector de actividade.

Conclui, assim, pela violação do artº 514º, do Código do Trabalho, bem como do princípio de que para trabalho igual salário igual, consagrado no artº 59º, nº 1, al. a), da CRP, e consequente invalidade da Portaria, nos termos do artº 143º, nº 1, do CPA.

Vejamos então.

Os argumentos aduzidos pela Requerente assentam em motivos económicos. Poderia assim a Requerente ter deduzido oposição fundamentada ao projecto de portaria, de modo a tornar necessária a intervenção do ministro responsável pelo respectivo sector de actividade económica, para aí serem submetidas à competente avaliação, não cabendo agora ao Tribunal substituir-se à Administração nessa apreciação.

Improcede também o vício invocado.

ix) Da violação do princípio da proporcionalidade

Por fim, aduz a A. que as normas em causa, além de desnecessárias e excessivas, são também desadequadas.

Sobre o Requerido recaia o dever de ponderar não só o efeito uniformizador das condições mínimas de trabalho dos trabalhadores do sector de actividade de handling, como, no plano económico, aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector.

Esta circunstância é ainda mais grave in casu, porque tal como vem referido na Portaria nº 355/2017, o CCT RENA/SITAVA seria “o primeiro contrato colectivo para o sector do transporte aéreo”, sendo que, para além de o CCT RENA/SITAVA ser desadequado para disciplinar as regras laborais do sector handling (nomeadamente o self-handling), uma vez que, este sector já é disciplinado pelo CCT AESH/SITAVA, constata-se a aplicação de diferentes regras laborais, designadamente as que respeitam à remuneração aos mesmos trabalhadores, regras que acarretam custos exponenciais para a Requerente e que colocam em causa a sua viabilidade económica.

Conclui, assim, pela violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artº 7º do CPA (cfr. artº 266º, nº 2, da CRP).

Vejamos então.

Como já acima se deixou estabelecido, a portaria de extensão do CCT RENA/SITAVA e do CCT AESH/SITAVA não têm aplicação no mesmo sector de actividade, pelo que as comparações pretendidas não podem ser feitas, improcedendo a invocada violação do princípio da proporcionalidade.

Não se verificam, pois, as ilegalidades invocadas pela Requerente, mostrando-se respeitado o procedimento e formalismo legalmente previsto para a emissão da portaria de extensão sub judice”.

O assim decidido é de manter.

O CC RENA aplica-se em Portugal a “empresas e agências de navegação aérea filiadas na associação de empregadores outorgante que desenvolvam a atividade de transporte aéreo, com ou sem autoassistência em escala, autorizadas a explorar a indústria de comunicações aéreas no país (Continente e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira), adiante designadas por empresas ou companhias, e os trabalhadores ao seu serviço representados pelos sindicatos outorgantes”.

A referia convenção aplica-se, assim, às empresas de navegação aérea e seus trabalhadores, com ou sem autoassistência em escala (self-handling), representados pelas associações outorgantes.

As condições de trabalho previstas na referida convenção aplicam-se, também, por força da portaria de extensão publicada no BTE, n.° 44, de 29 de novembro de 2017, “[à]s relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade de transporte aéreo. com ou sem autoassistência em escala, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nelas previstas [sublinhado nosso]. E na ausência de convenção coletiva própria, as relações de trabalho em que a ora Recorrente seja parte ficam abrangidas pelas condições acordadas naquele contrato coletivo, por força da portaria de extensão.

E assim é porque a ora Recorrente é uma empresa que exerce a atividade de transporte aéreo com autoassistência em escala (self-handling). Trata-se de uma empresa que tem como atividade principal o transporte aéreo e que desenvolve a atividade de autoassistência em escala como complementar daquela primeira.

Daí que, como concluiu o Tribunal a quo, e bem, não existem dúvidas que à Recorrente, como companhia de navegação aérea, são aplicadas, por força da respetiva portaria de extensão, as condições de trabalho estabelecidas no CC RENA.

Sendo que nada impede que o Governo emita portaria de extensão de convenção concorrencial com outra existente (cfr. artigo 483.°, n.° 2 do CT):


Artigo 483.º

Concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não negociais


1 - Sempre que exista concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não negociais, são observados os seguintes critérios de preferência:

a) A decisão de arbitragem obrigatória afasta a aplicação de outro instrumento;

b) A portaria de extensão afasta a aplicação de portaria de condições de trabalho.

2 - Em caso de concorrência entre portarias de extensão aplica-se o previsto nos n.ºs 2 a 4 do artigo anterior, relativamente às convenções colectivas objecto de extensão.

De resto, em observância do disposto no art. 515.º do CT, expressamente se refere no texto introdutório da Portaria que: “[d]e acordo com o artigo 515.º do Código do Trabalho a presente extensão não é aplicável às relações de trabalho que no mesmo âmbito sejam reguladas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial”. Isto é, dada a prevalência da fonte convencional – a emissão das portarias de extensão cede perante a autonomia coletiva, que não poderá ser afastada em tais casos -, não podem ser abrangidos por extensão os trabalhadores (e empregadores) representados pelas associações outorgantes de convenção coletiva (é o que decorre do princípio da filiação).

Como se extraí do ensinamento de Maria do Rosário Palma Ramalho (Tratado de Direito do Trabalho, parte III, Situações Laborais Colectivas, 2.ª ed. actualizada, 2015, pp. 590), essa supletividade da portaria de extensão traduz-se na circunstância de que “os entes laborais colectivos poderão sempre celebrar uma outra convenção, que prevalecerá sobre a portaria de extensão, nos termos gerais do art. 515º.”

Esta questão do âmbito subjectivo é também referida por Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 17.ª ed., 2014, p. 736), quando conclui que a chamada portaria de extensão pode ampliar o âmbito originário da convenção a todo o sector de actividade ou a trabalhadores da profissão definida naquela, desde que não se produza sobreposição com outra convenção colectiva vigente.

Neste capítulo, já ensinava Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, 1991, p. 346) que os limites subjectivos da extensão “têm a ver com a impossibilidade de extensão das convenções colectivas a pessoas filiadas em associações interessadas e que nelas não hajam, evidentemente, outorgado”. E continuando diz ainda este autor “assim quando em certo âmbito actuem dois sindicatos pode a convenção colectiva celebrada por um deles ser estendida aos trabalhadores não sindicalizados; mas não aos que encontrem filiados no outro sindicato”, chamando à colação os valores da liberdade sindical e da garantia da contratação colectiva”.

Donde, assistir razão ao Recorrido quando afirma que: “[n]a verdade, o que a norma ínsita no artigo 515.° do CT determina é que não podem ser abrangidos por extensão os empregadores e trabalhadores ao seu serviço representados pelas associações outorgantes de convenção coletiva, por força da aplicação do princípio da dupla filiação.

Como conclui com propriedade a sentença recorrida: “[p]elo que vem de referir-se resulta que a emissão da portaria de extensão sub judice não afecta os valores da liberdade sindical dos trabalhadores da Requerente, na medida em que tem carácter meramente subsidiário, cessando de imediato a sua aplicação no caso de ser celebrada uma convenção colectiva, nos termos gerais do artº 515º, do CT.

Em suma, uma Portaria de extensão não pode determinar a aplicabilidade duma convenção colectiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante mas que estejam filiados numa organização sindical diferente.

Assim, não procede a alegação da Recorrente quando sustenta a existência de “violação do princípio da subsidiariedade e especialidade, previsto no artigo 515º do CT, visto que existia já um instrumento de regulamentação negocial que cobria a atividade visada pela portaria de extensão sob escrutínio”.

Vejamos agora a questão relativa ao art. 514, nº 2, do CT. Pretende aqui a Recorrente que foi violada a obrigação de ponderação das circunstâncias sociais e económicas que devem ancorar tal decisão, conforme previsto nesse art. 514.º n.º 2, do CT.

Considerando que a análise desta questão se conexiona intimamente com a questão que nos vem colocada acerca do erro de julgamento por o tribunal a quo não ter declarado a invalidade da portaria de extensão por esta alegadamente violar a lei e um regulamento administrativo, passar-se-á a conhecer destas questões conjuntamente.

Defende a Recorrente que apesar do quadro legal impor a ponderação dos elementos enunciados na RCM 82/2017, que define os critérios, procedimentos e indicadores a observar para a emissão de portarias de extensão de convenção coletiva, a decisão recorrida, optou por ignorar essa obrigação, referindo que a falta de ponderação dos indicadores referidos nessa RCM 82/2017 não impedia a emissão de portaria de extensão e que, bem assim, sempre os indicadores socioeconómicos foram ponderados.

Em primeiro lugar, cumpre referir que se é verdade que a Resolução do Conselho de Ministros invocada veio definir os indicadores para a ponderação da emissão das portarias de extensão, na decorrência do art. 514.º, nº 2, do CT, temos para nós como certo que tal não significa que o Governo esteja impedido de proceder à sua emissão quando não disponha de elementos referentes a todos os indicadores previstos no nº 1 da dita Resolução do Conselho de Ministros (a) impacto sobre a massa salarial dos trabalhadores abrangidos e a abranger, tendo em vista a aferição dos possíveis impactos económicos da extensão; b) aumento salarial dos trabalhadores a abranger; c) impacto no leque salarial e na redução das desigualdades no âmbito do instrumento de regulamentação coletiva a estender; d) percentagem de trabalhadores a abranger (no total e por género); e) proporção de mulheres a abranger).

Com efeito, os identificados indicadores, não mais visam do que dar corpo ao desiderato enunciado no preâmbulo da Resolução: “[a] análise da evolução histórica da figura das portarias de extensão evidencia que, mais do que impor critérios condicionadores para sua emissão, importa que o decisor político tenha acesso a dados que lhe permitam levar a cabo uma «ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere», na qual deverá fundamentar a sua decisão”.

Note-se também que consta do texto da Portaria nº 355/2017, de 16 de Novembro, que aprova a extensão do contrato colectivo entre a RENA e o SITAVA e outro: “ (…) Atendendo a que se trata da primeira convenção celebrada entre as partes o apuramento do Relatório Único/Quadros de Pessoal disponível, que se reporta ao ano de 2015, não contém informação que possibilite a análise dos indicadores previstos nas alíneas a) a e) do n.º 1 da RCM n.º 82/2017, de 9 de Junho de 2017. No entanto, considerando que é o primeiro contrato colectivo para o sector do transporte aéreo, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo sector. (…)”

Ora, o tribunal a quo assimilou correctamente a materialidade subjacente àquela Resolução do Conselho de Ministros, interpretando-a à luz e de acordo com a norma legal primária de referência. Isso mesmo resulta da chamada à colação dos conceitos de “identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere”, resultantes do art. 514.º, nº 2, do CT, bem como como do art. 485.º, do CT, que consagra que “[o] Estado deve promover a contratação colectiva, de modo a que as convenções colectivas sejam aplicáveis ao maior número de trabalhadores e empregadores”.

E nessa medida, na Portaria de extensão em causa, fez-se expressamente constar:

Atendendo a que se trata da primeira convenção celebrada entre as partes o apuramento do Relatório Único/Quadros de Pessoal disponível, que se reporta ao ano de 2015, não contém informação que possibilite a análise dos indicadores previstos nas alíneas a) a e) do n.º 1 da RCM n.º 82/2017, de 9 de junho de 2017. No entanto, considerando que é o primeiro contrato coletivo para o setor do transporte aéreo, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo setor”.

E mais adiante:

O apuramento do Relatório Único/Quadros de Pessoal disponível reporta-se ao ano de 2015 e a convenção objeto da presente extensão foi inicialmente publicada em 29 de dezembro de 2016, pelo que não é possível aferir através daquele instrumento os elementos necessários para o apuramento dos critérios previstos nas subalíneas i) e ii) da alínea c) do n.º 1 da RCM, nem efetuar o estudo de avaliação do impacto da extensão da tabela salarial.

Não obstante, a parte empregadora subscritora da convenção demonstrou cumprir o requisito previsto na subalínea i) da alínea c) do n.º 1 da RCM, por ter ao seu serviço mais do 50 % dos trabalhadores do setor de atividade, no âmbito geográfico, pessoal e profissional de aplicação pretendido na extensão. Por outro lado, considerando que é o primeiro contrato coletivo para o setor de atividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo setor.

A tabela salarial da convenção prevê retribuições inferiores ao valor da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) em vigor. Considerando que a RMMG pode ser objeto de reduções relacionadas com o trabalhador, de acordo com o artigo 275.º do Código do Trabalho, as referidas retribuições apenas são objeto de extensão para abranger situações em que a RMMG resultante da redução seja inferior àquelas. Considerando que a convenção coletiva regula diversas condições de trabalho, procede-se à ressalva genérica da extensão de cláusulas contrárias a normas legais imperativas.

Ou seja, sendo que nada constante do probatório o é susceptível de infirmar, na emissão da dita Portaria atendeu-se efectivamente à identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.

E se o âmbito sectorial do contrato colectivo estendido é a actividade de transporte aéreo, com ou sem autoassistência em escala – como é – a Portaria de extensão emitida abrange precisamente essa mesma actividade. Pelo que respeita integralmente o disposto no art. 514.º, nº 2, do CT.

Quanto ao mais, concretamente, no que se refere à violação do princípio da concorrência e do art. 9.º da Lei nº 19/2012 e do art. 101.º do TFUE, o tribunal a quo demonstrou suficientemente a razão de tal não suceder (v. supra).

E, na verdade, a Portaria em causa estende condições mínimas de trabalho, não sendo um instrumento que regule todas as variantes da actividade económica que tem como objecto. Ademais, como referido na sentença recorrida, os argumentos aduzidos agora pela Recorrente, e que assentam em motivos económicos, poderiam/deveriam ter sido deduzidos em oposição fundamentada ao projecto de portaria, de modo a tornar necessária a intervenção do ministro responsável pelo respectivo sector de actividade económica, para aí serem submetidas à competente avaliação (art. 516.º, nº 1, do CT). Com efeito, de acordo com o art. 516.º, nº 3, do CT “[q]ualquer pessoa singular ou colectiva que possa ser, ainda que indirectamente, afectada pela extensão pode deduzir oposição fundamentada, por escrito, nos 15 dias seguintes à publicação do projecto. Neste particular, a Recorrente de nenhum passo ensaia alegar sequer justificação para não se ter oposto no prazo aí estabelecido.

Improcede também aqui o recurso.

Continua a Recorrente, imputando erro de julgamento à sentença recorrida por esta não declarar a invalidade da Portaria por falta de fundamentação.

Alega que o preâmbulo da Portaria de Extensão não lhe permite, como a outro destinatário normal, compreender as razões pelas quais o CCT RENA/SITAVA lhe é estendido, pois não é feita a ponderação conforme impõe a previsão do nº 2, do art. 514º, do CT. Mais alega que também não foi feita nenhuma análise prévia de qualquer dos indicadores enunciados nas al. a) a e) do nº 1, da RCM nº 82/2017, que define os critérios, procedimentos e indicadores a observar para a emissão de portarias de extensão de convenção colectiva.

Trata-se de questões já apreciadas anteriormente, ainda que neste ponto se apresentem sob uma “roupagem” distinta.

Sem embargo, acompanha-se a análise desenvolvida pelo tribunal a quo e que, em bom rigor, a Recorrente não ataca eficazmente, repetindo o argumentário em que já havia sustentado a sua petição inicial. Assim:

No âmbito do procedimento para a emissão de portaria de extensão é subsidiariamente aplicável o CPA (cfr. artº 516º, nº 4, do CT).

No que aqui releva, dispõe o artº 99º, do CPA, que o projecto de regulamento deve ser acompanhado de uma “nota justificativa fundamentada”.

Conforme resulta dos factos provados, consta da nota justificativa do aviso do projecto de Portaria e do preâmbulo da Portaria nº 355/2017, de 16 de Novembro, o seguinte: “Atendendo a que se trata da primeira convenção celebrada entre as partes o apuramento do Relatório Único/Quadros de Pessoal disponível, que se reporta ao ano de 2015, não contém informação que possibilite a análise dos indicadores previstos nas alíneas a) a e) do n.º 1 da RCM n.º 82/2017, de 9 de junho de 2017. No entanto, considerando que é o primeiro contrato coletivo para o setor do transporte aéreo, a extensão justifica-se porquanto tem, no plano social, o efeito de uniformizar as condições mínimas de trabalho dos trabalhadores e, no plano económico, o de aproximar as condições de concorrência entre empresas do mesmo setor.”.

A emissão da portaria de extensão justifica-se, portanto, por motivos sociais e económicos. Por um lado, porque, em termos sociais, é indispensável que a todos os trabalhadores do sector sejam garantidas condições mínimas de prestação de trabalho. Por outro lado, em termos económicos, é importante que todas as empresas desse sector de actividade concorram com a mesma estrutura de custos.

Isto é, se se está perante um contrato colectivo aplicável a um determinado sector de actividade económica e se emite uma portaria de extensão do mesmo aos empregadores e trabalhadores não representados pelas associações outorgantes exactamente no mesmo âmbito sectorial, daí resultará uma uniformização das condições mínimas de trabalho nesse sector. Está em causa a igualdade de tratamento de todos os que estão colocados em posto/função de trabalho igual.

Lida a Portaria na sua integralidade, e com particular atenção o seu preâmbulo, terá que concluir-se pela suficiência da enunciação das razões pelas quais o contrato colectivo em causa foi estendido, bem como que da mesma Portaria consta a enunciação dos pertinentes fundamentos normativos. Está, portanto, fundamentada.

Por fim, ainda que a título subsidiário, requer a Recorrente a formulação de pedido de reenvio prejudical para o TJUE (187 a 193 das alegações). Alega que no quadro do presente processo, podem suscitar-se dúvidas quanto à concreta e correta interpretação do direito da União Europeia aplicável, em particular, do disposto no artigo 101.º do TFUE.

O mecanismo de reenvio prejudicial, referido da alínea b) e segundo parágrafo do artigo 267.º do TFUE, não se basta com o facto de, eventualmente, estar em discussão uma norma de Direito Comunitário. Como o STA tem afirmado (cfr., i.a., o ac. de 14.11.2018, proc. nº 280/06.8BEFUN), tal não implica, de forma necessária e automática, que se proceda ao reenvio para o TJUE, já que este depende da necessidade de formular uma questão prejudicial para a solução do litígio; razão por que o reenvio não deve ser efectuado sempre que: (i) a questão prejudicial não for necessária nem pertinente para o julgamento do litígio; (ii) o TJUE já se tenha pronunciado de forma firme sobre a questão ou já exista jurisprudência sua consolidada sobre ela; (iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.

E como o STJ também já esclareceu (cfr. ac. de 17.03.2016, proc.º n.º 588/13.6TVPRT.P1.S1): “[o] reenvio prejudicial para o TJUE é, em princípio facultativo, dependendo exclusivamente do poder discricionário do Tribunal nacional.

Ora, no presente caso, a questão prioritária que se coloca é a da competência subjectiva e objectiva para a elaboração de uma Portaria de extensão e respectivos limites normativos/dispositivos perante a existência de regulação convencional concorrente num determinado sector de actividade (aviação civil). E sobre essas matérias, ainda que em conjugação com o disposto no art. 101.º, nº 1, do TFUE (que versa sobre práticas acordadas que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno), não se colocam, da nossa perspectiva, dúvidas que exijam esclarecimento pelo TJUE. Sendo que o caso concreto dos autos não demonstra ou sequer indicia a violação de regras da concorrência no mercado interno.

Termos em que se indefere o reenvio prejudicial requerido.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Dada a prevalência da fonte convencional – a emissão das portarias de extensão cede perante a autonomia coletiva, que não poderá ser afastada em tais casos -, não podem ser abrangidos por extensão os trabalhadores (e empregadores) representados pelas associações outorgantes de convenção coletiva (é o que decorre do princípio da filiação ou melhor, da dupla filiação).

ii) A emissão da portaria de extensão sub judice - Portaria nº 355/2017, de 14 de Novembro, publicada no DR, 1ª série, nº 221, de 16 de Novembro, que procedeu à extensão de um Contrato Colectivo de Trabalho, na área da aviação comercial - não afecta os valores da liberdade sindical dos trabalhadores da ora Recorrente, na medida em que tem carácter meramente subsidiário, cessando de imediato a sua aplicação no caso de ser celebrada uma convenção colectiva, nos termos gerais do artº 515º, do CT.

iii) A Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2017 veio definir os indicadores para a ponderação da emissão das portarias de extensão, na decorrência do art. 514.º, nº 2, do CT. Porém, tal não significa que o Governo, no exercício da sua competência administrativa regulamentar, esteja impedido de proceder à sua emissão quando não disponha de elementos referentes a todos os indicadores previstos no nº 1 da dita Resolução do Conselho de Ministros.

iv) Os identificados indicadores, não mais visam do que dar corpo ao desiderato enunciado no preâmbulo da Resolução: “[a] análise da evolução histórica da figura das portarias de extensão evidencia que, mais do que impor critérios condicionadores para sua emissão, importa que o decisor político tenha acesso a dados que lhe permitam levar a cabo uma «ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere», na qual deverá fundamentar a sua decisão”.

v) A Portaria em causa estende condições mínimas de trabalho, não sendo um instrumento que regule todas as variantes da actividade económica que tem como objecto e do seu concreto teor não resulta a violação do princípio da concorrência e do art. 9.º da Lei nº 19/2012 e do art. 101.º do TFUE..

vi) Sendo que os argumentos aduzidos agora pela Recorrente, e que assentam em motivos económicos, poderiam/deveriam ter sido deduzidos em oposição fundamentada ao projecto de portaria, de modo a fazer intervir o ministro responsável pelo respectivo sector de actividade económica, e nessa sede ser avaliada (art. 516.º, nºs 1 e 3, do CT).

vii) O facto de, eventualmente, estar em discussão uma norma de Direito Comunitário não implica, de forma necessária e automática, que se proceda ao reenvio para o TJUE, já que este depende da necessidade de formular uma questão prejudicial para a solução do litígio; razão por que o reenvio não deve ser efectuado sempre que: (i) a questão prejudicial não for necessária nem pertinente para o julgamento do litígio; (ii) o TJUE já se tenha pronunciado de forma firme sobre a questão ou já exista jurisprudência sua consolidada sobre ela; (iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida; e

- Indeferir o pedido subsidiário de reenvio prejudicial ao TJUE.

Custas pela Recorrente.

Notifique; informando que no presente processo, porque urgente, os respectivos prazos não estão suspensos para a prática de actos processuais que possam realizar-se via SITAF (cfr. art. 7.º, n.º 7, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06/04).

Lisboa, 30 de Abril de 2020


Pedro Marchão Marques

Alda Nunes


Lina Costa