Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04190/10
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/15/2010
Relator:ROGÉRIO MARTINS
Descritores:IRS.
PRESCRIÇÃO.
Sumário:1 - Estando em causa a prescrição de duas dívidas, de IRS do ano de 1999 e de IRS do ano de 2000, formou caso julgado a sentença que se pronunciou positivamente sobre a prescrição da primeira, dado não ter havido recurso nessa parte.

2- O acórdão do Tribunal Central Administrativo que em sede de recurso jurisdicional declarou nula esta sentença por omissão de pronúncia sobre uma questão fundamental – a validade da citação da executada reclamante – como pressuposto necessário para a decisão de que a dívida de IRS de 2000 não estava prescrita, tem o óbvio sentido – e só pode ter esse face ao objecto do recurso jurisdicional – de declarar nula a sentença nesta parte, e apenas nesta.

3- Viola o caso julgado a segunda sentença proferida no mesmo processo que, em cumprimento do acórdão acabado de referir, volta a apreciar a questão da prescrição do crédito de IRS do ano de 1999, decidindo agora no sentido inverso, de não se verificar a prescrição.

4 – Não se pode dar por assente a vigência do casamento na data da constituição da dívida tributária e na data da citação da cônjuge reclamante, entretanto divorciada, sem que dos autos constem documentos autênticos que provem as datas de vigência do casamento e, portanto, a data do divórcio, dado tratar-se de uma questão essencial para a causa, decidir se a citação do cônjuge marido interrompeu a prescrição da dívida tributária que seria comum, ou não (e, assim, se, com essa citação, se verificou ou não a interrupção da prescrição do crédito de IRS do ano de 2000).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

Sandra ………………….. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL contra a Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 23.11.2009, a fls. 95-101, qual foi declarada a prescrição da dívida de IRS de 1999 e no mais absolvida a Fazenda Pública da instância, por existir litispendência.

Invocou para tanto que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia e, em todo o caso, deve ser revogada por erro de julgamento, dado ter feito errada interpretação e aplicação do disposto nos art.º 48º, n.º1, da Lei Geral Tributária.

Não foram deduzidas contra-alegações.

Foi proferido, a fls. 126, despacho de sustentação.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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MATÉRIA DE FACTO.

Deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nessa parte:

a) Em 19/11/2002 foi instaurado no Serviço de Finanças de Leiria 1, o processo de execução fiscal n° …………….., contra Joaquim ……………. e Sandra ………………., por dívida de IRS do ano de 1999, no montante de € 9.038,19 a que acrescem juros compensatório no valor de € 780,01, perfazendo o total de € 9.818,20, com base na certidão de dívida n° 2002/54081, que aqui se dá por integralmente reproduzida (fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal);

b) Em 09/01/2003 o executado Joaquim …………. foi citado pessoalmente para os termos da execução identificada na alínea anterior (fls. 3 do processo de execução fiscal);

c) Em 10/04/2003 o executado Joaquim …………… declarou que se comprometia a efectuar pagamentos por conta no valor de € 60.000, divididos em 36 prestações mensais e iguais, no valor de € 1.666, com inicio em 30/04/2003 (fls. 9 da execução fiscal);

d) Em 28/07/2005 o executado Joaquim ………….. efectuou o pagamento parcial de € 3.514,18 da divida exequenda em cobrança na execução fiscal identificada na alínea a) (fls. 47 da execução fiscal);

e) Em 12/09/2005 o executado Joaquim …………… efectuou o pagamento parcial de € 2.941,56 da divida exequenda em cobrança na execução fiscal identificada na alínea a) (fls. 48 da execução fiscal);

f) Em 27/11/2002 foi instaurado no Serviço de Finanças de Leiria 1, o processo de execução fiscal nº…………….., contra Joaquim ………….. e Sandra ………………., por dívida de IRS do ano de 2000, no montante de € 18.828,80, a que acrescem juros compensatórios no valor de 292,50, perfazendo D total de € 19.121,30, com base na certidão de dívida n° 2002/69269, que aqui se dá por integralmente reproduzida (fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal);

g) Em 04/02/2003 o executado Joaquim …………. foi citado para os termos da execução identificada na alínea anterior (fls. 3 do processo de execução fiscal);

h) O processo de execução fiscal nº…………………… corre termos associado ao processo de execução fiscal n°………….., tendo este último sido eleito processo principal em 26/11/2006 (fls. 20 dos presentes autos e fls. 41 da execução fiscal);

i) Em 18/01/2007 foi penhorado o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1378, da freguesia de P…………, melhor identificado no auto de penhora de fls. 19 da execução fiscal, registada pela Ap…. de 2008/11/13 na Conservatória do Registo Predial de ……… (cfr. fls. 29 a 32;

j) Da tramitação do processo de execução fiscal, extraída em 06/05/2009, resulta que foram efectuadas três registos relativos a compensações, em 26/06/2007 no montante de € 2.262,19, em 13/07/2008, no valor de € 2.320,92 e em 04/05/2009 no valor de € 1,855,35 (fls. 42,43,49, 50 e 51 do processo de execução fiscal);

k) Em 08/04/2009 o valor em dívida na execução fiscal n° …………….. era de € 2.532,58 e o valor em dívida na execução fiscal n° ……………. era do montante de € 19.121,30, no total de € 21.653,88 (fls. 37 da execução fiscal);

l) Em 14/04/2009 a reclamante foi citada para os termos da execução fiscal, através do oficio nº……./1, datado de 08/04/2009, onde se refere «Para garantia de cobrança da dívida de IRS no valor de € 21.653,88, acrescida de juros de mora e custas, exigida no processo de execução fiscal n° ………………….. e apensos, foi penhorado, em 13/11/2008, o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de P………….., sob o artigo ………, registado na 2a Conservatória do Registo Predial de ….. com o n° ……... (...)», com cópia dos títulos executivos (fls. 39 e 40 da execução fiscal);

m) Em 08/05/2009 a reclamante deduziu a reclamação de actos do órgão de execução fiscal, que corre temos neste TAF sob o n° 1011/09.8BELRA, onde reage contra o despacho que determinou a penhora de 1/6 do seu vencimento e a penhora do saldo da conta bancária no Banco ………. ……….. (certidão de fls. 57 a 65);

n) Em 21/05/2009 a reclamante deduziu a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, que corre termos neste TAF, sob o n° 1012/09.4BELRA, onde reage contra o acto de compensação relativo a IRS do ano de 2008 (cfr. fls. 66 a 76);

o) Em 15/05/2009 deduziu oposição às execuções identificadas nas alíneas a) e f), que corre termos neste TAF sob o n° 992/09.4BELRA, onde arguiu a nulidade do título executivo que serve de base à execução fiscal e invocou a prescrição da dívida de IRS do ano cie 1999 (certidão de fls. 86 a 93);

p) Em 14/01/2010 transitou em julgado a sentença proferida no âmbito do processo n° 1011/09.6BELRA (fls. 164 a 176);

q) No processo n° 1012/09.4BELRA foi interposto recurso da sentença proferida que se encontra em apreciação no Tribunal Central Administrativo Sul (fls. 142 e 177);

r) Em 07/07/2009, a Fazenda Pública foi notificada nos termos do artigo 210° do C.P.P.T., no âmbito do processo n° 992/09;

s) Em 31/09/2009 a Fazenda Pública foi notificada nos termos do artigo 278°, n° 2 do C.P.P.T.;

t) Em 08/05/2009 a executada arguiu a falta de citação ao órgão de execução fiscal, nos termos constantes de fls. 79 a 81 da execução fiscal, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

u) Em 14/05/2009 a executada requereu ao órgão de execução fiscal a nulidade derivada da falta de requisitos essenciais dos títulos executivos (fls. 93 a 96 da execução fiscal);

v) Os pedidos de nulidade a que se referem as alíneas t) e u) foram indeferidos por despachos proferidos em 09/06/2009 e a reclamante foi notificada dos mesmos pelos ofícios n°s 2219/01 e 2222/01, ambos datados de 17/06/2009, que aqui se dão por integralmente ^produzidos (fls. 90, 92,105 a 106 e 107 da execução fiscal);

w) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Leiria 1 em 30/06/2009 (carimbo aposto na fls. 2);
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O ENQUARAMENTO JURÍDICO.

São estas as conclusões das alegações do recurso e que definem o respectivo objecto:

1ª Ao interpor o recurso de 03/12/2009, a recorrente, obviamente, não colocou em crise a Sentença antes proferida em 23/11/2009 nestes autos, na parte em que a mesma lhe foi favorável, ou seja, na parte em que julgou procedente a prescrição relativa ao crédito exequendo referente ao IRS de 1999 - conforme se afere do n° 3 do art° 684° do CPC.

2 ª A Fazenda Pública não recorreu dessa sentença, pelo que se firmou, de forma transitada, na ordem jurídica, a declaração judicial de prescrição referente a tal crédito, os termos do art° 684°, n° 4 do CPC, aplicável ex vi art° 2o do CPPT.

3ª O art° 684°, n° 4 do CPC, visa a estabilidade das decisões não recorridas, proibindo a chamada reformatio in pejus, ou seja, que a posição do recorrente seja agravada por virtude do recurso que interpôs''' (Ac. STJ de 03/02/2005, Proc. 04B4805.dgsi.Net)

4ª Aplicando a lei ao caso, temos que, não deverá ser admitido que - como fez a Sentença recorrida em violação dos n°s 3 e 4 do art° 684° do CPC - o Tribunal " a quo", em resultado da declaração de nulidade a recurso da recorrente julgada por Douto Aresto do TCA - Sul proferido no proc° n° 03741/10 da 2a Secção, 2° Juízo , agrave a posição desta, julgando agora não se verificar a prescrição que antes declarara na Sentença de 23/11/2009.

5ª Toda a tese jurídico-factual agora apresentada pelo Tribunal " a quo" é invocada ex novo nos autos na Sentença recorrida, sem, sequer, se dado oportunidade à recorrente de exercer o seu direito de contraditório previamente à prolação daquela - essencial em virtude de, antes, nem sequer a Fazenda Pública se ter aventurado, na sua contestação, a levar tão longe os seus argumentos, em detrimento dos interesses da recorrente;

6ª O Tribunal "a quo" ordenou a remessa para outros autos do PEF com base no qual fundamenta a Sentença recorrida, antes de decorrido o prazo de recurso, o que, objectivamente diminui as garantias de defesa da recorrente, que se viu impossibilitada de consultar aqueles autos e de confrontar o teor dos mesmos com as considerações efectuadas pelo Tribunal " a quo" relativamente aos mesmos.

7ª A Douta Sentença recorrida violou, assim, os art°s 3o, 684°, n°s 3 e 4 do CPC, aplicáveis ex vi art° 2o do CPPC, e o art° 20°, n° 4 da CRP.

8ª A Douta Sentença recorrida plasma uma tese de relevância de acto de citação em pessoa diferente da recorrente (Joaquim …………..), da qual nem sequer a Fazenda Pública se socorreu em sede de contestação.

9ª Violou, assim, os art°s 489° do CPC (admitindo uma fundamentação fáctica e jurídica que nem sequer foi prevista pela Fazenda Pública na sua contestação) e o art° 3°-A do CPC (consagrando essa nova tese em benefício da Fazenda Pública, sem dar oportunidade à recorrente de dela se defender.

10ª Mais: a Douta Sentença recorrida, discorre, em sede de fundamentação de direito, sobre um facto que nem sequer se encontra dado por assente nos autos: o alegado casamento da recorrente com "Joaquim ………….", do qual retira novas ilações:
a) Citação em pessoa diferente da recorrente anterior a 14/04/2009, mas com efeitos em relação a esta - contrariamente ao que antes declarara, considerando ter ocorrido citação desta apenas em 14/04/2009;
b) Aplicação das normas dos art°s 13°, n° 2 do CIRS; 16°, n° 5 e 21° da LGT; 9o, n° 2 do CPPT; e 512° do C. Civil - tudo para além da defesa efectuada pela Fazenda Pública nos autos.

11ª O Tribunal "a quo" pretende extrair a prova de casamento da recorrente - que a Fazenda Pública não alegou nem efectuou nos autos - de uma alegada afirmação desta no art° 6º da p.i. - ora, este artigo da p.i. não apresenta tal teor, derivando tal consideração do Tribunal "A quo", necessariamente, de lapso manifesto, que consubstancia erro de julgamento e violação do art° 364° do C. Civil.

12ª Contraditoriamente, também na pág. 10 da Sentença, lê-se que a citação da recorrente foi efectuada em 14/04/2009 "justamente para regularizar o vício da falta de citação", pelo não se compreende: afinal parece que o Tribunal "a quó" sempre admite que, antes dessa data, não ocorrera citação da recorrente...

13ª Conforme aceita o Tribunal "a quo", a contagem do prazo de prescrição respeitante ao IRS de 2000 inicia-se em 01/01/2001.

14ª Ora, sendo tal prazo, nos termos do art° 48° da LGT, de 8 anos, o mesmo completou-se, necessariamente, em 31/12/2008, antes da recorrente ter sido citada (mesmo no caso da sua citação, efectuada em 14/04/2009, ter sido validamente efectuada, o que, em face do exposto, se afigura irrelevante aferir).

15ª A tese de "interrupção" de tal prazo em virtude da citação de Joaquim Lopes Francisco não poder proceder, atenta a fundamentação aposta nas antecedentes conclusões.

16ª Porém, à cautela e sem prescindir, sempre se acrescenta que, do elenco de factos através dos quais o Tribunal "a quo" descreve a tramitação do PEF resulta o seguinte
a) Joaquim …………. terá sido citado em 09/01/2003 e 04/02/2003;
b) A execução só voltou a prosseguir em 18/01/2007, com a penhora de um prédio;
c) Antes da publicação da Lei n° 53-A/06 de 29/12, a paragem do processo de execução fiscal por prazo superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo fazia cessar a interrupção resultante da citação, nos termos do n° 2 do art° 49° da LGT;
d) O art° 91° dessa Lei, veio explicar: " A revogação do n° 2 do artigo 49° da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo, por facto não imputável ao sujeito passivo";
e) Ora, no caso em análise, entre a citação alegadamente efectuada ao executado Joaquim …………… (2003) e a entrada em vigor da Lei 53-A/2006 (data em que o processo permanecia parado) decorreu mais de um ano, pelo que não poderão ser tomados em consideração quaisquer efeitos interruptivos das citações efectuadas àquele.

17ª A Douta Sentença recorrida violou, assim, o art° 49°, n° 2 da LGT (com referência à data em que vigorou), o art° 91° da Lei n° 53-A de 29/12 e o art° 48° da LGT, normativos que determinavam fosse declarada a prescrição da totalidade do crédito exequendo.

18ª Deve, assim, ser revogada e substituída por outra que declare conforme antecedentes conclusões 1ª a 17ª.


Vejamos.

A Recorrente tem razão, adianta-se, no essencial da sua argumentação, sendo certo que alguns dos fundamentos do recurso ficam prejudicados pela procedência de outros que, por imperativo lógico, devem ser conhecidos em primeiro lugar.

1. A questão do caso julgado formado pela primeira sentença, de 23.11.2009, a fls. 95-101, relativamente à questão da prescrição do crédito exequendo relativo a IRS de 1999.

Na verdade a Recorrente não pôs em causa, no seu recurso interposto em 3.12.2009, a fls. 112-117, a sentença recorrida na parte em que julgou prescrito este crédito. Nem o podia fazer, por carecer de legitimidade para o efeito, uma vez que nessa parte a sentença lhe era claramente favorável.

A Fazenda Pública também não interpôs qualquer recurso, principal ou subordinado.

Em consequência, o acórdão de deste Tribunal Central Administrativo, de 23.2.2010, a fls. 113-136, não se pronunciou, nem podia pronunciar, sobre a sentença recorrida no que diz respeito ao crédito exequendo relativo ao IRS do ano de 1999.

Conforme se depreende de forma inequívoca da leitura dos fundamentos do acórdão, quando na parte final se declara nula a sentença, a declaração de nulidade apenas pretende abranger a parte afectada pelo recurso, ou seja, a pronúncia sobre o crédito exequendo relativo ao IRS do ano de 2000.

Precisamente porque na sentença se tinha considerado que este crédito não estava prescrito por ter ocorrido a interrupção do prazo de prescrição com a citação efectuada em 14.4.2009, sem previamente se averiguar se essa citação era nula, conforme a ora recorrente tinha invocado, ou válida, como a sentença pressupunha.

A parte decisória do acórdão não pode ser interpretada completamente fora do seu contexto, desinserida da respectiva fundamentação – art.º 673º, primeira parte, do Código de Processo Civil.

Formalmente teria ficado melhor que na parte decisória se explicitasse que a declaração de nulidade da sentença apenas abrangia a parte recorrida. Mas isso é lógico e portanto não se pode retirar, dessa falta de precisão formal, uma conclusão oposta ao que é claro e inequívoco.

Em todo o caso, ainda que se entendesse que o acórdão tinha declarado nula a sentença no seu todo, o resultado seria o mesmo.

É que a sentença de 23.11.2009 formou caso julgado no que diz respeito ao julgamento de estar prescrito o crédito exequendo relativo a IRS de 1999, por não ter sido atacada, em sede de recurso, nessa parte – art.º 671º do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

A figura do caso julgado visa satisfazer as necessidades de certeza e segurança jurídicas, e, precisamente, evitar que o tribunal se veja na contingência de se repetir ou contradizer – art.º 497º, n.º 2, do Código de Processo Civil; cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume III, 4ª edição, reimpressão, páginas, 92, 94 e 94.

Naturalmente a contradição é mais grave que a repetição.

Embora os critérios de decisão não devam ser absolutamente rígidos, permitindo uma solução adequada ao caso concreto, também não podem ser de tal modo flexíveis que deixem a ideia de não existirem pura e simplesmente, gerando nos destinatários, fundadamente, os sentimentos de imprevisibilidade, incerteza e insegurança.

A prolação de duas decisões, como sucedeu no caso, pela mesma juíza, no mesmo processo, em sentidos diametralmente opostos, uma a julgar prescrito o crédito e outra a decidir não se ter verificado a prescrição, sem qualquer justificação para esta mudança de posição (e para o relevo dado a factos antes ignorados), num espaço temporal de meses, não é, de todo, um exemplo que contribua para a credibilização da justiça.

Por outro lado, a declaração de nulidade não prejudica, por determinação expressa da lei, os efeitos do caso julgado - art.º 684º, n.º4, do Código de Processo Civil.

O mesmo resulta do disposto no art.º 675º, n.º1, do Código de Processo Civil: transitado em julgado o acórdão com o sentido de declarar nula a sentença no seu todo, o que apenas se considera aqui como mera hipótese de raciocínio, deveria ceder perante o caso julgado anterior, formado pela sentença, no sentido de existirem elementos suficientes para decidir da questão da prescrição do crédito de 1999 (sentido implícito) e de se verificar a prescrição (sentido explícito).

Deve por isso ser revogada, por ilegal, a sentença recorrida logo nesta parte, em que voltou a apreciar a questão da prescrição do crédito exequendo relativo a IRS de 1999.

2. A questão da prescrição do crédito relativo a IRS do ano de 2000.

Refere a sentença recorrida, numa parte decisiva da fundamentação, que “a dívida exequenda respeita a IRS dos anos de 1999 e 2000, dívida comum dos executados, uma vez que de acordo com os factos alegados pela reclamante (artigo 6º da petição inicial) apenas se divorciaram em 23.5.2006, pelo que trata-se de uma dívida de imposto incidível, nos termos dos artigos 13º, n.ºs 2, 3, alínea a), e 6 e 59º do CIRS.”

Em primeiro lugar e como refere a recorrente, trata-se de um erro de facto manifesto pois nem no artigo 6º nem em qualquer outra parte da petição se menciona que a recorrente se divorciou do marido em 23.5.2006.

De todo o modo, ainda que se pudesse retirar do articulado a data do divórcio, não se poderia inferir daí, necessariamente, que à data da constituição da dívida, o ano de 2000, e à data da citação do executado, em 09.01.2003, num processo, e em 04.02.2003, noutro processo, estivessem casados. Teoricamente poderiam ter-se separado antes dessas datas e voltado a casar de novo, posteriormente.

E ainda que se entendesse serem factos de conhecimento oficioso, porque ligados a uma questão de conhecimento oficioso, a prescrição, há um outro aspecto, decisivo, a reter: são factos essenciais para a decisão do pleito.

Tem-se por boa a tese de que o casamento, e o divórcio, se podem provar por meio de prova que não seja o documento autêntico exigido pelo art.º 4º do Código de Registo Civil, desde que esses factos não constituam o tema central da causa (neste sentido ver os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.10.1998, processo 98B532, e de 10.09.2009, processo 07B3536, e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20.01.2009, processo 5924/06.9 TVLSB.C1).

No caso concreto, porém, trata-se de factos essenciais para a decisão da causa.

Na verdade, a dívida só se pode ter por “comum” se os contribuintes devedores de IRS estiverem casados à data da constituição da dívida, conforme resulta do disposto nos n.ºs 2 e 3, do art.º 13º do Código de IRS, norma invocada na sentença recorrida.

Daí que apenas se pudesse dar como provado o casamento – e o tempo em que este se manteve até ao divórcio – com base em documentos autênticos.

Sem esses documentos não se poderia dar como assente que a ora recorrente se encontrava casada com o executado à data em que se constituiu a dívida exequenda e à data em que o executado foi citado (formalmente essa matéria aparece até deslocada do alinhamento dos factos provados, no enquadramento jurídico da sentença).

Não se podendo dar como provados tais factos, claudica o fundamento jurídico que neles se apoia, de que a citação do executado, efectuada em 09.01.2003, operou também em relação à executada, ora recorrente.

Teremos assim de passar à questão que determinou a declaração de nulidade da primeira sentença e a baixa do processo para a respectiva apreciação: a validade da citação da executada, pessoalmente efectuada em 14.04.2009, como facto interruptivo da prescrição, nos termos do disposto no art.º 49º, n.º1, da Lei Geral Tributária.

Isto com prejuízo da outra questão suscitada a propósito de se ter dado como assente a data do divórcio dos executados como fundamento para se considerar interrompida a prescrição, com a citação do executado, também relativamente à executada: a omissão do contraditório processual.

O facto de a penhora ter sido efectuada antes da citação afecta a validade da penhora mas não afecta, em nosso entender, a validade da citação, em si mesma.

A citação no processo executivo fiscal destina-se a dar a conhecer ao executado, essencialmente, qual a entidade promotora da execução, qual o respectivo fundamento (título) e o prazo para a defesa – art.ºs 163º e 193º, do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Não se vê como pode ser afectados estes fins da citação e, por isso, a sua validade, pelo facto de a penhora ter sido realizada anteriormente.

Como se diz na sentença recorrida, acertadamente nessa parte, não se verificou qualquer prejuízo, ou sequer a possibilidade de prejuízo, para a defesa da executada, que utilizou eficazmente vários meios de defesa previstos na lei para o efeito, tal como resulta da matéria de facto dada como provada.

Também não se mostra procedente o argumento de que a citação não veio acompanhada de título executivo que indicasse a natureza e proveniência da dívida, como exigido pelo art.º 193º, n.º1, e 163, n.º1, al. e), do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Com efeito ficou provado, na alínea l), em 14/04/2009 a reclamante foi citada para os termos da execução fiscal, através do oficio n° 1352/1, datado de 08/04/2009, onde se refere «Para garantia de cobrança da dívida de IRS no valor de € 21.653,88, acrescida de juros de mora e custas, exigida no processo dz execução fiscal n° …………. e apensos, foi penhorado, em 13/11/2008, o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de P…….., sob o artigo ………., registado na …… Conservatória do Registo Predial de ….. com o n…….º. (...)», com cópia dos títulos executivos (fls. 39 e 40 da execução fiscal).

Tanto basta, quanto a nós, para satisfazer a exigência legal de indicação da natureza da dívida.

A recorrente tem no entanto razão num aspecto essencial: a contagem do prazo de prescrição, mesmo a partir desta citação, é-lhe decisivamente favorável.

O prazo de prescrição relativamente à dívida ora em causa, a de IRS de 2000, é de oito anos e inicia-se em 01.01.2001, face ao disposto no n.º 1, do art.º 48º da Lei Geral Tributária.

O que significa que tal prazo se completou em 01.01.2009 – art.º 279º, al. b), do Código Civil.

Conclui-se que quando a executada foi citada, em 14.04.2009, já tinha prescrito este crédito, dado à execução, relativo a IRS do ano de 2000, nos termos dão disposto nos art.ºs 48º e 49º, n.º2 (em vigor à data), ambos da Lei Geral Tributária.

Termos em que se impõe revogar a sentença recorrida que decidiu o contrário.
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Pelo exposto, os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul, acordam conceder provimento ao recurso jurisdicional, pelo que revogam a sentença recorrida:

A) Na parte em que se pronunciou sobre a prescrição da dívida de IRS relativo ao ano de 1999, por violação de caso julgado.


B) Na parte em que se pronunciou sobre a prescrição da dívida de IRS relativo ao ano de 2000, por violação de lei, revogando-se igualmente o despacho reclamado relativo a esta dívida, e declarando-se, consequentemente, extinta a execução nesta parte.

Não é devida tributação nesta 2ª Instância.

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Lisboa, 15 de Setembro de 2010

(Rogério Martins)
(Eugénio Sequeira)
(Magda Geraldes)