Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:137/22.5 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
DÉFICE INSTRUTÓRIO DO PEDIDO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis suscetíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. artigo 52/4 da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos suscetíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. artigo 342.º do CC, artigo 77/1 da LGT e artigo 170/1 do CPPT).
II - Não o fazendo, não há lugar a convite ao suprimento do deficit instrutório do pedido, sem prejuízo de a AT dever proceder à avaliação da prova na sua posse, de modo a verificar se a mesma lhe permite concluir pela alegada insuficiência de meios económicos da executada.
III - Tendo a AT feito essa avaliação no caso em apreço e concluído não se verificar uma situação de manifesta insuficiência de meios económicos, juízo que não merece censura face aos meios de prova de que dispunha, nenhuma outra diligência ou pedido de esclarecimento à executada se lhe impunha com vista ao esclarecimento da situação económica desta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subseção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A sociedade T…, Unipessoal, Lda., melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente improcedente reclamação deduzida contra o despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa de 2021.10.06, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, apresentado no âmbito do plano de pagamento em prestações nº 3654.2021.57225, associado ao processo de execução fiscal n.º 3654202001244388, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formulou as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida no âmbito do Processo n.º 137/22.5BESNT, a qual julgou improcedente a Reclamação deduzida pela ora Recorrente, pedindo a anulação do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, no âmbito do plano de pagamento em prestações melhor id. nos respetivos autos.

2. Afigura-se à Recorrente que a Sentença aqui recorrida, ao decidir pela improcedência da Reclamação apresentada, enfermará de error in iudicando na medida em que procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo, pois, o Tribunal Central Administrativo Sul intervir em sede de Apelação reapreciar e alterar o conteúdo da mesma em conformidade.

3. Como se sabe, a execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no art.º 148.º do CPPT. É, pois, um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do art.º 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º todos do CPPT.

4. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respetivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução e levantamento.

5. É, pelo menos, o que se extrai das disposições dos artigos 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10, todos do CPPT.

6. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal.

7. O pedido de dispensa de garantia deve, pois, ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do art.º 170.º do CPPT – que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do art.º 52.º da LGT –, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido.

8. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da atuação da Administração no âmbito desse pedido (cf. artigos 151.º, n.º 1, e 286.º do CPPT).
9. Estamos, pois, perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respetiva decisão um verdadeiro acto administrativo.

10. Esse procedimento da iniciativa do executado é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cf. n.º 3 do art.º 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cf. art.º 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cf. n.º 3 do art.º 170.º do CPPT).

11. Como expressamente referido em sede de Reclamação, não se pode deixar de sublinhar que o requerimento apresentado pela sociedade Executada, ora Recorrente não foi efetuado por um profissional do foro (vulgo mandatário judicial), antes tendo sido efetuado e assinado pelos respetivos gerentes da ora Recorrente.

12. Ora, em face dessa circunstância afigura-se que maxime o princípio da colaboração plasmado no art.º 59.º da LGT, impunha-se à AT, por efeito da densificação daquele princípio maxime ex vi art.º 7.º do CPC, enquanto órgão de execução fiscal, o dever de auxílio da parte na remoção de dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou ao cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais.

13. E se o dever de colaboração deve ser cumprido quando a parte esteja representada por advogado, não pode deixar de se entender que, não estando a parte patrocinada por mandatário judicial, deve aumentar a diligência da AT, enquanto no cumprimento desse dever de assistência ao executado.

14. Por outro lado, a decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, mas a qual havia sido efetuada noutros processos de execução fiscal anteriores e que, pois, era do perfeito conhecimento da AT, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, no caso, uma decisão absolutamente desproporcionada. Tanto mais que quanto às exigências do requerimento de dispensa de prestação de garantia, o artigo 170.º, n.º 3 do CPPT limita-se a referir de forma vaga que o pedido deve conter a “fundamentação de facto e de direito” e ser “instruído com a prova documental necessária.

15. Donde, não se vislumbra quais os interesses que possam justificar a inexistência sequer de um convite para a Executada, ora Recorrente, vir juntar meios de prova adicionais, em curto espaço de tempo, que permitissem aferir da bondade de quanto por si requerido.

16. Afigura-se, pois, à Recorrente que devendo sempre a justiça material prevalecer sobre a justiça formal, e sa-bendo desde logo que a executada não se encontrava patrocinada por mandatário judicial, caberia à AT convidar a Recorrente suprir a omissão da prova dos factos que alegou, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento da ora Recorrente, quando por sinal a própria AT conhecia de uma vário conjunto de processos pelos quais a Recorrente havia já prestado várias garantias e ainda que a ora Recorrente estava e está a ser objeto de um outro conjunto variado de execuções fiscais.

17. O dever de colaboração - que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento – não foi, pois, cumprido pela AT, sendo que a desproporção entre a irregularidade cometida pela ora Recorrente (não juntar os documentos obre os factos por si alegados) e a consequência que lhe é associada pela AT é manifesta, não se revelando adequada nem, pois, proporcional.

18. Atenta a redação do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, de onde não resulta expressamente quais as consequências do incumprimento ou cumprimento defeituoso do ónus de instrução do incidente de dispensa de garantia, tal resposta só poderá ser, pois, negativa; e para mais quando a executada não vem representada por mandatário judicial. Impondo-se ao órgão de execução, diligências no sentido do suprimento da irregularidade, ora “convidando” a executada requerente a instruir o pedido ou a vir esclarecer melhor as razões por que alegou a insuficiência económica ou a ausência de mais garantias que pudesse prestar.

19. A tal obriga a constatação de que, na compatibilidade entre o princípio da autorresponsabilidade das partes, concretizado no ónus de instrução do requerimento, com o princípio da colaboração, tem preponderância este último, dada a circunstância de a sociedade executada nem se encontrar sequer representada por advogado, poder apresentar prova de factos negativos de que lhe são exigidos, em tão curto espaço de tempo.

20. Donde, aplicando-se supletivamente as regras do processo civil, maxime o princípio da cooperação plasmado no art.º 7.º, n.º 4 do referido diploma, chega-se à conclusão que o órgão de execução fiscal não poderia ficar indiferente à ausência de patrocínio judicial da executada ora Recorrente e avançar desde logo para a aplicação das regras do ónus da prova, impondo-se, antes, uma atitude pro actione que, antes de mais, implicaria desde logo averiguar toda a prova documental que já estava em poder da AT e que imporia desde logo uma diferente decisão ou, no limite, o pedido de apresentação de prova adicional.

21. Acresce que sendo o despacho de indeferimento de pedido de isenção de prestação de garantia não precedido de audição prévia, afigura-se que o princípio do inquisitório e o já supracitado dever de colaboração devem assumir uma dimensão com maior significado e alcance.

22. A aplicação prática dos acima referidos princípios deve ser enquadrada, pois, com maior rigor, no sentido de impor à AT uma atuação mais proactiva, designadamente, na determinação da situação patrimonial concreta do interessado quando são alegados no pedido apresentado junto do órgão de execução fiscal os factos constitutivos do direito à isenção de prestação de garantia, tal como sucedeu in casu e também quando a AT não pode desconhecer que a Recorrente previamente a tal decisão carreou um conjunto de prova documental que não foi sequer levada em linha de conta pela AT.

23. Ora, optando a AT por indeferir logo o pedido, verificamos que não foi dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório, e que, no fundo, constituem pedras angulares do procedimento administrativo tributário e, pior do que isso, foram violados os princípios da colaboração e da cooperação que se impunham à AT.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RE-CURSO SER DADO COMO PROCEDENTE E, EM RESUL-TADO, DETERMINAR-SE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RE-CORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS


Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos dado o carácter urgente do processo, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, na apreciação e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

Com relevo para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos:

a) Correm termos no Serviço de Finanças [SF] de Oeiras-1, contra a aqui Reclamante – T…, Unipessoal, Lda. – os processos de execução fiscal n.º 3654202001244388 e apensos (3654202101001248, 3654202101017357, 3654202101031511, 3654202101036122, 3654202101042246, 3654202101049690, 3654202101050559, 3654202101050940), relativos a dívidas de IVA e IRS de 2020 e 2021, e IRC de 2021, com quantia exequenda no valor global de € 841.662,46 (cfr. citação – fls. 162 do Sitaf);

b) Em 02.06.2021, a ora Reclamante solicitou o pagamento da quantia exequenda em 36 prestações, sendo tal pedido deferido por despacho datado de 04.06.2021 [plano prestacional n.º 3654.2021.57225] (cfr. informação de fls. 164 e ss. do Sitaf);

c) Em 14.09.2021, a ora Reclamante apresentou um pedido de dispensa de apresentação de garantia para suspensão dos referidos PEF´s, assinado pela gerência e sem qualquer documento em anexo, nos seguintes termos:

“T…, Unipessoal, Lda., com o NIF 5…, com domicilio fiscal em Rua da Fonte da Caspolíma, n…, 2…-1… Paço de Arcos, embora tenha tentado por todos os meios ao seu alcance apresentar, no âmbito dos pianos em epígrafe, garantia idónea sob a forma de garantia bancária, vem por este meio comunicar que tal não foi possível por vários obstáculos criados pelas instituições bancárias.

Assim sendo, e tendo em conta que os activos que a empresa possui já estão dados como garantia, e ainda que a empresa não detém outros bens ou rendimentos que possam servir o intento desejado, solicita-se, ao abrigo do disposto no artº 170º do CPPT, a dispensa da obrigação de apresentação de garantia.”

(cfr. fls. 208 e 209 do Sitaf);

d) Em 04.10.2021, por Técnica da Direcção de Finanças de Lisboa, foi emitida informação sob o assunto ―Inf Apreciação Pedido de Dispensa de Garantia – T… Unipessoal, Lda”, com proposta de decisão no sentido do indeferimento do pedido referido na alínea anterior, cuja fundamentação, em parte se transcreve:

(…) 9. Resulta do e-mail que nos foi remetido pelo SF (e que se anexa) que o valor da garantia a prestar é de € 1.063.103,71.

(…)


«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»




(cfr. fls. 164 a 173 do Sitaf);

e) Em 06.10.2021, a informação oficial referida na alínea anterior obteve despacho de concordância do Diretor de Finanças Adjunto da DF de Lisboa, decidindo pelo indeferimento do requerimento identificado em c) supra (acto reclamado - cfr. fls. 3/10, doc de fls. 164e ss. do Sitaf);

f) O despacho de indeferimento, referido na alínea antecedente foi notificado à Reclamante por ofício n.º 3061 datado de 08.10.2021, expedido através de correio registado com aviso de receção [RH514331261PT] em 10.10.2021 (cfr. fls. 202 e 203 do Sitaf);

g) Em 21.10.2021, foi remetida por correio registado a presente reclamação dos atos do órgão de execução fiscal (cfr. fls. 4 a 161 do Sitaf);

h) A Reclamante, T… Unipessoal, Lda., com o NIF n.º 5…, tem por objeto social a edição de publicações periódicas e não periódicas, produção e difusão de programas multimédia (admitido por acordo);

i) Em 27.06.2018, a Reclamante celebrou um contrato de arrendamento, com inicio a 1 de Julho seguinte, válido por 5 anos, renovável por iguais períodos, de um conjunto de escritórios, parqueamentos e arrecadações, sitos no Edifício F…, na Rua da Fonte de Caspolima, n…, … e …, na Quinta da Fonte, em Porto Salvo, com uma renda mensal no valor de € 46.345, tendo sido autorizada a realização de obras de adaptação necessárias que permaneceram no imóvel após a cessação do contrato (cfr. contrato de arrendamento para fins não habitacionais - doc. 3 junto com a petição inicial);

j) Em 16 de Novembro de 2019, a AT penhorou um conjunto de bens, divididos por 439 verbas, no valor de € 631.525,64, no PEF n.º 3654201901169432 e apensos, para pagamento da quantia de € 471.342,70 (cfr. Auto de Penhora e anexos - doc. 4 junto com a petição inicial);

k) Em 02.09.2020, a AT aceitou a penhora das marcas ”T…”, “A…” e “T…”, para garantia dos planos de pagamentos autorizados nos PEF n.os 3654202001046500 e apensos, 365420200193240, 3654201901274511 e 3654202001019864 (cfr. ofício datado de 22.09.2020, do Serviço de Finanças de Oeiras-1 - doc. 7 junto com a petição inicial);

l) Em 11.12.2020, a Reclamante foi notificada pela Secção de Processo de Executivo de Lisboa II, do IGFSS, do deferimento do plano prestacional para pagamento da quantia de € 2.187.103,75, em 150 prestações, com início em Novembro de 2020 e da constituição de garantia sob a forma de penhor das marcas “E…” e “V…”. – cfr. doc. 6 junto à P.I.);

m) Em 25.06.2021, a Reclamante apresentou a sua autoliquidação de IRC, onde apurou um lucro tributável de € 117.089,08. – cfr. Declaração Modelo 22 - IRC com o código de validação U… – quadro 7 campo 778 – doc. 2 junto com a petição inicial;

n) Em 15.07.2021, a Reclamante submeteu a declaração anual de Informação Empresarial Simplificada (IES), referente ao ano 2020, de cujo teor resultam, além do mais, os seguintes valores:

Campo A5001 - Vendas e Serviços prestados - € 13.446.355,34
Campo A5015 - Outros rendimentos e ganhos - € 2.123.620,63
Balanço:
Campo A5101 - Ativos fixos tangíveis - € 1.099.138,33
Campo A 5104 - Ativos intangíveis - € 10.968.858,79
Campo A5109 - Outros ativos financeiros — € 56.733,05
Campo A5125 - Caixa e depósitos bancários - € 842.393,93
(cfr. Declaração de IES Anual com o código de validação 4… - IRC Anexo A – quadros 03-A – Demonstração de resultados por natureza e 04-A - Balanço - doc. 1 junto com a petição inicial);

o) A Reclamante é autora, para além do presente processo e entre outros com o mesmo fim, nos seguintes processos que correm neste Tribunal, sob a 10ª Espécie – Reclamação de actos do órgão de execução fiscal, e onde peticiona a anulação de despacho que ali indeferiu o pedido de dispensa de garantia formulado no respectivo PEF:
i) 25/22.5BESNT, referente aos PEF n.º 3654202101068016 e apensos, para cobrança de dívida no valor de € 185.395,32;
ii) 26/22.3BESNT, referente aos PEF n.º 3654202101089900 e apensos, para cobrança de dívida no valor total de € 197.846,45;
iii) 27/22.1BESNT, referente aos PEF n.º 36541010012007482 e apensos, para cobrança de dívida no valor total de € 164.145,76;
iv) 138/22.3BESNT, referente aos PEF n.º 3654202101120433 e apensos, para cobrança de dívida no valor total de € 179.129,80;
v) 139/22.1BESNT, referente ao PEF n.º 3654202101114409, para cobrança de dívida no valor total de € 13.527,20;
vi) 580/22.0BESNT, referente ao PEF n.º 3654202201019309, para cobrança de dívida no valor de € 77.128,75;
vii) 581/22.8BESNT, referente ao PEF n.º 3654202101232908, para cobrança de dívida no valor de € 59.046,30;
viii) 591/22.5BESNT, referente aos PEF n.º 36542021 01176161 e apensos, para cobrança de dívida no valor de € 188.637,95;
ix) 592/22.5BESNT, referente ao PEF n.º 3654202101222406, para cobrança de dívida no valor de € 122.537,26;
x) 608/22.3BESNT, referente aos PEF n.º 3654202101147293 e apensos, para cobrança de dívida no valor de € 175.446,36;
xi) 639/22.3BESNT, referente ao PEF n.º 3654202201033662, para cobrança de dívida no valor de € 110.828,75;
xii) 642/22.3BESNT, referente ao PEF n.º 3654202201048686, para cobrança de dívida no valor total de € 99.964,35;
xiii) 643/22.1BESNT, referente ao PEF n.º 3654202201055542, para cobrança de dívida no valor total de € 93.932,02;
xiv) 652/22.0BESNT, referente ao PEF n.º 3654202201030612 e apensos, para cobrança de dívida no valor total de € 110.304,34.
(cfr. consulta aos processos supra referidos na plataforma Sitaf).


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não existem outros factos relevantes para a discussão da causa que importe registar como não provados.

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório..



II.2 Do Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que indeferiu a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, por sua vez apresentada contra o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal.

Defende a Recorrente, em síntese, que a sentença recorrida errou na apreciação e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito, ao não considerar que em procedimento de dispensa de garantia a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria procurar suprir ou convidar a Requerente a colmatar as deficiências instrutórias de que padece o requerimento da executada apresentado, tanto mais que este não foi subscrito por advogado.

Vejamos:

Tendo sido autorizado o pagamento da dívida exequenda em prestações, a Executada e ora Recorrente solicitou dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal.

Efetivamente, é legalmente admissível a suspensão do processo de execução fiscal, em virtude de pagamento em prestações, desde que prestada garantia idónea ou desde que a Autoridade Tributária e Aduaneira, a requerimento do executado, o isente de tal prestação (cf. artigo 52º CPPT).

Apresentado pela Executada e ora Recorrente o pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos do artigo 170º CPPT, o mesmo foi indeferido por despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, indeferimento com o qual não se conformou e do qual reclamou judicialmente.

Tal como no recente Acórdão deste TCAS de 15 de setembro de 2022, proferido no processo que correu termos sob o nº 139/22.1BESNT, da mesma Reclamante e ora Recorrente, com o qual concordamos e que seguiremos de muito perto, a questão a decidir reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao manter a decisão reclamada, no pressuposto entendimento de que, contrariamente ao alegado pela reclamante, não incumbe à AT, ao abrigo do dever de colaboração e do princípio do inquisitório, solicitar documentação adicional ao contribuinte ou, em alternativa, encetar as diligências necessárias com vista ao suprimento do défice instrutório de que o requerimento de dispensa de garantia da reclamante padecia.

Assim e como se expende no Ac. do STA, de 2022.01.12, proferido no proc.º 01204/21.8BELRA, também citado naquele Ac. TCAS, disponível em www.dgsi.pt, com o qual concordamos:
A execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no art. 148º do CPPT. É um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do art. 103º nº 1 da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos arts. 10º nº 1, alínea f), 149º, 150º e 151º do CPPT. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respectivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução, levantamento. É o que se extrai das disposições dos arts. 169º, 170º, 183º, 195º, 199º nºs 8, 9 e 10 do CPPT. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal.
Nesta matéria, diga-se que art. 52º nº 4 da LGT refere que “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Face à alteração do art. 52º nº 4 da LGT, que entrou em vigor em 01-01-2017, o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma actuação dolosa ao invés da prova do afastamento de uma actuação culposa por parte do executado.
Ora, da interpretação do art. 52º nº 4 da LGT resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar que (i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
Tal significa que quer na dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, competindo à AT a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a actuação dolosa por parte do executado.
A partir daqui, importa ainda salientar que o pedido de dispensa de garantia deve ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do art. 170º nº 1 do CPPT - que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no art. 52º nº 4 da LGT -, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da actuação da Administração no âmbito desse pedido (arts. 151.º, n.º 1, e 286.º do CPPT), o que significa que estamos perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respectiva decisão um verdadeiro acto administrativo, procedimento da iniciativa do executado, sendo que é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais, designadamente, deve seguir a forma escrita (art. 54º nº 3 da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cf. art. 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cf. n.º 3 do art. 170.º do CPPT). Deverá também o requerente mencionar o número de identificação fiscal (cf. n.º 1 do art. 29.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de Janeiro) e ainda, no caso de o procedimento respeitar a um processo de execução fiscal, indicar o número desse processo.
(….).


Ora, tal como no Ac. TCAS citado e que vimos seguindo, e que aliás foi secundado por Acórdãos de 2022.09.29, Processos nº 25/22.5BESNT, 26/22.3BESNT e 27/22.1BESNT, este último da mesma relatora, e de 2022.10.13, Proc nº 138/22.3BESNT, também nos presentes autos se verifica:

(…) a AT negou abrigo à pretensão da reclamante, aqui recorrente, porquanto e como se alcança do despacho reclamado a que se refere a alínea D) da matéria assente e cuja fundamentação se transcreve na sua alínea C), «no caso em apreciação, a executada…, cingiu-se a apresentar um requerimento no qual alega que tentou por todos os meios ao seu alcance apresentar garantia idónea sob a forma de garantia bancária, porém, tal não lhe foi possível por vários obstáculos criados pelas instituições bancárias, e ainda que os activos que a empresa possui já estão dados como garantia, não detendo a empresa outros bens ou rendimentos que possam servir de garantia.
Não instruindo, porém, o pedido de dispensa com a prova documental necessária exigida pelo n.º 3 do art.º 170.º do CPPT».
Ora, este suporte fundamentador não padece contextualmente de erro nos pressupostos, nem a sentença que o validou enferma de erro de julgamento, como pretende a recorrente, para quem a AT deveria, previamente à decisão de indeferimento, tê-la convidado a suprir as deficiências instrutórias do requerimento que contém o pedido.
Mas não assiste razão à recorrente. Tal como se aponta o Ac. do STA de 04/11/2020, tirado no proc.º 0289/20.9BEALM, «…o procedimento de dispensa de prestação de garantia tem regras próprias de alegação e prova dos factos (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT), não podendo, sem mais, aplicar-se-lhe as regras do procedimento tributário de liquidação, tanto mais que não é possível estabelecer paralelismo entre ambos: enquanto naquele está em causa a pretensão do executado a obter um efeito que se há-de ter como excepcional em sede de execução fiscal - a norma é a prestação da garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal - e, portanto, o procedimento tem início a pedido do interessado e a decisão fica sujeita ao que foi pedido (cf. art. 56.º da LGT), neste estamos perante um procedimento tributário que pode ser iniciado oficiosamente (cf. art. 57.º, n.ºs 1 e 7, da LGT) e em que a AT não vê a sua decisão limitada senão pela prossecução do interesse público e pelos princípios enunciados no art. 54.º da LGT; enquanto naquele o interessado pretende obter um efeito constitutivo de direitos, neste o efeito será a declaração (concretização) de uma obrigação tributária…»
Ou seja, invocando a executada a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia nos termos do art.º 52.º, n.º 4, da LGT, incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente, nos termos das disposições combinadas dos artigos 342.º do Cód. Civil e 170.º, n.º 3, do CPPT.
Não quer isto dizer que a AT se deva eximir à avaliação crítica da prova que tenha na sua posse, em ordem a ver se pode (ou não) concluir, com base nela, pela alegada insuficiência de meios económicos.
Mas isso, como se alcança da fundamentação do despacho reclamado, foi feito, tendo a AT concluído não se verificar uma situação de manifesta falta de meios económicos em vista dos valores dos bens e rendimentos constantes da declaração anual IES submetida pela reclamante com relação ao ano anterior ao do pedido de dispensa de garantia.
Se este juízo conclusivo da AT se mostra erróneo, a verdade é que a recorrente não demonstra factos que o permitam infirmar. Pretendia a recorrente que fosse levado ao probatório, em sede recursiva, que contra si correm outras tantas execuções, nas quais se mostram penhorados bens do seu activo.
Mas esse facto pretensamente omitido da matéria assente em si mesmo não se mostra relevante, razão por que prescindimos de o levar ao probatório, tanto mais que a AT não deixou de o ponderar na avaliação da insuficiência de meios económicos.
Na verdade, decisivo era a recorrente demonstrar que a penhora dos activos efectuada nesses outros processos executivos comprometia a possibilidade de prestação de outras garantias, nomeadamente bancárias (o que, obviamente, a AT não tem meios de comprovar), como ainda que se mostra impossibilitada de dar à penhora rendimentos, ou seja, a facturação correspondente às vendas e serviços prestados no montante de 13.446.355,34€, que mencionou na declaração de IES do anterior ano de 2020, ou que a penhora desses rendimentos inviabilizava o prosseguimento da actividade empresarial.

Em suma e concluindo, invocando a executada a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art.º 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente.

Não o fazendo, não há lugar a convite ao suprimento do deficit instrutório do pedido, sem prejuízo de a AT dever proceder à avaliação da prova na sua posse, de modo a verificar se a mesma lhe permite concluir pela alegada insuficiência de meios económicos da executada.

Tendo a AT feito essa avaliação no caso em apreço e concluído não se verificar uma situação de manifesta insuficiência de meios económicos, juízo que não merece censura face aos meios de prova de que dispunha, nenhuma outra diligência ou pedido de informação à executada se lhe impunha com vista ao esclarecimento da situação económica desta.


Esta fundamentação do citado Ac. TCAS, de 15 de setembro de 2022, proferido no processo que correu termos sob o nº 139/22.1BESNT, da mesma Reclamante e ora Recorrente, com matéria provada semelhante e idênticas alegações e conclusões de recurso é inteiramente transponível para o presente processo, pelo que e sem necessidade de mais considerações, é de julgar improcedente o recurso e de confirmar a sentença recorrida.

*

Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.

Todavia, e tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 841 662,46, considerando a conduta processual das partes, a atividade desenvolvida no processo, visto o princípio da proporcionalidade, concluímos que no caso vertente se verificam os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça do artigo 6/7 do RCP.


Sumário/Conclusões:

I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis suscetíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. artigo 52/4 da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos suscetíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. artigo 342.º do CC, artigo 77/1 da LGT e artigo 170/1 do CPPT).
II - Não o fazendo, não há lugar a convite ao suprimento do deficit instrutório do pedido, sem prejuízo de a AT dever proceder à avaliação da prova na sua posse, de modo a verificar se a mesma lhe permite concluir pela alegada insuficiência de meios económicos da executada.
III - Tendo a AT feito essa avaliação no caso em apreço e concluído não se verificar uma situação de manifesta insuficiência de meios económicos, juízo que não merece censura face aos meios de prova de que dispunha, nenhuma outra diligência ou pedido de esclarecimento à executada se lhe impunha com vista ao esclarecimento da situação económica desta.


III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, nos termos expostos.

Lisboa, 24 de novembro de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Jorge Cortês