Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 137/22.5 BESNT |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 11/24/2022 |
Relator: | SUSANA BARRETO |
Descritores: | DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA DÉFICE INSTRUTÓRIO DO PEDIDO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO |
Sumário: | I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis suscetíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. artigo 52/4 da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos suscetíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. artigo 342.º do CC, artigo 77/1 da LGT e artigo 170/1 do CPPT). II - Não o fazendo, não há lugar a convite ao suprimento do deficit instrutório do pedido, sem prejuízo de a AT dever proceder à avaliação da prova na sua posse, de modo a verificar se a mesma lhe permite concluir pela alegada insuficiência de meios económicos da executada. III - Tendo a AT feito essa avaliação no caso em apreço e concluído não se verificar uma situação de manifesta insuficiência de meios económicos, juízo que não merece censura face aos meios de prova de que dispunha, nenhuma outra diligência ou pedido de esclarecimento à executada se lhe impunha com vista ao esclarecimento da situação económica desta. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subseção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório A sociedade T…, Unipessoal, Lda., melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou totalmente improcedente reclamação deduzida contra o despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa de 2021.10.06, que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, apresentado no âmbito do plano de pagamento em prestações nº 3654.2021.57225, associado ao processo de execução fiscal n.º 3654202001244388, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul. Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida no âmbito do Processo n.º 137/22.5BESNT, a qual julgou improcedente a Reclamação deduzida pela ora Recorrente, pedindo a anulação do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, no âmbito do plano de pagamento em prestações melhor id. nos respetivos autos. 2. Afigura-se à Recorrente que a Sentença aqui recorrida, ao decidir pela improcedência da Reclamação apresentada, enfermará de error in iudicando na medida em que procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo, pois, o Tribunal Central Administrativo Sul intervir em sede de Apelação reapreciar e alterar o conteúdo da mesma em conformidade. 3. Como se sabe, a execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no art.º 148.º do CPPT. É, pois, um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do art.º 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º todos do CPPT. 4. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respetivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução e levantamento. 5. É, pelo menos, o que se extrai das disposições dos artigos 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10, todos do CPPT. 6. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal. 7. O pedido de dispensa de garantia deve, pois, ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do art.º 170.º do CPPT – que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do art.º 52.º da LGT –, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido. 8. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da atuação da Administração no âmbito desse pedido (cf. artigos 151.º, n.º 1, e 286.º do CPPT). 9. Estamos, pois, perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respetiva decisão um verdadeiro acto administrativo. 10. Esse procedimento da iniciativa do executado é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cf. n.º 3 do art.º 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cf. art.º 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cf. n.º 3 do art.º 170.º do CPPT). 11. Como expressamente referido em sede de Reclamação, não se pode deixar de sublinhar que o requerimento apresentado pela sociedade Executada, ora Recorrente não foi efetuado por um profissional do foro (vulgo mandatário judicial), antes tendo sido efetuado e assinado pelos respetivos gerentes da ora Recorrente. 12. Ora, em face dessa circunstância afigura-se que maxime o princípio da colaboração plasmado no art.º 59.º da LGT, impunha-se à AT, por efeito da densificação daquele princípio maxime ex vi art.º 7.º do CPC, enquanto órgão de execução fiscal, o dever de auxílio da parte na remoção de dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou ao cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais. 13. E se o dever de colaboração deve ser cumprido quando a parte esteja representada por advogado, não pode deixar de se entender que, não estando a parte patrocinada por mandatário judicial, deve aumentar a diligência da AT, enquanto no cumprimento desse dever de assistência ao executado. 14. Por outro lado, a decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, mas a qual havia sido efetuada noutros processos de execução fiscal anteriores e que, pois, era do perfeito conhecimento da AT, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, no caso, uma decisão absolutamente desproporcionada. Tanto mais que quanto às exigências do requerimento de dispensa de prestação de garantia, o artigo 170.º, n.º 3 do CPPT limita-se a referir de forma vaga que o pedido deve conter a “fundamentação de facto e de direito” e ser “instruído com a prova documental necessária. 15. Donde, não se vislumbra quais os interesses que possam justificar a inexistência sequer de um convite para a Executada, ora Recorrente, vir juntar meios de prova adicionais, em curto espaço de tempo, que permitissem aferir da bondade de quanto por si requerido. 16. Afigura-se, pois, à Recorrente que devendo sempre a justiça material prevalecer sobre a justiça formal, e sa-bendo desde logo que a executada não se encontrava patrocinada por mandatário judicial, caberia à AT convidar a Recorrente suprir a omissão da prova dos factos que alegou, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento da ora Recorrente, quando por sinal a própria AT conhecia de uma vário conjunto de processos pelos quais a Recorrente havia já prestado várias garantias e ainda que a ora Recorrente estava e está a ser objeto de um outro conjunto variado de execuções fiscais. 17. O dever de colaboração - que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento – não foi, pois, cumprido pela AT, sendo que a desproporção entre a irregularidade cometida pela ora Recorrente (não juntar os documentos obre os factos por si alegados) e a consequência que lhe é associada pela AT é manifesta, não se revelando adequada nem, pois, proporcional. 18. Atenta a redação do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, de onde não resulta expressamente quais as consequências do incumprimento ou cumprimento defeituoso do ónus de instrução do incidente de dispensa de garantia, tal resposta só poderá ser, pois, negativa; e para mais quando a executada não vem representada por mandatário judicial. Impondo-se ao órgão de execução, diligências no sentido do suprimento da irregularidade, ora “convidando” a executada requerente a instruir o pedido ou a vir esclarecer melhor as razões por que alegou a insuficiência económica ou a ausência de mais garantias que pudesse prestar. 19. A tal obriga a constatação de que, na compatibilidade entre o princípio da autorresponsabilidade das partes, concretizado no ónus de instrução do requerimento, com o princípio da colaboração, tem preponderância este último, dada a circunstância de a sociedade executada nem se encontrar sequer representada por advogado, poder apresentar prova de factos negativos de que lhe são exigidos, em tão curto espaço de tempo. 20. Donde, aplicando-se supletivamente as regras do processo civil, maxime o princípio da cooperação plasmado no art.º 7.º, n.º 4 do referido diploma, chega-se à conclusão que o órgão de execução fiscal não poderia ficar indiferente à ausência de patrocínio judicial da executada ora Recorrente e avançar desde logo para a aplicação das regras do ónus da prova, impondo-se, antes, uma atitude pro actione que, antes de mais, implicaria desde logo averiguar toda a prova documental que já estava em poder da AT e que imporia desde logo uma diferente decisão ou, no limite, o pedido de apresentação de prova adicional. 21. Acresce que sendo o despacho de indeferimento de pedido de isenção de prestação de garantia não precedido de audição prévia, afigura-se que o princípio do inquisitório e o já supracitado dever de colaboração devem assumir uma dimensão com maior significado e alcance. 22. A aplicação prática dos acima referidos princípios deve ser enquadrada, pois, com maior rigor, no sentido de impor à AT uma atuação mais proactiva, designadamente, na determinação da situação patrimonial concreta do interessado quando são alegados no pedido apresentado junto do órgão de execução fiscal os factos constitutivos do direito à isenção de prestação de garantia, tal como sucedeu in casu e também quando a AT não pode desconhecer que a Recorrente previamente a tal decisão carreou um conjunto de prova documental que não foi sequer levada em linha de conta pela AT. 23. Ora, optando a AT por indeferir logo o pedido, verificamos que não foi dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório, e que, no fundo, constituem pedras angulares do procedimento administrativo tributário e, pior do que isso, foram violados os princípios da colaboração e da cooperação que se impunham à AT. NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RE-CURSO SER DADO COMO PROCEDENTE E, EM RESUL-TADO, DETERMINAR-SE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RE-CORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Os autos foram com vista ao Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Com dispensa de vistos dado o carácter urgente do processo, cumpre decidir. II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, na apreciação e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito. II.1- Dos Factos O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade: Com relevo para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos: a) Correm termos no Serviço de Finanças [SF] de Oeiras-1, contra a aqui Reclamante – T…, Unipessoal, Lda. – os processos de execução fiscal n.º 3654202001244388 e apensos (3654202101001248, 3654202101017357, 3654202101031511, 3654202101036122, 3654202101042246, 3654202101049690, 3654202101050559, 3654202101050940), relativos a dívidas de IVA e IRS de 2020 e 2021, e IRC de 2021, com quantia exequenda no valor global de € 841.662,46 (cfr. citação – fls. 162 do Sitaf); b) Em 02.06.2021, a ora Reclamante solicitou o pagamento da quantia exequenda em 36 prestações, sendo tal pedido deferido por despacho datado de 04.06.2021 [plano prestacional n.º 3654.2021.57225] (cfr. informação de fls. 164 e ss. do Sitaf); c) Em 14.09.2021, a ora Reclamante apresentou um pedido de dispensa de apresentação de garantia para suspensão dos referidos PEF´s, assinado pela gerência e sem qualquer documento em anexo, nos seguintes termos: “T…, Unipessoal, Lda., com o NIF 5…, com domicilio fiscal em Rua da Fonte da Caspolíma, n…, 2…-1… Paço de Arcos, embora tenha tentado por todos os meios ao seu alcance apresentar, no âmbito dos pianos em epígrafe, garantia idónea sob a forma de garantia bancária, vem por este meio comunicar que tal não foi possível por vários obstáculos criados pelas instituições bancárias. Assim sendo, e tendo em conta que os activos que a empresa possui já estão dados como garantia, e ainda que a empresa não detém outros bens ou rendimentos que possam servir o intento desejado, solicita-se, ao abrigo do disposto no artº 170º do CPPT, a dispensa da obrigação de apresentação de garantia.” (cfr. fls. 208 e 209 do Sitaf); d) Em 04.10.2021, por Técnica da Direcção de Finanças de Lisboa, foi emitida informação sob o assunto ―Inf Apreciação Pedido de Dispensa de Garantia – T… Unipessoal, Lda”, com proposta de decisão no sentido do indeferimento do pedido referido na alínea anterior, cuja fundamentação, em parte se transcreve: (…) 9. Resulta do e-mail que nos foi remetido pelo SF (e que se anexa) que o valor da garantia a prestar é de € 1.063.103,71. (…) «Imagem em texto no original»
«Imagem em texto no original» (cfr. fls. 164 a 173 do Sitaf);
e) Em 06.10.2021, a informação oficial referida na alínea anterior obteve despacho de concordância do Diretor de Finanças Adjunto da DF de Lisboa, decidindo pelo indeferimento do requerimento identificado em c) supra (acto reclamado - cfr. fls. 3/10, doc de fls. 164e ss. do Sitaf); f) O despacho de indeferimento, referido na alínea antecedente foi notificado à Reclamante por ofício n.º 3061 datado de 08.10.2021, expedido através de correio registado com aviso de receção [RH514331261PT] em 10.10.2021 (cfr. fls. 202 e 203 do Sitaf); g) Em 21.10.2021, foi remetida por correio registado a presente reclamação dos atos do órgão de execução fiscal (cfr. fls. 4 a 161 do Sitaf); h) A Reclamante, T… Unipessoal, Lda., com o NIF n.º 5…, tem por objeto social a edição de publicações periódicas e não periódicas, produção e difusão de programas multimédia (admitido por acordo); i) Em 27.06.2018, a Reclamante celebrou um contrato de arrendamento, com inicio a 1 de Julho seguinte, válido por 5 anos, renovável por iguais períodos, de um conjunto de escritórios, parqueamentos e arrecadações, sitos no Edifício F…, na Rua da Fonte de Caspolima, n…, … e …, na Quinta da Fonte, em Porto Salvo, com uma renda mensal no valor de € 46.345, tendo sido autorizada a realização de obras de adaptação necessárias que permaneceram no imóvel após a cessação do contrato (cfr. contrato de arrendamento para fins não habitacionais - doc. 3 junto com a petição inicial); j) Em 16 de Novembro de 2019, a AT penhorou um conjunto de bens, divididos por 439 verbas, no valor de € 631.525,64, no PEF n.º 3654201901169432 e apensos, para pagamento da quantia de € 471.342,70 (cfr. Auto de Penhora e anexos - doc. 4 junto com a petição inicial); k) Em 02.09.2020, a AT aceitou a penhora das marcas ”T…”, “A…” e “T…”, para garantia dos planos de pagamentos autorizados nos PEF n.os 3654202001046500 e apensos, 365420200193240, 3654201901274511 e 3654202001019864 (cfr. ofício datado de 22.09.2020, do Serviço de Finanças de Oeiras-1 - doc. 7 junto com a petição inicial); l) Em 11.12.2020, a Reclamante foi notificada pela Secção de Processo de Executivo de Lisboa II, do IGFSS, do deferimento do plano prestacional para pagamento da quantia de € 2.187.103,75, em 150 prestações, com início em Novembro de 2020 e da constituição de garantia sob a forma de penhor das marcas “E…” e “V…”. – cfr. doc. 6 junto à P.I.); m) Em 25.06.2021, a Reclamante apresentou a sua autoliquidação de IRC, onde apurou um lucro tributável de € 117.089,08. – cfr. Declaração Modelo 22 - IRC com o código de validação U… – quadro 7 campo 778 – doc. 2 junto com a petição inicial; n) Em 15.07.2021, a Reclamante submeteu a declaração anual de Informação Empresarial Simplificada (IES), referente ao ano 2020, de cujo teor resultam, além do mais, os seguintes valores: Campo A5001 - Vendas e Serviços prestados - € 13.446.355,34
* Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…). Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida. Todavia, e tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 841 662,46, considerando a conduta processual das partes, a atividade desenvolvida no processo, visto o princípio da proporcionalidade, concluímos que no caso vertente se verificam os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça do artigo 6/7 do RCP. Susana Barreto Tânia Meireles da Cunha Jorge Cortês |