Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03180/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/08/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL.
MATÉRIA DE FACTO. MATÉRIA DE DIREITO.
CRITÉRIO JURÍDICO PARA DESTRINÇAR SE ESTAMOS PERANTE UMA QUESTÃO DE DIREITO OU UMA QUESTÃO DE FACTO.
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL E SUBSTANCIAL DO ACTO ADMINISTRATIVO.
PRESSUPOSTOS DA CONSTITUIÇÃO DA OBRIGAÇÃO FISCAL ADUANEIRA.
NOÇÃO DE DECLARAÇÃO ADUANEIRA.
INTRODUÇÃO DAS MERCADORIAS EM LIVRE PRÁTICA É O REGIME ADUANEIRO POR EXCELÊNCIA.
CÁLCULO DO VALOR ADUANEIRO DAS MERCADORIAS. VALOR TRANSACCIONAL.
NOÇÃO DE COMISSÕES DE COMPRA.
Sumário:1. Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
2. A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não em função do “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo.
3. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
4. São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual.
5. O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.
6. Os fundamentos do recurso não versam exclusivamente matéria de direito quando o recorrente questiona as ilações que o Tribunal “a quo” retira de documentos contabilísticos juntos ao processo e, face aos quais, conclui estarmos perante verdadeiras e efectivas comissões de compra que não integram o valor transaccional para efeitos de determinação do valor aduaneiro das mercadorias. Em tais conclusões o recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida, supostamente, violados na sua determinação.
7. Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
8. Se a fundamentação substancial não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.
9. A constituição da obrigação fiscal aduaneira pressupõe a verificação de um elemento objectivo (a passagem das mercadorias na fronteira) e um elemento subjectivo (a manifestação, pelo importador ou seu representante, da intenção de sujeitar as mercadorias ao regime aduaneiro, em regra o regime de introdução em livre prática, a qual é concretizada na apresentação da respectiva declaração aduaneira).
10. A sujeição de mercadorias a um regime aduaneiro efectua-se através de uma declaração aduaneira. Esta é definida no artº.4, nº.17, do C.A.C., como o acto pelo qual uma pessoa manifesta, na forma e segundo as modalidades prescritas, a vontade de atribuir a uma mercadoria determinado regime aduaneiro. As declarações apresentadas por escrito são efectuadas, normalmente, no formulário do Documento Administrativo Único (DAU).
11. A introdução das mercadorias em livre prática é o regime aduaneiro por excelência (cfr.artº.4, nº.16, al.a), do C.A.C.), encontrando-se regulado nos artºs.79 a 83, do C.A.C., e nos artºs.290 a 300, das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (D.A.), aprovadas pelo Regulamento (CEE) nº.2454/93, da Comissão, de 2 de Julho. A declaração de introdução em livre prática é, também, facto gerador da liquidação de imposto sobre o valor acrescentado na importação, genericamente por força do disposto nos artºs.5, 7 e 15, do Código do I.V.A.
12.O valor transaccional é o principal método que a lei consagra para o cálculo do valor aduaneiro das mercadorias. Encontra-se este definido no artº.29, do C.A.C. De acordo com este método, o valor aduaneiro deve corresponder ao preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação e com destino ao país comunitário de importação, após os ajustamentos consagrados nos artºs.32 e 33, do mesmo diploma, e desde que não ocorram as situações limitativas previstas nas alíneas a) a d), do artº.29, nº.1, do C.A.C.
13. O artº.32, nº.4, do C.A.C., dá-nos a noção de comissões de compra como sendo as quantias pagas por um importador ao seu agente pelo serviço que lhe presta ao representá-lo na compra das mercadorias a avaliar. Já o artº.33, al.e), do C.A.C., exclui do valor aduaneiro das mercadorias as comissões de compra, de acordo com a acepção acabada de mencionar e constante do citado artº.32, nº.4, do mesmo diploma.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“A...- SOCIEDADE DE REPRESENTAÇÕES, S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.118 a 127 do processo, através da qual julgou totalmente improcedente impugnação pelo recorrente intentada, visando acto de liquidação de I.V.A. e juros compensatórios, relativo aos anos de 2002 e 2003 e no montante total de € 68.525,76.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.137 a 146 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Da análise crítica dos documentos apresentados resulta que o valor pago pela recorrente à “B...” no âmbito das operações em causa, diz respeito a comissões de compra e não ao preço do frete ou de serviços integrantes do conceito de valor transaccional;
2-Os comissionistas de compra ou agentes de compra são pessoas, singulares ou colectivas, que agem em nome próprio mas por conta dos compradores a quem prestam o serviço de encontrarem fornecedores, concluírem a compra/venda e eventualmente darem assistência ao transporte, armazenagem e entrega das mercadorias, como serviço acessório do serviço de compra;
3-As comissões de compra não integram o valor transaccional para efeitos de determinação do valor aduaneiro das mercadorias (artº.33, al.e), do C.A.C.);
4-A recorrente juntou aos autos as notas de débito emitidas pela “B...”, onde se pode constatar que os valores recebidos por esta correspondiam sempre a 15% da operação;
5-A cobrança de uma percentagem do negócio é um claro indício de que se trata de uma verdadeira e efectiva comissão de compra, onde o desempenho associado à aquisição é valorado;
6-O preço de um serviço prestado (exemplo frete e/ou handling) associado à importação de bens nunca é determinado pela percentagem do valor dos bens importados, mas sim, principalmente pelo valor dos próprios serviços prestados;
7-O facto de as notas de débito dos autos referirem o “handling” “shipmente and quality control of the goods” não deve ser considerado determinante para a caracterização e qualificação do valor pago pela recorrente à “B...”, visto que tais especificações não são da autoria da recorrente e, sobretudo porque esses actos constituem funções acessórias da função de “agente de compras” e, por isso, não descaracterizam a natureza essencial da respectiva remuneração como verdadeira comissão de compra;
8-A verdade material dos factos, isto é, a verdadeira natureza daquele pagamento como simples comissão de compra resulta assim evidenciada, e é essa verdade material que deve ser considerada e valorada, independentemente da designação dada aos correspondentes actos materiais;
9-A decisão impugnada, que se consubstancia na liquidação adicional de I.V.A., padece de vício de violação de lei, porquanto os valores constantes das notas de débito emitidas pela “B...” à recorrente não constituem o valor aduaneiro das mercadorias, por não se enquadrarem no conceito de valor transaccional;
10-A decisão que foi objecto de impugnação nos presentes autos, remete a sua fundamentação para o relatório da acção inspectiva;
11-Nessa medida, constata-se que o fundamento da liquidação impugnada consiste no entendimento de que o valor correspondente às notas de débito emitidas pela “B...” à recorrente constituem valor transaccional nos termos do artº.29, nºs.1 e 2, al.a), do C.A.C.;
12-Mas o relatório da acção inspectiva não explica porque é que considera que os valores das notas de débito devem ser compreendidas para efeitos de apuramento do valor transacional;
13-Tendo em conta que se presumem de boa-fé e verdadeiras as declarações do contribuinte, ora recorrente, competia à autoridade alfandegária, autora da decisão impugnada, indicar e concretizar, no caso concreto, os factos em que sustentou o afastamento de tal presunção por forma a considerar incorrecta a declaração da recorrente quanto ao valor aduaneiro das mercadorias;
14-Ou seja, nem a decisão, nem o relatório em que esta se baseou determinam as circunstâncias ou as razões que levaram à prática do acto de correcção;
15-Assim, a decisão da liquidação de direitos aduaneiros impugnada padece de vício de forma, na medida em que a mesma não se mostra fundamentada, visto que não permite à impugnante “conhecer adequadamente o itinerário cognoscitivo da decisão”;
16-A decisão impugnada sofre, assim, dos apontados vícios de violação de lei e vício de forma e, visto que a douta sentença recorrida mantém inalterada essa decisão e os respectivos fundamentos, para os quais aliás remete, sofre também essa sentença dos mesmos vícios;
17-A sentença recorrida violou, assim, as disposições constantes dos artºs.29, nº.1 e nº.2, al.a), 32, nº.1, al.a), - i], e al.e), ii], e 33, al.e), todos do C.A.C., e 77, da L.G.T., devendo por isso ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação deduzida pela recorrente, mais se anulando a liquidação impugnada, só assim se fazendo JUSTIÇA.
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Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.153 a 155 dos autos), o qual pugna pela confirmação do julgado, sustentando nas Conclusões o seguinte:
1-As notas de débito intituladas pela impugnante como comissões de compra fazem parte do valor aduaneiro, porquanto, são despesas conexas com a importação e, por isso, uma con­dição de venda das mercadorias importadas;
2-Consequentemente, a falta de apresentação às autoridades aduaneiras das notas de débito da “B...” configura uma violação do disposto no artº.29, do C.A.C., que estipula que o valor aduaneiro é o preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas, sendo facto constitutivo da dívida na importação;
3-Quanto à alegada falta de fundamentação do acto de liquidação, conforme correctamente explanado na sentença recorrida, a mesma foi clara, suficiente e congruente, pelo que a sentença não merece qualquer reparo;
4-Nestes termos e nos demais de direito e com o douto suprimen­to de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improceden­te, por não provado, mantendo-se, assim, a douta sentença recorrida que confirmou a legalidade do acto de liquidação, com o que se fará a costumada Justiça!
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual suscita a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, dado que o recurso deduzido apenas abarca matéria de direito (cfr.fls.166 dos autos).
Notificadas as partes da excepção alegada, veio a impugnante/recorrente deduzir oposição aduzindo que o recurso por si interposto abarca matéria de facto e de direito, pelo que é este Tribunal o competente para a sua apreciação (cfr.fls.170 e 171 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.172 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.119 a 122 dos autos):
1-A impugnante desenvolve a sua actividade na área da representação, comércio, importação e exportação de vestuário, calçado e artigos de desporto (cfr.relatório da acção inspectiva cuja cópia se encontra junta a fls.17 a 26 dos presentes autos);
2-A impugnante foi alvo de uma acção fiscalizadora pela autoridade alfandegária (Núcleo de Informações e Fiscalização da Alfândega de Alcântara - Norte, da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo) respeitante aos anos de 2002 e de 2003, tendo, a final, sido elaborado o respectivo relatório, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...)
VI - ACÇÃO DESENVOLVIDA
1. Recolha e análise dos documentos aduaneiros
A fim de dar cumprimento ao objectivo fixado para a acção foram analisadas as listagens dos DAU's de importação referentes aos anos de 2002 e 2003 (até 2003/10/28), tendo sido seleccionados todos os DAU's.
Com base nesta selecção foram recolhidos e analisados os respectivos DAU's, tendo-se constatando que as facturas apresentadas pela A...Representações SA, às autoridades aduaneiras portuguesas aquando da introdução em livre prática e consumo foram emitidas por exportadores oriundos de países terceiros, para uma empresa inglesa denominada "B... Brokerage & Trading Services Ltd".
Perante tal situação, foi solicitado ao Sr. Declarante para apresentar as facturas referentes às transacções comerciais da "B..." para a A..., tendo este alegado que não existiam tais facturas, porque a mercadoria era cedida à A...pelo mesmo valor, o que foi comprovado através de declarações de cedência que se encontram nos respectivos DAU’s.
2. Registos contabilísticos da empresa
Uma vez que só podem ser registadas na contabilidade das empresas (Compras), as facturas referentes a transacções comerciais efectuadas por elas próprias, as facturas apresentadas às autoridades aduaneiras nunca poderiam ser registadas na contabilidade, mesmo havendo uma declaração de cedência, a qual não titula qualquer transacção.
Da análise dos registos contabilísticos da empresa, verificou-se que:
2.1 - As facturas que se encontram registadas, foram emitidas pela B... (a mesma empresa que emite a declaração de cedência) pelo mesmo montante das facturas apresentadas às autoridades aduaneiras portuguesas no momento da introdução em livre prática e consumo.
2.2 - Por cada factura da B... para a A..., foram emitidas notas de débito, cujo montante é de 15% sobre o valor da factura.
2.3 - As facturas e notas de débito emitidas pela B... para a A..., encontram-se registadas na contabilidade como transacções intracomunitárias, o que não é verdade uma vez que, as mercadorias referentes a estas facturas foram apresentadas às autoridades aduaneiras portuguesas, para introdução em livre prática e consumo vindas directamente, por via marítima, de países terceiros para Portugal. (Anexo II - fls. 1 a 19).
2.4 - Da análise da conta corrente do fornecedor B... referente ao ano de 2002, detectou-se facturação referente a mercadorias oriundas de países terceiros (por exemplo Taiwan, Paquistão, etc.) registadas como transacções intracomunitárias, para as quais a A..., até à presente data, não provou o estatuto comunitário das mesmas, ou seja, não apresentou à equipa inspectiva os DAU's (documentos aduaneiros únicos), emitidos num outro Estado Membro, para as mercadorias em causa. (Anexo II - Fls. 1 a 17)
3. Comparação dos documentos aduaneiros com os registos contabilisticos da empresa.
3.1 - A confrontação das facturas apresentadas às autoridades aduaneiras portuguesas nos DAU's de importação com as facturas registadas na sua contabilidade tornou-se extremamente difícil e morosa, uma vez que na contabilidade não existe qualquer referência (em termos de fornecedor e n°. de factura) às facturas apresentadas às autoridades emitidas pelas empresas exportadoras da B....
A ligação entre as duas facturas só foi possível através das referências das mercadorias, total de volumes valores, conforme Mapa I (Anexo I -fls.1 a 579).
Da confrontação das facturas apresentadas às autoridades aduaneiras portuguesas com as correspondentes facturas e notas de débito registadas na contabilidade, constatou-se que os montantes registados na contabilidade são superiores aos declarados, em virtude de existirem notas de débito cujo valor não foi declarado - Mapa II (Anexo I -fls.1 a 527).
3.2 - Como foi referido no ponto 2.4 do relatório, encontram-se registadas como transacções intracomunitárias, mercadorias que, até à presente data, a empresa não provou o estatuto comunitário das mesmas - Mapa III (Anexo I -fls.528 a 579).
Consultado o vies intracomunitário, constatou-se que o nº. de contribuinte GB 725960907 - B..., não declarou qualquer movimento de mercadorias intracomunitárias para o n°. de contribuinte PT 501866817 - A...Representações SA. (...)”
(cfr.relatório cuja cópia se encontra a fls.9 a 17 do PAT apenso, que se dá por integralmente reproduzido);
3-As notas de débito emitidas pela “B..., Ltd”, lançadas na contabilidade da impugnante por referência à facturação mencionada em VI, 2. do relatório parcialmente transcrito no nº.2 que antecede, referem que o correspondente valor inscrito respeita a despesas com o carregamento e remessa de mercadorias - handling e shipment - (cfr. facturas constantes do Mapa II, do Anexo I, ao relatório final da acção de fiscalização, a fls.25 a 29, 67, 81, 82, 94, 108, 121, 123, 140, 153, 163, 175, 196, 206, 216, 226, 236, 246, 256, 266, 275, 288, 298, 308, 317, 327, 337, 346, 356, 366, 376, 393, 401, 410, 421, 430, 442, 452, 462, 472, 481, 498, 511, 521, 529, 538, 547, 555, 563 e 571 do PAT apenso aos presentes autos, que se dão por integralmente reproduzidas);
4-Em consequência da acção inspectiva, a autoridade alfandegária emitiu a liquidação adicional nº.900001, de 16/1/2004, no montante de € 121.353,29, sendo tal quantia resultante da soma dos valores de € 47.711,44, relativos a direitos aduaneiros, € 68.525,76, relativos a I.V.A., e € 5.116,09, relativos a juros compensatórios, da qual apenas a parte respeitante a I.V.A. e aos correspondentes juros compensatórios se impugna nos presentes autos (cfr.documentos juntos a fls.46 e 47 do PAT apenso que se dão por integralmente reproduzidos);
5-A autoridade alfandegária comunicou ao sujeito passivo a decisão impugnada através do ofício nº.47/04, de 16/1/2004, da Alfândega de Alcântara-Norte, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“1. Referenciando o assunto em epígrafe, junto envio a V. Ex." o Relatório Final da acção de natureza fiscalizadora realizada a essa empresa - a qual teve início em 2003/10/29 e conclusão em 2004/01/12 - bem como os Mapas I, II, III, IV e V que fazem parte integrante do mesmo.
2. Conforme consta no Relatório, e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, constatou-se que o valor aduaneiro declarado nos Documentos Administrativos Únicos (DAU's) de introdução em livre prática e consumo, constantes no Mapa II, foi inferior ao valor transaccional, na medida em que as notas de débito referidas no Mapa II, não foram englobadas quer na base de tributação dos direitos aduaneiros, quer no valor tributável de IVA, donde resulta que foram cobrados a menos € 115.817,53 (direitos e IVA), em violação do disposto no art. 29° e segs. do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), aprovado pelo Regulamento (CEE) n.° 2913/1992 do Conselho, de 12 de Outubro, que estipula que o valor aduaneiro é o preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, configurando um facto constitutivo da dívida aduaneira na importação, nos termos da alínea a) do n.° 1 do art. 201° do CAC; (...)”
(cfr.documento nº.1 junto pela impugnante à p.i. a fls.10 e 11 dos presentes autos, o qual se dá por integralmente reproduzido).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações oficiais e dos documentos, não impugnados, constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
6-Nas notas de débito identificadas no nº.3 supra constam, além do mais, os seguintes dizeres:
“...Debit note related to our invoice (Our services related handling, shipment and quality control of the goods.)...” (cfr.cópia das notas de débito juntas a fls.67, 81, 82, 94, 108, 121, 123, 140, 153, 163, 175, 196, 206, 216, 226, 236, 246, 256, 266, 275, 288, 298, 308, 317, 327, 337, 346, 356, 366, 376, 393, 401, 410, 421, 430, 442, 452, 462, 472, 481, 498, 511, 521, 529, 538, 547, 555, 563 e 571 do PAT apenso aos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida por “A...- Sociedade de Representações, S.A.”, em consequência do que manteve a liquidação de I.V.A. e juros compensatórios, no montante total de € 68.525,76 e objecto dos presentes autos.
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Deve, antes de mais, resolver-se a questão da competência do Tribunal, por força do disposto no artº.13, do C. P. T. Administrativos, aplicável “ex vi” artº.2, al.c), do C. P. P. Tributário.
Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
Como decorre do artº.685-C, nº.5, do C. P. Civil (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a questão prévia suscitada pelo M.P. junto deste Tribunal e, igualmente, de conhecimento oficioso, que se consubstancia na incompetência do T.C.A. “ad quem” em razão da hierarquia.
A competência do tribunal deve aferir-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o “quid decisum”. Por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não ao “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.91; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.213).
Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
Da concatenação das aludidas normas do E.T.A.F. se deve concluir que para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o S.T.A., quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos, se o fundamento não for exclusivamente de direito.
Na delimitação da competência do S.T.A. em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, as quais fixam o objecto do recurso (cfr.artº.684, nº.3, do C.P.Civil), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa. Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar da mesma factualidade provada (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/9/2010, rec.446/10; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.213 e seg.).
São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, III, Coimbra Editora, 1985, pág.206 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.406 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, pág.268 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.264 e seg.).
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação.
Ora, a identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, conforme se alude supra, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões do recurso explanadas supra, a sociedade apelante questiona as ilações que o Tribunal “a quo” retira das notas de débito emitidas pela “B...”, documentos juntos ao processo e, face aos quais, conclui estarmos perante verdadeiras e efectivas comissões de compra que não integram o valor transaccional para efeitos de determinação do valor aduaneiro das mercadorias.
Ora, em tais conclusões a recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida, supostamente, violados na sua determinação. Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., e não ao S.T.A.-2ª.Secção, atento o disposto nos artºs.12, nº.5, e 26, al.b), do E.T.A.F.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal (em razão da hierarquia), aduzida pelo Digno Magistrado do M.P.
X
Passemos à apreciação dos fundamentos do recurso.
O recorrente discorda do julgado alegando em primeiro lugar, como supra se alude, que a decisão que foi objecto de impugnação nos presentes autos, remete a sua fundamentação para o relatório da acção inspectiva. Nessa medida, constata-se que o fundamento da liquidação impugnada consiste no entendimento de que o valor correspondente às notas de débito emitidas pela “B...” à recorrente constituem valor transaccional nos termos do artº.29, nºs.1 e 2, al.a), do C.A.C. Mas o relatório da acção inspectiva não explica porque é que considera que os valores das notas de débito devem ser compreendidas para efeitos de apuramento do valor transacional. Tendo em conta que se presumem de boa-fé e verdadeiras as declarações do contribuinte, ora recorrente, competia à autoridade alfandegária, autora da decisão impugnada, indicar e concretizar, no caso concreto, os factos em que sustentou o afastamento de tal presunção por forma a considerar incorrecta a declaração da recorrente quanto ao valor aduaneiro das mercadorias. Ou seja, nem a decisão, nem o relatório em que esta se baseou determinam as circunstâncias ou as razões que levaram à prática do acto de correcção. Assim, a decisão da liquidação de direitos aduaneiros impugnada padece de vício de forma, na medida em que a mesma não se mostra fundamentada, visto que não permite à impugnante “conhecer adequadamente o itinerário cognoscitivo da decisão” (cfr.conclusões 10 a 15 do recurso), com base em tais razões pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, o vício de erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal pecha.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C. P. Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, als.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).
Mais se dirá que para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/7/2011, rec.656/11).
Se a fundamentação substancial não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.381 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/12/2011, proc.3504/09).
No caso dos autos, o que cumpre averiguar é se a decisão das correcções operadas pela administração aduaneira e que levaram ao acto de liquidação aqui em discussão, se encontra, ou não, formalmente fundamentada, já que, no que concerne à sua dimensão substancial ela terá de ser apreciada na medida do necessário à resposta a dar quanto à legalidade ou ilegalidade do acto tributário sindicado.
Ora, assim delimitada a questão é patente a conclusão de que o acto tributário aqui em crise se encontra formal e adequadamente fundamentado, uma vez que como resulta do relatório da acção inspectiva a que se faz alusão no nº.2 do probatório, as correcções em causa resultaram do entendimento da administração aduaneira de que as importâncias pagas pela recorrente à “B...” e tituladas pelas notas de débito por esta emitidas àquela, constituíram uma componente do preço efectivamente pago ou a pagar pela “A...” pela aquisição, com introdução em livre prática e consumo, das mercadorias a que se reportam as facturas em causa nos autos. É, pois, perfeitamente patente, claro, coerente e suficiente o discurso de que se serviu a Fazenda Pública para proceder às correcções em causa, cumprindo o duplo desiderato de, por um lado, revelar ponderação da situação concreta e de, por outro, facultar à recorrente a possibilidade de, com plenitude, sindicar o acto de liquidação consequente, como veio a fazer (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/9/2009, proc.2529/08).
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.
Mais aduz o recorrente que as comissões de compra não integram o valor transaccional para efeitos de determinação do valor aduaneiro das mercadorias (artº.33, al.e), C.A.C.). Que juntou aos autos as notas de débito emitidas pela “B...”, onde se pode constatar que os valores recebidos por esta correspondiam sempre a 15% da operação. Que a cobrança de uma percentagem do negócio é um claro indício de que se trata de uma verdadeira e efectiva comissão de compra, onde o desempenho associado à aquisição é valorado. Que o preço de um serviço prestado (exemplo frete e/ou handling) associado à importação de bens nunca é determinado pela percentagem do valor dos bens importados, mas sim, principalmente pelo valor dos próprios serviços prestados. Que o facto de as notas de débito dos autos referirem o “handling” “shipmente and quality control of the goods” não deve ser considerado determinante para a caracterização e qualificação do valor pago pela recorrente à “B...”, visto que tais especificações não são da autoria da recorrente e, sobretudo porque esses actos constituem funções acessórias da função de “agente de compras” e, por isso, não descaracterizam a natureza essencial da respectiva remuneração como verdadeira comissão de compra. Que a verdade material dos factos, isto é, a verdadeira natureza daquele pagamento como simples comissão de compra resulta assim evidenciada, e é essa verdade material que deve ser considerada e valorada, independentemente da designação dada aos correspondentes actos materiais. Pelo que, a decisão impugnada, que se consubstancia na liquidação adicional de I.V.A., padece de vício de violação de lei, porquanto os valores constantes das notas de débito emitidas pela “B...” à recorrente não constituem o valor aduaneiro das mercadorias, por não se enquadrarem no conceito de valor transacional (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Deslindemos se a sentença recorrida comporta tal vício.
Conforme se retira do probatório, a Administração Aduaneira constatou que o valor aduaneiro declarado nos Documentos Administrativos Únicos (DAU's) apresentados pela impugnante/recorrente, os quais basearam a introdução em livre prática e consumo dos produtos importados, foi inferior ao valor transaccional, na medida em que as notas de débito contabilizadas pelo sujeito passivo não foram englobadas, quer na base de tributação dos direitos aduaneiros, quer no valor tributável de I.V.A., donde resultou que foram cobrados a menos € 115.817,53 (direitos e I.V.A.), em violação do disposto no artº. 29 e seg., do Código Aduaneiro Comunitário (C.A.C.), aprovado pelo Regulamento (CEE) 2913/1992 do Conselho, de 12 de Outubro, que estipula que o valor aduaneiro é o preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, tal configurando um facto constitutivo da dívida aduaneira na importação, nos termos do artº.201, nº.1, al.a), do C.A.C. (cfr.nºs.2 e 5 da matéria de facto provada).
Mais se retira da matéria de facto que a Administração Aduaneira não considerou que as notas de débito, emitidas pela “B...” e contabilizadas pela impugnante/recorrente, titulassem comissões de compra e que, por isso, não integrassem o valor aduaneiro das respectivas mercadorias (cfr.nºs.2, 3 e 6 da matéria de facto provada).
Do exame do C.A.C. (cfr.artºs.67, 79 e 201, do C.A.C.), deve concluir-se que a constituição da obrigação fiscal aduaneira pressupõe a verificação de um elemento objectivo (a passagem das mercadorias na fronteira) e um elemento subjectivo (a manifestação, pelo importador ou seu representante, da intenção de sujeitar as mercadorias ao regime aduaneiro, em regra o regime de introdução em livre prática, a qual é concretizada na apresentação da respectiva declaração aduaneira).
A sujeição de mercadorias a um regime aduaneiro efectua-se através de uma declaração aduaneira. Esta é definida no artº.4, nº.17, do C.A.C., como o acto pelo qual uma pessoa manifesta, na forma e segundo as modalidades prescritas, a vontade de atribuir a uma mercadoria determinado regime aduaneiro. As declarações apresentadas por escrito são efectuadas, normalmente, no formulário do Documento Administrativo Único (DAU).
A introdução das mercadorias em livre prática é o regime aduaneiro por excelência (cfr.artº.4, nº.16, al.a), do C.A.C.), encontrando-se regulado nos artºs.79 a 83, do C.A.C., e nos artºs.290 a 300, das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (D.A.), aprovadas pelo Regulamento (CEE) nº.2454/93, da Comissão, de 2 de Julho.
A declaração de introdução em livre prática é, também, facto gerador da liquidação de imposto sobre o valor acrescentado na importação, genericamente por força do disposto nos artºs.5, 7 e 15, do Código do I.V.A. (cfr.António Brigas Afonso e Outros, Curso Breve de Direito e Contencioso Aduaneiro, Sebenta, CEJ, pág.10 e seg.).
No caso “sub judice”, as mercadorias importadas pela impugnante/recorrente foram sujeitas ao regime aduaneiro de livre prática conforme se retira dos nºs.2 e 5 do probatório, tendo o sujeito passivo declarante omitido, para efeitos de cálculo, quer da base de tributação dos direitos aduaneiros, quer do valor tributável de I.V.A., dos montantes registados nas notas de débito emitidas pela “B...” e endereçadas àquela.
Pugna a apelante porque tais notas de débito titulam montantes que não constituem o valor aduaneiro das mercadorias, por não se enquadrarem no conceito de valor transacional, antes devendo tais valores pecuniários, pagos pela recorrente à “B...”, ser considerados como comissões de compra.
As notas débito em causa referem expressamente, ainda que em língua inglesa mas em expressão facilmente traduzível para português, que as importâncias por elas tituladas dizem respeito a “nota de débito relacionada com a nossa factura” e “nossos serviços relacionados com a expedição, manuseio e controle de qualidade dos produtos” (cfr.nº.6 do probatório).
O valor transaccional é o principal método que a lei consagra para o cálculo do valor aduaneiro das mercadorias. Encontra-se este definido no artº.29, do C.A.C. De acordo com este método, o valor aduaneiro deve corresponder ao preço efectivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação e com destino ao país comunitário de importação, após os ajustamentos consagrados nos artºs.32 e 33, do mesmo diploma, e desde que não ocorram as situações limitativas previstas nas alíneas a) a d), do artº.29, nº.1, do C.A.C. (cfr.Nuno Aleixo e Outros, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Editora Rei dos Livros, 2007, pág.212 e seg.; João António Valente Torrão, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Almedina, 2003, pág.162 e seg.).
Nos termos do artº.32, nº.1, al.a), i), do C.A.C., devem adicionar-se ao preço com vista à determinação do valor aduaneiro da mercadoria as comissões e despesas de corretagem, com excepção das comissões de compra. Por sua vez o artº.32, nº.4, do C.A.C., dá-nos a noção de comissões de compra como sendo as quantias pagas por um importador ao seu agente pelo serviço que lhe presta ao representá-lo na compra das mercadorias a avaliar. Já o artº.33, al.e), do C.A.C., exclui do valor aduaneiro das mercadorias as comissões de compra, de acordo com a acepção acabada de mencionar e constante do citado artº.32, nº.4, do mesmo diploma.
“In casu”, a empresa “B...” emitiu por cada factura, a correspondente nota de débito no montante de 15% sobre o respectivo valor, quantia que foi paga pela impugnante/recorrente à emitente, sendo que a apelante não declarou o valor destas notas de débito às autoridades aduaneiras, mas, ao invés, registou-as na sua contabilidade. Ora, conforme se expende supra, as notas de débito em causa respeitavam a serviços relacionados com expedição, manuseio e controle de qualidade das mercadorias, assim constituindo parte integrante do valor aduaneiro enquanto despesas conexas com o transporte, nos termos do disposto no artº.32, nº.1, al.e), ii), do C.A.C. (cfr. Nuno Aleixo e Outros, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Editora Rei dos Livros, 2007, pág.245).
Nestes termos, no conceito legal de “comissões de compra” expendido acima não é enquadrável a realidade dos pagamentos relativos às mercadorias importadas pela impugnante/recorrente e efectuados à empresa “B...”, tendo por base as notas de débito por esta emitidas, antes tais notas de débito titulando serviços relacionados com a expedição, manuseio e controle de qualidade das mercadorias, constituindo assim parte integrante do valor aduaneiro enquanto despesas conexas com o transporte, tudo contrariamente ao que defende o recorrente.
Mais se dirá que não é contra-argumento, ao que se acaba de referir, a alegada circunstância de não ser o recorrente quem determinava o que era inscrito nas notas de débito, limitando-se a controlar os valores delas constantes, visto que, como é evidente, sendo parte directamente interessada no alegado contrato, desde logo em termos de direito privado, o mínimo que lhe era exigível era que tomasse as necessárias precauções, designadamente documentais, susceptíveis de salvaguardar os seus direitos e interesses legítimos. Se o não fez “sibi imputet” (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/9/2009, proc.2529/08).
Por último, refira-se que o impugnante/recorrente se deve considerar sujeito passivo da liquidação objecto dos presentes autos nos termos do artº.201, nº.3, do C.A.C., mais consubstanciando a factualidade em causa facto constitutivo de dívida aduaneira na importação nos termos do artº.201, nº.1, al.a), do mesmo diploma.
Concluindo, julga-se improcedente também este esteio do recurso.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, embora com a actual fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 8 de Maio de 2012


(Joaquim Condesso - Relator)
(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)