Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:289/06.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS,
ÓNUS DA PROVA,
TRANSPARÊNCIA FISCAL
Sumário:I. Presumindo-se verdadeiras as declarações dos contribuintes nos termos do art. 75.º, n.º 1 da LGT, cabe à AT o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de tributar, o que não logra fazer quando se limita a corrigir rendimentos do Impugnante em sede de IRS com base no comportamento de um outro sócio;

II. Os proveitos relativos a prestações de serviços que consistam na prestação de mais de um ato ou numa prestação continuada ou sucessiva, em que devam ser levados a resultados numa medida proporcional à da sua execução, nos termos da alínea b), do n.º 3, do art. 18.º do CIRC, constituem exceção à regra de que os serviços se consideram em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por M..., na sequência de indeferimento de reclamação graciosa, impugnar judicialmente as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2000 e 2001, n.°s 2003 53232... e 2003 532329..., nos valores de € 25.346,08 e € 19.289,08, respetivamente, emitidas na sequência de ação inspetiva quer ao próprio, quer às sociedades de que era sócio, à data, e que considerou como rendimentos da categoria A as quantias relativas a “reembolso das despesas e custos incorridos em nome e por conta das empresas”, e como rendimentos da categoria B as quantias “decorrentes da correção à imputação proporcional de lucros efetuada pela B...”, ao abrigo do regime da transparência fiscal.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial deduzida por M..., e em consequência, determinou a anulação das liquidações adicionais de IRS dos anos de 2000 e 2001, na parte correspondente às correções resultantes da não aceitação e consequente requalificação como rendimentos da categoria A (vencimentos) das quantias relativas a reembolso das despesas e custos incorridos em nome e por conta das empresas “B..." e “B...", de que o impugnante era sócio à data, por falta de fundamentação das mesmas; e na parte relativa às correções resultantes da não aceitação do diferimento dos proveitos da sociedade “B..." relativamente aos serviços prestados à Inspeção Geral de Finanças (IGF) e à Inspeção Geral da Administração do Território (IGAT) com a consequente tributação na esfera jurídica do Impugnante, a coberto do regime de transparência fiscal, mantendo-se a mesma relativamente às restantes correções.
B. Ora, salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei.
C. No que se refere à correção relativa a levantamentos dos sócios e despesas apresentadas, decidiu o ilustre tribunal a quo anular, na respetiva medida, as liquidações adicionais de IRS, por vício de falta de fundamentação.
D. Ora, conforme referido no RIT, face ao grande número de despesas apresentadas por todos os sócios, a apreciação mais detalhada das despesas apresentadas pelo sócio P..., foi reputada como representativa das despesas apresentadas pelos demais sócios.
E. Não obstante, foram juntos ao relatório inspetivo extratos de conta de cada sócio com indicação das despesas aceites e não aceites, o que nos parece suficiente para questionar a indispensabilidade das despesas apresentadas por todos os sócios da B..., entre os quais o impugnante, e portanto a sua dedutibilidade nos termos do artigo 23° do CIRC, cabendo ao impugnante o ónus de demonstrar a sua indispensabilidade, o que não logrou.
F. Resulta, pois, evidente que, face à diversidade de despesas apresentadas pelos diversos sócios, e à proeminência das apresentadas por P..., nomeadamente pelo seu montante, os SIT optaram por analisar uma amostra das despesas relativas a este sócio, cuja fundamentação pudesse, pelo seu paralelismo, ser extensível às despesas dos demais sócios, entre os quais o ora impugnante, ao invés de detalhar individualmente as relativas a cada um dos sócios.
G. Pelo que os fundamentos que estiveram na base da não consideração das despesas apresentadas pelo impugnante, são os mesmos que levaram à desconsideração das despesas do sócio P....
H. Conforme se pode ler no RIT: “o suporte dos levantamentos feitos pelos sócios, são designados por honorários, mas são compensados por despesas particulares ou inexistentes”
I. Não havendo dúvidas de que a finalidade última do dever de fundamentação prescrito na lei é o de permitir aos interessados compreender o sentido das decisões administrativas tomadas, a fim de as mesmas compreender e poder nelas discordar, podemos concluir que esta finalidade se mostra inteiramente realizada em juízo, porquanto
J. Atento o teor do RIT, no qual a liquidação em crise se fundamenta, tendo sido inclusive deduzida reclamação graciosa pelo impugnante, claramente do mesmo consta, de forma explícita, contextual, clara, congruente e suficiente, o iter cognoscitivo, de facto e de direito, percorrido pela AT, que, in casu, se consubstanciou na constatação de uma série de levantamentos respeitantes a quantias fixas durante um determinado número de meses do ano, indiciando assim tratarem-se de vencimentos, aparecendo inclusive em algumas contas designados por honorários, não sendo aceites as despesas apresentadas para justificar tais levantamentos, pelo facto de serem despesas puramente pessoais e particulares, tendo sido inclusive anexas ao RIT as cópias dos documentos com base nas quais se fizeram as correções, no sentido de comprová-las.
K. Deste modo, impõe-se concluir não poder proceder o vício de falta de fundamentação do ato impugnado, incorrendo por isso a douta sentença em erro de julgamento de facto e de direito quando determinou a anulação da liquidação por falta de fundamentação.
L. A respeito da correção referente a proveitos diferidos, mais concretamente da desconsideração dos proveitos diferidos relacionados com serviços prestados à IGF e à IGAT, decidiu o ilustre tribunal a quo, com base nas cartas elaboradas por essas entidades em resposta a solicitação da “B..." que deve “dar-se por justificado, em termos documentais, o diferimento de proveitos no que a estes serviços respeita, de onde resulta que, no que aos rendimentos da categoria B, as respetivas correções se mostram ilegais na medida do excesso da correção efetuada em sede de diferimento de proveitos na esfera jurídica da “B...”, impondo-se, também nessa mesma medida, a anulação das liquidações de IRS dos anos de 2000 e 2001.”
M. Não pode contudo a Fazenda Pública concordar que se possa extrair tal juízo da prova produzida.
N. O princípio contabilístico designado por “princípio da especialização económica dos exercícios" encontra-se vertido no artigo 18° do CIRC e consiste em incluir nos resultados fiscais apenas os proveitos e os custos correspondentes a cada exercício económico, só assim não sendo quando estes sejam “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos" na data de encerramento das contas do exercício em que deveriam constar (artigo 18°, n° 2, do CIRC), estabelecendo a alínea b) do seu n.° 3 que, no caso das prestações de serviços, os proveitos são realizados e os correspondentes custos suportados na data em que termina o serviço, exceto se se tratar de serviços que consistam na prestação de mais de um ato ou numa prestação continuada ou sucessiva, em que serão contabilizados como resultados proporcionalmente à sua execução
O. Todavia, há que ter em atenção que o adiantamento por conta de honorários, como é o caso da correção em análise, será uma exceção a esta regra, o qual será um proveito para quem recebe e um custo para quem pague no exercício em que tal ocorrer, sendo que o momento em que se deve ter por incorrido o custo ou o proveito está normalmente associado ao momento da emissão do documento que o titula.
P. Ora, conforme resulta dos autos, estes valores foram faturados à IGF e à IGAT em 2000 e 2001, e a documentação com vista a fundamentar o diferimento de parte do respetivo proveito não comprova por si só, a justificação para tal diferimento, verificando-se a falha de elementos de orçamentação - que se poderia consubstanciar, por exemplo, em mapas de trabalho em horas/homem, inicialmente elaborados para cada projeto, com evidenciação das horas já despendidas e as estimadas em falta para os completar a 31 de dezembro de cada ano, eventualmente revistas ao longo da execução dos trabalhos - que permitam apurar a necessidade de diferimento e, sobretudo, a respetiva quantificação, não estando assim cumprido ónus probatório que sobre o impugnante impendia, nos termos do artigo 74° da LGT.
Q. Nestes termos, ao decidir como decidiu, a douta sentença violou, por erro de aplicação e interpretação, o princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18° do CIRC.
R. Sem prescindir, importa ainda referir que a douta sentença padece do vício de omissão de pronúncia, nos termos da aliena d) do n.°1, do artigo 615°, do CPP, ao não se ter pronunciado sobre a questão da ilegitimidade do ora recorrido para impugnar a liquidação efetuada com base em tais correções (fundamento para o indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo impugnante, no que respeita à correcção aos rendimentos imputados nos termos do art.° 6° do CIRC) uma vez que a ilegitimidade constitui uma exceção dilatória, nos termos da alínea e) do artigo 577° do CPC, devendo ser oficiosamente conhecida pelo tribunal, nos termos do artigo 578° do CPC, cuja verificação obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.
S. Por todo o exposto, o Douto Tribunal a quo, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria factual e jurídica relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada, JUSTIÇA!»

O recorrido, devidamente notificado para o efeito, apresentou as suas contra-alegações:
«1. Bem andou a sentença do Tribunal a Quo ao não validar o raciocínio seguido pela Recorrente (AT), que se limitou a extrapolar o eventual comportamento de um contribuinte distinto, que não o Recorrido, para generalizar, sem fundamentar, ao contribuinte uma mesma atuação, com a consequência de o tributar por rendimentos que nunca obteve.
2. Mal seria que assim não fosse, pois, estar-se -ia a colocar em causa um princípio eminente da tributação individual em sede de IRS (a tributação pelo rendimento acréscimo) e a gerar uma fórmula de determinação da matéria coletável, que não tem acolhimento legal nos Códigos nem no ordenamento jurídico fiscal Português - A aplicação de Métodos Indiretos por semelhança, isto é, por via do comportamento de outro contribuinte, que não o próprio.
3. Tributar todos sócios pelo comportamento de um outro, porque se considera que o comportamento deste “ultimo é ?, deve ser?, pode ser?, tudo indica que é?, se calhar até é… "extensível, indicativo e quiçá representativo de uma classe... não enquadra nem na mais rebuscada teoria da presunção.
4. Ora um ato de correção exige, no mínimo, como bem refere a sentença recorrida, um detalhe dos factos concretos, que servirão de base à correção, e já agora que nesse mínimo, os factos se refiram ao contribuinte cuja declaração é corrigida. 
5. Assim, não colhe o articulado nos artigos 8 a 14 das alegações de Recurso da AT, uma simplificação excessiva e ilegal por falta de fundamentação, a extrapolação das conclusões do Inspetor Tributário, quanto a algumas despesas de um outro sócio, a todas as despesas apresentadas pelos restantes sócios e gerentes da B... e B..., razão pela qual entende não haver qualquer fundamento para as correções propostas quanto aos outros sócios e em especial, no caso concreto, ao ora impugnante.
6. Estando na esfera de comportamentos individualizado, cada socio tem um comportamento individualizado perante a sociedade, qual deve ser analisado individualmente.
7. A prova testemunhal produzida em 1a instância foi elucidativa quanto à forma de operar dos mecanismos de reembolso das despesas de trabalhos/projetos, nas firmas, não deve ser descurada a prova testemunhal nem a documental, sob pena de significar que uma parte importante dos custos de funcionamento da B... e da B... seriam suportados pelo rendimento individual do impugnante/Recorrido e não pelas sociedades onde foram gerados os proveitos, o que, na verdade, não se afigura minimamente razoável face à substância das operações.
8. Não se aceita assim aquilo que é referido no ponto 23 das alegações de Recurso, onde a entidade Recorrente refere “como tal, existe fundamentação dos atos impugnados, fundamentação essa com elementos individualizadores, sendo perfeitamente percetível o itinerário cognoscitivo percorrido"
9. Esta fundamentação foi tudo menos individualizadora! Aliás ela foi genérica na sua plenitude!
10. A ser assim, estaríamos perante uma grave violação do princípio da capacidade contributiva, constitucionalmente consagrada no artigo 104° n°2 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “o imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar".
Diferimento de proveitos
11. Foi provado pelos testemunhos dos Drs. R... e S... (Diretores de Auditoria à data dos factos) que os trabalhos de revisão legal das contas e de auditorias contratuais referentes a um determinado exercício prolongam-se, usualmente, por Janeiro, Fevereiro, Março e até Abril do ano subsequente, sendo uma parte significativa da faturação efetuada no ano anterior. 
12. O enfâse na pertinência deste testemunho é aumentado pelo facto de que se trata de responsáveis pelos trabalhos de auditoria e que estão nos trabalhos e preparam a faturação e as propostas.
13. Este testemunho não foi colocado em causa em nenhuma parte das alegações da Recorrente.
14. Foi provado por prova testemunhal e documental, a qual não foi posta em causa (quer a veracidade quer a autenticidade) que os trabalhos de revisão/auditoria são faturados, numa base mensal, trimestral ou anual dentro do respetivo exercício, decorrendo, porém, os trabalhos habitualmente até ao fim do primeiro trimestre do exercício seguinte.
15. Ficou provado, pela prova testemunhal apresentada, que nos casos em que não há faturação mensal, é prática, conforme previsto nas propostas de prestação de serviços, proceder-se sempre à emissão de faturas antes do início dos trabalhos, faturando usualmente 40% com a adjudicação das propostas, 30% a meio e 30% com a emissão do relatório preliminar.
16. Um dos trabalhos que a Recorrente (AT) erigiu como indiciador de uma potencial manipulação da alocação dos proveitos por parte da B.../B..., foi no trabalho efetuado para a Inspeção Geral de Finanças e Inspeção Geral da Administração do Território.
17. A B... (sociedade de revisores) prestou assessoria à B... neste trabalho.
18. De facto, em 2001, a B... emitiu, em parte com base no apoio da B..., em versão preliminar, para a IGF, 42 relatórios, dos quais 20 foram emitidos, em versão definitiva, somente em 2002, tendo a emissão, em definitivo, dos restantes 22 relatórios em somente ocorrido em 2003.
19. Existiu documentação do cliente a provar tal facto!
20. Por fim, também não colhe aqui qualquer invocação de falta de apreciação (omissão de pronuncia) na análise de quem tinha legitimidade em recorrer.
21. Trata-se de uma questão sem qualquer controvérsia.
22. Não está em causa nos autos qualquer liquidação de I.R.C, que tenha a sociedade corrigida como sujeito passivo final de imposto, visto que no caso de transparência fiscal, no caso das sociedades profissionais, a correção ao lucro tributável, será em sede de I.R.S, na esfera dos sócios.
23. A imputação dos lucros aos sócios é efetuada nos termos constantes do ato constitutivo da sociedade tendo em conta o disposto no artigo 5° n° 3 do CIRC em vigor à data dos factos
24. Dando origem a uma liquidação de I.R.S. Como aquele resultado corrigido é positivo, são os sócios que devem impugnar a matéria coletável em causa. 
25. Pensar de outro modo seria coartar o direito de intervir no processo ao obrigado principal no pagamento do imposto. Trata-se de matéria tão isenta de duvida, que com tudo o devido respeito, não nos parece merecedora de ser uma questão prévia.
Em face da prova produzida e das alegações produzidas, e como é da mais ELEMENTAR JUSTIÇA, deverá ser mantida a decisão recorrida, com as legais consequências, nomeadamente com a consequência vertida a folhas 29 de Decisão, isto é, restabelecer a situação que o Recorrido tinha à data do ato ilegal praticado pela AT, isto é a restituição ao Recorrido da quantia paga em excesso a título de IRS, dos anos 2000 e 2001 (que pagou na integra os valores corrigidos) dentro do prazo de pagamento voluntário, restituição essa acompanhada dos respetivos juros indemnizatórios contados desde a data de pagamento (22-10-2003), até à emissão da respetiva nota de credito, à taxa legal, nos termos do artigo 43° n° 4 da LGT.»
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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
_ omissão de pronúncia da sentença, nos termos da aliena d) do n.°1, do artigo 615°, do CPP, ao não se ter pronunciado sobre a questão da ilegitimidade do ora recorrido para impugnar a liquidação efetuada com base em tais correções;
_ erro de julgamento de facto e de direito quanto às correcções resultantes da não aceitação e consequente requalificação como rendimentos da categoria A (vencimentos) das quantias relativas a reembolso das despesas e custos incorridos em nome e por conta das empresas de que o impugnante era sócio à data, por falta de fundamentação das mesmas; e na parte relativa às correções resultantes da não aceitação do diferimento dos proveitos com a consequente tributação na esfera jurídica do Impugnante, a coberto do regime de transparência fiscal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em cumprimento das ordens de serviço n.°s 23489 e 23490 e 23483 e 23484, de 28.10.2002, as sociedades B... “B... & Co. - Auditoria, Impostos e Consultoria Lda.”, e B... “B... & Associados - SROC”, foram ambas objeto de ação de inspeção em sede de IRC e IVA, para análise da documentação e declarações de rendimentos dos exercícios de 2000 e 2001 com vista ao apuramento da sua situação tributária - cf. os respetivos relatórios de inspeção tributária (RIT) a fls. 81 a 92 e 93 a 134 do PAT.

B) No âmbito da ação inspetiva referida na alínea anterior, foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética à matéria coletável de IRC dos exercícios de 2000 e 2001 da sociedade “B...”, respetivamente, nos montantes de € 202.928,43 e de € 1.094.088,77, resultando do respetivo RIT, além do mais, o seguinte:
“[…]
III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Na verificação dos elementos contabilísticos, referentes aos exercícios de 2000 e 2001, foram identificadas algumas situações passíveis de relevância no apuramento da matéria tributável, e que passamos a apresentar em termos gerais.
[...]
- Contabilização em custos de diversos documentos, apresentados pelos sócios - Partners, que em termos de direito não exercem actividade na B... B..., LDA., referentes a despesas do foro pessoal, não sendo elegíveis no âmbito de serviços por eles prestados de facto, para suportar os levantamentos efectuados;
- Pagamentos aos sócios de diversos valores sem retenção de IRS.
[...]
III - 1.3. VALORES LEVANTADOS PELOS SÓCIOS
Foram feitos diversos levantamentos e transferências bancárias para os sócios, conforme extractos de C/C(s) e mapas resumos em anexo fls. 54, 62, 65 e 68.
«Imagem no original»


Muitos destes valores pagos respeitam a quantias fixas durante um determinado número de meses do ano, que pode indiciar de que se trata de vencimentos, aparecendo inclusive em algumas contas designados por honorários.
Os beneficiários são revisores de contas, e que por uma questão do quadro legal da Câmara de Revisores Oficiais de Contas, não podem exercer em simultâneo funções na empresa de auditoria, como é o caso da B... B....
Para justificação dos valores levantados, foram apresentados os seguintes argumentos e factos:
- Que os valores levantados na B... B..., eram registados em simultâneo numa conta individual da sociedade B... & ASSOCIADOS - SOROC, sociedade esta sujeita ao “Regime de Transparência Fiscal”, previsto no artigo 7.° do CIRC, sendo estes rendimentos tributados nos respectivos beneficiários através desta sociedade;
- Apresentação de despesas na B... B..., como justificativo dos valores levantados.

Quanto à primeira situação, o seu conteúdo será confirmado na sua plenitude quando da inspecção a realizar a esta sociedade.
No que toca às despesas apresentadas e após a observação das contas correntes verificamos o seguinte:
- Existem despesas registadas que correspondem a um levantamento específico e que vamos considerar como sendo efectuadas em serviço da empresa, mesmo atendendo ao facto de serem realizadas por pessoas que em termos puramente de direito não exercem funções na B... B...;
- Quanto às despesas apresentadas para suportar os levantamentos fixos mensais, não vão ser aceites como justificativos dos levantamentos efectuados, pelo facto de serem despesas puramente pessoais e particulares e algumas que apesar de contabilizadas não foram realizadas.

Apreciação de algumas despesas apresentadas
As despesas apresentadas, respeitam na sua grande maioria ao sócio P..., sendo pelo seu montante e qualificação determinantes para a incidência de uma observação mais atenta. Este sócio apresentou documentos de despesas que foram contabilizadas em custos na B... B... nos seguintes montantes:



Sobre estas despesas para além da verificação exaustiva, foi feita uma amostragem do tipo de despesas apresentadas, que se junta em anexo fls. 82 a 89.

Os principais tipos de despesas apresentadas são os seguintes:
- Combustíveis para viatura própria;
- Deslocações em viatura própria (Madrid e Sevilha), os denominados KM(s);
- Refeições;
- Ajudas de custo;
- Hotéis;
- Reparações de viaturas;
- Aulas de ténis;
- Vestuário diverso;
- Compras de bens alimentares em hipermercados;
- ETC.

No que respeita aos combustíveis, tendo por base os documentos 12342 e 12345 de do Diário 12 de 2001, foi feita uma verificação exaustiva ao mês de Novembro anexo fls. 85 e 86, tendo extraído o seguinte:
- Que foram apresentados documentos de gasolina no valor de 1.891,96 euros;
- Que os documentos apresentados correspondem a 2.000,2 litros de combustíveis abastecidos neste mês;
- Que por exemplo, no dia um de Novembro de 2001, procedeu ao abastecimento de gasolina por seis vezes, a saber:

[...]
Para alem dos consumos apresentados, ainda neste mês foi contabilizada uma deslocação Lisboa - Madrid - Lisboa, no período de 25/11 a 30/11 (anexo fls. 83), o que não foi impeditivo para que continuasse a apresentar documentos despesas com abastecimentos de combustíveis em Portugal nos dias 26, 27, 29 e 30 desse mês (anexo fls. 86,162 e 163).
[...]
Quadro síntese das despesas apresentadas pelos sócios (anexo fls 58,61,63,66,67,69,80 e 81):

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Os valores levantados pelos sócios da B... B... ao longo dos exercícios de 2000 e 2001 representam de facto vencimentos pelos serviços prestados na sociedade, que por imperativo legal não podem exercer funções de gerência.

Existem despesas apresentadas para as quais foi levantado um cheque de compensação das despesas efectuadas (como acontece nalgumas situações, como pode ser verificável nas respectivas CIC’s) que consideramos que foram efectuadas ao serviço da empresa. Para as despesas apresentadas e para as quais não foram levantados meios monetários específicos para lhe fazer face, foram consideradas como operações não relacionadas com a empresa, mas como despesas do foro particular ou de despesas inexistentes como ficou largamente comprovado.

Em conformidade com o resultado das verificações e confirmações, somos de parecer que o tratamento fiscal a dar a estes factos patrimoniais relevantes na determinação da matéria tributável deve ser o seguinte:
- Os levantamentos devem ser considerados como um custo fiscal, nos respectivos exercícios, nos termos do artigo 23.° do CIRC, por serem considerados como de vencimentos se tratasse, dado que irão ser tributados nos respectivos beneficiários;
[...]» - cf. o RIT a fls. 81 a 92 do PAT.

C) No âmbito da ação inspetiva referida na alínea A), foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética ao lucro tributável dos exercícios de 2000 e 2001 da sociedade “B...”, respetivamente, nos montantes de € 299.779,53 e de € 308.079,34, resultando do respetivo RIT, além do mais, o seguinte:
“[…]
III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
- Diferimento de proveitos;
- [...];
- Levantamentos efetuados pelos sócios;
- [...].

Para além das situações apresentadas, importa realçar o seguinte:
- Estão contabilizados em custos de diversos documentos de alimentação e de combustíveis, que não identificam as pessoas que efectuaram essas despesas;
- [...].

III - 1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO - IRC
III - 1.1 DIFERIMENTO DE PROVEITOS

A B... - SROC tem ao longo dos exercícios procedido ao diferimento de parte da sua facturação.
Este diferimento de facturação não tem qualquer critério subjacente que sustente de forma clara e inequívoca que os serviços facturados nos exercícios só irão ser realizados no próximo ou próximos anos.

EXERCÍCIO DE 2000
No exercício de 2000, foram diferidos proveitos no montante de 305.091,74 euros, tendo sido considerada como proveito no exercício de 2001, toda a facturação emitida a partir de 17 de Novembro de 2000 (anexo fls. 1 a 17)

- FACTURAÇÃO - SECÇÃO 91 - PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS - ROC
Nesta área de actividade foram diferidos proveitos no montante de 305.091,74 euros, que representam as facturas emitidas de 17/11 a 31/12/2000.
As facturas diferidas representam trabalhos de revisão realizados referentes a diversos períodos de 2000.
Os valores são normalmente facturados por parcelas mensais, de acordo com contrato estabelecido entre as partes.
Algumas das facturas referidas respeitam a trabalhos realizados em períodos anteriores à data da sua emissão. Na maioria das situações a parcela facturada corresponde a um valor fixo mensal.
Neste exercício apurou-se a seguinte variação negativa nos resultados, pelo efeito do deferimento dos proveitos:


EXERCÍCIO DE 2001

No exercício de 2001, foram diferidos proveitos no montante de 368.586,57 Euros, tendo sido considerada como proveito no exercício de 2002, toda a facturação emitida a partir de 6 de Novembro de 2001 (anexo fls. 18 a 44).

- FACTURAÇÃO - SECÇÃO 91 - PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS - ROC

Nesta área de actividade foram diferidos proveitos no montante de 358.834,40 euros, que representam facturas emitidas de 06/11 a 31/12/2000.
[...]
O procedimento utilizado neste exercício é equivalente ao tratamento dado no ano de 2000, ao diferimento da facturação.
[...]

Pelos factos expostos vamos proceder à correcção do efeito dos deferimentos na matéria tributável.

Neste exercício apurou-se a seguinte variação negativa nos resultados, pelo efeito do deferimento dos proveitos:



[...]

III - 1.3. VALORES LEVANTADOS PELOS SÓCIOS

Foram feitos diversos levantamentos e transferências bancárias para os sócios, conforme extractos de C/C (s) e mapas resumos em anexo fls. 49, 53, 56, 59 e 62.
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Muitos destes valores pagos respeitam a quantias fixas durante um determinado número de meses do ano, que pode indiciar de que se trata de vencimentos, aparecendo inclusive em algumas contas designados por honorários.
Os beneficiários são revisores de contas, e que por uma questão do quadro legal da Câmara de Revisores Oficiais de Contas, não podem exercer em simultâneo funções na empresa de auditoria, como é o caso da B... B..., e na B..., e que, também não recebem vencimentos da B... - SROC, sendo os seus rendimentos os correspondentes à imputação da matéria tributável da B...-SROC, dado que a sociedade está sujeita ao regime de transparência fiscal.

Para justificação dos valores levantados, foram apresentados os seguintes argumentos e factos:
- Que os valores levantados na B... - SROC, eram registados em simultâneo numa conta individual e que seriam compensados pelos da sociedade imputados aos sócios.
- Apresentação de despesas na B... - SROC, como justificativo dos valores levantados.

No que toca às despesas apresentadas e após a observação das contas correntes verificamos o seguinte:
- Existem despesas registadas que correspondem a um levantamento específico e que vamos considerar como sendo efectuadas em serviço da empresa;
- Quanto às despesas apresentadas para suportar os levantamentos fixos mensais, não vão ser aceites como justificativos dos levantamentos efectuados, pelo facto de serem despesas puramente pessoais e particulares e algumas que apesar de contabilizadas não foram realizadas.

Apreciação de algumas despesas apresentadas

As despesas apresentadas, respeitam na sua grande maioria ao sócio P..., sendo pelo seu montante e qualificação determinantes para incidência de uma observação mais atenta.
[...]
As despesas apresentadas são no essencial de carácter particular e outros documentos apresentados não correspondem a despesas efectuadas [...].
[...]
[...] acresce que por este sócio foram apresentadas no exercício de 2000, diversos documentos de abastecimento de combustíveis, quando a sociedade só tinha uma viatura em imobilizado, procedimento corrigido no ano de 2001.
[...]
As despesas que se apresenta seguir, foram extraídas dos extractos de C/C’s individuais do sócio (anexo fls.51 a 65).

Quadro síntese das despesas apresentadas pelos sócios:

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Os valores levantados pelos sócios da B... - SROC ao longo dos exercícios de 2000 e 2001 representam adiantamentos por conta dos lucros e vencimentos pelos serviços prestados na sociedade.
Os valores atribuídos aos sócios está reflectida nas contas individuais (anexo fls. 70 a 72.
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Dos valores atribuídos a estes sócios, parte deles não foram levantados, tendo entrado nas contas dos levantamentos mensais. Da imputação da matéria tributável aos sócios (regime de transparência fiscal), foram levantados por meio de cheques os seguintes montantes:

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Da matéria tributável imputada aos sócios só foi levantado a título de adiantamentos, uma parte reduzida, sendo o restante feito encontro de contas com os levantamentos mensais já referidos neste ponto.

Quadro síntese dos lucros imputados a abater aos levantamentos mensais:



[...]

Em conformidade com o resultado das verificações e confirmações, somos de parecer que o tratamento fiscal a dar a estes factos patrimoniais relevantes na determinação da matéria tributável deve ser o seguinte:
- Os levantamentos devem ser considerados como um custo fiscal, nos respectivos exercícios, nos termos do artigo 23.° do CIRC, por serem considerados como de vencimentos se tratassem;
- Os valores das despesas contabilizadas como custos dos exercícios, consideradas de caracter particular, não podem ser consideradas como um custo fiscal nos termos do 23.° do CIRC, por serem dispensáveis para a realização dos proveitos e ganhos, e nada terem a ver com a actividade da empresa.
[...]” - cf. o RIT a fls. 59 a 80 do PAT apenso.

D) Em cumprimento das ordens de serviço n.°s 25994 e 25995 o ora Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção para avaliação da situação tributária, com caráter geral aos anos de 2000 e 2001, com vista ao apuramento da sua situação tributária, na sequência da qual foram efetuadas as seguintes correções em sede de rendimentos da categoria A e da categoria B:



com os fundamentos que constam do respetivo RIT, elaborado em 21.04.2003, do qual consta, além do mais, o seguinte:

“III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

III - 1. I.R.S. - IMPOSTO SOBRE RENDIMENTO PESSOAS SINGULARES

No decurso da inspecção efectuada nas sociedades B... B..., LDA. e B...- SROC, foi verificado que o sujeito passivo recebeu destas sociedades os valores que a seguir se apresentam, e (anexos fls. 1 a 6):
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Os valores levantados representam um conjunto de cheques que foram passados à ordem de M..., pelas sociedades referidas.

M..., é sócio das sociedades B... e B.... Na B... B..., LDA., o sujeito passivo não exerce a actividade de gerência, pela sua condição de revisor oficial de contas.

A sociedade B...-SROC, está sujeita ao regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6º. do CIRC, que define no n.° 1 - “É imputada aos sócios, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades profissionais, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros ”.

No n.° 3 do mesmo artigo refere-se que: - “Que a imputação é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais ”.

Para justificar os levantamentos efectuados, foram apresentadas despesas nas duas sociedades e atribuição de lucros pela B...-SROC.

Da observação dos extractos de contas C/C’s, verifica-se que:
- Para um determinado tipo de despesas efectuadas foram levantados cheques de igual montante para a sua realização;
- Para muitas outras despesas não existe um levantamento específico, e que pela sua observação não foram consideradas como relacionadas com a actividade das sociedades.

A título de imputação da matéria colectável, ao sujeito passivo foi atribuído pela B... - SROC, os seguintes valores (anexo fls. 7 e 8):




Estes valores não foram levantados da sociedade, mas foram considerados em encontro de contas com os outros levantamentos efectuados.

Este valores foram declarados como rendimentos da categoria B de IRS, conforme declaração modelo 3.

Pelas situações apresentadas, aos valores dos cheques levantados terá de se proceder à dedução dos valores atribuídos a título de imputação da matéria colectável, cujos valores não foram levantados e entraram em encontro de contos com os cheques levantados.




Para além dos factos expostos, decorrer do exame à escrita da sociedade B...- SROC, foram efectuadas correcções à lucro tributável, que originaram um acréscimo da matéria colectável para os exercícios de 2000 e 2001, conforme quadro abaixo:



O acréscimo de matéria colectável vai ser imputada aos sócios de acordo com sua participação no capital social da B...-SROC. A quota deste sujeito passivo é de 19,6% (anexo Fls. 9 e 10), sendo imputado a este sujeito passivo os seguintes montantes:


As situações detectadas vão provocar um aumento do rendimento líquido deste sujeito passivo.



[...] - cf. o RIT a fls. 98 a 106 do processo de reclamação graciosa (RG) apenso.

E) Atos Impugnados: Em 26.08.2003, na sequência das ações de inspeção supra referidas, foram emitidas as liquidações adicionais de IRS para os anos de 2000 e 2001 n.°s 53232... e 532329..., respetivamente, das quais resultou a pagar, € 25.346,08 e € 19.289,08 - cf. fls. 39 e 40 da RG apensa.

F) Em 22.10.2003, respetiva data limite de pagamento voluntário, o ora Impugnante procedeu ao pagamento das quantias referidas em E) - cf. fls. 39 e 40 da RG apensa.

G) Em 11.12.2003 o ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações adicionais identificadas em E), nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 2 a 27 do processo de RG apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, invocando a ilegalidade das correções efetuadas com fundamento, no essencial, nos mesmos argumentos que usa na presente impugnação judicial - cf. fls. 2 a 4 do PAT apenso.

H) Em 03.12.2008, na sequência de notificação para o efeito, o Impugnante juntou ao processo de reclamação graciosa os elementos a que respeitam as fls. 197 a 290, respeitantes a documentos de despesas realizadas em 2004 e 2005, recibos de vencimento, cheques de pagamento de vencimentos e documentos relativos a despesas a reembolsar pela sua entidade patronal, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos - cf. fls. 115 a 118 e 197 a 291 do PAT apenso.

I) Por despacho de 24.02.2006 a reclamação graciosa foi indeferida com os fundamentos contantes da informação dos serviços de 20.02.2006, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde, depois da descrição da factualidade considerada relevante, incluindo as conclusões das ações de inspeção que conduziram às liquidações objeto da reclamação, se conclui do seguinte modo: “[…]
• Relativamente à falta de fundamentação das correcções efectuadas, estabelece o art.° 37° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que se a notificação da decisão em matéria tributável for insuficiente, isto é, não contiver a fundamentação legal, bem como os requisitos exigidos pelas leis tributárias, poderia o interessado, dentro do prazo de 30 dias, requerer a notificação dos elementos omitidos ou solicitar certidão dos mesmos, o que não se verificou pelo que não procede o argumento.
• Quanto aos rendimentos das sociedades de profissionais sujeitas ao regime de Transparência Fiscal, enquadram-se para efeitos de tributação no n.° 1 do art. 6° do CIRC, sendo a matéria colectável por estas determinadas, imputada aos sócios nos termos do art.° 20° do CIRS.

De acordo com a redacção do n.° 1 do art.° 128° do CIRC “Os sujeitos passivos e, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto poderão reclamar ou impugnar a respectiva liquidação efectuada pelos serviços da administração fiscal, [...] dispondo o n.° 5 do mesmo artigo que “As entidades referidas no n.° 1 poderão ainda reclamar e impugnar a matéria colectável que for determinadas e que não dê origem a liquidação e IRC [...]”.

Do exposto decorre, como consequência, que a entidade com legitimidade para deduzir reclamação graciosa das correcções efectuadas pelos serviços de inspecção à matéria colectável, mesmo que não dê lugar a qualquer liquidação em IRC (como sucede no caso de entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal) é essa entidade, dado que é na esfera jurídico- tributária da mesma que as correcções ocorrem.
A correcção aos rendimentos imputados nos termos do art.° 6° do CIRC, foi efectuada oficiosamente por força do disposto nos art.°s 20° e 90° do CIRS.
Nas liquidações de IRS propriamente ditas, a reclamação não é o meio próprio, uma vez que estando em causa correcções efectuadas a uma sociedade de transparência fiscal, os seus sócios só podem atacar erros ou vícios praticados no acto de liquidação que tenham a ver, nomeadamente, com a imputação dos lucros, e não com as alterações efectuadas ao lucro tributável da sociedade.

Assim, não pode o sócio “transparente”, por falta de legitimidade, reagir contra as alterações que lhe foram efectuadas em sede de sociedade, na liquidação de IRS que lhe é feita em resultado da imputação atrás referida.
[...]” - cf. fls. 146 a 151 da RG apensa.

J) Em 02.03.2006 o ora Impugnante foi notificado da decisão que antecede - cf. fls. 152/153 da RG apensa.

K) Aos sócios e colaboradores das sociedades “B...” e “B...” não era facultado o uso de cartões de crédito das sociedades - depoimento das testemunhas J... e P....

L) Os sócios e colaboradores das sociedades “B...” e “B...” suportavam diretamente diversos custos relacionados com o desempenho das respetivas funções, designadamente, aquisição de livros técnicos e consumíveis, deslocações para os clientes situados em todo o país e refeições e estadias nos locais em que desempenhavam as respetivas funções, quando tal ocorresse fora da sede de Lisboa - depoimento das testemunhas J... e R....

M) As despesas referidas em L), quando as deslocações eram efetuadas em equipa, eram, em regra, suportadas pelo elemento mais antigo da equipa - depoimento das testemunhas J... e R....

N) Os sócios e colaboradores que suportavam diretamente despesas como as referidas em L) davam a conhecer às sociedades os custos incorridos com mesmas através de um mecanismo de registo em suporte informático que fazia, automaticamente, a imputação dos mesmos aos respetivos clientes, quando fosse caso disso, sendo reembolsados mensalmente - depoimento das testemunhas J... e R....

O) A dimensão das equipas referidas em M) era variável, sendo sempre supervisionada por um dos sócios - depoimento das testemunhas J... e R....

P) Quando as equipas referidas em M) eram de maior dimensão era usual o responsável pela mesma receber da sociedade um adiantamento para as despesas a realizar, ficando obrigado à respetiva prestação de contas - depoimento das testemunhas J... e R....

Q) Como regra, a faturação de auditoria e revisão oficial de contas das sociedades “B…” e “B...” era mensal, não obstante nos serviços de contabilidade e consultoria os serviços faturados poderem prolongar-se além do período de faturação, designadamente pelo trimestre subsequente - depoimento das testemunhas S... e R....

R) Das despesas referidas em L), umas eram imputadas aos clientes outras, pela sua natureza, não o eram - depoimento das testemunhas J... e R....

S) Em 10.04.2003, em resposta a carta da sociedade “B... B... & Co. - Auditoria, Impostos e Consultoria Lda.” de 28.03.2003, os serviços da Inspeção Geral de Finanças emitiram carta dirigida àquela sociedade, com a referência n.° 1528 tendo por assunto “adiantamento por conta de serviços a prestar”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“[...]
Em resposta ao solicitado na vossa carta acima referenciada, no âmbito da Inspecção tributária conduzida pelos serviços competentes da Direcção-Geral de Impostos, esta Inspecção-Geral informa, para os devidos efeitos, o seguinte:
1. O Decreto-Lei n.° 173/99, de 20 de Maio, estabeleceu as regras e procedimentos a adoptar para a elaboração do relatório a emitir no encerramento das diversas formas de intervenção co-financiadas pelos fundos e instrumentos financeiros estruturais no âmbito do II Quadro Comunitário de Apoio (QCA), nos termos e para os efeitos previstos no artigo 8.0 do Regulamento (CE) n.° 2064/97, da Comissão, de 15 de Outubro.
2. De acordo com o artigo 2.° do Decreto-Lei n° 173/99, de 20 de Maio, a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) é o organismo competente para a elaboração do referido relatório, devendo, em conformidade com o artigo 12.° do mesmo Decreto-Lei, para o desempenho das tarefas decorrentes da elaboração do relatório, utilizar preferencialmente as linhas de financiamento previstas para a assistência técnica ao QCA, tendo-se por objectivo suprir a necessidade de reforçar externamente os meios humanos e materiais afectos.
3. As linhas de financiamento atrás citadas eram as previstas na Decisão da Comissão de 20 de Dezembro de 1994, que aprovou o programa operacional “Assistência Técnica ao QCA” para o período de 1 de Janeiro de 1994 a 31 de Dezembro de 1999, devendo o processamento das inerentes despesas ocorrer impreterivelmente até 31 de Dezembro de 2001, mais concretamente até 28 de Dezembro de 2001, último dia fixado no Decreto-Lei de execução orçamental para emissão dos meios de pagamento pelos organismos incluídos na (RAFE) Regime da Administração Financeira do Estado como é o caso desta Inspecção- Geral.
4. Neste contexto e na sequência de concurso público e de adjudicação autorizada por despacho do Senhor Ministro das Finanças de 6/8/2001, foi outorgado entre a IGF e o consórcio formado pelas empresas B... B... & Co., Auditoria, Impostos e Consultoria, Lda. e D... & T...- Auditores Consultores, Lda. um contrato de prestação do serviços, visado pelo Tribunal de Contas em 4/10/2001 e cujo objecto consistia no fornecimento, pelo consórcio, de serviços de auditorias técnico-financeiras destinadas à emissão da declaração no encerramento dos Programas Operacionais, Subprogramas e Programas de Iniciativa Comunitária nas suas vertentes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), de acordo com o previsto no artigo 8.0 do Regulamento n.° 2064/97, da Comissão, de 15 de Outubro, e no Decreto-Lei n.° 173/99, de 20 de Maio.
5. O valor total do contrato, incluindo o IVA, foi fixado em 260 844 480$00, sendo que, o pagamento desse valor deveria ser efectuado nos seguintes termos:
a) 30 % de adiantamento do montante total, IVA incluído, relativamente ao qual foi prestada garantia bancária de igual montante;
b) 20 % do valor total, IVA incluído, com a entrega dos Relatórios Preliminares (para apreciação e exercício do contraditório);
c) 50 % do valor total, IVA incluído, com a aprovação dos Relatórios Finais.
6. Relativamente ao pagamento dos 50% do valor total a que se reporta a alínea c) do n.° anterior, uma vez que a realização financeira de todas as impreterivelmente até 28 de Dezembro de 2001 e mostrando-se de todo imprescindível proceder ao pagamento daquele montante no decurso daquele ano, atendendo aos atrasos que se verificavam no encerramento de diversas Intervenções Operacionais, não imputáveis consequentemente ao consórcio, e dado se tratar de um caso excepcional, nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 72.° do Decreto-Lei n.° 197/99, de 8 de Junho, foi solicitada a concordância do Senhor Ministro das Finanças para se proceder ao pagamento do respectivo montante a título de adiantamento por conta dos serviços a prestar, contra a apresentação pelo consórcio adjudicatário de caução de valor igual ao montante do adiantamento.
7. O referido pagamento de adiantamento foi autorizado por despacho do Senhor Ministro das Finanças n.° 1271/01-MF de 5 de Dezembro de 2001, tendo o consórcio adjudicatário apresentado a garantia bancária n° 976-020300185, no valor de 130 422 240$00, garantia ainda em vigor nesta data, embora já reduzida para a importância de 83 731 078$00 com efeitos a partir de 11 de Novembro de 2002.
Mais se informa que à data de 31 de Dezembro de 2001, na generalidade das auditorias, apenas haviam sido emitidos os relatórios preliminares e que através do oficio n.° 1388 de 28-3-03, esta Inspecção-Geral deu a sua anuência para a emissão das versões finais dos relatórios por parte do consórcio, encontrando-se a liberação das garantias bancárias dependente da concretização deste acto.
[...] - cf. fls. 47 a 49 da RG apensa.

T) Em 15.04.2003, em resposta a carta da sociedade “B... B... & Co. - Auditoria, Impostos e Consultoria Lda.” de 28.03.2003, a Inspecção-Geral da Administração do Território dirigiu àquela carta com a referência n.° 03028, tendo por assunto “adiantamento por conta de serviços a prestar”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “[...]
Em resposta ao solicitado na vossa carta acima referenciada, no âmbito da Inspecção Tributária conduzida pelos serviços competentes da Direcção-Geral de Impostos, esta Inspecção-Geral informa, para os devidos efeitos, o seguinte:
1. O Decreto-Lei n.0 173/99, de 20 de Maio, estabeleceu as regras e procedimentos a adoptar para a elaboração do relatório a emitir no encerramento das diversas formas de intervenção co-financiadas pelos fundos e instrumentos financeiros estruturais no âmbito do II Quadro Comunitário de Apoio (QCA), nos termos e para os efeitos previstos no artigo 8o do Regulamento (CE) n.° 2064/97, da Comissão, de 15 de Outubro.
2. De acordo com o artigo 2° do Decreto-Lei n.0 173/99, de 20 de Maio, a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) é o organismo competente para a elaboração do referido relatório, devendo, em conformidade com o artigo 12° do mesmo Decreto-lei, para o desempenho das tarefas decorrentes da elaboração do relatório, utilizar as linhas de financiamento previstas para a assistência técnica do QCA, tendo-se por objectivo suprir a necessidade de reforçar externamente os meios humanos e materiais afectos. A IGAT colaborou neste processo, tendo em conta os critérios de coordenação global e de articulação consagrados ao nível do sistema de controlo do QCA II.
3. As linhas de financiamento atrás citadas eram as previstas na Decisão da Comissão de 20 de Dezembro de 1994, que aprovou o programa operacional “Assistência Técnica do QCA” para o período de 1 de Janeiro de 1994 a 31 de Dezembro de 1999, devendo o processamento das inerentes despesas ocorrer impreterivelmente até 31 de Dezembro de 2001.
4. Neste contexto e na sequência de concurso público e de adjudicação autorizada por despacho do Senhor Secretário de Estado da Administração Local, de 16.07.2001, foi outorgado entre a IGAT e o consórcio formado pelas empresas B... B... & Co., Auditoria, Impostos e Consultoria, Lda. E D... & T...-Auditores e Consultores, Lda. um contrato de prestação de serviços, visado pelo Tribunal de Contas em 30.08.2001 e cujo objecto consistia no fornecimento, pelo consórcio, de serviços de auditoria técnico-financeiras destinadas à emissão da declaração no encerramento dos Programas Operacionais, Subprogramas e Programas de Iniciativa Comunitária nas suas vertentes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), de acordo com o previsto no artigo 8.0 do Regulamento n.0 2064/97, da Comissão, de 15 de Outubro, e no Decreto-Lei n.0 173/99, de 20 de Maio.
5. O valor total do contrato, incluindo o IVA, foi fixado em 223.643.160$00, sendo que, o pagamento desse valor deveria ser efectuado nos seguintes termos:
a) 30 % de adiantamento do montante total, IVA incluído, relativamente ao qual foi prestada garantia bancária de igual montante;
b) 20 % do valor total, IVA incluído, com a entrega dos Relatórios Preliminares (para apreciação e exercício do contraditório);
c) 50 % do valor total, IVA incluído, com a aprovação dos Relatórios Finais.
6. Relativamente ao pagamento dos 50 % do valor total a que se reporta a alínea c) do número anterior, uma vez que a realização financeira de todas as operações incluídas nos projectos co-financiados teria de ocorrer impreterivelmente até 31 de Dezembro de 2001 e mostrando-se de todo imprescindível proceder ao pagamento daquele montante no decurso daquele ano, atendendo aos atrasos que se verificavam no encerramento de diversas Intervenções Operacionais, não imputáveis consequentemente ao consórcio, e dado tratar-se de um caso excepcional, nos termos do disposto no n.0 4 do artigo 72.0 do Decreto-Lei n.0 197/99, de 8 de Junho, foi solicitada a concordância do Senhor Secretário de Estado da Administração Local para se proceder ao pagamento do respectivo montante a título de adiantamento por conta dos serviços a prestar, contra a apresentação pelo consórcio adjudicatário de caução de valor igual ao montante do adiantamento.
7. O referido pagamento de adiantamento foi autorizado por despacho do Senhor Secretário de Estado da Administração Local, de 10.12.01, tendo o consórcio adjudicatário apresentado a garantia bancária n.° 976-020300176, no valor de 111.821.580$00 (557.763,69 €), garantia ainda em vigor nesta data, embora já reduzida para a importância de 75.815.031$00 (ou seja, 378.163,78 €).
Mais se informa que à data de 31 de Dezembro de 2001, na generalidade das auditorias, apenas haviam sido emitidos os relatórios preliminares e que através do oficio n.° 2648 de 4.04.03, esta Inspecção-Geral deu a sua anuência para a emissão das versões finais dos relatórios por parte do consórcio, encontrando-se a liberação das garantias bancárias dependente da concretização desse acto.
[...]” - cf. fls. 44 a 46 da RG apensa.

U) Em 07.07.2005 a sociedade “B... B... & Co. - Auditoria, Impostos e Consultoria Lda.” deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IRC dos períodos de 2000 e 2001 resultates das ações de inspeção referidas em A), a qual se encontra a correr termos sob processo n.° 1754/05.3BELSB, do Tribunal Tributário de Lisboa, atualmente em fase de recurso junto do TCA Sul - cf. fls. 118 a 174 dos autos (suporte físico).

V) A presente Impugnação Judicial foi remetida a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra por correio registado em 15.03.2006 - cf. fls. 38 dos autos (suporte físico).
*

Motivação de facto

A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra e, bem assim, com base no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, que relevou para formação da convicção do tribunal no que respeita aos factos especificamente dados como provados com base na prova testemunhal neles indicada, sendo certo que que a mesma foi produzida de forma consentânea e objetiva.»

*

Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra a Meritíssima Juíza do TAF Sintra julgou parcialmente procedente a impugnação.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido invocando que a sentença “padece do vício de omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.° 1, do artigo 615°, do CPP, ao não se ter pronunciado sobre a questão da ilegitimidade do ora recorrido para impugnar a liquidação efetuada com base em tais correções (fundamento para o indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo impugnante, no que respeita à correção aos rendimentos imputados nos termos do art.° 6° do CIRC) uma vez que a ilegitimidade constitui uma exceção dilatória, nos termos da alínea e) do artigo 577° do CPC, devendo ser oficiosamente conhecida pelo tribunal, nos termos do artigo 578° do CPC, cuja verificação obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.” – cf. conclusão R) das alegações de recurso.

Contudo, sem qualquer razão.

Na verdade, verifica-se a nulidade por omissão de pronúncia nos termos do disposto no art. 125.º do CPPT “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”.

Sucede que o invocado pela Recorrente Fazenda Pública não constitui questão que ao juiz cumpra apreciar porquanto não foi invocada na contestação, constituindo tão-somente um dos fundamentos de indeferimento da reclamação graciosa, sendo certo que esta conheceu do mérito da pretensão do Impugnante. Por conseguinte, sobre esse fundamento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa o juiz não estava obrigado a pronunciar-se na sentença, e nessa medida, não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

De todo o modo, considerando que a questão suscitada consubstanciando uma exceção dilatória que é de conhecimento oficioso, sempre se dirá que a mesma não se verifica, porquanto estando em causa uma liquidação de IRS que corrige rendimentos auferidos pelo Impugnante, é manifesta a sua legitimidade nos termos do disposto no n.º 1, do art. 9.º do CPPT, enquanto contribuinte, para impugnar tal liquidação com qualquer um dos fundamentos previstos no art. 99.º do CPPT.

Pelo exposto, improcedem os fundamentos da conclusão R) das alegações de recurso.

Prosseguindo.

Entende ainda a Recorrente Fazenda Pública, relativamente à correção relativa a levantamentos dos sócios e despesas apresentadas, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto foi demonstrado em sede de ação de inspeção que as despesas apresentadas por todos os sócios da B..., entre os quais o Impugnante, não reúne os requisitos da indispensabilidade, cabendo ao Impugnante ónus da prova dessa indispensabilidade o que não logrou fazer, e nessa medida a sentença enferma de erro de julgamento ao ter entendido que se verificava o vício de falta de fundamentação – cf. conclusões A) a K).

Contudo, não lhe assiste razão.

Efetivamente confirmamos na íntegra a fundamentação e decisão da sentença recorrida:

Conforme acima relatado, o Impugnante invoca a ilegalidade das correções efetuadas em sede de categoria A por entender que a “Administração Fiscal, no Relatório considerou (com base em presunções não fundamentadas) como remunerações dos sócios, os levantamentos feitos para reembolso das despesas efectuadas, em nome e por conta da B... ou da B..., em trabalhos destas sociedades executados sob a supervisão técnica do ora Impugnante [...] apesar de reconhecer expressamente no Projecto de Conclusões e no Relatório subsequente, que os levantamentos efectuados pelo ora Impugnante foram todos justificados por despesas suportadas em nome e por conta das sociedades e que a parte remanescente foi objecto de tributação em IRS, por via do mecanismo da transparência fiscal”, mais alegando que “a admitirem-se tais presunções, isso significaria que uma parte importante dos custos de funcionamento da B... e da B... seriam suportados pelo rendimento individual dos sócios (entre eles o Impugnante) e não pelas sociedades onde foram gerados os proveitos”.
Ou seja, no essencial, o Impugnante defende a falta de fundamentação das correções que deram origem à qualificação dos alegados rendimentos da categoria A na medida em que “a Administração Fiscal limita-se a enunciar de forma vaga e imprecisa “que as despesas apresentadas não foram aceites pelo facto de os valores não respeitarem à empresa, mas sim a obras de construção civil e outras despesas, apresentando numa dessas facturas a menção de que se destinavam à casa do sujeito passivo...” [...] de forma abusiva, presume um padrão de actuação constante do Impugnante, isto é, parte de uma situação isolada para presumir o todo da actuação, violando-se claramente o dever de fundamentação [...] limitando-se a generalizar, sem fundamentar, uma situação imputável a uma pessoa isolada [...] à generalidades das pessoas/sócios que receberem adiantamentos”. Conclui, neste ponto, dizendo que [n]ão existem relevados na contabilidade da B... nem da B..., conforme é aliás reconhecido expressamente no Projecto de Conclusões e Relatório subsequente, quaisquer adiantamentos ao ora Impugnante, que não estejam suportados por facturas ou documentos equivalentes, relativos a despesas incorridas em nome e por conta da B... ou da B...”.
A Fazenda Pública, por sua vez, defende que os levantamentos efetuados serviram para pagar despesas não relacionadas com a atividade das sociedades, razão pela qual os respetivos valores foram tributados na esfera jurídica do impugnante em sede de categoria A.
Assim, a questão controvertida reconduz-se a saber se as quantias entregues ao Impugnante pelas sociedades das quais é sócio gerente ou administrador (“B...” e a “B...”) assumem natureza remuneratória, estando, por isso, sujeitas a IRS, ou meramente compensatória das despesas feitas em benefício daquelas sociedades, na medida em que correspondem a custos suportados com vista à obtenção do lucro.
Vejamos.
De acordo com o preceituado no artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do CIRS, consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo do contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado.
Do n.° 2 deste dispositivo, numa enumeração exemplificativa das formas que a remuneração pode revestir, extrai-se que se visa abranger além da remuneração base, contrapartida da prestação de trabalho, todas “as remunerações acessórias ainda que periódicas, fixas ou variáveis de natureza contratual ou não”. Estabelece-se aqui, assim, uma ampla regra de incidência do imposto sobre os rendimentos, fazendo-o incidir sobre todo e qualquer tipo de quantia/remuneração paga, partindo depois para a exclusão de algumas dessas atribuições, como ajudas de custo, dentro dos pressupostos legalmente definidos.
Também se consideram rendimentos de trabalho dependente “as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização do automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos serviços do Estado e as verbas para despesa de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício” [cf. artigo 2.°, n.° 3, alínea d), a redação vigente à data].
Deste modo, as despesas de deslocação, viagens ou representação só se degradam em rendimentos do trabalho dependente, sendo lícito tributá-las como tais, quando não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.
Como se pode ler no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 08.11.2006, no recurso 01082/04, acessível em www.dgsi.pt: «Na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efectivos possam ser presumidos.
Por isso, o artigo 2° do CIRS que define os rendimentos do trabalho, tem de ser interpretado a esta luz, como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função».
Ora, compete à Administração Tributária demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, a verificação de situações suscetíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2.° do Código do IRS.
É a Administração Tributária, na medida em que se afasta da declaração do contribuinte, que tem o ónus de demonstrar a verificação dos requisitos que lhe permite alterar o rendimento coletável declarado. Com efeito, cabendo à Administração Tributária o ónus de provar a existência dos pressupostos legais vinculativos da sua atuação, isto é, o encargo de provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte possa ter deixado de liquidar, compete-lhe demonstrar a existência e conteúdo do facto tributário, in casu, provar que as quantias levantadas pelo ora Impugnante não tinham caráter compensatório, ou seja, não visavam reembolsá-lo das despesas que teve de suportar no interesse e por conta da atividade societária desenvolvida pelas entidades de que era gerente/administrador, com vista à obtenção, por aquelas, do seu fim último - o lucro, mas antes um fim remuneratório.
No que respeita à correção em apreço resulta do teor dos relatórios das inspeções tributárias às sociedades “B...” e “B...”, na sequência das quais foram efetuadas correções na esfera jurídica do ora impugnante, em sede de IRS, no que a este aspeto respeita, que, por um lado, os levantamentos e transferências bancárias para os sócios respeitam, muitos deles “a quantias fixas durante um determinado número de meses do ano, que pode indiciar de que se trata de vencimentos”, e que, por outro lado “e após a observação das contas correntes” se verificou a existência de “despesas registadas que correspondem a um levantamento específico e que vamos considerar como sendo efectuadas em serviço da empresa”.
Quanto às despesas apresentadas para suportar os levantamentos fixos mensais, a administração tributária não aceitou as respetivas justificações “pelo facto de serem despesas puramente pessoais e particulares e algumas que apesar de contabilizadas não foram realizadas”, mais destacando, de forma autonomizada em cada um dos relatórios de inspeção, que “[a]s despesas apresentadas, respeitam na sua grande maioria ao sócio P...”, razão pela qual as analisa de forma “mais atenta” as referidas despesas, enumerando as concretas compras de bens ou serviços a que respeitam (combustível, km’s em viatura própria, estadias, refeições...), concluindo tratar-se de despesas de caráter pessoal, razão pela qual devem ser consideradas rendimentos de trabalho dependente.
Ora, em face da verificação da não comprovação documental das referidas despesas, detalhadas nos relatórios de inspeção relativos às sociedades, em abstrato, nada haveria a censurar a uma correção em sede de rendimentos da categoria A quanto ao mencionado (e detalhadamente analisado) sócio, caso se concluísse, efetivamente (como parece que a AT concluiu), pela inexistência da correspondente comprovação documental de suporte, exigida nos termos e para os efeitos do disposto no art. 23.° do CIRC, do qual resulta que os custos para serem fiscalmente aceites devem, além do mais, ser documentalmente comprovados ou justificados, por forma a permitir a verificação da efetividade dos mesmos.
No entanto, como bem alega o Impugnante, da análise efetuada às despesas relativas a apenas um dos sócios (P...) - que a própria administração tributária admite ser aquele a quem “respeitam na sua grande maioria” (realce nosso) as despesas apresentadas pelos restantes sócios e não aceites - não pode, sem mais, concluir-se, como faz a AT, que se trata de um comportamento generalizado de todos os sócios.
É pois com razão que o Impugnante alega que as correções em sede da categoria A, assentes no raciocínio acima exposto, carecem da devida fundamentação na medida em que não surge em lado algum, em nenhum dos três RIT em apreço, o detalhe das despesas apresentadas pelo ora impugnante à sociedade para efeitos de reembolso, ou os documentos apresentados para justificar despesas em relação às quais tenham ocorrido adiantamentos para o efeito, limitando-se a uma generalização ou extrapolação de um caso concreto para os demais, que por se revelar insuficientemente fundamentada de facto não permite a respetiva compreensão e desse modo impossibilita uma adequada sindicância da respetiva legalidade, como é ratio do dever legal de fundamentação dos atos.
Só um ato fundamentado é passível de controlo contencioso, designadamente no que se refere a vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos (de facto e de direito) e do desvio de poder, só se podendo considerar adequadamente fundamentado quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo seu autor para proferir a decisão.
No caso, no cotejo dos três RIT que contêm os fundamentos das correções em apreço (o relativo ao próprio impugnante e aqueles que se referem a cada uma das sociedades, “B...” e “B...”) não é possível apreender os motivos pelos quais a correção é efetuada relativamente ao Impugnante, uma vez que não são detalhados com base em factos concretos, v.g. que despesas concretas não podem ser consideradas como custos das próprias sociedades, ou quais os valores recebidos pelo Impugnante em relação aos quais não foram “prestadas contas”.
Pelo exposto - por evidente falta de fundamentação -, impõe-se, neste ponto, julgar procedente a alegação do Impugnante e, em consequências, anular, na respetiva medida, as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2000 e 2001.”

Portanto, confirmamos a decisão recorrida, que aliás, está em conformidade com o recentemente decidido no acórdão do TCAS de 14/01/2021, proc. n.º 179/06.8BEALM, no qual também estava em causa correções efetuadas às empresas “B...” e B...” com base no mesmo relatório de inspeção que originaram as correções em sede de IRS do Impugnante.

Na verdade, a análise efetuada às despesas incidiu, sobretudo, às relativas a um dos sócios, P..., relativamente ao qual a AT admite ser aquele a quem “respeitam na sua grande maioria” as despesas apresentadas pelos restantes sócios e não aceites, e assim sendo, como bem salienta a sentença recorrida, não pode, sem mais, concluir que se trata de um comportamento generalizado de todos os sócios, e diremos mais, porque tal questão já foi julgada no acórdão do TCA Sul supra referido relativamente ao Impugnante P... que concluiu no sentido da ilegalidade das correções.

Pelo exposto, improcedem as conclusões A) a K) das alegações de recurso.

A respeito da correção referente a proveitos diferidos invoca a Recorrente Fazenda Pública que a sentença enferma de erro de julgamento porque não se poderá concluir como fez, que se encontra justificado o diferimento de proveitos com base nas cartas elaboradas pela IGF e IGAT, porquanto falham elementos de orçamentação, pelo que foi violado o princípio da especialização dos exercícios previsto no art. 18.º do CIRC, uma vez que o Impugnante não cumpriu o seu ónus nos termos do art. 74.º da LGT (cf. conclusões L) a Q)).

Contudo, também nesta parte a sentença não enferma dos vícios que são assacados pela Recorrente, sendo de igual modo de confirmar:

Analisemos agora as correções relativas à variação dos proveitos diferidos efetuadas na esfera jurídica da sociedade “B...” com consequente correção em sede de IRS para o ora Impugnante, mediante acréscimo de rendimentos da categoria B, ao abrigo do regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.° do CIRC.
No ponto alega o Impugnante que, relativamente os proveitos diferidos refletem com coerência a faturação efetuada em cada um dos anos de 2000 e 2001 mas cujo serviço só terminou no ano seguinte. Completa a sua alegação dizendo que os serviços de auditoria e certificação legal de contas, apesar de serem faturados numa base mensal dentro do respetivo exercício, decorrem, contudo, e habitualmente, até ao fim do primeiro trimestre do exercício seguinte, razão pela qual, o respetivo reconhecimento contabilístico respeita o disposto no art.° 18.°, n.° 3, alínea b), do CIRC, sobre reconhecimento de proveitos, inexistindo fundamento razoável para as correções efetuadas, neste aspeto, à sociedade “B...”, “e que directamente se vão reflectir, na parte proporcional, no lucro imputável ao ora Impugnante”. Como exemplo da correção do procedimento adotado pela “B...”, sobre reconhecimento de proveitos diferidos, o Impugnante dá o exemplo dos serviços prestados à Inspeção Geral de Finanças (IGF) e à Inspeção Geral da Administração do Território (IGAT), entidades que reconheceram que os trabalhos não estavam concluídos em 31.12.2001, nem em sequer no primeiro trimestre de 2003, por motivos inerentes ao procedimento que, para além de envolver aquelas entidades e a “B...”, envolvia também outras entidades, as quais tinham direito de participação no procedimento, assim atrasando a conclusão da prestação de serviços contratada e faturada em meses anteriores.
A Fazenda Pública remeteu para o teor do RIT do qual resulta, em síntese, que o “diferimento de facturação não tem qualquer critério subjacente que sustente de forma clara e inequívoca que os serviços facturados nos exercício só irão ser realizados no próximo ou próximos anos”, acrescentando ainda que no “exercício de 2000, foram diferidos proveitos no montante de 305.091,74 euros, tendo sido considerada como proveito no exercício de 2001, toda a facturação emitida a partir de 17 de Novembro de 2000” e que, relativamente a “2001, foram diferidos proveitos no montante de 368.586,57 Euros, tendo sido considerada como proveito no exercício de 2002, toda a facturação emitida a partir de 6 de Novembro de 2001”.
Vejamos então.
Tal como se apreciou na sentença proferida no processo de impugnação judicial n.° 1754/05.3BELSB [cf. al. U) dos factos provados], de cujo enquadramento jurídico aqui nos valemos, a “possibilidade de registar diferimentos e/ou acréscimos resultava do princípio contabilístico da "especialização" ou do "acréscimo", nos termos do qual "os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam." [cf. ponto 4, c) do Plano Oficial de Contabilidade, doravante POC].
Resulta deste princípio que dando prevalência à realidade económica dos factos, contabilisticamente e quando as circunstâncias o justifiquem, se poderá registar o proveito num momento diverso do recebimento, registando-se o primeiro no momento em que o facto económico ocorra, independentemente do momento do recebimento da correspondente contrapartida monetária.
Para registo destes factos existia no POC a conta 2.7, sendo que o registo dos custos diferidos, ou seja, dos custos que por força do princípio da especialização deviam ser reconhecidos nos exercícios seguintes, se devia efectuar na conta 272, e o registo dos proveitos diferidos, ou seja, dos proveitos que por força do princípio da especialização deviam ser reconhecidos nos exercícios seguintes, na conta 272 (cf. notas explicativas constantes no ponto 12 do POC).
No código do IRC o princípio da especialização é acolhido no art. 18.°, resultando do disposto no respectivo n.° 1 que "os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios".
Da alínea b) do respectivo n.° 3 resulta ainda que "os proveitos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada ou sucessiva, em que devam ser levados a resultados numa medida proporcional à da sua execução"”.
No caso, o Impugnante invoca, de modo genérico, conforme acima se refere, que os proveitos diferidos da “B...” refletem a faturação que a sociedade efetuou em cada um dos anos, mas cuja prestação efetiva dos serviços só terminou no ano seguinte, em conformidade com a regra constante da al. b) do n.° 3 do art.° 18.° do CIRC, e o que resulta da fundamentação do ato neste ponto é que a AT entendeu que as razões concretas do diferimento não se encontravam comprovadas documentalmente e que os diferimentos foram efetuados não com base numa justificação concreta plausível mas com base na data das faturas emitidas.
Resultava do n.° 1 do art.° 98.° do CIRC, cuja numeração foi alterada para 115.° por força da alteração introduzida pelo DL 198/01, de 03/07, que as sociedades comerciais são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que permita o controlo do lucro tributável, devendo além do mais todos os lançamentos estar apoiados nos correspondentes documentos de suporte.
Ora, salvo no caso dos serviços prestados à IGF e à IGAT, que o Impugnante nos apresenta como exemplo do bom cumprimento das regras contabilísticas relativas ao diferimento de proveitos, não são apresentados quais quer documentos (evidências contabilísticas), nos demais casos, que demonstrem o prolongar da prestação dos serviços para além do respetivo período de faturação dos mesmos.
Assim sendo, e salvo no que respeita à faturação relativa à IGF e à IGAT, bem andou bem a AT ao efetuar as correções em apreço, uma vez que a necessidade de documentação de suporte neste caso se revelava da maior importância por forma a permitir a comprovação de que a faturação emitida não era ilustrativa da periodização dos factos económicos que lhes estão subjacentes.
Com efeito, existindo faturação referente a um determinado período sem qualquer outra documentação que permita comprovar o contrário, é correcto que a AT impute os proveitos/custos relevados pela mesma ao período em que foi emitida, por ser essa a situação normal na prática comercial.
Já assim não sucede, como deixámos antever acima, no caso do diferimento de proveitos relativos aos serviços prestados à IGF e IGAT.
Na verdade, como se alcança das cartas elaboradas pela IGF e pela IGAT em resposta a solicitação da “B...”, o modo como foi acordado o pagamento do valor total dos respetivos contratos, ou seja, que metade da última tranche de pagamento no montante de 50% do valor total do contrato (ou seja, 25% do valor total) foi pago a título de adiantamento por conta de serviços a prestar contra a apresentação de caução de valor igual ao adiantamento, e que, em 31.12.2001, na generalidade das auditorias apenas tinham sido emitidos relatórios preliminares [cf. als. S) e T) da fundamentação de facto], deve dar-se por justificado, em termos documentais, o diferimento de proveitos no que a estes serviços respeita, de onde resulta que, no que aos rendimentos da categoria B, as respetivas correções se mostram ilegais na medida do excesso da correção efetuada em sede de diferimento de proveitos na esfera jurídica da “B...”, impondo-se, também nessa mesma medida, a anulação das liquidações de IRS dos anos de 2000 e 2001.
Conclui-se, assim, pela procedência parcial da presente impugnação judicial. (…)”

Na verdade, ao contrário do que invoca a Recorrente Fazenda Pública o entendimento vertido na sentença recorrida não viola o art. 18.º do CIRC, na medida em que, tem enquadramento no disposto na alínea b), do n.º 3, do art. 18.º do CIRC. Entendeu, e bem, que as razões concretas do diferimento de proveitos relativos aos serviços prestados à IGF e IGAT se encontravam comprovadas documentalmente (na parte objeto do presente recurso). Ora, com base na matéria de facto dada como assente nas alíneas S) e T), que não foi impugnada pela Recorrente, entendeu-se justificado o diferimento de proveitos relativamente a esses serviços.

Em suma, também nesta parte é de negar provimento ao recurso.

Pelo exposto, não assiste razão à Recorrente, improcedendo todas as conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. vencida nesta instância a Recorrente Fazenda Pública, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Presumindo-se verdadeiras as declarações dos contribuintes nos termos do art. 75.º, n.º 1 da LGT, cabe à AT o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de tributar, o que não logra fazer quando se limita a corrigir rendimentos do Impugnante em sede de IRS com base no comportamento de um outro sócio;

II. Os proveitos relativos a prestações de serviços que consistam na prestação de mais de um ato ou numa prestação continuada ou sucessiva, em que devam ser levados a resultados numa medida proporcional à da sua execução, nos termos da alínea b), do n.º 3, do art. 18.º do CIRC, constituem exceção à regra de que os serviços se consideram em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença na parte recorrida.
****
Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 16 de setembro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora
A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e Susana Barreto