Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12421/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:08/28/2015
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:SERVIÇO UNIVERSAL DO MERCADO DE COMERCIALIZAÇÃO DE ELECTRICIDADE – LADA;
INCOMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:
1. O exercício da actividade de comercialização de electricidade no quadro do serviço universal sob licença de comercialização de último recurso, não configura nenhuma situação indiciária da sujeição da actividade exercida pelo particular a vinculações de desempenho de funções administrativas – cfr. artºs. 45º nº 3, 52º, 53º e 55º, DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) e artºs. 46º, 47º nºs. 1 e 2 a 49, DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06).

2. O referido em 1., significa a inaplicabilidade do regime da informação procedimental no âmbito de previsão do artº 4º nº 1 g) ou nº 2, Lei 46/2007, 24.08 (LADA).

3. O litígio envolvendo obrigações emergentes do serviço universal sob licença de comercialização de último recurso no sector da electricidade, configura uma situação jurídica subtraída à competência da jurisdição administrativa, atento o disposto no artº 4º nº 1 d) ETAF.

A Relatora,
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:…………………… SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:


1. A Sentença recorrida padece (i) de erro na decisão sobre a matéria de facto, (ii) de erro de julgamento (por ter considerado improcedentes as excepções de incompetência material dos tribunais administrativos e de ilegitimidade passiva da ora RECORRENTE) e, finalmente, (iii) de erro de julgamento (por ter considerado que a RECORRENTE se encontra, no caso abrangida pelo âmbito subjectivo de aplicação da LADA).
2. A Sentença foi, ainda, proferida na sequência de irregularidade processual passível de a inquinar.
3. Com efeito, o Tribunal a quo notificou a …………., por determinação do despacho de 12 de fevereiro de 2015, para, querendo, apresentar a resposta às excepções invocadas pela …….., o que a ……… fez por requerimento de 3 de março de 2015.
4. Contudo, quer a ……….., quer o Tribunal a quo, nunca notificaram a ………… do teor daquela resposta às excepções, apesar de ter, por determinação do despacho de 30 de março de 2015, a Ilustre Mandatária da ………… ter sido notificada pelo Tribunal para informar os autos sobre a data de realização de tal notificação à …………..
5. A falta de notificação à ……….. da resposta às excepções constitui, nos termos do disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi dos artigos 35.º e 140.º do CPTA, irregularidade passível de inquinar a Sentença, que se deixa invocada para os legais efeitos.
Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto:
6. A Sentença recorrida incorreu em erro na decisão sobre a matéria de facto, ao ter julgado provado, com base no documento junto com o requerimento inicial com o n.º 13, que, “em 23 de dezembro de 2014, a Requerente apresentou à Requerida, por correio registado, um pedido de informação e passagem de certidão (…)” (cfr. ponto 14 da decisão sobre a matéria de facto, p. 6 da Sentença).
7. Com efeito, decorre do teor do documento n.º 13 junto com o requerimento inicial da ………. que o pedido de informação e passagem de certidão em apreço não foi enviado à …………, mas antes à sociedade ……………, o que, ademais, é reconhecido na p. 14 da Sentença recorrida.
8. Nestes termos, deve ser revogada a decisão sobre a matéria de facto constante do ponto 14 da Sentença, dando-se antes por provado que “em 23 de dezembro de 2014, a Requerente apresentou à ………………., por correio registado, um pedido de informação e passagem de certidão (…)”.
Erro no julgamento da excepção de incompetência absoluta:
9. A Sentença recorrida concluiu erradamente que estariam in casu preenchidos os pressupostos de que depende a atribuição, aos tribunais da jurisdição administrativa, de competência para o julgamento do litígio, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), ETAF (cfr. pp. 13-14 da Sentença).
10. A jurisdição dos tribunais administrativos encontra-se delimitada pelo artigo 212.º, n.º 3, da Constituição, e pelo artigo 1.º, n.º 1, do ETAF, dos quais decorre que o legislador erigiu o conceito de «relação jurídica administrativa» em critério fundamental para delimitação do âmbito da jurisdição administrativa.
11. O litígio instaurado pela ……….. nos presentes autos não emerge de uma relação jurídico-administrativa, porquanto, desde logo, a …………… é uma entidade de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima, de capitais exclusivamente privados e que, no exercício das actividades compreendidas no seu objecto social, actua exclusivamente por via de instrumentos jurídicos do direito privado.
12. Acresce que, ao contrário do que decidiu a Sentença recorrida, os tribunais administrativos também não são competentes para conhecer do litígio em apreço por via do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), daquele diploma.
13. Os tribunais administrativos apenas são, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do ETAF, competentes para dirimir determinados litígios entre privados se e quando tais entidades se encontrem investidas de certas prerrogativas próprias do poder público e actuem, no âmbito do litígio, investidas de poderes administrativos, que a doutrina e jurisprudência reconduzem ao conceito de poderes públicos de autoridade.
14. Com efeito, é a titularidade de poderes públicos de autoridade por parte de entidades privadas que, por convocar a aplicabilidade do Direito Público, enquanto corpo de normas que regula especificamente a organização e os processos próprios de agir da Administração Pública, justifica que o controlo da legalidade dessa actividade seja entregue a uma jurisdição distinta da dos tribunais judiciais.
15. A titularidade de poderes públicos de autoridade não está conexionada com a natureza jurídica ou o tipo de relação instituída entre o titular desse poder e a Administração: os sujeitos privados actuam, em regra, segundo as formas de direito privado e só por expressa atribuição legal ou estipulação contratual lhes pode ser reconhecida, caso a caso, a competência para o exercício de poderes públicos.
16. Para que um litígio seja submetido à jurisdição administrativa por via do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do ETAF é adicionalmente necessário que ele se refira ao exercício efectivo de poderes administrativos por parte da entidade privada demandada.
17. O apuramento, in casu, da operatividade da cláusula atributiva de competência fixada no artigo 4.º, n.º 1, alínea d) do ETAF, exige que se questione se a ………… detém poderes públicos de autoridade e se estava a actuar no exercício desses poderes, na situação de facto configurada pela ……………..
18. Na situação em apreço, deve concluir-se que a ………… não é titular de quaisquer poderes administrativos, muito menos tendo actuado ao abrigo de tais poderes no âmbito do litígio delimitado pela RECORRIDA …………..
19. Com efeito, nenhum dos diplomas legais que regulam a actividade da ……….. lhe reconhece a titularidade de prerrogativas de direito público, nem tais poderes resultam de qualquer título atribuído pelo Estado.
20. No quadro legal que regula o funcionamento do ……., o exercício da actividade de comercialização de energia eléctrica é, em regra, livre, traduzindo-se numa actividade puramente privada e exercida em regime de concorrência (cfr. artigo 42.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/2006).
21. Para além dos comercializadores livres, a lei instituiu ainda figura do comercializador de último recurso, visando assegurar que, em resultado do funcionamento do mercado liberalizado, nenhum cliente – e sobretudo os mais desfavorecidos economicamente – fique desprovido do serviço de fornecimento de electricidade (cfr. artigo 46.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/2006).
22. No âmbito do ……, o comercializador de último recurso é precisamente a ora RECORRENTE ……….., que exerce esta actividade ao abrigo de uma licença atribuída directamente por lei (cfr. artigo 73.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/2006, e artigo 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172/2006).
23. Analisado o bloco normativo que regula o exercício da actividade de comercialização de último recurso, constante dos artigos 46.º a 49.º do Decreto-Lei n.º 29/2006 e dos artigos 52.º a 55.º do Decreto-Lei n.º 172/2006, comprova-se que o legislador não atribuiu à ……… qualquer prerrogativa de direito público, i.e., de qualquer prerrogativa que lhe confira uma posição de supremacia ou supraordenação relativamente a terceiros, permitindo-lhe definir inovatoriamente e de modo imperativo situações jurídico-administrativas, através da prática de atos unilaterais, da edição e normas jurídicas, da produção de declarações às quais se reconheça força especial ou do emprego de meios de coação sobre pessoas e bens.
24. Com efeito, a lei limita-se a fixar o conteúdo das obrigações de serviço público a que está sujeita a …………… e a assegurar-lhe uma remuneração regulada, destinada a garantir o equilíbrio económico e financeiro dessa actividade.
25. Acresce que não pode sequer afirmar-se que a ………… desempenhe uma função pública administrativa: a actividade desenvolvida pela ……… reporta-se ao exercício, por um privado, de uma actividade económica despublicizada.
26. Como é consabido, as únicas actividades do …… que se mantêm actualmente na esfera pública, sendo exercidas em regime de concessão de serviço público, são as tarefas de estabelecimento e exploração da rede de transporte de energia eléctrica (cfr. artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 29/2006) e de distribuição de energia eléctrica (cfr. artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 29/2006).
27. A actividade económica desenvolvida pela ……. reconduz-se a uma actividade de carácter privado; os contratos de fornecimento de energia eléctrica que a ……… celebra com os consumidores são puros contratos privados, regulados pelo Direito Civil e pelo Direito dos Consumidores.
28. Não dispondo a ………… de poderes públicos de autoridade e exercendo uma actividade que não integra a função administrativa, não se encontram reunidos os pressupostos de que depende, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do ETAF, a atribuição aos tribunais administrativos da competência para o julgamento do litígio.
29. Esta competência também não se pode fundar em nenhuma das outras alíneas do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, pelo que se impõe concluir que o presente litígio está fora do âmbito da jurisdição administrativa.
Erro no suprimento oficioso da excepção de ilegitimidade passiva:
30. Atenta a configuração do litígio resultante do requerimento apresentado pela ………., a ……….. não é parte legítima na presente acção, como bem reconheceu a Sentença recorrida (cfr. p. 14 da Sentença).
31. A ………… dirigiu o pedido de informação e passagem de certidão formulado ao abrigo da LADA à sociedade ………………. (cfr. ainda o documento junto pela …….. com o n.º 13), pelo que a única destinatária da intimação pretendida apenas poderia ser a sociedade ………….. e nunca a ……………...
32. Configurando-se a ilegitimidade passiva da ………… em face do litígio delineado pela própria …………., a Sentença recorrida não podia ter deixado de absolver a ora RECORRENTE da instância.
33. A Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por ter incorretamente aplicado o artigo 278.º, n.º 2, do CPC (cfr. p. 14 da Sentença), cujos requisitos não se encontram preenchidos in casu, impondo-se absolver-se a …… da instância com fundamento na sua ilegitimidade passiva.
Erro na aplicação do artigo 4.º, n.º 1, alínea g), da LADA:
34. A Sentença recorrida incorreu ainda em erro de julgamento, ao concluir que a ……… se encontra abrangida pelo âmbito subjectivo de aplicação da LADA, por via do seu artigo 4.º, n.º 1, alínea g) (cfr. p. 15 da Sentença recorrida), porquanto, como se viu, a ……… não exerce funções administrativas, nem dispõe de quaisquer poderes públicos.
35. Assim, a ……… não se encontra abrangida pelo âmbito subjectivo de aplicação da LADA, não podendo a ……… exercer, perante ela, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos previsto naquele diploma, de que depende a operatividade do processo para intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, consagrado nos artigos 104.º e ss. do CPTA.
36. O legislador apenas submeteu aos deveres consagrados na LADA as entidades privadas que auxiliam a Administração na preparação ou execução material de uma tarefa administrativa, ao abrigo do fenómeno da privatização funcional (como sucede nas concessões de serviço público), e não as que, como a ……….., desenvolvem uma actividade materialmente privatizada.
37. Adicionalmente, os documentos produzidos pela ………… no exercício da sua actividade, incluindo os eventuais contratos de fornecimento de energia eléctrica que celebre, têm natureza jurídico-privada e respeitam a uma actividade contratual exercida sob a égide do Direito Civil e do Direito dos Consumidores.
38. Tais documentos não constituem, por isso, documentos administrativos na acepção da LADA, não podendo a …………, quanto aos mesmos, invocar o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos consagrado no artigo 268.º, n.º 2, da Constituição e regulado na LADA.
39. Em face do exposto conclui-se, também por esta via, pela inaplicabilidade do meio processual previsto no artigo 104.º e ss. do CPTA e pela incompetência dos tribunais da jurisdição administrativa para o conhecimento da presente acção.
40. Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve conceder-se provimento ao presente Recurso, sendo a Sentença recorrida revogada, com as demais consequências legais.

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A Recorrida não contra-alegou.


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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1 - A Requerente, ………………………………… (………), é uma Associação de Direito Privado, que tem por objeto a defesa dos direitos e interesses dos proprietários da urbanização de ................., podendo, para o efeito, assumir a gestão, conservação e administração de infraestruturas, espaços verdes e lagos, bem como gerir e disciplinar, pela forma que entenda mais conveniente, a circulação automóvel nos acessos estradas e caminhos da Urbanização. A associação poderá mediante contrato ou concessão, assumir a gestão de condomínios, de fogos de habitação, de instalações de lazer ou outras, dentro do espaço da urbanização. À Associação cabe ainda desenvolver uma vertente social, de apoio, desportiva e cultural, no sentido de prover à boa vivência e ao bem-estar entre Associados/Proprietários e os seus agregados familiares (cf. artº 2.º dos Estatutos, juntos ao r.i. sob o Doc. n.º 1);
2 - Em 18 de março de 1999, o Município de Grândola concedeu à Requerente “a gestão dos espaços verdes, lagos artificiais e equipamentos de lazer e de utilização colectiva, arruamentos, caminhos pedonais e parques de estacionamento que servem a Urbanização da .................. e constituem domínio público municipal” (cf. cláusula primeira do contrato de concessão junto ao r.i. sob o Doc. n.º 2);
3 - A gestão dos espaços concedidos “consubstancia um serviço público, que deve observar princípios de prossecução de serviço público (cf. cláusula terceira do Doc. n.º 2, já referido),compreendendo:
a) a limpeza e higiene de todos os espaços públicos, com a excepção da recolha de resíduos sólidos urbanos;
b) a manutenção e conservação dos arruamentos, caminhos pedonais e acessos de praia;
c) a manutenção e conservação dos espaços verdes, lagos e demais equipamentos de recreio e lazer de utilização colectiva;
d) a vigilância e segurança de toda a área integrada na concessão, por forma a evitar depredações e a proporcionar a tranquilidade e comodidade dos moradores.” ;
4 - Para além da possibilidade de resgate ou de sequestro da concessão, previstos nas cláusulas décima quarta e décima quinta, “o concedente poderá dar por finda a concessão, mediante rescisão do contrato, quando ocorra justa causa, designadamente:
a) incumprimento culposo das obrigações da concessionária” (cf. cláusula décima terceira);
5 - O Município de Grândola dispõe de poderes de fiscalização da atividade da Requerente, de entre os quais, “o poder de aprovar e fiscalizar a aplicação:
i) Planos de actividades anuais da concessionária;
ii) Quaisquer regulamentos com efeitos externos emitidos pela concessionária, nomeadamente relativos à fixação de tarifas e taxas e suas revisões;” (cf. cláusula oitava, n.º 5, alínea b), do dito contrato);
6 – A ………………………………, S.A., é proprietária do prédio urbano com uma superfície coberta com uma área de 530 m2 e uma superfície descoberta com uma área de 5470 m2, habitualmente designado por “…………”, sito em Tróia, Núcleo C-1 de ………….., freguesia do Carvalhal, concelho de Grândola, inscrito na matriz predial da freguesia do Carvalhal sob o artº ……, mas que não constitui um lote ou prédio autónomo, pelo que integra o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º ………………., de que a …………… é proprietária e legítima possuidora, doravante …………. (Cf. certidão permanente de registo predial acessível através do código: …………………………………, cuja cópia foi junta ao r.i. sob o Doc. n.º 4, certidão de teor matricial junta sob o Doc. n.º 5 e certidão emitida pela Câmara Municipal de Grândola junta sob o Doc. nº 6 e Docs. n.º 7 e 8);
7 – O denominado ………… é um prédio térreo de construção em madeira, composto de 3 conjuntos e que confronta a Norte, Sul e Nascente com ………… e Poente com o Domínio Público Marítimo, composto por: 1.º - conjunto destinado a comércio com 2 divisões, 1 cozinha, 4 casas de banho, 1 vestíbulo e 3 despensas, 2.º conjunto composto de 1 divisão destinada a comércio; 3.º conjunto composto de 10 casas de banho, 1 corredor e 1 despensa (Cf. Doc. n.º 4 e 5);
8 - O “……….” está localizado na duna da praia atlântica, é destinado a restaurante-bar e é titular do alvará de licença de utilização para serviços de restauração de bebidas n.º 18, emitida em 4 de junho de 2001 (Cf. Docs. n.º 5 a 8 e 9 juntos ao r.i.);
9 - Seja pela sua localização (em frente ao mar), seja pelos serviços assegurados, o “………….” constitui um apoio imprescindível para os proprietários, os arrendatários e outros, que frequentem o Urbanização de ………… e é indispensável à segurança da praia, sobretudo fora da época balnear (acordo);
10 - A Requerente e a ………………………………………………………., SA celebraram um contrato de cedência de exploração do espaço, ao abrigo do qual a Requerente está a obrigada a pagar o valor de 2.512,50 + IVA, a título de contrapartida pela utilização, cf. doc. 10 junto ao r.i.;
11 - Nem a ora Requerente nem a sociedade …………………………………………, S.A. celebraram qualquer contrato de fornecimento de energia com a Requerida, para o dito imóvel, entre junho de 2012 e a presente data (acordo);
12 - Em 26 de novembro de 2014 a Requerente remeteu, à …………………, uma carta com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores,
A Requerente …………………………..(…………), é uma Associação de Direito Privado, que tem por objeto a defesa dos direitos e interesses dos proprietários da urbanização de ………… , podendo, para o efeito, assumir a gestão, conservação e administração de infraestruturas, espaços verdes e lagos, bem como gerir e disciplinar, pela forma que entenda mais conveniente, a circulação automóvel nos acessos estradas e caminhos da Urbanização. A associação poderá mediante contrato ou concessão, assumir a gestão de condomínios, de fogos de habitação, de instalações de lazer ou outras, dentro do espaço da urbanização (cf. estatutos disponíveis in www………...pt e, mais diretamente, em http://www.............pt/pagina.php?menu=Administração&categoria=Documentação).
Desde 18 de março de 1999, que o Município de Grândola concedeu à Requerente “a gestão dos espaços verdes, lagos artificiais e equipamentos de lazer e de utilização colectiva, arruamentos, caminhos pedonais e parques de estacionamento que servem a Urbanização da …………. e constituem domínio público municipal”. A Requerente é a legítima possuidora e cessionária da exploração do prédio urbano com uma superfície coberta com uma área de 530 m2 e uma superfície descoberta com uma área de 5470 m2, habitualmente designado por “……….”, sito em Tróia, Núcleo C-1 de …………., freguesia do Carvalhal, concelho de Grândola, inscrito na matriz predial da freguesia do Carvalhal sob o artº ......., mas que não constitui um lote ou prédio autónomo, pelo que integra o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º ………….., de que a ………………………………………….., S.A., é proprietária (conforme certidão permanente de registo predial acessível através do código: ………………………….. e contrato de cessão de exploração que protesta juntar caso se repute necessário).
A Requerente sabe que a ……… celebrou um contrato de fornecimento de energia para o dito imóvel, e que se encontra, presentemente, a fornecer energia ao mesmo.
Ora, como é óbvio e decorre das regras de celebração de contratos desta natureza, a …….. não pode firmar um contrato de fornecimento de energia e fornecê-la a quem não demonstre ter legítimo interesse no serviço contratado, ou seja, a quem não demonstre dispor de poderes de propriedade, de uso ou de fruição dos imóveis. Naturalmente, essa conduta viola os direitos de uso e de fruição pelo proprietário, cessionário, arrendatário, etc.
Sendo certo que, nem a Requerente - que é a legítima possuidora do imóvel – nem a …………………………………, S.A. - que é a proprietária -, contrataram quaisquer serviços de fornecimento de eletricidade relativamente ao estabelecimento, a Requerente vem solicitar a V. Ex.as que averiguem e que informem a que título fornecem energia ao referido estabelecimento; ou seja, que nos informem em que elementos se basearam e/ou se baseiam, para concluir pela demonstração da posse legítima do local de consumo, pelo vosso co-contratante, na presente data.
Como vossas Ex.as seguramente perceberão, o fornecimento de energia a imóvel, no quadro de um contrato celebrado por quem não tem legitimidade para o efeito é grave, e provoca danos a quem tem efetivos poderes de disposição do bem. Assim sendo, e sem mais delongas, solicitamos a prestação da informação já inventariada no parágrafo precedente, com a maior brevidade possível.”, cf. Doc. n.º 11 junto ao r.i.;
13 - Em 11 de dezembro de 2014, a Requerida respondeu o seguinte: Cf. Doc. n.º 12 junto ao r.i.;
14 - Em 23 de dezembro de 2014, a Requerente apresentou à Requerida, por correio registado, um pedido de informação e passagem de certidão nos seguintes termos:
“Foi com surpresa que recebemos a resposta de V. Ex.as ao nosso pedido, uma vez que, como seguramente saberão, o fornecimento de energia a imóvel, no quadro de um contrato celebrado por quem não tem legitimidade para o efeito é grave, e provoca danos a quem tem efetivos poderes de disposição do bem (no caso a …………., aqui requerente).
Acresce que nenhuma das informações ou elemento solicitado é um dado pessoal, que careça de proteção ao abrigo do disposto na Lei n.º 67/98, de 26 de outubro.
De todo o modo, e para evitar mais delongas, a Requerente ……………………………., Associação de Direito Privado que tem por objeto a defesa dos direitos e interesses dos proprietários da urbanização de ………….., podendo, para o efeito, assumir a gestão, conservação e administração de infraestruturas, espaços verdes e lagos, bem como gerir e disciplinar, pela forma que entenda mais conveniente, a circulação automóvel nos acessos estradas e caminhos da Urbanização (cf. estatutos disponíveis in www............pt), com sede na Portaria de …………, 7570-788, freguesia do Carvalhal, concelho de Grândola, com o número único de matrícula e pessoa coletiva n.º …………, vem, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 3.º, n.º 1, al. a), 4.º, n.º 1, al. g), 5.º, 11.º, 13.º e 14.º, da Lei que Regula o Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto), expor e requerer a V. Ex.as o seguinte:
1. A ……… exerce funções administrativas, nos termos do disposto nos artºs 9º, al. d), 7º e 2º, n.º 2, do DL n.º 182/95, de 27 de Julho e do DL n.º 344-B/82 conjugado com a Portaria n.º 454/2001, na medida em que, ao ser distribuidora de eletricidade de alta, média e baixa tensão, está a dar cumprimento aos objetivos fixados anteriormente pelo legislador, ou seja, está a dar cumprimento à tarefa constitucional de promover o desenvolvimento económico e social, bem como o bem-estar da população;
2. “A …………………., SA é uma empresa concessionária. E como, a este propósito, ensina Armando…………………, a concessão é o “acto (unilateral ou bilateral) por cujo intermédio uma pessoa colectiva de direito público encarrega uma entidade (privada ou pública) do desempenho de actividade incluída na esfera das suas atribuições e da sua competência”. E continua: “O principal resultado da concessão consiste em converter a entidade concessionária em empresa de interesse colectivo, como tal integrada na Administração Pública, mas com autonomia e personalidade jurídica própria. A entidade concessionária fica investida na função pública de desempenhar uma actividade de interesse geral, que a lei reservara à entidade concedente; e funciona, por isso (embora guardando a sua individualidade), como um desdobramento desta última. Em termos genéricos, tomada a expressão no seu mais amplo sentido organizativo e estrutural, a entidade concessionária figura como órgão indirecto da Administração”. Quer dizer: a concessão obriga a …………………….., SA, ao cumprimento dos deveres que a lei consagra e investe-a também na titularidade de poderes de autoridade que exercerá nos termos do direito aplicável. É nisso, em suma, que reside o fulcro da questão da natureza jurídica dos entes que, como a ……………………, SA, constituem a chamada Administração Estadual Indirecta: a possibilidade de, por motivos de eficiência e/ou de boa gestão, colherem os benefícios que a lei lhes confere e de exercerem os poderes de autoridade em que legalmente ficam investidos, sujeitando-se, todavia, a obrigações, a restrições e a limitações de carácter público. De tudo o que ficou exposto decorre que a entidade aqui requerida está abrangida na previsão do citado nº 1 do artigo 3º da LADA.” (Cf. Parecer da CADA nº 207/2004, Processo nº 2933, de 8.9.2004, disponível em http://www.cada.p t/up loads/Pa recere s/2004 /207.pd f);
3. A Requerente é a legítima possuidora e cessionária da exploração do prédio urbano com uma superfície coberta com uma área de 530 m2 e uma superfície descoberta com uma área de 5470 m2, habitualmente designado por “…………”, sito em Tróia, Núcleo C -1 de …………., freguesia do Carvalhal, concelho de Grândola, inscrito na matriz predial da freguesia do Carvalhal sob o artº ……, mas que não constitui um lote ou prédio autónomo, pelo que integra o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n.º…………, de que a ……………………….., S.A., é proprietária (conforme certidão permanente de registo predial acessível através do código: …………………………………….).
4. A Requerente sabe que a …….. celebrou um contrato de fornecimento de energia para o dito imóvel, e que se encontrou a fornecer energia ao mesmo entre 2012 (data cujo início a Requerente não consegue precisar) e, pelo menos, 21 de dezembro de 2014.
5. Todavia, nem a Requerente - que é a legítima possuidora do imóvel – nem a …………………………………………., S.A. - que é a proprietária -, contrataram quaisquer serviços de fornecimento de eletricidade relativamente ao estabelecimento durante esse período, pelo que a Requerente vem solicitar a V. Ex.as que averiguem e que informem a que título forneceram e/ou fornecem energia ao referido estabelecimento; ou seja, que informem em que elementos se basearam e se baseiam, para concluir pela demonstração da posse legítima do local de consumo, pelo vosso co-contratante, na presente data.
6. A Requerente pretende que lhe seja passada certidão com a informação solicitada e os elementos de suporte do contrato de fornecimento de energia elétrica em vigor para o dito espaço, pelo menos, até 21 de dezembro de 2014 (designadamente, o contrato ou contratos de onde poderia decorrer posse legítima do espaço pela entidade que celebrou o contrato com a …… );
7. Da mesma certidão deve ainda constar informação sobre a duração da relação contratual; ou seja, quando o contrato de fornecimento de energia elétrica foi celebrado, se o contrato ainda se mantém em vigor, e, em caso negativo, a data da sua cessação e os motivos da mesma.
Ficando a aguardar pela prestação de informação no prazo legal de 10 dias úteis, previsto para o efeito, e
Mantendo-nos disponíveis para a prestação de quaisquer esclarecimentos adicionais que tenham por necessários para a célere resolução da questão,”, cf. Doc. n.º 13 junto ao r.i.;
15 - A “…………………”, com sede na Rua …………………, ….., 1050-044 Lisboa Matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o número de matrícula e de pessoa coletiva ……………… “é concessionária da Rede Nacional de Distribuição (RND), rede de distribuição de energia eléctrica em média e alta tensão no território do Continente, sendo também concessionária da quase totalidade da rede de distribuição de Baixa Tensão, através de contratos de concessão celebrados com todos os municípios do Continente (Decreto-Lei n.º 344-B/82 - Portaria n.º 454/2001, de 5 de Maio - Portaria n.º 437/2001, de 28 de Abril)” cf. o site www.edp.pt;
16 - A ……………………., S.A. foi constituída no dia 19 de dezembro de 2006, sendo a ………………… o seu acionista único, tendo sido “atribuídas licenças de comercialização de último recurso à ……………………, empresa constituída e detida na totalidade pela …………………….., S.A., a nível de Portugal Continental, bem como às demais entidades concessionárias de distribuição de energia elétrica em Baixa Tensão, ao abrigo do Decreto-Lei nº 344-B/82, de 1 de setembro, dentro das suas áreas de concessão e enquanto durar o correspondente contrato.”, cf. o site www.edp.pt;
16 - A ora REQUERIDA ………. , No âmbito do SEN, é o comercializador de último recurso exercendo esta atividade ao abrigo de uma licença atribuída diretamente por lei (cfr. artigo 73.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 29/2006, e artigo 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 172/2006);
16 - Até à presente data, a Requerida não apresentou qualquer resposta ao pedido que lhe foi dirigido pela Requerente, em 23 de dezembro de 2014, apresentado ao abrigo do disposto nos artºs 3.º, n.º 1, al. a), 4.º, n.º 1, al. g), 5.º, 11.º, 13.º e 14.º, da Lei que Regula o Acesso aos Documentos Administrativos (acordo).



DO DIREITO


A Recorrida …………………………… em Tróia veio a juízo peticionar a intimação da ora Recorrente ………………………… SA, “a prestar as informações constantes da carta expedida em 23 de Dezembro de 2014”.
Obtida procedência, a questão da incompetência absoluta suscitada nas conclusões de recurso pela ora Recorrida no domínio dos pressupostos atinentes ao Tribunal, tem prioridade de apreciação.
Nesta matéria mantemos o entendimento constante do acórdão deste TCAS de que fomos Juiz-Relator, tirado no Rec. nº 11623/14 de 14.Maio.2015, como segue.


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O cerne substantivo do presente recurso está em saber, primeiro, da natureza jurídica das funções do serviço universal no âmbito da actividade societária desenvolvida pela ora Recorrente no domínio da comercialização de energia eléctrica em baixa tensão, e, segundo, se no quadro das obrigações emergentes do serviço universal é concebível estender a entidades privadas o complexo normativo que define o regime de acesso à informação administrativa.
A opção que se tome nesta matéria há-de enformar a questão da competência dos tribunais administrativos no tocante ao pretendido acesso aos documentos solicitados pela Recorrida à ora Recorrente respeitantes a informação sobre um contador de energia eléctrica e contratos que a ele dizem respeito.
Em sede de acção, o pedido deduzido pela ora Recorrida é o seguinte:
“(..) intimar a ……………………. SA, aqui Requerida, a prestar as informações constantes da carta expedida em 23 de Dezembro de 2014” – fls. s/numeração na 1ª Instância.
Tal pedido vem na sequência do solicitado por escrito junto dos serviços comerciais da Recorrente através da carta expedida em 23.12.2014, levada ao probatório na alínea 14.


1. serviço universal no sector da comercialização de electricidade;

A concorrência no sector eléctrico situa-se nas actividades de transporte, distribuição e comercialização de electricidade sendo a rede nacional de distribuição (RND) gerida pela ………………….SA, titular da concessão da RND por 35 anos, conforme artº 70º DL 29/2006, 15.02.
No tocante à aquisição de electricidade pelos consumidores, estatui o artº 45º nº 2 DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06, 15.02) que – “A actividade de comercialização de electricidade é exercida em regime de livre concorrência, estando sujeita a registo …”, nos termos ddos artºs 46º e ss. deste Diploma.
Na decorrência do direito comunitário em matéria das regras comuns para o mercado da electricidade, com excepção do caso previsto no artº 36º nº 8 do citado Diploma, a lei impõe a separação societária da actividade de comercializador de último recurso – vd. artº 47º DL 29/2006, 15.02, artº 53º nºs 3 e 4 a) DL 172/2006, 23.08, hoje artºs. 46º e 47º nºs. 1 e 2 DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06) e artsº 45º nº 3, 52º e 53º DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) – e, consequentemente, a ………………………… SA, “(..) viu-se obrigada a constituir uma nova sociedade comercial, à qual foi atribuída (pelo prazo de vigência do contrato de concessão da RND) licença para o exercício da actividade de comercializador de último recuso: essa sociedade é a ……………………… SA, o maior comercializador português. (..)”. (1)

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O titular da licença de comercializador de último recurso mostra-se sujeito ao bloco de obrigações que conformam o serviço universal, nos termos dos artºs. 45º nº 3, 52º, 53º e 55º, DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) e artºs. 46º, 47º nºs. 1 e 2 a 49, DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06).
O elenco de obrigações que conformam o serviço universal na vertente da protecção do consumidor no que tange ao direito à informação, tem assento expresso nos artºs. 5º nº 3 d), 6º nº 2, 44º nº 6 e 53º 2 c) do DL 215-A/2012, 08.10, verificando-se que, relativamente à versão inicial do DL 29/2006, de 15.02, o legislador procedeu a uma maior densificação dos direitos dos consumidores.

Concretamente, introduzindo (i) o artº 45º-A sob a epígrafe de “Relações com os clientes” e no que respeita ao Capítulo III relativo aos consumidores, (ii) sob a epígrafe “Direitos”, no artº 53º nº 5 o direito a “procedimentos transparentes e simples para o tratamento de reclamações relacionadas com o fornecimento de electricidade” e (iii) sob a epígrafe “Direitos de informação”, manteve no artº 54º nº 1 f) a “Consulta prévia sobre todos os actos que possam vir a modificar o conteúdo dos seus direitos.”
Por outro lado, em termos de mercado da electricidade o legislador não distingue os consumidores da comercialização regulada, isto é, do serviço universal, dos restantes, tanto assim que em termos de conceito, os consumidores do artº 6º nº 2 DL 29/2006, “(..) são os “utentes” que a Lei 23/96 [de 26 de Julho, que consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais, abrangendo o serviço de fornecimento de energia eléctrica] define com uma latitude coincidente com a do conceito de consumidor ou cliente de electricidade. (..)” (2)
*
Como nos diz a doutrina que vimos citando, a prestação do serviço universal no sector da comercialização de electricidade, “(..) refere-se à exigência que se coloca ao Estado de garantir que no mercado, exista um operador em condições de fornecer electricidade a todos os clientes que o solicitem, a preços razoáveis – fixados pelas instâncias de regulação (ERSE) – observando a legislação aplicável.
O conceito encontra-se, portanto, associado a uma obrigação de fornecimento de electricidade em condições regulamentadas e com preço fixado pela entidade reguladora sendo que (..) Ao contrário do que se verifica noutros sectores (v.g., serviço universal de comunicações), a regulamentação do sector eléctrico não se ocupa do financiamento ou cobertura dos custos do serviço universal.
O princípio que se adopta é o de que as tarifas, incluindo as do serviço universal são fixadas de modo a proporcionar um determinado nível de proveitos ao comercializador de último recurso (cf. artº 14º do regulamento Tarifário). Assume-se, por conseguinte, que os preços da electricidade hão-de, em todos os cenários, cobrir os custos do comercializador e deixar uma margem de proveitos (nível permitido de proveitos).
Eis o que resulta do disposto no artº 53º nº 2 do Decreto-lei nº 172/2006: “pelo exercício da actividade de comercialização de último recurso é assegurada uma remuneração nos termos do Regulamento Tarifário que assegure o equilíbrio económico e financeiro da actividade licenciada, em condições de uma gestão eficiente” (..) [cabe] não confundir os conceitos de serviço universal e de serviço público (enquanto prestação pública).
Na verdade, o serviço universal remete para uma responsabilidade pública de garantia exigindo que o Estado assegure, não por si mas através do próprio mercado, que certos serviços são prestados segundo condições especificadas. A prestação do serviço representa, de certo modo, um encargo para os prestadores, impondo-lhes que prestem os serviços abrangidos segundo regras predefinidas e não nas condições normais de mercado. (..)” (3)
Encargo que nesta área da comercialização de electricidade, é suportado pelos consumidores através das tarifas fixadas pela entidade reguladora (ERSE), regime que se mantém no âmbito do DL 215-B/2012, 08.10 diploma que, como já referido, procedeu à revisão do DL 172/06.

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Do que vem dito se conclui que os sujeitos processuais do presente litígio são um utente e o comercializador de último recurso no mercado eléctrico, respectivamente Recorrida e Recorrente, cujo objecto tal como conformado na petição inicial, emerge de obrigações do serviço universal na vertente da protecção dos consumidores no que tange ao direito à informação, com assento normativo expresso nos artºs. 5º nº 3 d), 6º nº 2, 44º nº 6 e 53º 2 c) do DL 29/2006, de 15.02 e revisão operada pelo DL 215-A/2012, 08.10.
Cabe, pois, saber se é concebível estender a entidades privadas o complexo normativo que define o regime de acesso à informação administrativa e submeter o litígio aos Tribunais Administrativos através do processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos artº 104° e ss., do CPTA, meio processual autónomo pelo qual se visa a resolução urgente e célere de pretensões que se reconduzem a assegurar o direito à informação administrativa procedimental e não procedimental, com assento constitucional, atento o disposto nos art°. 35°, n°s. l a 7 e no art°. 268°, nºs. l e 2, ambos da CRP, os quais haviam merecido já concretização ao nível do direito ordinário, conforme resulta do disposto nos artºs 61° a 65°, do CPA/82.


2. direito à informação procedimental e não procedimental – artº. 268º nºs l e 2, CRP;

Com efeito, no nº 1 do art. 268° da CRP, está consagrado que: “Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados” e no nº 2, do mesmo art. 268°, que: “Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.
Sobre o disposto no n.° 1 e no n.° 2 (princípio do arquivo aberto), diz Sérvulo Correia que “(..) A utilização neste nº 2 do advérbio "também" denota a consciência de um nexo conjuntivo entre os direitos à informação procedimental e ao acesso aos arquivos e registos administrativos: são, na verdade, duas diferentes concretizações de um mesmo princípio geral de publicidade ou transparência da administração.
Mas se ambos se conjugam em torno do propósito de banir o "segredo administrativo", algo os diferencia: ao passo que o primeiro direito se concebe no quadro subjectivo e cronológico de um procedimento administrativo concreto, o segundo existirá independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo.(..)”. (4)
Estes dois planos do direito à informação (procedimental e não procedimental) foram respeitados aquando da sua incorporação no CPA/82 tratando do primeiro os artºs. 61° a 64° e do segundo o artº. 65°.
O direito à informação procedimental comporta, assim, três direitos distintos: o direito à prestação de informações (art. 61°), o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões (art. 62°).
O direito à informação não procedimental abrange o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art. 65°).
Os documentos administrativos a que o particular interessado tem acesso não são apenas os que têm origem ou são detidos por órgãos da Administração, mas também a sua reprodução e o direito de serem informados sobre a sua existência e conteúdo – vd. Ac. STA de 01/02/94, Proc. n.° 33555.
Neste domínio, o alcance e extensão da obrigação da Administração Requerida deve aferir-se tendo em atenção que a certidão é sempre um documento emitido face a um original que comprova ou revela o que consta dos seus arquivos, processos ou registos, e não declaração de ciência ou juízo de valor baseado em factos que constem dos seus arquivos ou preexistam no seu conhecimento – vd. Ac. STA de 17.06.97, Rec. 42279 “(..) está excluída a obtenção de pareceres, opiniões, instruções, ou qualquer outra forma de elucidação, seja de que natureza for, que extravasem do procedimento ou documento, o que exige a identificação ou individualização de um e do outro pela requerente, condição sine qua non para este poder ver a sua pretensão satisfeita.” - mais não sendo do que documentos que visam comprovar factos pela referência a documentos escritos preexistentes ou que atestam a inexistência desses documentos.
Neste sentido, mesmo que a informação ou documento, cuja certidão o Requerente requer, não se encontre no processo, terá o Requerido de informar ou passar a certidão “(..) quanto mais não seja para atestar a sua inexistência naquele processo e ou a falta de elementos para a sua localização noutro processos e, na hipótese de não possuir tal documento para informar qual a entidade que o detém, se tal facto for do seu conhecimento (..)” – vd. Ac. STA de 30/11/94, Proc. n.° 36256 – perante estas circunstâncias caberá emitir a correspondente certidão negativa.
Continuando com a doutrina da especialidade, “(..) Na definição constitucional, os titulares do direito à informação administrativa procedimental são aqueles que têm interesse directo no procedimento.
Já os titulares do direito de acesso a arquivos e registos administrativos são os cidadãos que não estão, para aquele efeito, em qualquer relação procedimental específica e concreta com a Administração Pública. (..)
Se quisermos utilizar duas expressões consagradas na dogmática, o direito à informação administrativa procedimental define-se como um direito uti singulis, sendo que o direito de acesso a arquivos e registos administrativos se caracteriza por ser um direito uti cives.
Ou, nas palavras de J. M. Sérvulo Correia, o direito à informação administrativa procedimental configura a “publicidade erga partes” e o direito de acesso a arquivos e registos administrativos, independentemente de um procedimento, a “publicidade erga omnes” (in O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs. 9-10, pp. 135).
O primeiro perspectiva o indivíduo enquanto administrado, em sentido estrito, no quadro de uma específica e concreta relação com a Administração Pública e portador de interesses eminentemente subjectivos.
o segundo considera o particular como cidadão face ao poder, em termos mais genéricos.
Dizendo ainda de outra forma, o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de protecção de interesses mais objectivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da acção administrativa. (..)”. (5)
Do que vem dito decorre a configuração do direito à informação administrativa procedimental como direito subjectivo procedimental e em consequência do princípio do contraditório e das garantias de defesa, na medida em que “(..) quem participa num procedimento tem de conhecer o respectivo objecto e as vicissitudes por que o mesmo tenha passado desde o início. (..)”. (6)



3. comercializador de último recurso e regime da LADA; incompetência da jurisdição administrativa;

Feito este enquadramento, voltamos à questão que ora importa, e que é nuclear na economia do presente recurso, de saber se é concebível estender a entidades privadas o complexo normativo que define o regime de acesso à informação administrativa e, por consequência, submeter o litígio aos Tribunais Administrativos.


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A exclusão do dever de informação no âmbito da LADA relativamente a entidades jurídico-privadas destituídas de poderes de autoridade ou poderes públicos recolhe apoio maioritário da doutrina, pondo de manifesto que “(..) No caso das entidades particulares, a integração na Administração – e portanto a exposição ao direito administrativo – não se processa num plano institucional – torna-se necessário que elas se encontrem investidas de funções administrativas (..) em princípio, se um particular não assegura a execução, em nome próprio e com imputação pessoal, de uma função administrativa, não há lugar à aplicação do direito administrativo. (..)
(..) Nestes termos quando uma entidade particular se vê demandada num tribunal da jurisdição administrativa (fora dos casos em que podem ser demandados meros particulares ou sujeitos privados) a primeira exigência que se coloca é a de saber se a essa entidade se encontra confiada uma função administrativa (..) e aplicados critérios que conduzam a qualificar como administrativa a função que a entidade particular desempenha (..) deverão recusar-se critérios materiais (v.g., prossecução de interesse público ou satisfação de necessidades colectivas) [vem a propósito lembrar que a realização do interesse público não constitui um monopólio da Administração] e privilegiar critérios formais, que denotem, com suficiente precisão, a apropriação pública da função em causa. (..)”.
Continuando com a doutrina que vimos citando, em sede de sujeitos passivos abrangidos pelo disposto no artº 4º nº 1 g) ou nº 2, Lei 46/2007, 24.08, evidencia-se que “(..) no âmbito da LADA a situação das empresas do sector público contrasta com aquela em que se encontram “outras entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos” – em relação a estas últimas entidades (que podem ser, por exemplo empresas concessionárias de serviços públicos) parece-nos ficar claro que a LADA se aplica apenas quando actuem no exercício das referidas funções e poderes. Por razões compreensíveis, a sujeição apresenta pois um perfil funcional e não institucional (..)” (7)


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Como já afirmada logo de início, no caso do serviço universal no sector da comercialização de electricidade, a ora Recorrente actua no mercado livre de comercialização da energia eléctrica, embora sob o condicionamento legal da licença de comercialização de último recurso nos termos dos artºs. 45º nº 3, 52º, 53º e 55º, DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) e artºs. 46º, 47º nºs. 1 e 2 a 49, DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06).
O que significa que estando o mercado da comercialização de energia eléctrica liberalizado – cfr. artº 45º nº 2 DL 215-B/2012, 08.10 -, a circunstância da previsão legal do condicionamento de acesso mediante licença a esta específica actividade económica de serviço universal, não configura um acesso em regime de monopólio, dado que há outros empresas privadas a actuar no mercado num sistema de concorrência aberto à iniciativa económica privada à escala europeia, como é do conhecimento público.
Neste sentido, embora a ora Recorrente exerça uma actividade económica de acesso condicionado e regulada por lei, tal não constitui factor de apropriação pública da actividade desenvolvida, porque este quadro jurídico de condicionamento de exercício e regulação da actividade “(..) apenas pode indiciar uma apropriação pública nos casos em que a actividade de descondicionamento e de controlo de direitos não é legalmente privatizada e liberalizada. Assim, haverá, neste caso específico, um “princípio de apropriação pública”, sempre que a actividade for exercida por uma única entidade particular (indicada pelo Estado), em posição de monopólio ou de exclusivo publicamente enquadrado e regulado. (..)” (8)

Ou seja, a ora Recorrente é uma sociedade privada que exerce a sua actividade no mercado concorrencial da energia eléctrica aberto à iniciativa privada à escala europeia, licenciada para o exercício de comercializador de último recurso, sujeita às obrigações específicas do serviço universal nos termos da lei, sendo que a intervenção do Estado se contém nos limites da responsabilidade de garantia, em ordem à verificação do cumprimento efectivo das obrigações emergentes do serviço universal de acordo com o bloco normativo regulatório dos artºs. 45º nº 3, 52º, 53º e 55º, DL 215-B/2012, 08.10 (que altera o DL 172/06) e artºs. 46º, 47º nºs. 1 e 2 a 49, DL 215-A/2012, 08.10 (que altera o DL 29/06).

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É conhecido caminho que tem sido percorrido pela tese que encara favoravelmente “(..) a possibilidade de sujeição ao julgamento pelos tribunais administrativos de todos os litígios emergentes da obrigação de serviço universal, no quadro do conceito comunitário de serviço de interesse geral, que já não meramente no quadro do conceito de matriz francesa de serviço público.
A questão da eventual relevância autónoma da obrigação de serviço público no quadro da justiça administrativa diz bem da evidente “objectivização” do direito administrativo, a qual leva a que em diversos sectores do ordenamento jurídico diminui a necessidade de efectuar a qualificação do ente jurídico em presença como público ou privado, para efeitos da determinação de traços de regime jurídico.
Não tendo sido intenção declarada do legislador da reforma acolher uma tal proposta, não só o conceito de relação jurídica administrativa, tal como o entendemos, pressupõe a inclusão das relações jurídicas decorrentes do estabelecimento de obrigações de serviço público, como o artº 4º do ETAF contém diversas disposições que permitem sustentar este entendimento. (..)” (9)

Todavia, como se disse, os conceitos de serviço universal e serviço público não se confundem e, no caso concreto, do quadro legal que conforma a actividade de comercialização de energia eléctrica no mercado de serviço universal não se retiram quaisquer elementos que, em concreto, constituam factores indiciários da sujeição da actividade exercida pela ora Recorrente a vinculações de desempenho de funções administrativas.

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Por quanto vem de ser dito, não se verifica nenhum quadro factual que permita a subsunção da situação trazida a recurso no âmbito de previsão do artº 4º nº 1 g) ou nº 2, Lei 46/2007, 24.08 (LADA), ou seja, não tem sustentação a aplicabilidade ao caso do regime da informação procedimental; assim sendo, o litígio respeitante a esta matéria configura uma situação jurídica subtraída à competência da jurisdição administrativa, por não se conformar com o disposto no artº 4º nº 1 d) ETAF.
Tudo visto, procedem as questões trazidas a recurso nos itens 9 a 29 das conclusões, mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais.




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Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso no tocante à excepção da incompetência absoluta dos Tribunais Administrativos e revogar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrido.

Lisboa, 28.AGO.2015


(Cristina dos Santos) ………………………………………………………………

(Rui Pereira) ……………………………………………………………………….

(Lurdes Toscano) ………………………………………………………………….



(1) Pedro Gonçalves, Regulação, electricidade e telecomunicações, in Direito Público e Regulação nº 7, Coimbra Editora/2008, págs. 111, 99-100.
(2) Pedro Gonçalves, Regulação, … in DPR nº 7, págs. 114-115.
(3) Pedro Gonçalves, Regulação, … in DPR nº 7, págs. 141-142, 218-219.
(4) Sérvulo Correia, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, Cadernos de Ciência e Legislação/1994, nºs.9-10, págs. 133 e ss.
(5) Raquel Carvalho, O direito à informação administrativa procedimental - Publicações Universidade Católica, Estudos e Monografias/Porto/1999, págs.159/160.
(6) Pedro Machete, A audiência dos interessados no procedimento administrativo, Universidade Católica Editora, Estudos e Monografias/1996, 2ª ed., pág. 400.
(7) Pedro Gonçalves, Entidades privadas com poderes administrativos, CJA/58, págs. 54-55,57; O direito de acesso à informação detida por empresas do sector público, CJA-81, pág. 8, nota 18; Entidades privadas com poderes públicos, Almedina/2005, págs. 144-145, 467-470; Assis Raimundo, Ainda o acesso à informação detida por empresas públicas – Ac. STA, de 30.5.2012, P.263/13, CJA/98, págs. 43-44.
(8) Pedro Gonçalves, Entidades privadas com poderes públicos, Almedina/2005, págs. 467-470, 483-484.
(9) Assis Raimundo, As empresas públicas nos tribunais administrativos, Almedina/2007, págs. 331/332, 334/ 335,citando Fausto de Quadros, Serviço público e direito comunitário, in Os caminhos de privatização da Administração Pública – IV Colóquio Luso Espanhol de Direito Administrativo, Studia Iuridica nº 60, Coimbra Editora/2001, pág. 298.