Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2895/07.8 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/19/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL
LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO
REVERSÃO DE DIVIDA
Sumário:I - Os danos decorrentes de atos de liquidação de imposto praticados pela Administração Tributária, que sendo ressarcíveis ao abrigo dos artigos 43.º e 53.º da LGT, não deixam de ser potencialmente ressarcíveis ao abrigo do regime geral da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas coletivas públicas, atendo o constitucionalmente estatuído no Artº 22º da CRP.
II - No que concerne aos danos não patrimoniais mal se alcança como pode o Estado entender que os Autores não se mostrem merecedores da tutela do direito, quando ambos estiveram sujeitos durante 6 anos às angustias e consequências na sua economia familiar, de pairar permanentemente sobre eles uma divida superior a 100.000€, tendo-lhes chegado a ser penhorada a casa de morada de família, quando se veio a concluir que a reclamada divida inexistia, por inadvertida e irregular reversão de divida fiscal pela Autoridade Tributária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
N.... e F...... intentaram Ação Administrativa Comum contra o Estado Português, para efetivação da responsabilidade civil extracontratual, peticionando a condenação do réu a pagar-lhe o valor de €125.000 por danos morais e € 13.776,16 por danos patrimoniais e ainda o pagamento à Autora de €75.000 por danos morais e € 8.355,20 por danos patrimoniais.
Em 5 de setembro de 2018 foi proferida Sentença no TAF de Leiria, na qual se decidiu condenar o Estado Português a pagar:
a) A N......, o valor de €1.889,59 correspondente a metade da despesa global de €3.779,19, pagas ao mandatário F......, bem como €1.250 pagos à mandatária M…., num valor global de €3.139,59, a título de danos patrimoniais;
b) A N......, o valor de €10.000 a título de danos não patrimoniais;
c) A F….., o valor de €1.889,59 correspondente a metade da despesa global de €3.779,19, pagas ao mandatário F......, bem como €2.934,25, pagos a V......, mandatária, num valor global de €4.823,84;
d) A F......, o valor de €7.000 a título de danos não patrimoniais.

O Estado Português, inconformado com a decisão proferida, veio Recorrer em 9 de outubro de 2018, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A)- da Prova
a)- Erro na matéria dada como provada
1 . Para a verificação do requisito da “ilicitude” baseou-se, a Mª Juiz recorrida, unicamente, na absoluta falta de fundamentação dos despachos que determinaram a reversão, com suporte nos factos dados como provados nos pontos 15º a 18º, da sentença recorrida, e a coberto, também, do disposto no art. 5º-2/c) do CPC.
2 . Porém, das três Oposições às Execuções Fiscais nºs 1616/04.1BESNT, 1572/04.6BESNT e 1573/04.4BESNT, aquela primeira Oposição não terminou por falta de fundamentação, mas sim por sentença a declarar a inutilidade superveniente da lide, em virtude de no PEF que lhe estava subjacente (nº 3140-99/01020749) a dívida exequenda ser sido declarada prescrita pelo OEF, o que, de resto, se verificou igualmente, no PEF 3141-99/01037200, subjacente à Oposição nº 1573/04.4BESNT.
3 . O próprio A. admite a verificação de alguns dos pressupostos inerentes aos despachos de reversão, desde logo, no que concerne à gerência de facto que reconhece logo no art. 1º da P.I., confissão essa que foi aceite no art. 27º da contestação.
4 . Como invoca, a gerência zelosa nos requerimentos iniciais daquelas oposições, para afastar o requisito da “culpa”, e o apoio legal dos despachos de reversão no art. 24º-1/b) da LGT.
5 . A gerência de facto por parte do A. é também reconhecida nos pontos 1º e 3º dos factos dados como provados na sentença recorrida.
6 . Nunca tendo os AA. questionado a validade formal dos despachos de reversão, mas a prova sobre a verificação dos requisitos essenciais daqueles atos, mormente, nas P.I.s desta ação e daquelas Oposições, também os “Temas de prova”, nos primeiros 6 pontos, incidiram, exclusivamente, sobre a fundamentação substancial relativa à culpa na insuficiência do património social e à prévia excussão desse património.
7 . Apesar disso, de igual modo, dos factos dados como provados na sentença recorrida, não se extrai a conclusão de absoluta inexistência de fundamentação, (“inexistentes quaisquer fundamentos”) a que chegou a Mª Juiz recorrida, máxime, dos pontos, 5º, 6º e 15º a 18º, os únicos com referências à temática em apreço.
8 . Mas, mesmo quanto à fundamentação em termos substantivos, a insuficiência de bens da sociedade originária para solver as dívidas exequendas, mostra-se comprovada no auto de diligências e informações constantes a fls. 11 a 28 do PA, sendo que no despacho de reversão no âmbito do PEF 3140-99/01020749, correspondente à Oposição nº 1616/04.1BESNT, é referido como fundamento daquele despacho a “Inexistência de bens do originário devedor”.
9 . E sendo de reportar a responsabilidade ao momento da constituição e pagamento voluntário da dívida, significa que tem aplicação o preceituado no art. 13º do CPT, segundo o qual se presume tanto a culpa pela insuficiência do património social como a gerência de facto.
10 . Pelo que, ao sustentar a sentença recorrida na manifesta inexistência de falta de fundamentação, a Mmª Juiz, ao arrepio do disposto no art. 607º, nºs 4 e 5 do CPC, não relevou a confissão do A. e os teores dos mencionados documentos juntos à Ação e ao PA, mesmo aqueles juntos pelos AA.; como não considerou o exercício da gerência de facto do A., dado como provada nos pontos 1º e 3º da matéria dada como provada; e, nem teve em consideração que dos “Temas de Prova” nada foi dado como provado sobre a falta dos pressupostos de reversão.
11 . Não deveria, pois, ter sido dada como provada, na presente ação, a inexistência de falta de fundamentação dos despachos de reversão em relação às três indicadas Oposições
b)- Excesso de pronúncia
12 . Pelo que se disse, tendo os AA. reconhecido, nas diversas petições iniciais, máxime, naquele referente à da presente Ação, a verificação de requisitos materiais e legais, inerentes aos despachos de reversão, e não se questionando em nenhum dos temas da prova a omissão de qualquer elemento essencial, desses e nesses despachos, a pronúncia sobre a falta de fundamentação (formal) dos mesmos foi além do que é permitido pelo art. 608º/2 do CPC.
B)- Da ilicitude:
a)- Fundamentação dos despachos de reversão
13 . Para a fundamentação de tais atos, sob ponto de vista formal, o essencial é que a motivação aduzida seja suficiente, clara e congruentes, i.e., se mostre apta “a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinaram a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesividade, caso com a mesma não se conforme”, o que aqui sucedeu com o AA, já que exerceram os respetivos direitos processuais de defesa em toda a sua plenitude.
14 . Outra situação diferente, e que aqui ocorreu, é a discordância ou a errada fundamentação do despacho de reversão, o que não tem a ver com falta de fundamentação, mas com uma análise diferente da mesma, o que se prende já com a validade substancial da fundamentação, em saber se os factos e as normas legais em que a AT assentou o despacho de reversão preenchem os pressupostos legais para a prática desse ato tributário.
15 . Há, pois, que distinguir fundamentação formal da fundamentação material, sendo que só a primeira importa na vertente situação. “À fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a atuação administrativa no caso concreto”.
b)- Da violação da lei
16 . Ancorando-se, a sentença recorrida, apenas, na figura jurídica de falta de fundamentação do ato administrativo, regulada nos art.s 77º da LGT e 152º do CPA (anterior art. 124º), significa que não estamos perante a violação de qualquer norma substantiva, que reconheça e proteja específicas posições jurídicas subjetivas, nem de regras técnicas ou deveres objetivos de cuidado de que resulte a concreta ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos dos AA..
17 . É jurisprudência consolidada que só a violação de normas substantivas é, em princípio, geradora de ilicitude responsabilizante e já não a violação de normas formais, instrumentais ou procedimentais, as denominadas ilegalidades veniais, uma vez que estas não incidem diretamente sobre o conteúdo dos atos administrativos, nem atingem os AA. num qualquer direito ou posição juridicamente tutelada de natureza substantiva.
“Para que se verifique o elemento ilicitude, é necessário que o interessado demonstre que o ato ilegal o atingia num direito ou posição juridicamente tutelada de natureza substantiva”.
c)- Do PEF nº 3140-99/01020749
18 . Tendo, a Oposição nº 1616/4.1BESNT, subjacente ao PEF nº 3140-99/01020749, terminado por despacho a declarar extinta a instância por efeito da prescrição da dívida exequenda decretada pelo OEF, e aclamando o A. pela verificação dessa exceção, para retirar os efeitos jurídicos dela, que logrou obter, não pode vir agora reivindicar por direitos que ele próprio não quis ver sindicados em sede própria.
19 . Não obstante o exposto, fica por demonstrar a falta de fundamentação do despacho de reversão no âmbito do PEF nº 3140-99/01020749, dado que, ao contrário, do que foi decidido na sentença recorrida, nem essa Oposição nº 1616/4.1BESNT, assim o declarou, nem tal resulta da matéria dada como provada.
C)– Da culpa
20 . “Não existindo, … uma presunção legal de culpa relativamente a atos jurídicos ilícitos …Em todo o caso, a utilização de presunção judicial como meio de prova exige um juízo crítico de apreciação dos factos conhecidos, por parte do juiz, afastando a ideia simplista de equivalência entre ilicitude e culpa.”
21 . “Não existe conduta culposa por parte do funcionário da repartição de finanças - a quem não são exigidos especiais conhecimentos jurídicos – que numa situação complexa e de dúvida não decide a favor do particular, mas dos interesses do Estado”.
E, quando o mesmo não procedeu com “leviandade, imprudência, desleixo ou incúria, descuido, imprevidência, imperícia ou inaptidão, mas sim prudência e zeloso cumprimento do seu dever principal – a prossecução do interesse público …”.
D- Do nexo causal entre o facto e o dano
22 . Tendo a penhora aludida na sentença recorrida ocorrido apenas no âmbito do PEF 31401-99/01020749, a que corresponde a Oposição 1616/04.1BESNT, e tendo essa execução terminado por efeito da prescrição da dívida exequenda, sem que, de algum modo, tenha sido demonstrada a ocorrência de um qualquer ato ilícito ou ilegal, quer no despacho de reversão que na penhora, causador dos pretensos danos, mostra-se infundada a condenação do Estado ao pagamento da indemnização a favor dos AA.
23 . Para haver nexo de causalidade adequada dos danos eventualmente produzidos da sentença haveria de resultar que os despachos de reversão e o ato de penhora não existiriam ou seriam diferentes, se a forma tivesse sido respeitada, ou seja, “se a falta de fundamentação tiver inquestionavelmente determinado o conteúdo substancial e resolutório do ato ilegal”, ou “a solução jurídica do caso pudesse ser favorável ao interessado”, cuja alegação e prova competia, então, aos AA e deveria resultar da matéria dada como provada, o que, manifestamente, não acontece.
v - Quanto aos alegados danos
24 . Se em relação aos danos patrimoniais, os pagamentos não estão suficientemente comprovados, e cuja insuficiência de fundamentação da matéria de facto deveria conduzir à improcedência do pedido, quanto aos montantes atribuídos pelos danos morais, além de não serem devidos, mostram-se manifestamente exagerados, sem correspondência com os valores de referência que têm vindo a ser apontados pela doutrina e jurisprudência.
25 . Dos pagamentos constantes nos pontos 7º, 9º, 11º e 12º da matéria dada como provada, não resulta a sua discriminação de molde a permitir a concreta correspondência entre os serviços e despesas forenses e os processos, sendo que existiam outras ações dos AA., além da referidas Oposições, como o Processo Comum Coletivo nº 349/95.2JASTB e o de Embargos de Terceiro, os quais além de rejeitados liminarmente motivaram dois recursos de improcedência para os AA., cujas consequências resultantes da falta de razão não poderão ser atribuídas ao Estado.
26 . O facto de ambos os AA., voluntária ou involuntariamente, não terem visto sindicadas as ilegalidades que aqui peticionaram, em sede própria e mediante processo adequado, não pode deixar de revelar em sede indemnizatória.
27 . Com efeito, se o A. N...... reclamou pela procedência da exceção da prescrição das dívidas exequendas, logrando esse intento numa das execuções, em detrimento da decisão sobre o mérito da ação, também a A. …. não viu decididas as pretensas ilegalidades peticionadas nesta ação, porque não lançou mão, como lhe competia, dos mecanismos processuais adequados para a defesa dos seus direitos alegadamente violados.
28 . Essas omissões, apenas imputáveis ao AA., por negligência, acarretam a exclusão ou limitação da indemnização, por força do preceituado no art.º 7º (2ª parte) do DL 48051 e 4º da Lei 67/07, o que não foi considerado com a relevância que se exigia, na sentença recorrida.
29 . Ainda, quanto aos danos morais, de acordo com o preceituado no art. 496º do C. Civil, apenas são de considerar aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo essa gravidade medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos.
30 . “Uma simples “angústia e incerteza” não consomem a exigência de gravidade dos danos não patrimoniais merecedora da tutela do direito para efeitos”.
“Em situações em que se mostre alegado e provado sem mais que determinada sujeito sofreu "desgaste", ou "ansiedade", ou “angústia”, ou “preocupações”, ou “aborrecimentos” em consequência da conduta ilícita e culposa, tal é insuficiente para qualificar os danos como graves para efeitos do n.º 1 do art. 496.º do C. Civil, porquanto é necessário que tais realidades se mostrem objetivamente concretizadas, que a sua amplitude, intensidade e duração se revele descrita e demonstrada, por forma a que o julgador possa levar a cabo a tarefa em foi investido pelo legislador face ao disposto no citado normativo.”
31 . Ao não decidir de tal forma fez a sentença recorrida errada interpretação e aplicação do disposto dos sobreditos dispositivos legais, nomeadamente dos art.s 607º, nºs 4 e 5 e 608º/2 do CPC; 2º, 3º, 4º, 6º e 7º do DL nº 48 051, de 21/11 e 4º, 7º a 10º da Lei nº 67/2007, de 31/12, devendo a mesma ser revogada na parte ora recorrida, e substituída por outra que absolva o Estado na sua totalidade.
Porém, Vªs Exªs melhor decidirão! JUSTIÇA”

Em 30 de outubro de 2018 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso o qual, simultaneamente, sustenta a decisão proferida, atentas as nulidades recursivamente suscitadas, nos seguintes termos:
“Proferida sentença nos presentes autos, veio o Réu interpor recurso da mesma, arguindo, para além do mais, a respectiva nulidade, com fundamento no disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Alega o Recorrente, em suma, que a sentença recorrida incorreu em excesso de pronúncia, na medida em que teve em consideração, para efeitos da verificação do requisito da ilicitude, a absoluta falta de fundamentação dos despachos que determinaram a reversão dos processos de execução fiscal em apreciação nestes autos, circunstância que, no seu entendimento, vai além “(…) do que foi peticionado, já que o próprio A. reconhece a verificação de um dos requisitos essenciais para o despacho de reversão, i.e., o exercício do cargo de gerência de facto até Novembro de 1994, ou seja, durante o período da constituição das dívidas exequendas (…)”, ao que acresce que “(…) em nenhum dos temas da prova se questiona a omissão de elementos essenciais do despacho de reversão”.
Desde já se refira que (e pese embora a sentença recorrida não tenha sido proferida pela ora signatária) não se vislumbra a ocorrência da nulidade suscitada.
Com efeito, determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC que é nula a sentença quando, designadamente, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A nulidade em causa encontra-se relacionada com a previsão constante do artigo 608.º, n.º 2 do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora, na sentença proferida nestes autos foi tido em consideração (cf. pág. 35) que “as decisões de reversão da dívida tributária originária contra os autores nos sobreditos processos padeceram de falta de fundamentação, por inexistentes quaisquer fundamentos que levaram a Administração Tributária a reverter a execução contra os oponentes, aqui coautores”
Tal factualidade está relacionada, em bom rigor, com o invocado pelos Autores quanto à falta de fundamento dos despachos de reversão, concretamente atendendo aos artigos 6.º-7.º e 51.º-52.º da petição inicial, nos quais os Autores alegam que nos despachos de reversão não se encontrava provada a culpa do Autor no facto do património da sociedade se ter tornado insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias, também não se provando a inexistência de bens penhoráveis do devedor principal.
Do exposto resulta, portanto, que a inexistência de fundamentos para a reversão integra efetivamente a causa de pedir e, nessa medida, devia ter sido (como foi) apreciada pelo Tribunal – sendo para o efeito irrelevante saber se os aqui Autores contestaram ou não nos processos de execução fiscal o pressuposto da reversão consubstanciado na gerência de facto.
Assim sendo, a sentença recorrida não padece da nulidade que lhe vem imputada, não tendo ocorrido excesso de pronúncia.”

Os Autores apresentaram contra-alegações em 10 de dezembro de 2018 tendo então concluído:
A) Alega o Recorrente que existe erro na matéria de facto dada como provada, na medida em que, dos factos dados como provados na sentença recorrida, não se extrai a conclusão de manifesta inexistência de fundamentação dos despachos que determinaram a reversão, concluindo, assim, que não deveria ter sido dada como provada, na presente ação, a inexistência de falta de fundamentação dos despachos de reversão em relação às três oposições.
B) Salvo o devido e merecido respeito por melhor opinião, não assiste razão ao Recorrente.
C) Com efeito, os pontos 4 a 6 dos factos provados transcrevem para os autos o conteúdo total dos despachos de reversão, sendo possível verificar que não existe qualquer fundamentação para os citados despachos.
D) Mais, é dado como provado no ponto 3 dos factos provados que a devedora principal, à data em que o Recorrido N...... deixou de ser gerente, dispunha de bens que podiam e deviam ter respondido pela divida exequenda, não tendo a Administração Tributária, conhecedora de tal informação, agido de acordo com a lei, optando por reverter a dívida para o Recorrente.
E) Ora, conforme referido pelo Recorrido nos artigos 6º e 7º da PI, a oposição deduzida pelo A. no âmbito do PEF 3140… – Pº 1572/04.6BESNT – teve por fundamento o facto de no despacho de reversão não se constatar provada a culpa do então oponente e ora Recorrido pelo facto do património da sociedade e dos sócios, se ter tornado insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias e de tão pouco estar provada a inexistência de bens penhoráveis do devedor principal.
F) O mesmo se diga relativamente ao alegado pelo Recorrido nos artigos 51º e 52º da PI.
G) Ora, na sentença recorrida – pág. 35 – foi tido em consideração que:
«Está provado que no âmbito do processo 1616/04.1BESNT foi proferida sentença, transitada em julgado em 4 de junho de 2010 (Facto Provado 15.), tendo sido extinta a execução fiscal em relação a N......, por dívidas de IRC de 1993 e 1994 da devedora originária P....... Também está provado que no âmbito do processo n.º 1326/08.0BESNT, referente a uma dívida de IRC de 1993 e 2994 da P......, revertida contra F......, coautora, foi extinta a respetiva execução fiscal por decisão judicial transitada em julgado (Facto Provado 16.).
Está também provado que, no âmbito do processo n.º 1572/04.6BESNT, relativo a IVA de 1993 da P......, revertida contra N......, foi proferida sentença judicial, transitada em julgado a 29 de abril de 2010, e que ordenou a extinção da respetiva execução fiscal (Facto Provado 17.). Já no âmbito do processo n.º 1573/04.4BESNT, referente a dívidas de IVA de 1994 da devedora originária P......, foi proferida sentença judicial transitada em julgado também a 29 de abril de 2010, cuja dívida foi revertida contra N......, tendo sido ordenada, também, a respetiva extinção da execução fiscal (Facto Provado 18.).
Por força do disposto no artigo 5.º/2, alínea c) do CPC o Tribunal tem conhecimento do sentido das referidas decisões judiciais transitadas em julgado, tendo sido decidido que as decisões de reversão da dívida tributária originária contra os autores nos sobreditos processos padeceram de falta de fundamentação, por inexistentes quaisquer fundamentos que levaram a Administração Tributária a reverter a execução contra os oponentes, aqui coautores.» - realce nosso. H) Pelo exposto, não existe, no nosso ponto de vista, qualquer erro na matéria de facto dada como provada. I) Alega o Recorrente que a sentença recorrida incorreu em excesso de pronúncia, na medida em que teve em consideração, para efeitos da verificação do requisito da ilicitude, a absoluta falta de fundamentação dos despachos que determinaram a reversão dos processos de execução fiscal em apreciação nestes autos, circunstância que, no seu entendimento, vai além “(…) do que foi peticionado, já que o próprio A. reconhece a verificação de um dos requisitos essenciais para o despacho de reversão, i.e., o exercício do cargo de gerência de facto até Novembro de 1994, ou seja, durante o período da constituição das dívidas exequendas (…)”, ao que acresce que “(…) em nenhum dos temas da prova se questiona a omissão de elementos essenciais do despacho de reversão”. J) Entendemos que também neste ponto não assiste razão ao Recorrente.
K) Na verdade, determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC que é nula a sentença quando, designadamente, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
L) Ora, na sentença proferida nestes autos foi tido em consideração (cf. pág. 35) que “as decisões de reversão da dívida tributária originária contra os autores nos sobreditos processos padeceram de falta de fundamentação, por inexistentes quaisquer fundamentos que levaram a Administração Tributária a reverter a execução contra os oponentes, aqui coautores”.
M) Tal factualidade está relacionada, com o invocado pelo Recorrido quanto à falta de fundamento dos despachos de reversão, concretamente atendendo aos artigos 6.º-7.º e 51.º-52.º da PI – acima transcritos -, nos quais o Recorrido alega que nos despachos de reversão não se encontrava provada a sua culpa no facto do património da sociedade se ter tornado insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias, também não se provando a inexistência de bens penhoráveis do devedor principal.
N) Do exposto resulta, portanto, que a inexistência de fundamentos para a reversão integra efetivamente a causa de pedir e, nessa medida, devia ter sido (como foi) apreciada pelo Tribunal – sendo para o efeito irrelevante saber se os aqui Autores contestaram ou não nos processos de execução fiscal o pressuposto da reversão consubstanciado na gerência de facto.
O) Deve improceder, desta forma, a alegada nulidade da sentença, na medida em que a mesma se limitou a resolver questão que as partes submeteram à sua apreciação.
P) Alega o Recorrente que o que está em causa não é falta de fundamentação, mas uma análise diferente da mesma, o que se prende já com a validade substancial da fundamentação, em saber se os factos e as normas legais em que a AT assentou o despacho de reversão preenchem os pressupostos legais para a prática desse ato tributário, defendendo que não é questionada, aí, a omissão, no despacho de reversão, de qualquer elemento essencial do instituto da reversão fiscal.
Q) Não podemos concordar com o Recorrente.
R) Na verdade, é alegado pelo Recorrido e dado como provado pelo Tribunal a quo, que os despachos de reversão não são fundamentados.
S) Não podemos esquecer que a transcrição para os factos provados do conteúdo dos despachos de reversão (sem qualquer fundamentação), também constitui facto provado.
T) O Recorrido alegou desde o início, a falta de fundamentação/ilicitude dos despachos de reversão.
U) Ora, todos os danos decorrentes de atos de liquidação de imposto praticados pela Administração Tributária, que não sejam especificamente ressarcíveis ao abrigo dos artigos 43.º e 53.º da LGT, serão necessariamente ressarcíveis ao abrigo do regime geral da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas coletivas públicas, em virtude da imposição constitucional consagrada no artigo 22.º da CRP.
V) Aos autos é aplicável o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967, atendendo a que o facto ilícito da reversão ilegal ocorreu no ano de 2004. W) Sendo o ato de liquidação de imposto qualificável como um ato praticado no exercício da função administrativa, o regime de responsabilidade civil aplicável aos danos decorrentes desse ato será o regime de responsabilidade pelo exercício da função administrativa.
X) No caso da responsabilidade por atos ilícitos citada – Cfr. n.º 1 do artigo 9.º Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967 - o Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais. Nesta situação, prescinde-se dos requisitos da ilicitude e da culpa, apenas se exigindo que os prejuízos causados, para ser indemnizáveis, sejam especiais e anormais. Y) São, portanto, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito, os seguintes: a) O Facto Voluntário (ato ou omissão), traduzido numa conduta voluntária de um órgão ou agente, no âmbito das suas funções e por causa delas);
b) A Ilicitude (que advém da ofensa, por esse facto, de direitos de terceiros ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios);
c) A Culpa (como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto do agente, a título de dolo ou de negligência);
d) O Dano (lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros); e
e) O Nexo de Causalidade (entre o facto - ato ou omissão - e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada).
Z) Analisada a sentença recorrida, entendeu a mesma que se encontravam reunidos todos os pressupostos acima enunciados, com a qual concordamos integralmente.
AA) Insiste o Recorrente em alegar que tendo os PEF’s terminado por despacho a declarar extintas as instâncias por efeitos de prescrição das dívidas exequendas decretadas pelos OEF, não chegou a haver decisão sobre o mérito da causa.
BB) Ora, desde logo, tenha-se em conta o juízo de inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional - Acórdão n.º 154/07, Proc. n.º 65/02 in: DR II.ª, n.º 86, de 04/05/2007 -, sobre a norma constante do artigo 2.º, n.º 1 do DL n.º 48051, interpretada no sentido de que um ato administrativo anulado por falta de fundamentação é insuscetível de ser considerado um ato ilícito para o efeito de poder fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito.
CC) Alega o Recorrente que pese embora a sentença recorrida aflore, numa perspetiva histórica, os preceitos legais que têm vindo a regular o instituto da reversão tributária, a verdade é que não reporta, em concreto, nenhum deles para o caso dos autos, ou seja, não refere se algum deles foi violado e em que termos.
DD) Não corresponde à verdade.
EE) Com efeito, a sentença recorrida após análise dos preceitos legais, decidiu que:
«E o que foi decidido nos processos de oposição à execução fiscal n.º 1572/04.6BESNT, 1573/04.4BESNT e 1616/04.1BESNT, referentes precisamente à reversão contra os aqui autores por dívidas de IVA e IRC da devedora originária, P......, Lda.?
Está provado que no âmbito do processo 1616/04.1BESNT foi proferida sentença, transitada em julgado em 4 de junho de 2010 (Facto Provado 15.), tendo sido extinta a execução fiscal em relação a N......, por dívidas de IRC de 1993 e 1994 da devedora originária P....... Também está provado que no âmbito do processo n.º 1326/08.0BESNT, referente a uma dívida de IRC de 1993 e 2994 da P......, revertida contra F......, coautora, foi extinta a respetiva execução fiscal por decisão judicial transitada em julgado (Facto Provado 16.).
Está também provado que, no âmbito do processo n.º 1572/04.6BESNT, relativo a IVA de 1993 da P......, revertida contra N......, foi proferida sentença judicial, transitada em julgado a 29 de abril de 2010, e que ordenou a extinção da respetiva execução fiscal (Facto Provado 17.). Já no âmbito do processo n.º 1573/04.4BESNT, referente a dívidas de IVA de 1994 da devedora originária P......, foi proferida sentença judicial transitada em julgado também a 29 de abril de 2010, cuja dívida foi revertida contra N......, tendo sido ordenada, também, a respetiva extinção da execução fiscal (Facto Provado 18.).
Por força do disposto no artigo 5.º/2, alínea c) do CPC o Tribunal tem conhecimento do sentido das referidas decisões judiciais transitadas em julgado, tendo sido decidido que as decisões de reversão da dívida tributária originária contra os autores nos sobreditos processos padeceram de falta de fundamentação, por inexistentes quaisquer fundamentos que levaram a Administração Tributária a reverter a execução contra os oponentes, aqui coautores.
No que se refere à responsabilidade por factos ilícitos, deve o conceito de ilicitude ser suficientemente abrangente, de forma a compreender, quer no campo da atividade jurídica, quer no campo da atividade material, todas as ações ou omissões que violem as normas constitucionais, legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração, ou que não correspondam aos padrões de atuação dos órgãos ou dos serviços, e de que resulte lesão dos direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros.» - realce nosso.
FF) Assim, bem andou o Tribunal a quo decidiu estarem reunidos os pressupostos para a condenação do Recorrente, nomeadamente o facto voluntário (ato ou omissão), traduzido numa conduta voluntária de um órgão ou agente, no âmbito das suas funções e por causa delas), a Ilicitude (que advém da ofensa, por esse facto, de direitos de terceiros ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios), a Culpa (como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto do agente, a título de dolo ou de negligência), o Dano (lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros) e o nexo de causalidade (entre o facto - ato ou omissão - e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada). GG) O mesmo se diga relativamente à prova dos danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais. HH) Especificamente no que respeita aos danos não patrimoniais, não se vislumbra como pode o Recorrente alegar sequer que não são merecedores da tutela do direito a angústia causada a ambos os coautores que 6 anos de dúvida relativamente à obrigação de pagamento, por reversão, de uma dívida tributária da P......, por dívidas de IRC de 1993 e 1994, no valor de € 102.277, 47, tendo sido penhorada fração "AQ" de prédio urbano, 8.º andar, em Santarém, pertença dos coautores (Facto Provado 8.).
II) Aliás, o Recorrido, que tinha celebrado convenção antenupcial de comunhão geral de bens, viu-se “obrigado” a requerer a separação de bens, o casamento passou por uma fase muito difícil ao longo daqueles 6 anos, a ponto de chegar à beira do divórcio, a esposa do Recorrido, que estava a fazer um doutoramento com uma duração de 5 anos, levou 10 anos para o conseguir concluir, o que teve repercussões na sua vida profissional, todos estes factos comprovados pelas testemunhas ouvidas em sede de julgamento.
JJ) Aliás, não podemos deixar de referir que, nos termos da sentença proferida inexistem factos não provados com relevância para a decisão, isto é, todos os factos relevantes para a decisão foram dados como provados.
KK) Estando provado que a Administração Tributária reverteu ilicitamente a dívida fiscal da devedora originária, P......, contra o Recorrido, imputando-lhe a responsabilidade do seu pagamento, a título subsidiário, tais atos ilegais foram causa adequada ou apropriada para a produção dos danos alegados pelos coautores pois que essa condição do dano não deixaria de ser causa deste, por não lhe ser indiferente.
LL) Na verdade, não fossem os despachos de reversão das dívidas de IRC e IVA da P...... contra o Recorrido e os danos alegados não se teriam verificado.
MM) É manifesta a improcedência do presente recurso, porquanto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação do direito.
NN) Destarte, ao condenar o Recorrente, o Tribunal a quo limitou-se a fazer uma correta e adequada interpretação e aplicação do direito, não merecendo qualquer censura a sua decisão.
Pelo que deverá ser considerado improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, farão V. Exas. a costumada, JUSTIÇA!”

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas no Recurso apresentado, sendo que o objeto do mesmo se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde são suscitados erros de facto e de direito.

III – Matéria de Facto
Foi em 1ª Instância fixada a seguinte matéria como Provada:
1. Em 30 de novembro de 1994 N...... dirigiu carta a M...... e O......, renunciando aos cargos que exercia na P......, Lda, notificada a 2 de dezembro de 1994;
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
2. Em 30 de novembro de 1994 consta de documento denominado de "Balancete Contas/C. Custos" da P......, em particular que:
(Dá-se por reproduzido o documento Fac-similado contante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
3. Em 14 de outubro de 1999 a Direção-Geral das Contribuições e Impostos recebeu carta de N...... informando da sua demissão de gerente da P......;
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
4. A 2 de abril de 2004 é subscrito documento timbrado do "Ministério das Finanças. Direção-Geral dos Impostos", denominado de "Despacho para Audição (Reversão)", onde consta:
(Dá-se por reproduzido o documento Fac-similado contante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
5. A 2 de abril de 2004 é subscrito documento timbrado do "Ministério das Finanças. Direção-Geral dos Impostos", denominado de "Notificação Audição-Prévia (Reversão)", onde consta:
(Dá-se por reproduzido o documento Fac-similado contante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
6. Em 27 de outubro de 2004, N...... foi notificado da citação, tendo F….. recebido a carta registada, nos termos seguintes:
(Dá-se por reproduzido o documento Fac-similado contante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 681 e segs dos autos – paginação eletrónica)
7. A 11 de novembro de 2004 é feito um depósito na conta de Dr. P......, do M…., de € 166,87, não assinado;
(Facto provado por documento n.º 34 junto PI)
8. Em 21 de dezembro de 2004 foi feita a penhora no valor de € 102.277,47 nos termos seguintes:
(Dá-se por reproduzido o documento Fac-similado contante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
9. A 5 de janeiro de 2005 é feito um depósito na conta de Dr. Pedro Carvalho F......, do M…., do valor de € 1.806,16, com a inscrição manuscrita de "€ 1.486,91 – Despesas, € 289,25 – taxa de justiça, € 30 – certidões – não assinado;
(Facto provado por documento n.º 31 junto PI)
10. A 19 de maio de 2006 F...... dirige ao Chefe de serviços de Finanças da Amadora 2, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3140…., onde consta:
(Dá-se por reproduzido o documento Fac-similado contante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e segs dos autos – paginação eletrónica)
11. Em 30 de junho de 2006 V...... recebeu de F......, a título de prestação dos seus serviços de advogada, preenchendo o Modelo n.º 337 – IRS - o valor de € 2,934,25;
(Facto provado por documento n.º 32 junto PI)
12. A 10 de julho de 2006 M...... o valor de € 1.250, a título de prestação dos seus serviços de advogada, preenchendo o Modelo n.º 337 – IRS;
(Facto provado por documento n.º 33 junto PI)
13. Em 15 de julho de 2008 é subscrito documento dirigido a F...... da Direção-Geral dos Impostos para requerer a separação judicial de bens em virtude de terem sido penhorados bens por dívidas de IRC dos anos de 1993 e 1994 na quantia de € 102.277,47;
(Facto provado por documento n.º 3 junto Contestação)
14. Em 26 de setembro de 2011 é subscrito documento timbrado de "Direção-Geral dos Impostos", do serviço de finanças da Amadora 2, onde consta em especial:
(Dá-se por reproduzido o documento Fac-similado contante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 682 e segs dos autos – paginação eletrónica)
15. Em 8 de fevereiro de 2017, é emitida certidão pelo serviço de finanças de Amadora 2 relativa ao processo de execução fiscal n.º 314….. – referente a dívida de IRC de 1993 e 1994 – revertida contra N......, no sentido de ter sido proferida sentença, transitada em julgado, na sequência de oposição à referida execução fiscal – proc. 1616/04.1BESNT - que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, tendo sido devolvido ao respetivo serviço de finanças, a 20 de outubro de 2010, por extinção da instância fiscal executiva;
(Facto Provado por documento, a fls 707 e segs dos autos – paginação eletrónica – e de conhecimento oficioso, nos termos artigo 5.º/2, alínea c) do CPC)
16. Em 8 de fevereiro de 2017, é emitida certidão pelo serviço de finanças de Amadora 2 relativa ao processo de execução fiscal n.º 31401….. – referente a dívida de IRC de 1993 e 1994 – revertida contra F......, no sentido de ter sido proferida sentença, transitada em julgado, na sequência de oposição à referida execução fiscal na qualidade de cônjuge de N...... – proc. 1326/08.0BESNT - que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, tendo sido devolvido ao respetivo serviço de finanças, a 7 de julho de 2010, por extinção da instância fiscal executiva;
(Facto Provado por documento, a fls 707 e segs dos autos – paginação eletrónica– e de conhecimento oficioso, nos termos artigo 5.º/2, alínea c) do CPC)
17. Em 8 de fevereiro de 2017, é emitida certidão pelo serviço de finanças de Amadora 2 relativa ao processo de execução fiscal n.º 314…., referente a dívida de IVA de 1993 – revertida contra N......, no sentido de ter sido proferida sentença, transitada em julgado, na sequência de oposição à referida execução fiscal – proc. 1572/04.6BESNT - que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, tendo sido devolvido ao respetivo serviço de finanças, a 7 de julho de 2010, por extinção da instância fiscal executiva;
(Facto Provado por documento, a fls 707 e segs dos autos – paginação eletrónica – e de conhecimento oficioso, nos termos artigo 5.º/2, alínea c) do CPC)
18. Em 8 de fevereiro de 2017, é emitida certidão pelo serviço de finanças de Amadora 2 relativa ao processo de execução fiscal n.º 314…. – referente a dívida de IVA de 1994 – revertida contra N......, no sentido de ter sido proferida sentença, transitada em julgado, na sequência de oposição à referida execução fiscal – proc. 1573/04.4BESNT - que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, tendo sido devolvido ao respetivo serviço de finanças, a 1 de setembro de 2010, por extinção da instância fiscal executiva;
(Facto Provado por documento, a fls 707 e segs dos autos – paginação eletrónica – e de conhecimento oficioso, nos termos artigo 5.º/2, alínea c) do CPC).”

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

IV - Do direito
No que aqui releva, e por forma a permitir uma mais eficaz perceção e visualização do que aqui está em causa, infra se transcreverá o essencial do discurso fundamentador da Sentença de 1ª Instância:
“a) Ato Voluntário e Ilicitude
(…)
Importa esclarecer se a liquidação de imposto se enquadra no conceito de ato funcional constitucional e legalmente estabelecido; em segundo lugar, cumpre determinar se as entidades privadas, ao intervirem no procedimento de liquidação de imposto na qualidade de substitutos tributários, podem ou não ser responsabilizadas pelos danos que decorram da liquidação ilegal de imposto e se tal responsabilidade pode ou não ser legalmente imputada ao Estado.
(…)
Pois bem, dir-se-á sobre o assunto que o ato de liquidação de imposto se encontra regulado por disposições e princípios de direito administrativo, pois as normas que determinam a incidência, o lançamento, a liquidação e a cobrança integram o Direito Fiscal, o qual constitui, antes de mais, um ramo do Direito Administrativo. Portanto, um ato de liquidação de imposto não só se enquadra no âmbito de uma atividade regulada por um ramo do Direito Administrativo, como poderá ser reconduzido ao conceito de ato funcional – i.e., ato praticado no exercício de funções e por causa desse exercício –, como consagrado pelo legislador constitucional e pela lei ordinária.
Mutatis mutandis, o mesmo sucede com as decisões de reverter a obrigação de pagamento de um imposto liquidado para o responsável subsidiário, in casu, os gerentes.
Com efeito, não basta que o ato danoso seja ilegal, mas exige-se que o mesmo consista numa violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem, na aceção do artigo 22.º da CRP, ou, conforme disposto nos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 48051 citada, que numa violação de disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou de regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado da qual resulte uma ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.
Ora, já no âmbito do Código de Processo das Contribuições e Impostos (Decreto-Lei n.º 45.005, de 27 de abril de 1963), a responsabilidade tributária dos gestores, ainda que subsidiária, era praticamente ilimitada, pois ainda não se aferia a um elemento preponderante em tal conduta – a culpa. Daí que, uma vez mais, a jurisprudência tenha interpretado a norma a norma no sentido da mesma exigir, além da gerência de direito, a gerência de facto. Contudo, a Jurisprudência passou a interpretar o artigo 16.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, não se limitou a exigir uma gerência de direito nominal, estabelecendo a necessidade de um exercício real e efetivo do respetivo cargo (gerência de facto). O legislador manifesta uma conceção objetivista, sem exigência de uma culpa efetiva do gestor. Demonstrada a gerência de direito e de facto, presumida estava a culpa funcional4 do agente. Por conseguinte bastaria à Administração Fiscal demonstrar, nos termos deste artigo, que o gestor tinha essa mesma qualidade e que o património social era insuficiente para a satisfação da dívida tributária.
(…)
Com a publicação da Lei Geral Tributária, o seu artigo 22.º/1 refere que a responsabilidade tributária abrange a totalidade da dívida tributária, respetivos juros e demais encargos legais. Este mesmo artigo, no seu n.º 3, refere que a responsabilidade tributária de dívidas por conta de outrem é em regra subsidiária, sendo excecionalmente solidária.
Recorda-se que o Código de Procedimento e de Processo Tributário foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, alterado pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril e pela Lei n.º 15, de 5 de junho e a Lei Geral Tributária pelo DL n.º 398/98, de 17 de dezembro.
O artigo 24.º, n.º 1, da LGT estabelece que são abrangidas no âmbito subjetivo da responsabilidade tributária, todas as pessoas que exerçam funções de administração, mesmo que não sejam gestores de direito, à semelhança da nova redação do artigo 13.º do C.P.T., introduzida pelo art.º 52 da Lei 52-C/96, de 27 de dezembro. Exige-se assim, cumulativamente, a verificação de uma gerência de direito com a de facto, ou bastando somente a gerência de facto.
(…)
Obviamente que as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efetivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carater substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Por isso, para a aplicação correta da lei tem-se de aferir o momento em que o facto gerador da responsabilidade se verificou. É este que vai determinar qual a norma a aplicar.
Por isso, o C.P.T., nomeadamente o artigo 13.º citado, é aplicável para regular as condições de reversão contra os responsáveis subsidiários, bem como para estabelecer as regras do ónus da prova dos factos em que assenta a responsabilidade, relativamente a dívidas cujos períodos de constituição decorreram na sua vigência.
Se os factos geradores dessa responsabilidade forem posteriores, ou seja, se tiverem ocorridos já na vigência do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro (LGT) será de aplicar o artigo 24.º desta lei. Pois bem, a Lei Geral Tributária no seu artigo 24.º/1, alínea a), no seu elemento temporal, abrange a responsabilidade tributária pelas dívidas constituídas durante o exercício de funções, ou cujo momento do respetivo pagamento ocorreu já depois desse exercício.
Consagra, assim, a responsabilidade dos gestores que exerceram as suas funções antes do termo do prazo legal de pagamento da prestação tributária, pela diminuição do património social.
(…)
Assim, para se efetivar a responsabilidade do “gestor” torna-se relevante cumprir o preenchimento de alguns pressupostos:
a) a diminuição do património social, impedindo dessa forma o pagamento de dívidas tributárias,
b) e que essa diminuição do património provenha da pratica culposa de atos de gestão.
Significa isto em termos de ónus da prova, que na alínea a) o mesmo pertence à Administração Fiscal. Cabe à Administração Tributária fazer prova que foi por culpa do administrador ou gerente que o património social se tornou insuficiente.
Deve esta culpa ser apreciada não no sentido de violação de disposições legais, mas unicamente numa culpa por o património social se ter tornado parco para pagamento aos credores sociais. O responsável deve ter, culposamente dissipado o património social. É desta forma exigida uma culpa efetiva.
Quanto á previsão legal da alínea b) deste mesmo artigo o legislador exige a imputação da falta de entrega ou pagamentos dos tributos ao gestor que no seu período de gerência os não tenha efetuado. Ou seja, corresponde à alínea b) uma responsabilidade emergente pelo não pagamento de dívidas tributárias durante o exercício efetivo das funções de administração. Presume-se imputável ao administrador a falta de pagamento da obrigação tributária.
Estabelece, assim, uma inversão do ónus da prova, presumindo-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao administrador.
Na verdade, nos termos do artigo 23.º/1 da LGT, para efetivação desta responsabilidade subsidiária é necessária a instauração de um processo de execução fiscal e apenas após o despacho de reversão contra tal responsável. Tal despacho de reversão ordena o prosseguimento da execução contra um responsável subsidiário e tem ele apenas natureza declarativa da exigibilidade da obrigação pré-existente.
Por outro lado, nos termos do artigo 153.º/2 do CPPT o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias. A saber:
a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores.
b) Fundada insuficiência de bens do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda.
Pressupõe, então, este regime a existência de um processo de execução fiscal instaurado contra o devedor originário, relativamente ao qual se verificou o facto tributário.
Só depois de se concluir, nesse âmbito, que o devedor originário não possui bens ou esses bens são em montante insuficiente para suportar o pagamento do imposto devido é que, se coloca a questão de chamar outrem, que não esse devedor, a responder pela divida fiscal.
(…)
O benefício da excussão prévia previsto no n.º 2 do artigo 23 da LGT impõe que a reversão não possa ter lugar, sem terem sido vendidos os bens que foram penhorados ao devedor originário, pois o responsável subsidiário é uma espécie de fiador legal, em que ele não renunciou a tal benefício.
Na verdade, o artigo 23.º, n.º 2, ao estabelecer que “a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão” tem incito que se possa concluir pela “fundada insuficiência” e decidir a reversão antes de excutir o património do devedor originário, pois só assim se compreende que se ressalve que a reversão não prejudica o benefício da excussão.
O n.º 3 do art.º 23 impõe, assim, a suspensão do processo de execução fiscal (oficiosamente), caso “no momento da reversão não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados” situação em que “o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo da oposição até à completa excussão do património do executado.” Significa isto, que o processo de execução fica suspenso, já com a reversão efetuada, em relação ao revertido, sendo certo que quanto ao devedor originário o processo prossegue para se concretizar a excussão de que depende o prosseguimento contra o revertido.
(…)
Está provado que no âmbito do processo 1616/04.1BESNT foi proferida sentença, transitada em julgado em 4 de junho de 2010 (Facto Provado 15.), tendo sido extinta a execução fiscal em relação a N......, por dívidas de IRC de 1993 e 1994 da devedora originária P....... Também está provado que no âmbito do processo n.º 1326/08.0BESNT, referente a uma dívida de IRC de 1993 e 2994 da P......, revertida contra F......, coautora, foi extinta a respetiva execução fiscal por decisão judicial transitada em julgado (Facto Provado 16.).
Está também provado que, no âmbito do processo n.º 1572/04.6BESNT, relativo a IVA de 1993 da P......, revertida contra N......, foi proferida sentença judicial, transitada em julgado a 29 de abril de 2010, e que ordenou a extinção da respetiva execução fiscal (Facto Provado 17.). Já no âmbito do processo n.º 1573/04.4BESNT, referente a dívidas de IVA de 1994 da devedora originária P......, foi proferida sentença judicial transitada em julgado também a 29 de abril de 2010, cuja dívida foi revertida contra N......, tendo sido ordenada, também, a respetiva extinção da execução fiscal (Facto Provado 18.).
(…)
No que se refere à responsabilidade por factos ilícitos, deve o conceito de ilicitude ser suficientemente abrangente, de forma a compreender, quer no campo da atividade jurídica, quer no campo da atividade material, todas as ações ou omissões que violem as normas constitucionais, legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração, ou que não correspondam aos padrões de atuação dos órgãos ou dos serviços, e de que resulte lesão dos direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros.
No que concerne à ilicitude o artigo do referido D.L. n.º 48051 prescreve que “…para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração…”. A ilicitude, implica, em si, um juízo de censura que antecede a própria culpa do agente.
Por seu turno, o artigo 6º do mesmo Diploma define como ilícitos “…os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração…”.
A responsabilização exige, pois, a ilicitude do ato lesivo, sendo a ilicitude a contrariedade ao direito. E o ato é ilícito quando viola um dever jurídico, quer se traduza numa violação de direitos de outrem, quer na violação de norma destinada a proteger interesses alheios.
Resulta do referido preceito que, para os efeitos deste diploma, se consideram ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios, ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
Como facilmente se perceberá, julgamos ser esta a sede própria da chamada "culpa do serviço", tradução menos feliz da expressão francesa faute du service, figura que cobre os danos anónimos ou coletivos quanto à autoria, e que em bom rigor nada tem a ver com um juízo de censura subjetivo, mas antes com o afastamento dos standards de atuação e rendimento dos serviços.
Estamos a referir-nos à responsabilidade civil extracontratual do Estado por atos de gestão pública, uma vez que a responsabilidade civil extracontratual do Estado por atos de gestão privada estava e está regulada no CC. Veja-se o artigo 500.º e 501.º do CC: podemos afirmar que se trata de uma responsabilidade objetiva quanto ao fundamento, mas subjetiva quanto aos requisitos.
Está, pois, demonstrada o ato voluntário ilícito.
O pressuposto da ilicitude aparece, nesta matéria, as mais das vezes, indissociável do pressuposto da culpa (negligente), porquanto, uma vez assente a ocorrência de um ato ilícito, na definição que lhe é dada no artigo 6.º do DL 48 051, ressuma a conclusão de que o agente não procedeu com a diligência adequada a evitar que ocorresse a violação das normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis ou ainda das regras de ordem técnica e de prudência comum que o ente público deverá sempre evitar.
Assim, para além da existência do ilícito, este deve assumir a natureza de culposo, tal como o exige o artigo 4.º, do mencionado diploma legal, que impõe que a culpa seja apreciada segundo os parâmetros do artigo 487.º do Código Civil, preceito este que estabelece, ainda, no seu n.º 2, à falta de outro critério legal, o da diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, ou seja, determina que a culpa seja aferida segundo o padrão do bom pai de família ou do homem médio (em abstrato).
c) Culpa
Quanto à culpa, a presunção de culpa estabelecida no artigo 493, n.º 1, do CC, é aplicável à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos praticados no exercício da gestão pública.
(…)
Dispõe o nº 1 do artigo 4.º do D.L. nº 48 051 que a culpa é apreciada nos termos do artigo 487º do Código Civil, ou seja, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
(…)
No caso de não se apurar dolo ou culpa grave dos titulares dos órgãos e funcionários e agentes, de acordo com a disciplina contida no D.L. nº 48051, será de excluir a sua responsabilidade pessoal quanto ao dever de indemnização, ou seja, nos casos de culpa leve, a sua responsabilidade é excluída, respondendo apenas a entidade pública – cf. entre outros, o Ac. do STJ, de 06/05/1986, Proc. nº 73710, 1ª Secção, BMJ 357 (1986).
Na verdade, esta interpretação decorre do citado nº 2 do artigo 2.º, a contrario, por se entender que não deve recair sobre os funcionários ou agentes o ónus de responderem civilmente por atos seus meramente negligentes, respondendo apenas no caso de dolo ou culpa grosseira, casos em que além da censura que é feita aos atos praticados, recai também o dever de indemnização pelos prejuízos e danos causados.
O referido Decreto-Lei nº 48 051 respeita unicamente à responsabilidade derivada de atos de gestão pública, excluindo implicitamente do seu campo de aplicação os atos pessoais praticados por titulares de órgãos, funcionários ou agentes. É esse princípio-regra que deriva do artigo 2º, nº 1 daquele diploma legal.
Porém, no âmbito dos atos funcionais, o diploma distingue depois entre a responsabilidade funcional e a responsabilidade pessoal: i) na responsabilidade funcional incluem-se os danos emergentes de atos praticados com negligência, operando ou não o direito de regresso, por parte da pessoa coletiva pública, consoante se trate de negligência grave ou leve (cf. artigo 2º, nº 1); ii) a responsabilidade pessoal ocorre em relação a danos resultantes de atos dos titulares dos órgãos ou agentes que excedam os limites das funções ou de atos praticados com dolo, sendo que, neste último caso, funciona a responsabilidade solidária da pessoa coletiva pública (cf. artigo 3º, nº 1).
Poderão assim configurar-se, no regime aplicável aos autos, quatro situações distintas:
a) Responsabilidade exclusiva da Administração (atos praticados com negligência leve);
b) Responsabilidade exclusiva da Administração com direito de regresso (atos praticados com negligência grave);
c) Responsabilidade solidária da Administração (atos praticados com dolo);
d) Responsabilidade exclusiva dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes (atos que excedam os limites das funções) (…)
Portanto, justifica-se uma presunção de culpa no caso da prática de atos jurídicos ilícitos. Ou seja, a ilegalidade dispensa uma indagação autónoma sobre o pressuposto da culpa.
Há, pois, culpa quando o agente, podendo e devendo atuar em conformidade com o que lhe é exigido, adota conduta proibida, ou omite o comportamento devido.
(…)
Esta culpa pode ser individualizável em algum ou alguns dos seus agentes ou, caso tal não seja possível, pode ser referida ao mau funcionamento orgânico dos serviços da entidade demandada, conforme flui da interpretação consolidada que o STA vem efetuando do supracitado artigo 6.º do DL. 48 051, nos termos da qual, face à definição ampla de ilicitude nele contida, a omissão dos deveres gerais aí mencionados preenche simultaneamente os requisitos da ilicitude e da culpa que, assim, se confundem – Vide Acórdãos do STA de 26/09/96, proc. 40177, de 01/06/99, proc. 43505 e de 24/09/2003, proc. 1864/2002.
Está assim demonstrada a culpa.
d) O Dano e) o Nexo de Causalidade
Dano Patrimonial
Alegam os coautores que tiveram de recorrer a advogado para poderem ser defendidos e patrocinados. As despesas que tiveram os coautores com o patrocínio judiciário a que tiveram de recorrer foi de € 22.131,36 e € 13.776,16 relativamente ao autor, marido, e de €8.355,20 relativamente à autora, mulher. Ainda tiveram de vender um bem comum – uma garagem – pelo valor de €6.500 para poderes fazer face às despesas resultantes da penhora. Vejamos.
Está provado que a 21 de dezembro de 2004 foi penhorado efetivamente um imóvel, fração "AQ", 8.º andar esquerdo, para pagamento de uma dívida tributária de € 102.277,47 e respetivo acrescido proveniente de execução fiscal, por reversão da P......, LDA, contra N….., casado em comunhão de adquiridos com F...... (Facto Provado 8.).
Está provado ainda que foram feitos os seguintes pagamentos ao advogado P......: € 166, 87; € 1.806,16; € 1.486,91; € 289,25 e € 30, num total de € 3.779,19 (Factos Provados 7. e 9.).
Está provado, ainda, que a coautora F...... pagou à sua advogada V...... um valor global de €2.934,25 (Facto Provado 11) e N...... pagou a M......, na qualidade de advogada, o valor de €1.250 (Facto Provado 12.).
Tratam-se de danos presentes e emergentes, correspondendo eles à privação de vantagens que já existiam na esfera jurídica dos coautores lesados na altura da lesão, ie, correspondem aos danos que se consomem logo após o dano ter sido sofrido, conforme artigo 564.º/1 e 2 do CC. São patrimoniais pois são danos avaliáveis em dinheiro, nos termos do artigo 566.º do CC.
Ao contrário de todos os danos patrimoniais alegados, estes foram apenas os que demonstraram ter efetivamente tido, mediante prova documental, junta aos autos e constante no probatório.
Dano Não Patrimonial
Os coautores alegaram que tiveram a necessidade de se separarem judicialmente de pessoas e bens, de modo a impedir que a autora, mulher, fosse atingida pela dívida revertida, já que foram penhorados bens comuns do casal.
Os coautores alegaram ter permanecido envoltos numa grande angústia e receio, vivendo em permanentes sobressaltos durante anos, pelo que entendem ser-lhes devido um valor ressarcitório de €125.000 por danos morais para o autor, marido, e de €75.000 por danos morais para a autora, mulher, sendo que esta ainda foi confrontada com a necessidade de requerer a sua separação judicial de bens.
Está provado que a 15 de julho de 2008 F...... recebe ofício da Administração Fiscal para que requeresse a separação judicial de bens por terem sido penhorados bens por dívidas de IRC dos anos de 1993 e 1994 (Facto Provado 13.).
Está ainda provado que desde a citação do despacho de reversão, em 27 de outubro de 2004 (Facto Provado 6.), até à decisão final, judicial, transitada em julgado em abril de 2010, ou seja, vivendo cerca de 6 anos na dúvida e em angústia.
Ora os danos não patrimoniais são os que se verificam em relação a interesses insuscetíveis de avaliação pecuniária, remetendo a sua avaliação para o disposto no artigo 496.º/1 do CC, ou seja, remetendo a indemnização aos casos em que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, bem como tendo em linha de conta o grau de culpa do agente e a sua condição económica, bem como a do lesado.
O arbitramento do valor indemnizável terá de ser encontrando por recurso a critérios de equidade, nos termos do artigo 496.º/4 do CC, levando em conta o dano, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica desde, bem como a dos lesados e outras circunstâncias relevantes.
(…)
Tal compensação deve abranger as consequências passadas e futuras resultantes das lesões emergentes do evento danoso – cfr. artigo 496.º/1 do CC – e a sua fixação não deve ser simbólica, miserabilista, ou arbitrária, mas nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do CC.
Pois bem, dito isto, considerando a angústia causada a ambos os coautores que 6 anos de dúvida relativamente à obrigação de pagamento, por reversão, de uma dívida tributária da P......, por dívidas de IRC de 1993 e 1994, no valor de €102.277,47, tendo sido penhorada fração "AQ" de prédio urbano, 8.º andar, em Santarém, pertença dos coautores (Facto Provado 8.).
(…)
Deste modo, considerando a gravidade do dano, as lesões, o sofrimento psíquico experimentado pelos autores, incluindo nele a ansiedade e a instabilidade vividas durante os 6 anos de dúvida [desde a citação para a reversão e o transito em julgado das decisões judiciais], e sob o critério objetivo da equidade, julga-se adequada a compensação por danos não patrimoniais no montante de €10.000 para o autor, o verdadeiramente revertido, e €7.000 para a autora, mulher, por ser casada com o revertido em comunhão de adquiridos e também por ter passado pela situação de, com o intuito de salvaguardar património, ter requerido a sua separação de bens (Facto Provado 10.).
Nexo de Causalidade
O artigo 563.º do CC, enquanto norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização, consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa segundo a qual uma condição do dano deixará de ser causa deste, sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para este dano.
(…)
À face da aludida teoria, o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode ser indireto, isto é, subsiste o nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos - nexo de causalidade entre o facto e o dano pode ser indireto.
(…)
Assim sendo, o Tribunal entende estar preenchido o pressuposto de indemnização "nexo de causalidade", na medida em que estando provado que o Administração Tributária reverteu ilicitamente a dívida fiscal da devedora originária, P......, contra os coautores, imputando-lhes a responsabilidade do seu pagamento, a título subsidiário. Tais atos ilegais foram causa adequada ou apropriada para a produção dos danos alegados pelos coautores pois que essa condição do dano não deixaria de ser causa deste, por não lhe ser indiferente.
Na verdade, não fossem os despachos de reversão das dívidas de IRC e IVA da P...... contra os coautores e os danos alegados não se teriam verificado.”

Correspondentemente decidiu-se em 1ª Instância julgar “procedente a presente ação, condenando-se o Estado Português a pagar:
a) A N......, o valor de €1.889,59 correspondente a metade da despesa global de €3.779,19, pagas ao mandatário F......, bem como €1.250 pagos à mandatária M......, num valor global de €3.139,59, a título de danos patrimoniais;
b) A N......, o valor de €10.000 a título de danos não patrimoniais;
c) A F......, o valor de €1.889,59 correspondente a metade da despesa global de €3.779,19, pagas ao mandatário F......, bem como €2.934,25, pagos a V......, mandatária, num valor global de €4.823,84;
d) A F......, o valor de € 7.000 a título de danos não patrimoniais.”

Assim, está em causa, o pagamento de quantitativos correspondente a danos Patrimoniais, relativos aos pagamentos dos Honorários dos Advogados, e danos morais, cifrando-se estes em 17.000€ (10.000€+7.000€).

Na presente Ação foi originariamente peticionada a atribuição de uma indemnização resultante de responsabilidade civil extracontratual do Estado Português, de 222.131,36€, a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Ao Autores, aqui Recorridos, fundamentaram o seu pedido no facto de terem sido executados por reversões fiscais em três processos, sendo que num deles - Processo nº 3140….. - foi penhorada a casa de morada de família.

Já no decurso da presente Ação, nas oposições deduzidas pelos Recorridos nos três processos executivos, foram proferidas sentenças, já transitadas em julgado, as quais vieram a ser totalmente favoráveis aos aqui Recorridos, tendo sio determinada a extinção das instâncias fiscais executivas.

A cônjuge do Recorrido N......, fundamentou o seu pedido no facto de ter visto ser penhorada a casa de morada de família, quando não era sequer executada, tendo apenas tomado conhecimento da penhora após a realização da mesma, o que lhe causou compreensíveis prejuízos e perplexibilidades.

Invoca o Recorrente/Estado que existirá erro na matéria de facto dada como provada, na medida em que entendem que dos factos dados como provados na sentença recorrida, não se extrai a conclusão de manifesta inexistência de fundamentação dos despachos que determinaram a reversão, em face do que não deveria ter sido dada como provada a inexistência de falta de fundamentação dos despachos de reversão em relação às três oposições.

Não se reconhece o alegado, desde logo por tal não resultar dos factos provados, mas da interpretação dos documentos constantes dos factos dados como provados, o que é diverso.

Efetivamente, os pontos 4 a 6 dos factos provados, limitam-se a transcrever o conteúdo dos despachos de reversão, sendo que a ausência de suficiente fundamentação é uma resultante do teor dos referidos documentos e não da circunstância dos documentos terem sido dados como provados.

Acresce que foi dado como provado no ponto 3 dos factos provados que a devedora principal, à data em que o Recorrido N...... deixou de ser gerente, dispunha de bens que poderia ter suportado a divida exequenda, e correspondentemente ter evitado a reversão.

Como se discorreu no discurso fundamentados da decisão recorrida que aqui se ratifica, «Está provado que no âmbito do processo 1616/04.1BESNT foi proferida sentença, transitada em julgado em 4 de junho de 2010 (Facto Provado 15.), tendo sido extinta a execução fiscal em relação a N......, por dívidas de IRC de 1993 e 1994 da devedora originária P....... Também está provado que no âmbito do processo n.º 1326/08.0BESNT, referente a uma dívida de IRC de 1993 e 2994 da P......, revertida contra F......, coautora, foi extinta a respetiva execução fiscal por decisão judicial transitada em julgado (Facto Provado 16.).
Está também provado que, no âmbito do processo n.º 1572/04.6BESNT, relativo a IVA de 1993 da P......, revertida contra N......, foi proferida sentença judicial, transitada em julgado a 29 de abril de 2010, e que ordenou a extinção da respetiva execução fiscal (Facto Provado 17.). Já no âmbito do processo n.º 1573/04.4BESNT, referente a dívidas de IVA de 1994 da devedora originária P......, foi proferida sentença judicial transitada em julgado também a 29 de abril de 2010, cuja dívida foi revertida contra N......, tendo sido ordenada, também, a respetiva extinção da execução fiscal (Facto Provado 18.).
Por força do disposto no artigo 5.º/2, alínea c) do CPC o Tribunal tem conhecimento do sentido das referidas decisões judiciais transitadas em julgado, tendo sido decidido que as decisões de reversão da dívida tributária originária contra os autores nos sobreditos processos padeceram de falta de fundamentação, por inexistentes quaisquer fundamentos que levaram a Administração Tributária a reverter a execução contra os oponentes, aqui coautores.»

Em face do precedentemente afirmado, não se reconhece a verificação do suscitado erro na matéria de facto dada como provada.

Mais invoca o Recorrente que a sentença recorrida terá incorrido em excesso de pronúncia, na medida em que terá atendido, para efeitos da verificação do requisito da ilicitude, a falta de fundamentação dos despachos que determinaram a reversão dos processos de execução fiscal em apreciação nestes autos, circunstância que extravasará o peticionado “(…) já que o próprio A. reconhece a verificação de um dos requisitos essenciais para o despacho de reversão, i.e., o exercício do cargo de gerência de facto até Novembro de 1994, ou seja, durante o período da constituição das dívidas exequendas (…)”, sendo que “(…) em nenhum dos temas da prova se questiona a omissão de elementos essenciais do despacho de reversão”.

É certo que determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC que é nula a sentença quando, designadamente, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Em qualquer caso, a decisão recorrida limitou-se, como lhe competia, em função da prova disponível, a entender que “as decisões de reversão da dívida tributária originária contra os autores nos sobreditos processos padeceram de falta de fundamentação, por inexistentes quaisquer fundamentos que levaram a Administração Tributária a reverter a execução contra os oponentes, aqui coautores”.

As referidas circunstâncias mostram-se, assim, conexas com o invocado pelos Recorridos quanto à falta de fundamento dos despachos de reversão, onde se alegou que nos despachos de reversão não se encontrava provada a sua culpa no facto do património da sociedade se ter tornado insuficiente para a satisfação das dívidas tributárias.

A inexistência de fundamentos para a reversão integra efetivamente a causa de pedir, em face do que tinha o tribunal a obrigação de proceder à apreciação do invocado, independentemente dos aqui Recorridos terem, ou não, contestado nos processos de Execução fiscal o pressuposto da reversão com base na gerência de facto.

Com a argumentação constante do Despacho de 1ª Instância, de sustentação da Sentença supra transcrito, que se ratifica, e em função ainda do precedentemente referido, não se reconhece a verificação de qualquer nulidade da sentença.

Invoca ainda o Recorrente Estado, que o que está em causa não é falta de fundamentação, mas uma análise divergente da mesma.

Em qualquer caso, o discurso fundamentador da decisão recorrida evidencia a insuficiência da fundamentação que serviu de suporte às controvertidas decisões.

Acresce que os danos decorrentes de atos de liquidação de imposto praticados pela Administração Tributária, que sendo ressarcíveis ao abrigo dos artigos 43.º e 53.º da LGT, não deixam de ser potencialmente ressarcíveis ao abrigo do regime geral da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas coletivas públicas, atendo o constitucionalmente estatuído no Artº 22º da CRP.

Tendo o controvertido ato de reversão ocorrido em 2004, é aqui aplicável quanto à Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967.

Assim, perante a responsabilidade civil por atos ilícitos citada, será então aqui aplicável o estatuído no n.º 1 do artigo 9.º do referido Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967.

Tal como se discorreu em 1ª instância, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito, os seguintes:
a) O Facto Voluntário (ato ou omissão), traduzido numa conduta voluntária de um órgão ou agente, no âmbito das suas funções e por causa delas);
b) A Ilicitude (que advém da ofensa, por esse facto, de direitos de terceiros ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios);
c) A Culpa (como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto do agente, a título de dolo ou de negligência);
d) O Dano (lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros); e
e) O Nexo de Causalidade (entre o facto - ato ou omissão - e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada).

Não obstante o Tribunal a quo tenha dado por preenchidos todos os referidos pressupostos, entende o Estado, que tendo o Processos de Execução Fiscal terminado por despacho a declarar extintas as instâncias por efeitos de prescrição das dívidas exequendas decretadas, não chegou a haver decisão condenatória ou absolutória, em face do que o Estado não incorreria em Responsabilidade Civil.

O Tribunal de 1ª Instância não fugiu a abordar a referida questão, tendo afirmado o seguinte:
«E o que foi decidido nos processos de oposição à execução fiscal n.º 1572/04.6BESNT, 1573/04.4BESNT e 1616/04.1BESNT, referentes precisamente à reversão contra os aqui autores por dívidas de IVA e IRC da devedora originária, P......, Lda.?
Está provado que no âmbito do processo 1616/04.1BESNT foi proferida sentença, transitada em julgado em 4 de junho de 2010 (Facto Provado 15.), tendo sido extinta a execução fiscal em relação a N......, por dívidas de IRC de 1993 e 1994 da devedora originária P....... Também está provado que no âmbito do processo n.º 1326/08.0BESNT, referente a uma dívida de IRC de 1993 e 2994 da P......, revertida contra F......, coautora, foi extinta a respetiva execução fiscal por decisão judicial transitada em julgado (Facto Provado 16.).
Está também provado que, no âmbito do processo n.º 1572/04.6BESNT, relativo a IVA de 1993 da P......, revertida contra N......, foi proferida sentença judicial, transitada em julgado a 29 de abril de 2010, e que ordenou a extinção da respetiva execução fiscal (Facto Provado 17.). Já no âmbito do processo n.º 1573/04.4BESNT, referente a dívidas de IVA de 1994 da devedora originária P......, foi proferida sentença judicial transitada em julgado também a 29 de abril de 2010, cuja dívida foi revertida contra N......, tendo sido ordenada, também, a respetiva extinção da execução fiscal (Facto Provado 18.).
Por força do disposto no artigo 5.º/2, alínea c) do CPC o Tribunal tem conhecimento do sentido das referidas decisões judiciais transitadas em julgado, tendo sido decidido que as decisões de reversão da dívida tributária originária contra os autores nos sobreditos processos padeceram de falta de fundamentação, por inexistentes quaisquer fundamentos que levaram a Administração Tributária a reverter a execução contra os oponentes, aqui coautores.
No que se refere à responsabilidade por factos ilícitos, deve o conceito de ilicitude ser suficientemente abrangente, de forma a compreender, quer no campo da atividade jurídica, quer no campo da atividade material, todas as ações ou omissões que violem as normas constitucionais, legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração, ou que não correspondam aos padrões de atuação dos órgãos ou dos serviços, e de que resulte lesão dos direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros.»

Não merece, assim, censura o entendimento adotado pelo tribunal a quo, o que, nesse aspeto, se ratifica, ao ter dado como preenchidos todos os pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual.

Efetivamente, no que concerne aos danos não patrimoniais mal se alcança como pode o Estado entender que os mesmos se não mostrem merecedores da tutela do direito, quando ambos os recorridos estiveram sujeitos durante 6 anos às angustias e consequências na sua economia familiar de pairar permanentemente sobre eles uma divida superior a 100.000€, tendo-lhes ainda sido penhorada a casa de morada de família.

Assim, tendo sido dado como provado que a Administração Tributária reverteu irregularmente a dívida fiscal da Sociedade devedora originária, para os Recorridos, tais atos mostram-se causa adequada para a produção dos invocados e declarados danos não patrimoniais, mostrando-se que os montantes fixados equitativos e equilibrados.

Com efeito, decorre do artigo 496º do CC que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1), sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3).

O julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.

A indemnização por danos não patrimoniais tem uma natureza mista, visando por um lado reparar, mais do que indemnizar e por outro reprovar ou castigar a conduta do lesante.
Resultando provado, designadamente, que os Recorridos sofreram ao longo de 6 anos danos decorrentes da liquidação irregular de impostos, chegando a ver penhorada a casa morada de família, o que compreensivelmente causou angústia, e permanentes sobressaltos, nomeadamente na economia familiar, entende-se que as quantia indemnizatórias atribuídas de 7.000€ e 10.000€ a título de danos morais/não patrimoniais se mostram adequadas, equitativas e proporcionais aos danos verificados.

Com efeito, constituem danos não patrimoniais, relevantes para efeitos de reparação, nos termos do art° 496° do Código Civil, designadamente a instabilidade psicológica e perturbação que os aqui Recorridos compreensivelmente sofreram, em virtude da situação já abundantemente descrita.

Incontornavelmente, não fossem os despachos de reversão das dívidas de IRC e IVA da P...... contra os Recorridos, os danos alegados não se teriam verificado.

Dos Honorários dos Advogados/Danos Patrimoniais
Quantos aos valores despendidos com os mandatários, afirma o Recorrente Estado Português, o seguinte:
Importa ainda anotar que dos pagamentos constantes nos pontos 7º, 9º, 11º e 12º da matéria dada como provada, não resulta a concreta correspondência sobre os serviços forenses e processos, não se esgotando, aqueles, nas três Oposições em causa na sentença recorrida, já que abarcavam outros processos, como o Processo Comum Coletivo nº 349/95.2JASTB (cfr. doc. 30 anexo à P.I. data do de 30/X/2004 … e certidão junta pelo A. em 14/7/2009) e o de Embargos de Terceiro, os quais além de rejeitados liminarmente motivaram dois (2) recursos de improcedência para os AA., cujas consequências resultantes da falta de razão não poderão ser atribuídas ao Estado.”

Na realidade, não é assim claro que os valores fixados correspondam necessária e exclusivamente a valores despendidos com os processos aqui em causa, importando assim e ainda verificar se os mesmos se enquadram e compatibilizam com os valores constantes, nomeadamente, da “Tabela de honorários para a proteção jurídica”.

Sem necessidade de acrescida argumentação, adotar-se-á aqui o entendimento já vertido nos Acórdãos do STA de 09.06.1999, P. 043994; de 06.06.2002, P. 24779A (Pleno); de 20.06.2012, P. 0266/11; e de 12.10.2012, P. 00064/10.9BELSB; os Acórdãos do TCAN, de 27.05.2009, P. 01399/06.0BEBEG e de 05.07.2012, P. 02767/06.3BEPRT; e os Acórdãos do TCAS, de 22.11.2012, P. 03399/08; e de 08.05.2014, P. 08642/12, onde num deles se sumariou que Os honorários do advogado constituem dano indemnizável no domínio do contencioso em que o mandato judicial seja obrigatório, sendo que a possibilidade de recebimento pelo vencedor de uma quantia a título de procuradoria, em vez de excludente, por raciocínio a contrario, deve antes ser considerada como uma indemnização a forfait com a qual o interessado poderá conformar-se.”
“(…) O facto de ainda não terem sido liquidados os honorários não significa que não devam incluir-se na indemnização, apenas impõe que se relegue para liquidação em incidente próprio o apuramento do respetivo valor - artigos 358º, n.º2, e 609º, n.º2, do Código de Processo Civil. “

Efetivamente, tem vindo a entender-se que os honorários do advogado constituem dano indemnizável no domínio do contencioso em que o mandato judicial seja obrigatório, sendo que a possibilidade de recebimento pelo vencedor de uma quantia a título de procuradoria, em vez de excludente por raciocínio a contrario, deve antes ser considerada como uma indemnização a forfait com a qual o interessado poderá, ou não contentar-se nos casos em que, por comodismo ou por outra razão qualquer, não peticiona o montante das despesas efetivas superiores (v., a título de exemplo, os Acórdãos do STA de 09.06.1999, P. 043994; de 06.06.2002, P. 24779A (Pleno); de 20.06.2012, P. 0266/11; e de 12.10.2012, P. 00064/10.9BELSB; os Acórdãos do TCAN, de 27.05.2009, P. 01399/06.0BEBEG e de 05.07.2012, P. 02767/06.3BEPRT; e os Acórdãos do TCAS, de 22.11.2012, P. 03399/08; e de 08.05.2014, P. 08642/12).

Levanta-se aqui outro problema, qual seja o de saber qual o limite de adequação e necessidade dos honorários do advogado, quando é sabido que os mesmos são livremente fixáveis pelo profissional liberal e, em regra, apenas deontologicamente sindicáveis.
Em nosso entender, essa adequação e necessidade determina que o valor do dano requerido a título de honorários deve ater-se ao montante que o legislador fixou como o justo e adequado ao pagamento do patrono nomeado ou escolhido, isto é, aos valores que forem os fixados nas tabelas de honorários para apoio judiciário e não a qualquer outro, que possa ser livremente fixado pelos profissionais do foro e apenas deontologicamente parametrizado.

Assim, admite-se que a despesa com os honorários a advogado constitui, neste contexto, um dano indemnizável. Contudo, visto que no caso em apreço não se mostra suficientemente documentado e discriminado o pagamento dos reclamados honorários, impõe-se relegar para liquidação o apuramento do respetivo valor, em incidente próprio (artigos 358.º/2 e 609.º/2 do CPC).

Por outro lado, e na linha do entendimento constante do Acórdão do STA de 14.04.2016, P. 01635/15, não caberá a este tribunal nesta sede fixar um limite ou um padrão para o apuramento do montante devido, que deverá ser liquidado de acordo com o previsto no artigo 358.º/2 do CPC, concedendo-se total liberdade ao tribunal que irá proceder a essa liquidação.

Assim, como se disse, a quantificação dos honorários deverá ser relegada para ser liquidada de acordo com previsto no art.º 358.º/2 do CPC, não devendo aqui ser fixado um limite ou um padrão para o apuramento do montante devido por o mesmo dever ser livremente apurado naquele incidente.

V - Decisão
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar parcialmente procedente o Recurso, condenando-se o Estado Português:
a) A pagar ao A. N......, o valor de 10.000€ a título de danos não patrimoniais;
b) A pagar à A. F......, o valor de 7.000€ a título de danos não patrimoniais.
c) Revogar o Acórdão recorrido no tocante ao pagamento dos Honorários dos Mandatários dos Autores, devendo os mesmos ser fixados de acordo com o que livremente se apurar em incidente que para o efeito venha a ser intentado.

Custas por ambas as partes em função do decaimento

Lisboa, 19 de maio de 2022

Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa