Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1666/08.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO GERENTE
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I. A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II. O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III. É à Administração Tributária, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Processo n.º 1666/08.9BELRS

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por A……., contra a execução fiscal nº 31582……. e apensos, instaurada originariamente contra a sociedade «C…. – S. C.S., Lda», para cobrança do montante de €62.951,00, por dívidas de IVA, dos anos de 2004 e 2005.

A Recorrente, FAZENDA PÚBLICA, terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, na parte em que o douto Tribunal considerou que a oponente é parte ilegítima para a execução, por a FP não ter feito prova que permita dizer que a oponente tenha praticado esses actos de gerência.
lI. Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida, porquanto considera que da prova produzida se não podem extrair as conclusões que lhe serviram de base, determinando que se julgasse pela ilegitimidade da oponente consubstanciada na ausência de prova, pela Fazenda Pública, da gerência de facto.
IlI. Da análise da certidão de registo comercial a tis. 43 a 46 do PEF, apenso aos Autos, constata-se que a ora oponente figura como gerente da sociedade "C…. – S.C.S., Lda.", desde a constituição em 2001 até 20-04-2006, data em que renunciou à gerência. A sociedade abrigava-se pela assinatura dos dois gerentes.
IV. É certo que esta prova, constante da Conservatória do Registo Comercia/, demonstra a gerência de direito do oponente, relativamente à sociedade devedora originária "C….. – S.C.S., Lda.", contudo, tal prova não se fica somente por aí, ela pode, a par de outras provas e de certas alegações proferida ao longo do processo, contribuir para provar a efectiva gerência da oponente.
V. Em primeiro lugar, da obrigatoriedade da assinatura do oponente na vinculação da sociedade decorre que o oponente tinha uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção da oponente, o que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.
VI. Neste sentido e tendo em conta outros elementos probatórios junto aos autos afere-se que as dívidas tributárias objecto da presente lide se submetem a IVA, referente aos anos de 2004 e 2005, pelo que, os argumentos aduzidos e relativos à cessão de quotas e renúncia à gerência, tendo em conta que se reportam a factos posteriores às dívidas em causa, são manifestamente despiciendos.
VII. Por outro lado, na petição inicial (cfr. pontos 4, 7, 16 e 23) é aceite o exercício da gerência por parte da oponente. Da sua leitura retira-se que foi efectivamente gerente da sociedade, tendo o seu mandato durado até 20- 04-2006, data em que renunciou à gerência, tendo durante esse período subscrito documentos e assinado cheques, e efectuado pagamento a trabalhadores da sociedade.
VIII. Todos estes actos em que a oponente participou como representante da sociedade em documento que vincula a própria sociedade, perante terceiros, é por si só distintivo da gerência de direito, ou seja, é demonstrativo do exercício da gerência de facto.

IX, Pelo que não se compreende que o Tribunal "a quo" conclua que a AT nada alegou em sede de contestação "que evidenciassem o apontado exercício de funções por parte da oponente", quando na sua contestação enumerou todos estes factos.
X. Aliás na alínea H) do factos provados, a sentença dá por provado que "Notificada, a oponente, para exercer direito de audição (reversão) veio exercê-lo alegando ter sido sócia gerente até 20-04-2006 e, nessa data cedeu a totalidade da quota e renunciou à gerência e que desconhecia a situação económica da sociedade". (fls. 82, do PEF)
XI. Ainda a alínea K) dos factos provados refere que "A oponente e o J…… tiveram uma relação, eram namorados e depois de ter acabado a relação aquela deixou de ter qualquer relação com a empresa (inquirição de testemunha);
XII. Por outro lado, já o próprio despacho de reversão em causa faz referência, na sua análise à defesa apresentada pela oponente, de que a mesma assume ter sido sócia gerente da empresa C……, Lda. até 20-04- 2006. (cfr.fls. 49 a 52 do PEF)
XIII. Por tudo o que foi dito, não se vislumbra qualquer ilegalidade no despacho de reversão proferido contra ele.
XIV. Destarte, no entender da Fazenda Pública, e sem embargo de melhor opinião, constata-se que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, porque não procedeu ao correcto enquadramento da matéria de facto no disposto no artigo 24.º, n.º 1, b) da LGT, considerando o Oponente parte ilegítima.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.»

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A recorrida, A……, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.
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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
A questão a decidir é a de saber se o Tribunal de 1ª instância incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Oponente não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) Resulta da escritura de constituição da sociedade comercial denominada C….. – S.C.S., Lda, designadamente as seguintes inscrições – averbamentos:
Insc. 1 Ap 26/2001……..– Constituição de Sociedade e Designação de Membro(s) de Órgão(s) Social(ais)
Firma: cobrança do montante de €62.951,00, por dívidas de IVA, dos anos de 2004 e 2005.
(…).
Objecto: prestação de serviços de manutenção a espaços comerciais e privados, nomeadamente serviços de recepção. Comercialização e instalação de segurança, consultadoria de segurança.
Capital: 5.000,00 Euros
Sócios e Quotas
Quota: 2.500,00o Euros

Titular: A………
(…).
Quota: 2.450,00
Titular: J……….
(…).
Forma de Obrigar/Órgãos Sociais
Forma de obrigar: é necessário a intervenção de dois gerentes.
Estrutura da gerência: Compete aos gerentes, sócios ou não sócios.
(…)
Órgão(s) designado(s)
Gerência
A…….
J…….
Av 1 Ap 4/2007…. – Cessação de Funções de Membro(s) do(s) Órgão(s) Social(ais)
Gerência:
A………
(…).
Cargo: gerente
J……..
(…).
Cargo: gerente
Causa: renúncia
Data 20060420
(…).
B) Conforme consta da cópia da carta de curso, junta como fls 18, por A……. (oponente) frequentou o Instituto Superior de Gestão tendo aí concluído em 31-07-2003 o Curso Superior de Gestão;
C) O curso frequentado oponente teve início no ano lectivo de 1997/1998 e terminus em 2001/2003 (fls 19 a 22, dos autos);
D) Desde 02-01-2004 e até à data, a oponente exerce funções na empresa F….. – C.I., SA, com contrato de trabalho sem termo (fls 23, dos autos);
E) Em 15-12-2004 a oponente concluiu o curso de pós graduação ISG (fls 24, dos autos);
F) Contra a sociedade identificada em A) foram instaurados as execuções fiscais:

“Texto integral com imagem”

G) Os processos de execução fiscal encontram-se apensados;
H) Notificada, a oponente, para exercer direito de audição (reversão) veio exercê-lo alegando ter sido sócia gerente até 20-04-2006 e, nessa data cedeu a totalidade da quota e renunciou à gerência e que desconhecia a situação económica da sociedade (fls 82, do PEF);
I) O Chefe do Serviço de Finanças proferiu a 01-04-2008 despacho de reversão contra a oponente, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta, nomeadamente (fls 50 e 51, dos autos):
(…).

“Texto integral com imagem”

J) Em 08-04-2008 a oponente foi citada (fls 52 e 53, dos autos);
K) A oponente e o J……. tiveram uma relação, eram namorados e depois de ter acabado a relação aquela deixou de ter qualquer relação com a empresa (inquirição das testemunhas;
L) A oponente não tinha qualquer conhecimento do sector da segurança e era o J…….. que tinha esses conhecimentos, era segurança privado (inquirição das testemunhas);
M) Em 08-05-2008 deu entrada a presente oposição.

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados e na inquirição das testemunhas.»

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B. DO DIREITO
A execução fiscal, por dependência da qual foi deduzida a presente oposição, respeita a dívida de IVA dos anos de 2004 e 2005, inicialmente exigida à sociedade «C….. – S.C.S., Lda» e revertida contra a A……… .
A oposição foi julgada procedente, tendo a Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa considerado que incumbe à Fazenda Pública a prova da gerência de facto, enquanto pressuposto da reversão e que essa prova não foi feita.
Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de 1ª Instância expendeu a seguinte fundamentação:
« Na realidade a AT limitou-se a invocar que é a oponente que alega que emitiu cheques e pagou a alguns trabalhadores e ainda retirou a ilação de obrigando-se a sociedade com a assinatura dos dois gerentes, logo gerente de direito e de facto.
Na verdade não se pode pretender que a Fazenda, ao abrigo da possibilidade que a oponente tem de “reverter” a sua situação, dispensar a AT de alegar a gerência efectiva, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do art. 24.º da LGT, porque em sede de contestação, a AT teria de enumerar os tais factos concretos que evidenciam o apontado exercício de funções de gerente por parte da oponente.
A AT nada alegou.
Por outro lado, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura dos dois sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado.
Isto porque a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139.
Sendo verdade que a oponente alega ter emitido cheque e feito pagamentos a alguns trabalhadores, porém, analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar essa realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de administração por parte da oponente (ficando-se pela alegação), sendo que e, ainda que pudéssemos dar como provados esses factos sempre nos questionaríamos, quanto ao quando.».
Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública, por entender que na sentença recorrida se fez errado julgamento no que se refere à gerência de facto da Oponente, que, a seu ver, deveria dar-se como provada.
Visto que não vem questionado o regime de responsabilidade aplicado na sentença recorrida (o previsto no artigo 24.º da LGT), vejamos então se assiste razão à recorrente, analisando o regime de responsabilidade subsidiária instituído nesse preceito legal.
Este artigo 24º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:
«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)».
É sabido que a gerência pode ser nominal ou de direito (quando resulta da designação no contrato de sociedade ou de eleição posterior por deliberação dos sócios) ou efectiva ou de facto (traduzida na prática de actos de administração ou disposição em nome e no interesse da sociedade).
À luz do regime da responsabilidade subsidiária descrito em qualquer uma das suas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência (neste sentido, entre muitos outros, vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt) .
No que respeita ao ónus da prova, como bem salienta a sentença recorrida, louvando-se no entendimento da nossa jurisprudência, aliás pacífica e uniforme, é à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.
Vale aqui, o sustentado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no processo n.º 1132/06, onde se escreve que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal, nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta de demonstração sobre o efectivo exercício da gerência.
O mesmo entendimento está ínsito no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 21.11.2012, proferido no processo n.º 0474/12 e que se transcreve (parcialmente), atento o interesse para a presente causa: « (…) Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346° do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova» (fim de citação, sublinhados nossos).» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
No caso, ficou provado que, no contrato social da devedora originária, a gerência desta seria exercida pelos dois sócios, a Oponente e P……, obrigando-se a mesma com intervenção conjunta dos mesmos.
Como atrás já o dissemos, não existe qualquer presunção legal que permita concluir que quem é gerente de direito exerce a gerência de facto. (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 11.03.2009, proferido no processo n.º 0709/08, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Do que vem dito decorre, desde logo, que não assiste razão à Fazenda Pública quando pretende ver responsabilizada a Oponente pelo facto de ter sido designada gerente no pacto social e a sua intervenção ser necessária para obrigar da sociedade devedora originária.
É um facto que, segundo o contrato social, a devedora originária se obriga com a assinatura conjunta de dois gerentes (gerência plural conjunta), contudo o argumento utilizado pela Fazenda Pública «(…) não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado». ( Acórdão Tribunal Central Administrativo Norte de 12.06.14, proferido no processo nº 00013/12.0BEBRG, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
Tanto basta para se poder concluir que, não obstante a previsão no contrato social da necessidade de intervenção de dois gerentes para vincular a devedora originária, não é seguro que a viabilidade funcional da mesma ficaria comprometida sem a intervenção da Oponente.
Por outro lado, não é o facto da Oponente em sede de audição prévia ter afirmado que «fui sócio gerente da empresa C….. Lda» que permite extrair a conclusão que aquela exerceu a gerência efectiva da devedora originária, dado que apenas permite apreender que a Oponente foi sócia gerente da devedora originária e o que releva para efeitos da sua responsabilização é o exercício efectivo do cargo, não relevando para efeitos da citada responsabilização a mera gerência nominal ou de direito.
Com efeito, sabido que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade da sociedade nos respectivos negócios jurídicos, que são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, quem toma decisões sobre o destino das suas receitas e quem dá ordens de pagamento em nome e no interesse dela, exteriorizando, por essa via, a vontade da sociedade e vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros (cfr. artigo 260.º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais), não basta a gerência nominal, para se poder afirmar que o exercício da gerência.
Não se ignora, o alegado nas Conclusões VII, contudo, como também vimos, o ónus material da prova da gerência de facto enquanto pressuposto da responsabilidade subsidiária que se efectiva através da reversão pesa sobre a Fazenda Pública.
Assim, não tendo a Fazenda Pública produzido qualquer prova sobre a gerência é inócuo aferir se a Oponente logrou provar factos que suscitem dúvida sobre a prática efectiva de actos de gerência.
Depois, e ainda, não indica a Fazenda Pública qual (ou quais) a(s) data (s) em foi(ram) assinado(s) pela Oponente o(s) cheque(s) para pagamento dos vencimentos dos funcionários da devedora originária, tanto mais quanto é certo que aquela não deixou de afirmar em sede de oposição fiscal que: «no período a que respeitam os tributos, nem nunca teve, qualquer participação na gestão da sociedade».
Chegados aqui, dúvidas não existem que perante a factualidade fixada na sentença recorrida é de concluir que não tendo sido feita qualquer prova de que a Oponente, para além de deter a qualidade de gerente de direito da devedora originária, também a exerceu de facto, praticando os actos próprios e típicos da gerência, no período aqui em causa (seja a assinatura de contratos ou quaisquer outros documentos, a efectivação de pagamentos, a contratação de pessoal, a alienação ou aquisição de património, a negociação de fornecimentos, entre outros), não pode ser responsabilizada, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas, sendo, por isso, parte ilegítima na execução fiscal. E repete-se, como acima dissemos, que era à Fazenda Pública que competia a prova de tal exercício.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da Fazenda Pública, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a sentença aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
IV.CONCLUSÕES
I.A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II.O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito. III.É à Administração Tributária, como exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal.
V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 11 de Julho de 2019.

Ana Pinhol


Isabel Fernandes


Catarina Almeida e Sousa