Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1140/08.3BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC;
CARTEIRA DE CLIENTES;
DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS.
Sumário:I. Da letra e do espírito do artigo 35.º do CIRC, tem de concluir-se que o legislador não exige que o contribuinte só possa constituir provisões, i. é, contabilizar como incobráveis, os créditos que detém de clientes com quem já não mantém relações comerciais.

II. As carteiras de clientes são activos sem substância física, pelo que à luz do conceito de “imobilizações incorpóreas” previsto no POC eram consideradas como activos imobilizados incorpóreos.

III. Em sede de IRC, o documento justificativo do custo para efeitos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as facturas em sede de IVA, sendo suficiente que contenha os elementos essenciais das operações que titulam - os sujeitos, o preço, a data e o objecto dos serviços prestados - de modo a possibilitar à Administração Tributária quer ao controle para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO

M……….., S.A., com os demais sinais dos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) referente ao exercício de 2002.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

«A - A Recorrente entende que ficou provado nos autos e que tem interesse para a boa decisão da causa, para além dos factos dados como provados na sentença recorrida, os seguintes factos:

Factos com interesse para a apreciação da correção, efetuada na B..........., relativa aos custos com provisões para créditos de cobrança duvidosa:

(i) O procedimento adotado internamente pela S........... Lda. relativamente a todos os créditos em mora era o seguinte: A B..........., através do seu departamento de cobrança de créditos e dos seus vendedores, contactava os clientes a solicitar o pagamento das dívidas, quando estes não pagavam as dívidas na totalidade tentava celebrar acordos de pagamento e quando, apesar destas diligências, se verificava que o cliente não ia pagar os montantes em dívida remetia a situação para o contencioso para efeitos de instauração dos correspondentes processos judiciais de cobrança (cfr. depoimento de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(ii) Os contactos para pagamento das dívidas eram feitos através de cartas de interpelação, visitas dos vendedores aos clientes em mora, etc. (cfr. depoimento de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(iii) A B........... faturava cerca de 200 milhões de euros, tinha diversas máquinas de venda automática em cerca de 6000 clientes, remetia vastíssimas cartas de interpelação por dia, pelo que era totalmente impraticável fazer um arquivamento de todos os comprovativos de receção das cartas de interpelação (cfr. depoimento de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(iv) Havia um acompanhamento quase permanente da B........... por parte dos auditores externos (cfr. depoimento de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(v) Estes auditores externos nunca colocaram reservas a este procedimento de cobrança de créditos seguido pela B........... (cfr. depoimento de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(vi) Estes auditores externos nunca sequer mencionaram que para ser admitida a provisão tinha de ser arquivado o comprovativo da receção das cartas de interpelação pelos clientes em mora (cfr. depoimento de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

Factos com interesse para a apreciação da correção, efetuada na T..........., relativa aos custos com provisões para créditos de cobrança duvidosa:

(i) O negócio de tabaco desenvolvido pela T........... tinha um elevado risco de incobrabilidade (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(ii) O historial da T..........., nesta matéria, era bastante penoso, com uma elevada percentagem de créditos incobráveis (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(iii) Quando o grupo L.......... assumiu a liderança da gestão da área do tabaco, o que aconteceu em 2002, foi pedido a N………. que implementasse um sistema de controlo de créditos que fosse mais eficaz (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(iv) Por questões internas, atendendo ao risco do negócio e porque a T........... era auditada e tinha de explicar aos auditores o volume de créditos em mora, passou a utilizar-se o critério das provisões de gestão, pelo que os vendedores da T..........., que eram aqueles que tinham uma relação mais próxima com os clientes, tentavam efetuar a cobrança dos créditos em mora junto dos clientes, quer pessoalmente (procedimento mais usual neste tipo de negócios e de clientes), quer através do envio de cartas, tentavam negociar acordos de pagamento e assim que percebiam que não iam conseguir cobrar o crédito o processo era remetido para a sociedade de advogados que na altura representava a T........... para instauração dos correspondentes processos e era automaticamente constituída uma provisão para cobrança duvidosa (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(v) Era possível saber em pouco tempo se a empresa ia ou não conseguir cobrar os créditos, pois havia reuniões semanais de créditos onde os vendedores, que eram aqueles que tinham uma relação mais próxima com os clientes e que tinham a função de cobrar os créditos, apresentavam os casos de maior risco para a T........... e que indicavam, de entre esses casos, quais os casos em que, apesar das diligências por eles efetuadas com vista à cobrança dos créditos, esta não iria ser concretizada e que, por isso, deviam seguir para contencioso (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(vi) Quando os vendedores entendiam que o cliente ia entrar em incumprimento suspendia aos fornecimentos (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(vii) A E.........., empresa que auditava as contas da T........... no ano de 2002, nunca colocou reservas a este procedimento de cobrança de créditos seguido pela T........... (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

Factos com interesse para a apreciação da correção, efetuada na T..........., relativa a reintegrações e amortizações de exercício:

(i) As carteiras de clientes adquiridas pela T........... continham a identificação e contactos de potenciais clientes na compra de tabaco, tendo a sua aquisição por finalidade passar a deter um conjunto de contactos de potenciais clientes da empresa, suscetíveis de aumentar a sua clientela e, por conseguinte, o seu volume de negócios (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B e de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(ii) Os clientes não estavam vinculados à carteira e existiam circunstâncias diversas que levavam a que tais carteiras de clientes fossem perdendo o seu valor (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B e de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(iii) A T........... fazia a amortização da carteira de clientes inicialmente em 4 e posteriormente em 5 anos, mas a E.......... – empresa que auditava a T........... em 2002 – considerava que a T........... estava a ser conservadora na perda de valor da carteira de clientes e que era possível fazer a amortização das carteiras de clientes em 12 ou, no máximo, 24 meses, ou seja, a E.......... entendia não só que era possível amortizar a carteira de cliente como que era possível amortizar num prazo mais curto do que o utilizado pela T........... (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(iv) Em 2002 a T........... já fazia a imparidade das carteiras de clientes, ou seja, no final do ano avaliavam o valor da faturação dos clientes, a margem dos clientes e os clientes daquela carteira que tinham perdido (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

Factos com interesse para a apreciação da correção, efetuada na T..........., relativa a custos e perdas extraordinários:

(i) 65% das receitas que entravam na T........... era em dinheiro físico (nota e moeda) (cfr. depoimento de N........... gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(ii) Era tal o volume de dinheiro físico que a T........... tinha uma máquina que contava 4500 moedas por minuto, tinha uma pessoa 8 horas por dia que contava o dinheiro e que mesmo assim não conseguia ter a contagem ao dia e tinha recolhas da P.......... diárias (cfr. depoimento de N........... gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(iii) Havia mapa que tinha de ser preenchido e que obrigava a mencionar o número do recibo, o cliente, a forma de pagamento e depois o vendedor tinha de fazer um somatório por espécie de moeda e de nota e depois entregava na tesouraria e era conferido pelo tesoureiro (cfr. depoimento de N........... gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(iv) Onde havia maiores diferenças era na parte das máquinas de venda automática. A T........... tinha pessoas para fazer o carregamento das máquinas. Estas pessoas faturavam à máquinas e no final do mês, estas máquinas eram inventariadas. Era apurado o saldo e depois esse saldo era confrontado com o que constava estava em sistema. Sucede que as máquinas muitas vezes tinham avarias diversas (encravavam, disparavam vários maços ao mesmo tempo, erravam no troco, nas referências de tabaco) que conduziam a diferenças de saldos (cfr. depoimento de N........... gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B)

(v) No âmbito das verificações físicas, a T........... considerava a custo, numa conta 69 (conta de custo), as correções para menos e levava a proveitos, numa conta 79 (conta de proveitos), as correções para mais.

Factos com interesse para a apreciação da correção, efetuada na T..........., relativa a compensações pela colocação da máquina de venda automática:

(i) As importâncias pagas e registadas como custo fiscal respeitam a comissões pagas aos estabelecimentos comerciais e comerciantes como contrapartida pela colocação de máquinas de venda automática (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B e de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(ii) Estas comissões eram calculadas com base numa percentagem sobre as vendas geradas pela máquina colocada (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B e de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(iii) A T........... mantinha cópia dos cheques emitidos para pagamento de tais comissões (nos quais era visível a denominação do estabelecimento comercial ou nome do comerciante), assim como declarações assinadas pelos estabelecimentos comerciais e comerciais beneficiários a confirmarem o recebimento dessas comissões, tendo esses cheques e declarações sido exibidas à Administração Tributária durante a inspeção tributária (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B).

(iv) A T........... mantinha fichas / notas de lançamento onde eram contabilizados: (i) o montante vendido pela máquina de venda automática, (ii) a percentagem da comissão negociada com o estabelecimento comercial / comerciante; (iii) o montante da comissão a que estabelecimento comercial / comerciante em causa tinha direito em virtude das vendas e da percentagem de comissão negociada;

(iv) o número do cheque utilizado para efetuar o pagamento dessa comissão e o respetivo valor, tendo essas fichas / notas de lançamento sido exibidas à Administração Tributária durante a inspeção tributária (cfr. J..........., depoimento gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(v) O pagamento destas comissões era sempre efetuado por cheque endereçado ao estabelecimento comercial / comerciante (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B e de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

(vi) As cópias desses cheques constavam da contabilidade da T........... e foram exibidas à Administração Tributária durante a inspeção tributária (cfr. depoimento de N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B e de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2).

B - A Recorrente entende que do depoimento da testemunha J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2, resulta provado que foram efetuadas diligências para a cobrança dos créditos provisionados, pelo que ao decidir em sentido diferente a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e, por conseguinte, em erro de julgamento da matéria de direito porque considerou que não estavam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 35.º do CIRC.

C - A Recorrente entende que do depoimento da testemunha N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B, resulta provado que foram efetuadas diligências para a cobrança dos créditos provisionados e que estes créditos foram reclamados judicialmente, pelo que ao decidir em sentido diferente a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e, por conseguinte, em erro de julgamento da matéria de direito porque considerou que não estavam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 35.º do CIRC.

D - A sentença recorrida rejeitou a natureza de ativo fixo intangível das carteiras de clientes com base em regras contabilísticas que não estavam em vigor na data a que se reportam os factos.

E - Na data a que se reportam os factos estava em vigor o POC que apenas exigia, para efeitos de qualificação de determinado ativo como ativo imobilizado incorpóreo, que o mesmo fosse intangível, ou seja, não tivesse substância física.

F - As carteiras de clientes em causa nos presentes autos são, por natureza, um ativo intangível pelo que, na data a que se reportam os factos, preenchiam as características dos ativos imobilizados incorpóreos.

G - A Recorrente entende que do depoimento da testemunha N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B e de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2, resulta provado que as carteiras de clientes estão sujeitas a deperecimento.

H - A sentença recorrida, ao considerar que as carteiras de clientes não podiam ter sido amortizadas por não se tratarem de um ativo imobilizado incorpóreo (atualmente ativo fixo intangível), nem estarem sujeitas a deperecimento, é ilegal por violação do disposto no artigo 28.º, n.º 1 do CIRC, pelo que deve ser anulada com as devidas consequências legais.

I - A Recorrente entende que do depoimento da testemunha N..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B e de J..........., gravado na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2, resulta provado que as importâncias deduzidas respeitavam a comissões pagas pela T........... aos estabelecimentos comerciais e comerciantes como contrapartida pela colocação das máquinas de venda automática nas instalações destes, pelo que ao decidir em sentido diferente a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e, por conseguinte, em erro de julgamento da matéria de direito porque considerou que não estavam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 23.º do CIRC.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis deve ser dado provimento ao presente recurso e ser revogada a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra a liquidação de IRC de 2002, no montante de €157.378,42, só assim se fazendo o que é de Lei e de JUSTIÇA!»


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.


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Colhidos os vistos legais dos Exmºs Desembargadores adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC)), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Atentas as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a decidir:

- Erro de julgamento da matéria de facto;

- Erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do artigo 34.º, 35.º e 23.º todos do CIRC;

- Erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do artigo 17.º, alínea c) do Decreto Regulamentar n.º 2/90 de 12 de janeiro.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1. Em 06/01/2004, foi elaborado o Relatório Inspectivo relativo à sociedade do grupo S..........., S.A. do qual resulta que foram efectuadas correcções à matéria colectável no montante de € 26.705,62 (cfr. doc. junto a fls. 77 a 85 do I vol. Do processo instrutor junto aos autos);

2. A sociedade identificada no ponto anterior dedica-se à actividade de comércio por grosso de tabaco, embora também se dedica-se ao comércio de bebidas alcoólicas, artigos de papelaria e também artigos para fins de uso no sector da restauração (cfr. doc. junto a fls. 77 a 85 do I vol. Do processo instrutor junto aos autos);

3. As correcções identificadas no ponto anterior deveram-se à contabilização de provisões para créditos de cobrança duvidosa por considerar que apesar de os créditos estarem em mora há mais de 6 meses e de a dívida estar devidamente registada contabilisticamente, as diligências efectuadas apenas dizem respeito a alguns créditos, sendo certo que apesar da mora registada continuam a ser efectuadas vendas a esses clientes, o que leva a concluir que o risco de incobrabilidade não existe, pelo que desaparece a condição essencial do critério fiscal de provisão, assumindo apenas a natureza de provisão técnica. É junto um mapa das provisões com indicação das que tiveram diligências, conforme comprovativos disponibilizados pela sociedade. Todavia a Administração Fiscal considerou ainda provisões acrescidas pelo sujeito passivo no valor de € 57.497,16 euros, conforme quadro que segue: € 93.372,57 -€9.169,79 € 84.202,78 - € 57.497,16 € 26.705,62. Aquando do exercício do direito de audição a "SOCIEDADE B..........." terá apresentado diversos documentos aos Serviços de Inspecção Tributária (os quais não se mostram juntos ao apenso administrativo), acerca dos quais foram tecidas as seguintes considerações: - "Da análise aos documentos disponibilizados juntamente com a resposta agora obtida, deparamo-nos com situações anómalas, designadamente a emissão de cartas com data anterior à constituição da dívida, cobrança de valores superiores aos reais, comparativamente com os constantes no mapa de antiguidade de saldos, bem como cobrança de valores referentes a pagamentos antecipados efectuados pelos clientes. Verificamos ainda que os documentos enviados são originais, pois a assinatura do responsável pelo departamento financeiro é directa (não fotocopiada), destacando-se pelo seu relevo no papel, para além de todos os ofícios terem uma estrutura idêntica e diferente dos que nos foram enviados no inicio, os quais faziam referência às facturas que titulavam as dívidas, as respectivas datas e o nº de avisos efectuados. Os documentos agora disponibilizados indicam a condição de "cartas registadas com aviso de recepção" embora não nos tenha sido facultado nenhum desses comprovativos de envio postal. Outra situação a apontar é o texto dos ofícios mencionar a intenção de enviar para contencioso as dívidas pendentes, caso não fossem saldadas no prazo concedido, contudo não nos fizeram chegar nenhum processo existente em tribunal, para além de continuarmos a verificar a realização de vendas em datas posteriores aos ofícios para cobrar as dívidas." (cfr. doc. junto a fls. 77 a 85 do I vol. Do processo instrutor junto aos autos);

4. Em 29/08/2005 foi elaborado o Relatório Inspectivo referente à inspecção externa efectuada à Sociedade T........... –………, S.A. do qual resultou uma correcção à matéria colectável no montante de € 895.544,33 (cfr. doc. junto a fls. 47 a 71 do I vol. Do processo instrutor junto aos autos);

5. Do Relatório identificado no ponto anterior consta o seguinte: “o sujeito passivo exercia a actividade de comércio de tabaco por grosso (vendas em cafés, restaurantes, tabacarias, etc) e comércio de tabaco a retalho (venda ao consumidor final através de máquinas automáticas próprias instaladas em cafés, restaurantes e outros estabelecimentos).

6. Do mesmo Relatório Inspectivo e no que respeita a provisões para créditos de cobrança duvidosa os Serviços de Inspecção Tributária não aceitaram como custo o montante de € 44.744,41, por infracção ao disposto no nº2 do artigo 35º do CIRC porquanto o montante anual ter ultrapassado naquele valor a percentagem prevista na citada norma legal, uma vez que se tratava de créditos em mora há mais de 6 meses e a impugnante havia considerado que os mesmos tinham sido reclamados judicialmente, pelo simples facto de ter remetido a um escritório de advogados os valores das dívidas, para sua apreciação diversos documentos relacionados com aquelas dívidas, motivo pelo qual se concluiu não estarem reunidos os pressupostos legais relativos à situação de incobrabilidade de créditos (cfr.doc. junto a fls. 52 do processo instrutor junto aos autos - ponto III.1-1.1 do relatório inspectivo);

7. Os Serviços de Inspecção Tributária não aceitaram como custo o montante de € 32.521,60 euros, de Amortizações e Reintegrações contabilizadas pela sociedade, relativa a carteira de clientes adquiridas nos anos de 2000 e 2001, e que a impugnante classificou como imobilizações incorpóreas e levou à conta correspondente, por a mesma não estar sujeita a deperecimento e não se encontrar elencada nas alíneas dos nº 3 e 5 do artigo 17º do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro. (cfr. doc. junto a fls. 47 a 71 do I vol. Do processo instrutor junto aos autos)

8. Do Relatório identificado no ponto anterior foram ainda efectuada correcções decorrentes da contabilização de Custos e Perdas Extraordinárias por terem sido contabilizadas nestas rubricas Quebras, Roubos e Regularizações de Saldos da qual resultou um acréscimo à matéria colectável de € 175.938,33 divididos da seguinte forma: Existências (dif. Carga Vendedor € 18.208,53, Quebras € 120.935,90, Regularização de saldos 26.512,69, Roubos/indemnizações € 11.384,19, Regularização saldos maquinas € 71.353,13, remetendo para os art. 23º e 24º do CIRC, uma vez que não são considerados indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos, assim como também não contribui para a manutenção da fonte produtora, e ainda considerando que tais perdas dependem de requerimento dos interessados o que não se verificou (cfr. doc. junto a fls. 47 a 71 do I Vol. do processo instrutor junto aos autos);

9. Ainda no relatório supra identificado foram efectuadas correcções decorrentes do Aluguer Espaço Máquina por os serviços terem considerado que a T........... contabilizou na conta /16221933 - Fornecimentos e Serviços Externos - Aluguer Espaço Máquina, e considerou como custo fiscal, o valor global de € 330.843,44. Tais encargos são relativos à cedência de espaço, por parte dos proprietários de estabelecimentos comerciais e outros espaços para a instalação das máquinas automáticas de venda de tabaco, cujo valor é calculado com base numa percentagem da venda do tabaco. Os Serviços de Inspecção Tributária alegam que estamos perante uma prestação de serviços e nessa medida competia ao prestador - titular do espaço cedido - a emissão da factura, cujo serviço está sujeito a IV A. Por esse motivo e constatando que tais encargos estavam documentados por documentos internos emitidos pelo próprio sujeito passivo - através de notas de lançamento a crédito - a Administração Fiscal considerou que os encargos não estavam devidamente documentados e nessa medida não eram suficientes para comprovar os respectivos custos. (cfr. doc. junto a fls. 47 a 71 do I Vol. Do processo instrutor junto aos autos);

10. Ainda no relatório referente à T........... A AF corrigiu também o montante de € 279.088,63, relativo a vendas efectuadas a "consumidor final". Entendeu aquela que se encontravam contabilizadas inúmeras facturas de venda de tabaco e outros acessórios a consumidores finais, das quais constava a existência de desconto, o qual só costuma ser praticado nas vendas a retalhistas, motivo pelo qual foi considerado que se estava perante omissão de proveitos. A AF fundamenta a sua posição na circunstância de "na actividade de venda .........., considerando que os respectivos preços de venda se encontram devidamente fixados (tabelados), as vendas efectuadas a outros sujeitos passivos (retalhistas) é efectuada pelo respectivo preço final, sendo que a margem de lucro bruto, destes retalhistas, se consubstancia nos descontos comerciais, pelos grossistas, os quais podem variar entre os 6,00% e os 7,5%". Ora, segundo a mesma Administração Fiscal, "não ficou provado nesta sede que tais vendas tenham sido realizadas a consumidor final, com a concessão do desconto habitual nas vendas a retalhistas." Nessa medida foi apurado o montante de € 279.088,63 (cfr. doc. junto a fls. 47 a 71 do I Vol. Do processo instrutor junto aos autos);

11. A impugnante foi objecto de um procedimento inspectivo interno realizado no período de 02/10/2006 a 15/11/2006, tendo por objecto "a análise e controlo quantitativo da agregação de resultados, em função do regime de tributação do grupo de sociedades, exercida pelo sujeito passivo, na qualidade de sociedade dominante e com referência ao exercício de 2002. (cfr. doc. junto a fls. 26 a 46 do I vol. Do processo instrutor junto aos autos);

12. No âmbito da inspecção efectuada foram levadas em consideração as correcções efectuadas às matérias colectáveis de quatro sociedades do grupo, a saber: T........... –………, S.A., E.........., Lda., a S..........., Lda. e T.........., S.A., que totalizaram o montante de € 942.642,08 o que originou que o prejuízo agregado apresentado para o exercício de 2002 de € 307.886,13 passasse para um lucro tributável de € 634.755,95 (cfr. doc. junto a fls. 26 a 46 do I vol do processo instrutor junto aos autos);

13. Em 21/12/2006 foi a Impugnante notificada da liquidação adicional de IRC nº………….., de 15/12/2006, relativa ao ano de 2002, de que resultou imposto a pagar no valor de € 136.992,03 euros, acrescido de juros compensatórios e estorno da liquidação anterior, tudo no valor global de €187.218,85 euros cujo prazo de pagamento terminou em 25/01/2007. (cfr. doc. junto a fls. 227 do I vol. Do processo instrutor junto aos autos);

14. A Impugnante apresentou reclamação graciosa da reclamação em 09/03/2007 (cfr. doc. junto a fls. 1 do II Vol. Do processo instrutor junto aos autos);

15. A fls. 90 a 726 (II e III Vols. Do processo instrutor junto aos autos) a Impugnante juntou documentos comprovativos dos pagamentos efectuados aos donos dos espaços de aluguer de máquinas no âmbito dos quais os seus subscritores dão quitação do valor global de € 141.250,64.;

16. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 28/11/2008 (cfr. doc. junto a fls. 884 do III Vol. Do processo instrutor junto aos autos);

17. O procedimento normal da sociedade, em face do não pagamento dos clientes era suspender o fornecimento, caso não fosse paga a factura anterior (depoimento da testemunha N..........);

18. Os clientes não se encontravam vinculados a qualquer carteira de clientes, podendo ou não adquirir bens à T........... (depoimento da testemunha N..........);

19. A actividade que é exercida pela T........... e pela impugnante tem um forte controlo na distribuição da mercadoria (depoimentos das testemunhas arroladas);

20. A sociedade "T...........", para além da venda por grosso, procedia à venda a retalho através de máquinas automáticas, as quais eram cedidos a outras entidades, normalmente comerciantes (depoimento das testemunhas arroladas).


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A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como no depoimento das testemunhas arroladas.

***



A) DOS FACTOS NÃO PROVADOS

A propósito das provisões constituídas para créditos de cobrança duvidosa, foram ouvidas todas as testemunhas e em particular a testemunha N.........., que nada disse em concreto sobre os esforços desenvolvidos pela Impugnante relativamente a estes créditos concretos. A testemunha limitou-se a afirmar, dum modo muito genérico, que em todas as situações em que existe atraso no pagamento, os vendedores que recebem à comissão deslocavam-se às instalações dos clientes e faziam um ponto da situação relativamente às facturas antigas. Nunca especificou quais são as diligências que são normalmente efectuadas com vista ao recebimento dos créditos, nem quais foram as diligências levadas a cabo no caso concreto. Acresce ainda que também foi referido por esta testemunha que o procedimento normal em face a facturas atrasadas seria o de suspender os fornecimentos. Dos depoimentos prestados não se pode concluir que relativamente a estes créditos concretos tenham existido quaisquer diligências no sentido de cobrar as dívidas cujas provisões não foram aceites. Mais foi alegado pelas testemunhas que o procedimento normal era encaminhar as situações para os advogados da empresa mas para além dos documentos já junto ao processo instrutor e que foram tidas em consideração nas correcções efectuadas, nem elemento foi junto comprovando a existência de processos judiciais, por exemplo, para cobrança das dívidas concretas não aceites pela AF.

Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.»


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B. DO DIREITO

A recorrente na sua impugnação da matéria de facto pretende ver aditados aos factos provados a factualidade que indica na Conclusão A, sendo assim, por uma questão de precedência lógica, impõe-se, primeiramente ajuizar da pretendida ampliação da matéria de facto que baseia com fundamento nos depoimentos das testemunhas N........... e J............

Estabelece do artigo 640.º nº 1, alíneas a), b) c), do CPC, que deve, aquele que impugne a matéria de facto, especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Acrescenta o nº 2 da disposição, que no caso previsto na alínea b), quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

No caso concreto, a recorrente não efectuou a indicação exigida pelo apontado preceito quanto às passagens da gravação (cfr. artigo 640.º, nº 2, alínea a) do CPC). Com efeito, limitou-se nas suas alegações - corpo e conclusões - quanto ao depoimento das testemunhas N........... e J........... a mencionar (em bloco) que se encontram respetivamente gravados na cassete áudio 1 da volta 0011 do lado A até à volta 0125 do lado B e na cassete áudio 1 da volta 0123 do lado B até à volta 1086 do lado B da cassete áudio 2.

Ora, a indicação com exatidão das passagens tem o seguinte significado: indicação do segmento da gravação onde está contida a informação que o recorrente entende apoiar o seu ponto de vista.

Atento todo o quadro que vimos traçando, não tendo a recorrente indicado com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua impugnação, limitando-se, antes a identificar que se encontram gravados nas cassetes áudio 1 e 2 com a menção do início e termo das mesmas, tanto basta para se concluir pela inobservância dos ónus impugnativos prescritos no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC,

Neste sentido pode ler-se no acórdão o Tribunal da Relação de Coimbra de 25.10.2016, proferido no processo n.º 2/14.7TBLRA: « [n]aquelas situações, como a que ocorre nestes autos, de terem sido gravados os meios probatórios invocados como fundamentos do recurso e de ser possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, o recorrente tem de indicar, com exactidão, pelo menos nas alegações, as concretas partes dos depoimentos testemunhais em que se funda a divergência recursiva fáctica.

Tal indicação deve ser feita preferencialmente por referência à numeração temporal do registo áudio de cada um dos concretos excertos que se invoquem como fundamento da discordância, com identificação da hora, dos minutos e dos segundos de início e de fim de cada uma dessas passagens da gravação, embora se admita que também possa ser feita pela transcrição desses concretos excertos em termos de ficar claro para o tribunal de recurso quais as concretas partes de que depoimentos devem ser ponderadas e analisadas na reapreciação da matéria de facto, tudo sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.» (disponível em www.dgsi.pt)

Acresce que também o resumo dos depoimentos apresentado pela recorrente e por si redigido, segundo as suas valorações e juízos, não é apto para não satisfazer o ónus que sobre si impendia decorrente do já mencionado artigo 640.º, n.º 2 do CPC.

Efectivamente, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida. Donde, a simples indicação do momento do início e do fim da gravação de um certo depoimento não cumpre só por si a exigência legal.

Em face de todo o exposto, resulta claro que a recorrente se limitou a apresentar uma súmula de entendimento que extraiu dos depoimentos prestados, remetendo em bolco para o início e termos das concretas gravações.

Conclui-se, assim, que incumprindo a recorrente o ónus imposto pelo artigo 640.º, nº 2, do CPC, impõem-se, assim, a rejeição, nessa parte, do recurso interposto.

Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto

Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, ao probatório a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

22. Consta dos presentes autos cartas de interpelação emitidas pela «S..........., Lda» visando a cobrança de créditos no montante global de 34.981,02€. (Doc.fls. 148 a 196 do p.a.t Vol. III)

Assim, estabilizada que está a matéria de facto dos autos, importa, então, aferir dos demais fundamentos do recurso.

(i)Provisões para créditos de cobrança duvidosa (B........... .........., Lda)

Conforme se pode ler no Relatório de Inspecção (ponto 3. do probatório), o montante de 26.705,62€ correspondente a provisões constituídas não foi admitido como custo fiscal porque a Administração Tributária entendeu que não ficou demonstrada a diligenciação, por parte da «B........... .........., Lda» e, por outro lado, «[a]pesar da mora registada continuam a ser efectuadas vendas a esses clientes, o que leva a concluir que o risco de incobrabilidade não existe, pelo que desaparece a condição essencial do critério fiscal de provisão, assumindo apenas a natureza de provisão técnica.».

A sentença recorrida manteve a correcção, suportada no entendimento de que a recorrente não logrou provar que foram tomadas quaisquer diligências no sentido de cobrar os questionados créditos e que « [s]e no caso das provisões não aceites como custos fiscalmente relevantes os fornecimentos continuaram é porque, como bem afirma a AF, o risco de incobrabilidade, na acepção que lhe conferimos acima, não existe e como tal não deve ser fiscalmente aceite.».

Contrapõe a recorrente alegando ter ficado provado, através de prova documental e testemunhal - meios de prova admissíveis para efeitos da alínea c), do n.º 1, do artigo 35.º do CIRC - que foram efetuadas inúmeras diligências para recebimento dos créditos em mora e não tendo os outros requisitos de constituição e de dedutibilidade dessas provisões sido postos em causa, deverá julgar-se o recurso procedente neste ponto com as devidas consequências legais.

Vejamos se lhe assiste razão.

Para efeitos de IRC, são custos ou perdas «os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», entre os quais as provisões (cfr. artigo 23.º, n.º 1, alínea h), do CIRC - na redacção à data dos factos - por força do princípio tempus regit actum, acolhido no artigo 12.º do Código Civil, constitui a regra geral de aplicação das leis no tempo e significa que as normas jurídicas têm efeito apenas para o futuro, valendo no direito público e no privado), que constituem «(…) lançamentos que num dado exercício se fazem na conta de resultados, com valores negativos, correspondentes a factos nele ocorridos mas cuja concretização fica dependente de eventualidades que só nos exercícios seguintes podem ocorrer» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, II volume, pág. 637) .

Como o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, em jurisprudência constante, «Sobre a noção de provisão, esclarece o Prof. Rui Morais (Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, págs. 119-120.) que, “As provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto.

Tal como uma pessoa cautelosa, quando confrontada com uma despesa previsível, põe antecipadamente de lado o dinheiro necessário para a satisfazer, também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis.

Note-se, porém, que na constituição de uma provisão não está, directamente, em causa a criação de uma “reserva monetária”, mas a consideração de um custo, o que tem como consequência que o lucro apurado (e, portanto, também o lucro distribuível) seja menor.

A consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade:

- o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido);

- o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível – custo). A não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua constituição por valor insuficiente) resulta numa violação deste princípio, na medida em que terá como efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele.

A constituição de provisões envolve um elevado grau de subjectividade por parte da empresa, v.g., na apreciação dos factos que, no seu entender, poderão gerar, no futuro, perdas. Ou seja, uma empresa cautelosa tenderá – e bem – a efectivar provisões, decidindo quais os factos que as devem legitimar e respectivo montante.

Por ser este um procedimento correcto, compreende-se a intencional flexibilidade das regras contabilísticas.

Porém, a lei fiscal tem que assumir uma perspectiva mais restritiva. Caso fossem aceites como custo fiscal a totalidade ou, pelo menos, a generalidade das provisões que a empresa decidiu constituir, estaria aberto caminho fácil para se evitar ou, pelo menos, adiar a tributação (para se conseguir uma redução artificial do lucro tributável, através da constituição de provisões excessivas).

Daí que as regras fiscais se afastem das contabilísticas, sendo muito mais densas, ou seja, resulte, em muito, reduzida a projecção fiscal dessa margem de discricionariedade contabilística. O mesmo é dizer que será normal existirem provisões registadas na contabilidade que não são aceites como custo fiscal, que, também nesta medida, o resultado final seja diferente do contabilístico”.

Também esclarece MARIA DOS PRAZERES LOUSA (Alguns contributos para a revisão fiscal das provisões, Ciência e Técnica Fiscal nºs 331/333, pág. 119.), “a constituição das provisões para riscos e encargos é consequência lógica e directa da aplicação dos princípios contabilísticos da «especialização dos exercícios» e da prudência, e por essa razão deve orientar-se segundo duas vertentes:

- a 1.ª concretiza-se na necessidade de relevar contabilisticamente e imputar a cada exercício todos os factos ou acontecimentos susceptíveis de afectar no futuro o património e os resultados da empresa, papel atribuído na generalidade dos casos às provisões;

- a 2.ª apela para a própria conceptualização do carácter previsional do risco e eventualidade dos encargos futuros e ainda para a determinação do factor gerador que implica a sua imputação a um dado exercício”.

Como bem se percebe da leitura desta doutrina, as provisões destinam-se, no essencial, em criar uma conta onde se reservam determinadas quantias, de acordo com o princípio da prudência, para fazer face a despesas ou perdas cuja ocorrência futura é certa e conhecida, mas cujo quantum não é possível determinar com precisão, sendo por isso incerto.

Portanto, o que determina a necessidade das empresas constituírem provisões, não é a incerteza da ocorrência futura de despesas ou perdas, mas antes a incerteza da sua exacta quantificação, ou seja, é a impossibilidade de determinar num dado exercício fiscal, aquele em que teve conhecimento da ocorrência da perda, despesa ou encargo -princípio da especialização dos exercícios-, o montante exacto dessa mesma despesa, perda ou encargo, que apenas será determinado e concretizado no(s) exercício(s) fiscal(is) seguinte(s), “…(a) provisão é uma conta em que se inscreve a verba destinada a fazer face a encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado, mas de montante indeterminado…”, cfr. J.J. Teixeira Ribeiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3684, pág. 84(cfr. entre outros, o Acórdão de 28.01.2015, proferido no processo n° 652/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Feito este breve enquadramento, há, pois, que ver qual o regime fiscal das provisões, para o qual importam os seguintes normativos do Código do Imposto sobre o Rendimento do das Pessoas Colectivas (CIRC) - todos na redacção vigente à data dos factos em obediência do princípio tempus regit actum - .

Na alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC, sob a epígrafe «Provisões fiscalmente dedutíveis», estabelecia-se que podiam ser deduzidas para efeitos fiscais as provisões « (…) que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade».

Por seu turno, o artigo 35.º do mesmo diploma legal: «Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do nº 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento (…)»

Claramente se extrai do enquadramento descrito, que para efeitos fiscais, o regime das provisões comporta especificidades face ao tratamento contabilístico, pois que, para além do requisito do “risco de cobrança”, mostram-se necessários outros pressupostos para a respectiva aceitação.

Nesta linha, como forma de prevenir a utilização abusiva da conta das provisões contabilísticas, permitida pelo uso do conceito indeterminado de “créditos de cobrança duvidosa” na alínea a) do n.º1 do artigo 35.º do CIRC, o legislador efectivou uma delimitação desse conceito indeterminado, especificando nas diversas alíneas (de aplicação disjuntiva, ou seja, está justificado aquele tipo e grau de risco, desde que, casuística e objectivamente, se verifique um qualquer dos casos previstos em alguma dessas três alíneas- neste sentido entre muitos outros vide: acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.06.1999, proferido no processo n.º 23.089), do n.º 1 do artigo 34º quais as provisões que no âmbito específico dos custos podem relevar fiscalmente.

No caso presente, não pode, em primeiro lugar, deixar de notar-se que a fundamentação que suporta a questionada correcção é completamente omissa relativamente a qualquer referência, quanto ao incumprimento dos pressupostos de acordo com os quais poderiam os créditos questionados ser considerados como de cobrança duvidosa de modo a fundamentar a correcção do lucro tributável declarado e da consequente liquidação adicional.

Portanto, a recorrida aceita frontalmente a verificação dos pressupostos contidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC.

Resta, assim, apurar da legalidade da actuação da Administração Tributária, que, como vimos, foi subscrita pelo Tribunal «a quo».

O Relatório de Inspecção que serve de base à correcção quanto ao requisito de dedutibilidade das provisões, referente às diligências para cobrança dos créditos, aponta no sentido, quanto a nós claro, para a necessidade de apresentação dos comprovativos de envio postal, uma vez que as cartas apresentadas indicam « cartas registadas com aviso de recpção».

Ora, ao invés do que entende a Administração Tributária, a lei (cfr. alínea c) do n.º 1, do artigo 35.º do CIRC) não fazia depender a aceitação da provisão da apresentação do aviso de recpção nos casos da interpelação do devedor por carta registada fosse efectuada por carta com aviso de recepção.

Relativamente ao segundo fundamento que suporta a correcção, no sentido de que a continuação dos fornecimentos aos clientes é demonstrativo da não verificação do pressuposto relativo ao “risco de incobrabilidade”, não se acompanha sentença recorrida que deu cobertura a tal entendimento não encontra aconchego na letra dos artigos 18.º, 34.º e 35.º todos do CIRC.

De facto, o que é seguramente proibido pelo CIRC é a constituição ou reforço das provisões se efectue ao arrepio dos requisitos exigidos na lei, ou dito de outro modo, constituindo os créditos de cobrança duvidosa «aqueles em que o risco de incobrabilidade» este considera-se devidamente justificado em qualquer um dos casos a que se referem as alíneas a) a c) do artigo 35.º daquele diploma legal.

Aliás, nem podia ser de outra forma, pois que não vislumbramos como poderia o legislador fiscal sindicar a bondade e oportunidade das decisões de gestão da recorrente, quando o que pretendeu tutelar foi evitar a manipulação do resultado fiscal, maximizando o impacto das provisões nos exercícios mais positivos.

Atento o anteriormente expendido, é nosso entendimento que os fundamentos aduzidos pela Administração Tributária e que determinaram a não dedutibilidade da provisão em apreço, não permitem, contrariamente ao decidido pelo Tribunal «a quo» sustentar a legalidade da inerente correcção.

Desde modo, face à matéria de facto elencada no ponto 22, e tendo a Administração Tributária reconhecido no Relatório de Inspecção que os documentos lhe foram disponibilizados, então, sempre poderia ter ido mais longe, como lhe competia, solicitando informação da veracidade dessas missivas, bem como a confirmação dos créditos, o que não curou de fazer.

Procede, por conseguinte, o recurso nesta parte.

(ii) Custos com provisões para créditos de cobrança duvidosa (T........... – .......... .........., S.A.)

No caso a Administração Tributária não aceitou a dedutibilidade da constituição de provisão no montante de 44.744,41€, não porque tenha posto em causa que os créditos em questão fossem de qualificar como de cobrança duvidosa, mas porque considerou indemonstrada a diligenciação e as percentagens de dedução utilizadas pela recorrente terem sido superiores às permitidas pela alínea c), do n.º 2, do artigo 35.º do CIRC.

O Tribunal «a quo», entendeu que não podia ser imputado ao exercício de 2003, a existência de um crédito incobrável 44.744,41€, por confrontar com o artigo 35.º, n.º2 do CIRC, uma vez que não foi produzida prova cabal de que estes concretos créditos tenham sido judicialmente reclamados.

Na perspetiva da recorrente ficou demonstrado que efetuou inúmeras diligências para o recebimento dos créditos em mora e que inclusivamente os créditos foram reclamados judicialmente, e não tendo os outros requisitos de constituição e de dedutibilidade dessas provisões sido postos em causa, deverá julgar-se o recurso procedente neste ponto com as devidas consequências legais.

E do artigo 35.º nº 1 do CIRC consta que créditos de cobrança duvidosa são aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento».

Correndo o risco de nos repetirmos, voltamos a afirmar que as alíneas elencadas no preceito transcrito, são de aplicação disjuntiva e não cumulativa, bastando por isso que a provisão se subsuma a alguma das citadas alíneas para que possa ser aceite como tal e, logo, como um custo do exercício respectivo.

Assim, pode constituir-se provisão fiscalmente dedutível relativamente a créditos de cobrança duvidosa em que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado em virtude de os créditos estarem em mora há mais de 6 meses desde a data do respectivo vencimento e existirem provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento

Todavia, não demonstrou a recorrente prova que relativamente aos créditos indicados no Anexo 1 do Relatório de Inspecção de ter efectuado diligências para satisfação de tais créditos. Aliás, se bem atendermos à fundamentação dos factos não provados, dela resulta que a prova testemunhal produzida foi genérica.

De todo o modo, sempre se dirá, não obstante a decisão que recaiu sobre a pretendida ampliação da matéria de facto, a verdade é que os factos pretendidos aditar não demonstram que relativamente aos concretos créditos em questão foram efectuadas as ditas diligências.

Seria, pois, necessário a recorrente proceder à identificação dos clientes e ao marco temporal em que as alegadas diligências foram efectivamente realizadas.

Assim, é de confirmar, nesta parte a sentença recorrida.

(iii) Reintegrações e amortizações de exercício

A Administração Tributação desconsiderou o custo fiscal de 32.521,60€, respeitante a amortizações relativas a carteiras de clientes, por, alegadamente, estes elementos não estarem sujeitos a deperecimento e não se encontrarem elencados nos n.ºs 2 e 3 do artigo 17.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12/01.

A sentença recorrida manteve a correcção aduzindo que, as carteiras de clientes não podem ser consideradas activo fixo intangível porque lhes falta a característica “controlo” e que «[a]inda que assim não se entenda, não estamos perante um ativo sujeito a deperecimento, pois se é difícil mensurar o seu valor real num determinado momento, por estarmos perante uma mera expectativa que os clientes continuem a adquirir a mercadoria à empresa adquirente, pode até suceder que haja uma revalorização da relação comercial pelo facto de aqueles clientes aumentarem a compra de mercadorias

Como é sabido que o imobilizado compreende os bens ou valores que se destinam a permanecer, de forma duradoura e no mesmo estado, ao serviço da empresa e cuja utilidade se reparte por vários exercícios.

Nesta perspectiva, o Plano Oficial de Contabilidade (POC aprovado pelo Decreto – Lei 410/89, de 21/11, diploma aplicável ao caso "sub judice"), classificava o activo imobilizado de acordo com a sua natureza - imobilizações financeiras, corpóreas e incorpóreas.

Para o que aqui releva, importa referir que o imobilizado incorpóreo engloba os valores imobilizados que não têm representação material e o imobilizado corpóreo compreende todos os elementos materiais que se encontram em condições de contribuir para a produção de bens ou serviços e que se destinam a permanecer na empresa de forma duradoura e no mesmo estado.

De entre os activos que geralmente são classificados como activos incorpóreos « [d]estacam-se, em termos gerais, as patentes, as licenças, os direitos de autor e as marcas. Particularizando, podemos citar, como exemplos, franquias (franchises), programas de computador, listas de clientes, licenças de pesca, direitos de marketing, quotas de importação, custos de arranque e com os conhecimentos de mercado e técnicos» (Carlos Baptista da Costa e Gabriel Correia Alves in “Contabilidade Financeira”, 5ª edição, pág. 701) -sublinhado nosso-.

Daqui resultando, portanto, que contrariamente ao decidido, as carteiras de clientes são activos sem substância física, pelo que à luz do conceito de “imobilizações incorpóreas” previsto no POC eram consideradas como activos imobilizados incorpóreos.

Adicionalmente como diz, e bem, a recorrente, o POC não exigia, para a qualificação de determinado ativo como ativo imobilizado incorpóreo, o tal requisito do “controlo” que depois passou a ser exigido na IAS 38 e na NCRF n.º 6 (regras contabilísticas que não estavam em vigor à data em que foram efectuados os registos contabilísticos e as amortizações -2002-).

Dito isto, recordemos o texto do artigo 17.º do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro (diploma que veio estabelecer «[o] regime das reintegrações e amortizações para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas»), diz o normativo:

«1. Os elementos do activo imobilizado incorpóreo são amortizáveis quando sujeitos a

deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada.

2. São amortizáveis os seguintes elementos do activo imobilizado incorpóreo:

a) Despesas de instalação;

b) Despesas de investigação e desenvolvimento;

c) Elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de fabrico, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.

3. Excepto em caso de deperecimento efectivo devidamente comprovado, reconhecido pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, não são amortizáveis os seguintes elementos do activo imobilizado incorpóreo:

a) Trespasses;

b) Elementos mencionados na alínea c) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas;

4. Embora não sendo imobilizações incorpóreas, devem contudo, ser consideradas como custos, em partes iguais, em mais do que um exercício, as despesas ou encargos de projecção económica plurianual, sendo aquela repartição feita durante um período mínimo de três anos em relação feita durante um período mínimo de três anos em relação às seguintes:

a) Despesas com a emissão de obrigações;

b) Encargos financeiros com a aquisição ou produção de imobilizado, correspondentes aoperíodo anterior ao da sua entrada em funcionamento, quando não tenha sido utilizadaa faculdade prevista no n. 6 do art. 2°.

c) Diferenças de câmbio desfavorável relacionadas com o imobilizado e correspondentes ao período anterior à sua entrada em funcionamento.

d) Encargos com campanhas publicitárias».

Paralelamente, ao normativo transcrito, prescreve o nº 1 do artigo 17.º do CIRC que: « [o]s elementos do activo imobilizado incorpóreo são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada.

E o nº 1 do artigo 28.º do mesmo diploma legal estabelece que: «[s]ão aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas ».

Posto isto, retomando o entendimento da Administração Tributária a propósito da carteira de clientes não estar sujeita a depreciação do activo, convocamos aqui a posição constante no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 17.09.2020, proferido no processo n.º 2649/04.3BELSB e onde, a dado-passo, doutamente se expendeu : « Parece claro que uma carteira de clientes pode permitir à entidade que os possui, inúmeros benefícios competitivos, constituindo um instrumento relevante para assegurar a sua rendibilidade e solvabilidade. Resulta evidente que quanto maior o universo dos potenciais clientes maior será a aptidão para gerar lucros.(…) Embora a AT defenda o contrário, cremos que a questão do deperecimento do activo em questão não sofre dúvidas, a nosso ver. (…)» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Por outro lado, refere Rui Morais, «[o]deperecimento não resulta tanto do desgaste físico mas da desatualização (…). Tem que estar em causa uma depreciação previsível, sistemática e irreversível, pelo que não originam amortizações os bens que, normalmente, não se depreciam» (Apontamentos ao IRC, Reimpressão da edição de Novembro de 2007”. Almedina, Coimbra, 2009, págs. 106 e 107).

Em suma, e como também conclui o acórdão que aqui seguimos de perto « O facto de o activo em questão não estar expressamente previsto neste DR não afasta o direito a amortizar na medida em que a própria alínea c) acima transcrita demonstra não ser taxativa.» ( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Por conseguinte, procede o recurso nesta parte.

(iv) Custos e perdas extraordinários

Está em causa a correcção derivada de erros e regularização de saldos e regularização de saldos de máquinas e erros de identificação, trocas de referências, cujos custos não foram aceites fiscalmente ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.

Nos termos do citado normativo disposto consideram-se custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Como se explica no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 18.06.2015, proferido no processo n.º 04242/10, do qual fomos Relatora: «[p]ara que os custos tipificados no artigo 23° do CIRC sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais é necessário, que se verifique, dois tipos de requisitos, uns de natureza prévia à análise da dedutibilidade fiscal, a saber:

1. Que o custo foi efectivamente suportado pelo SP e não por terceiros, na medida em que o custo só poderá relevar fiscalmente e contabilisticamente se efectivamente incorrido pelo SP;

2. Inscrição do custo na contabilidade do SP.

E, a segunda categoria de requisitos, também de verificação cumulativa, respeitam:

1. Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais;

2. Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.» (disponível no endereço www.dgsi.pt).

No caso, conforme se extrai do Relatório de Inspecção (cfr. 8. do probatório) não foi colocada em causa a efetividade do custo nem que não esteja relacionado com uma actividade da recorrente, isto é, que se apresente à revelia da chamada conexão fáctica e económica da empresa. Ora, como é sobejamente sabido, um determinado custo poderá ser desconsiderado se não tiver comprovação, se for dispensável, ou se irrelevante para os ganhos sujeitos a imposto.

Se um custo não é indispensável, então não integra a previsão normativa do n.º 1 do artigo 23.º, do CIRC, podendo, pois, ser por esta via, fiscalmente desconsiderado.

Neste contexto, não podemos concordar com a solução espelhada na sentença recorrida, pois que em nosso entender a Administração Tributária não demonstrou minimamente uma desconexão fáctica e económica dos custos derivados dos erros/lapsos de contabilização dos produtos inerentes à actividade da recorrente.

E, sendo assim, não havendo dúvida de que os questionados custos estão directamente relacionados com a actividade normal da recorrente, tem de aceitar-se que existe, em tal situação, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos.

Essa correcção enferma, pois, de violação de lei, o que determina a sua anulação e, consequentemente, que também a liquidação adicional nesta parte deva ser anulada.

Por conseguinte, procede o recurso nesta parte.

(v) Compensações pela colocação da máquina de venda automática

A Administração Tributária considerou os custos contabilizados na conta 16221933 -Fornecimentos e Serviços Externos - Aluguer Espaço Máquina - cujos lançamentos foram efectuados com base em documentos de suporte interno não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, conforme dispõe a alínea g) do n° 1 do artigo 42.° do CIRC.

O Tribunal «a quo» anulou a correcção no valor de 141.250,64€ e manteve a dita correção no valor de 173.047,95€, considerando que a recorrente não produziu prova da efetividade dos mencionados custos.

Segundo a alínea g) do n.º1 do artigo 42.º, n.º1 do CIRC, não são dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável, «os encargos não devidamente documentados».

Na ausência de definição legal destes “documentos justificativos”, considera Tomás de Castro Tavares, ser adequada e bastante «[u]ma qualquer forma externa de representação da operação (…) desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)». (in CTF n.º 396, pág. 123).

No que respeita à comprovação de custos, ao invés do que sucede em sede de IVA em que só se admite a dedução do imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes que respeitem os requisitos formais do artigo 35.º, nº 5, do CIVA (cfr. artigo 19.º, nº 2, do CIVA), para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, é viável, no caso de inexistência de documento de origem externa a prova dos custos através de documento interno, que deverá conter os elementos essenciais das facturas, desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova. (Neste sentido vide entre muitos outros os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo de 02.02.2010 e 21.05.2015, proferidos respectivamente nos processos n.ºs 03669/09 e 07833/14, disponíveis no endereço www.dgsi.pt)

A este propósito, diz Freitas Pereira que «A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos. Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado». (In CTF n.º 365, pág. 343 segs.)

Portanto, contrariamente ao entendimento perfilhado pela Administração Tributária quanto à exigência de apresentação de factura para comprovação do custo, é entendimento que não se pode sufragar.

Do que vem dito, decorre que em sede de IRC, o documento justificativo do custo para efeitos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as facturas em sede de IVA.

Com isto não queremos significar e não significa que todo e qualquer documento é apto para documentar um custo, já que apenas o são aqueles que contenham os elementos essenciais da operação que titulam, por forma a possibilitar à Administração Tributária quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.

E, considerando a Administração Tributária a existência de custo não documentado compete à recorrente alegar e demonstrar a efectividade do custo ou os factos concretos que comprovem a inexistência do mesmo, recuperando, assim, a fidedignidade e a presunção de veracidade da declaração prestada através da sua contabilidade (cfr. artigo 75.º, n.º1, da LGT).

No caso presente, conforme se extrai do Relatório de Inspeção os mencionados custos encontram-se registados contabilisticamente através de documentos internos.

Ora, independentemente de saber se tais documentos internos, contem, ou não, ou não os elementos essenciais das operações que titulam por forma a possibilitar à Administração Tributária quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais dos custos, a verdade é que sempre a correcção não poderia permanecer na Ordem Jurídica.

Isto é assim porque a Administração Tributária suportou a conclusão a que chegou partindo de uma recolha de documentos contabilísticos, que ela própria afirma que foi aleatória.

O que significa, naturalmente, estava impossibilitada dada a forma da sua actuação de desconsiderar sem mais o montante global dos custos contabilizados pela recorrente.

Procede nesta parte o recurso.

IV.CONCLUSÕES

I. Da letra e do espírito do artigo 35.º do CIRC, tem de concluir-se que o legislador não exige que o contribuinte só possa constituir provisões, i. é, contabilizar como incobráveis, os créditos que detém de clientes com quem já não mantém relações comerciais.

II. As carteiras de clientes são activos sem substância física, pelo que à luz do conceito de “imobilizações incorpóreas” previsto no POC eram consideradas como activos imobilizados incorpóreos.

III. Em sede de IRC, o documento justificativo do custo para efeitos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as facturas em sede de IVA, sendo suficiente que contenha os elementos essenciais das operações que titulam - os sujeitos, o preço, a data e o objecto dos serviços prestados - de modo a possibilitar à Administração Tributária quer ao controle para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.

V.DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da 1.ª Subsecção de contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em julgar parcialmente procedente o recurso revogar a sentença recorrida na parte referente às correcções identificadas em i), iii), iv) e v) anulando, nessa parte, o acto tributário de liquidação de IRC do ano de 2002 e julgando nessa parte procedente a impugnação, no mais manter a sentença recorrida.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.


Lisboa, 3 de dezembro de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]