Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05014/11
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/16/2012
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IRC.
CUSTOS.
ADIANTAMENTOS POR CONTA DE LUCROS.
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I) Um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

II) Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.

III) Para aferir da indispensabilidade dos custos, para além do que ficou exposto, há que ter em conta o intuito objectivo que levou o contribuinte a despender os custos com os imóveis em causa, sendo certo que tal intuito não se identifica com o concreto ânimo de quem tomou tal decisão, sendo que o intuito objectivo é determinado a posteriori, tendo como referência todas as circunstâncias conhecidas no momento da decisão e nunca as posteriores.

IV) Assim, se a decisão teve na sua génese tão só o interesse da empresa, o prosseguimento do seu objecto social, tal como os seus sócios e gestores, bem ou mal não interessa, ao tempo o interpretaram, o custo não pode deixar de ser havido como indispensável; se a motivação predominante for outra não deverá ser fiscalmente aceite, sendo que, no caso presente, em função do próprio relevo que o Recorrido confere a tal matéria, não está demonstrado, de modo algum, que na génese da assumpção dos custos com os imóveis esteve o prosseguimento do objecto social da sociedade.

V) No entanto, ainda que se considere que a correcção efectuada tem amparo no art. 23º do CIRC, não resulta que de tal desconsideração se possa inexoravelmente concluir que os valores em causa se tratavam de adiantamentos por conta de lucros, sendo que era a Administração Tributária que tinha o ónus de alegar e provar factos donde se pudesse extrair a conclusão atrás referida, atento o disposto no artigo 74.º da LGT, verificando-se que a argumentação constante do RIT e vertida na descrita alínea J) do probatório não contém factos objectivos susceptíveis de demonstrar que os imóveis em causa são essencialmente utilizados pelo recorrido a título particular, o que significa que, neste âmbito, e com os elementos descritos, os custos em causa não podem ser considerados adiantamentos por conta dos lucros, nos termos do estatuído no artigo 5.º/1/2/h) do CIRS.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 09-03-2011, que julgou parcialmente procedente ( na questão relativa ao alegado adiantamento por conta dos lucros, no entendimento de que ocorre erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que não está demonstrada a dispensabilidade dos custos nem que estejam em causa efectivos adiantamentos por conta dos lucros ) a pretensão deduzida por H............... …………. na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios do ano de 2005.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 499-507), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
I. A douta sentença ora recorrida considerou que na base da correcção relativa a adiantamentos por conta de lucros, estiveram “critérios de razoabilidade, não admitidos pelo actual art. 23°, do CIRC”, padecendo a mesma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
II. As conclusões da AF não se basearam em critérios de razoabilidade.
Com efeito, os custos controvertidos estão relacionados com imóveis, que se encontram registados para efeitos contabilísticos, no imobilizado da sociedade ‘H ………. - Promoção ……………………, Lda’, mas que, todavia, não se relacionam com a sede daquela sociedade;
III. A A.T. solicitou ao impugnante justificação para a indispensabilidade de tais custos, face aos proveitos realizados, todavia, as justificações por si apresentadas não consubstanciaram prova daquela indispensabilidade;
IV. De facto, se atentarmos nos esclarecimentos constantes do Anexo 2 ao Relatório da Inspecção (fls. 151 e ss. dos autos), verificamos que não se encontram justificações para tais encargos, não tendo o impugnante conseguido provar a indispensabilidade dos referidos custos;
V. Basta pensar que a ‘H. ……. - Promoção ………………………., Lda’, encontrava-se sita na Rua …………., em Lisboa, em local de acesso privilegiado no que concerne às empresas produtoras e estações de televisão. Comparativamente a locais como V………… e A ………...
Por seu turno, também os ensaios com espectáculos a solo/com orquestra, antes da transmissão do programa em directo, eram efectuados nos estádios da Valentim …………, sendo os ensaios dos outros programas/espectáculos, por norma, realizados nos próprios locais de gravação ou realização de tais eventos (cfr. Relatório de Inspecção, a fls. 337 dos autos)
VI. Não se provou que a utilização das casas no exercício da actividade, ou seja, utilização para gerar proveitos ou ganhos e manutenção da fonte produtora da empresa, conforme determina o art. 23º do CIRC, tenha a ver com qualquer finalidade artística e proveito para a empresa;
VII. Essa prova - salvo melhor opinião -, era o impugnante quem tinha de a fazer.
VIII. Como se refere no do Acórdão do TCAS, de 2006/01/24, proferido no âmbito do proc. n°. 01217/03 (disponível em www.dgsi.pt), cuja parte da fundamentação, com a devida vénia, passamos a transcrever:
“(…) Por isso é que a problemática do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (arts. 78° do CPT e 75° da LGT). E que não se trata aqui de uma questão de veracidade (quanto à existência e montante) da despesa contabilizada (se esta não for também questionada), mas da sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível. Assim, se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade [e compreende-se que assim seja, pois o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. nº 4736/01); como refere o Cons. Jorge de Sousa (Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, 2ª edição, pág. 470), «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74º/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário...»]” (negrito nosso)
IX. Sendo o juízo de comprovada indispensabilidade um juízo casuístico, só se podendo aferir da respectiva indispensabilidade em concreto, como refere a douta sentença, e não tendo sido realizada prova que tais custos contribuíram para a actividade desenvolvida pela sociedade ‘H. ……. - Promoção ………………………., Lda’, a fundamentação ínsita no Relatório de Inspecção não é ilegal, é suficiente.
X. É a própria lei, no caso o nº. 1 do art. 23º do CIRC que legitima as correcções no que concerne a custos que não se mostrem comprovados ou, mostrando-se comprovados, não demonstrem a efectiva indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora;
XI. Os custos controvertidos - uma vez que não contribuíram para a manutenção da fonte produtora - não poderiam (de acordo com as regras do POC) ter sido contabilizados em contas de custos, mais especificamente nas diversas subcontas da conta 62 - Fornecimento e Serviços Externos;
XII. Sendo custos de natureza essencialmente particular, deveriam ter sido registados como despesas pessoais do sócio-gerente, para as quais a sociedade estaria a adiantar os montantes em causa, por conta de lucros futuros;
XIII. Os adiantamentos por conta de lucros não correspondem a uma verdadeira atribuição de lucros aos sócios, mas sim a um simples crédito, a regularizar aquando de um futura distribuição de lucros;
XIV. Se tivermos em conta, por um lado, a falta de base contabilística, segundo as normas do POC e, por outro, a falta de base legal, de acordo com as normas fiscais (art. 23º, nº. 1 do CIRC), temos que concluir que a actuação dos SIT ao considerar aqueles custos como adiantamento por conta de lucros, atento o disposto nos n°s. 1 e 2, alínea h) do art. 5º do CIRS, foi correcta e não discricionária;
XV. Em nenhuma parte do Relatório da Inspecção se alude à presunção prevista no nº. 4 do art. 6º do CIRS!
XVI. Assim, e salvo melhor opinião, não tendo sido demonstrada a indispensabilidade dos custos em crise para a obtenção de proveitos e não tendo sido demonstrados factos concretos que pusessem em dúvida a razoabilidade do critério utilizado pelos SIT, deverão manter-se as correcções efectuadas, relativas a adiantamento por conta de lucros e a FP ser absolvida do pedido, nesta parte.
XVII. A douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 74º, nº. 1, da LGT, 23º, nº 1 do CIRC e 5º, nºs. 1 e 2, alínea h) do CIRS.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, na parte recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”

O recorrido H............... …………. apresentou contra-alegações nas quais aponta as seguintes conclusões:
“…
A) O recurso apresentado pela Digníssima Representante da Fazenda Pública cinge-se à anulação parcial da liquidação de IRS impugnada, determinada pelo Douto Tribunal a quo, relativamente às correcções referentes aos supostos adiantamentos por conta de lucros, tendo por isso transitado em julgado a pronúncia jurisdicional que anulou a correcção operada relativa ao pagamento feito ao ora Recorrido pela sociedade A ………- CERÂMICA ………………., S.A.;
B) Por outro lado, tendo a Douta sentença recorrida julgado procedente a impugnação com base em dois fundamentos autónomos - o vício de fundamentação ilegal e o vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito -, abstendo-se a Digníssima Representante da Fazenda Pública de atacar o juízo de fundamentação ilegal feito pelo Douto Tribunal a quo relativamente às despesas incorridas pela H ……. - PROMOÇÃO ………………………., LDA., com viagens e com embarcações de recreio, dá-se o recurso como votado ao insucesso no que concerne à imputação dos montantes dessas despesas como rendimentos tributados em sede de IRS;
C) Relativamente à qualificação jurídica, como adiantamentos por conta de lucros, feita pela Administração Tributária dos encargos em causa suportados pela H ……. - PROMOÇÃO ………………………., LDA., a fundamentação da liquidação impugnada avançada é manifestamente desprovida de base legal, tal como sustentado na Douta sentença recorrida, imiscuindo-se a Administração Tributária inadmissivelmente nas opções de gestão prosseguidas pela H ……. - PROMOÇÃO ………………………., LDA., tecendo considerações de carácter estritamente empresarial quanto ao modo de desenvolvimento da actividade empresarial adoptado por esta;
D) Quanto à existência de uma situação de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, assinalou o Douto Tribunal a quo com inteira razão não decorrer inexoravelmente de uma eventual correcção determinada à luz do artigo 23.º do CIRC a qualificação dos valores em causa como adiantamentos por conta de lucros em sede de IRS do ora Recorrido;
E) No caso concreto, não há lugar à presunção constante do artigo 6.º, n.º 4, do CIRS, como expressamente reconhecido pela Digníssima Representante da Fazenda Pública, em sede das suas alegações de recurso;
F) Face à inexistência de base para aplicação da presunção em referência, é inequívoco o erro nos pressupostos de facto e de direito que vicia o acto de liquidação impugnado, sendo de rejeitar a linha de raciocínio expressa pela Digníssima Representante da Fazenda Pública no sentido de que as despesas em questão, porque (alegadamente) de natureza essencialmente particular, deveriam como tal ter sido contabilizadas numa conta-corrente do Recorrido como adiantamentos por conta de lucros, motivo pelo qual é perfeitamente acertado o juízo do Douto Tribunal a quo assinalando ter-se a Administração Tributária limitado a concluir, sem qualquer sindicância fáctica, pela imputação de tais despesas como adiantamentos por conta de lucros;
G) Tudo ponderado, a Douta sentença do Tribunal a quo é juridicamente acertada, consubstanciando uma pronúncia jurisdicional que não merece qualquer reparo.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a Douta sentença recorrida, tudo com as demais consequências legais.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se a favor da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em indagar se a decisão recorrida enferma, ou não, de erro de julgamento, na medida em julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida da liquidação adicional de IRS de 2005, nomeadamente na questão relativa ao alegado adiantamento por conta dos lucros, no entendimento de que ocorre erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que não está demonstrada a dispensabilidade dos custos nem que estejam em causa efectivos adiantamentos por conta dos lucros.



3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Por documento escrito denominado de “contrato de promessa de cessão e aquisição dos direitos patrimoniais de autor de obra futura e direitos conexos”, datado de 1 de Janeiro de 1996, foi declarado pelo impugnante e pela H …………………………, Lda, designadamente o seguinte:
“… Cláusula 4.ª
O presente contrato tem por objecto a promessa de celebração de um contrato cessão e aquisição dos direitos patrimoniais de Autor e direitos conexos sobre os ARGUMENTOS e INTERPRETAÇÕES.
1. O PRIMEIRO CONTRAENTE [ora impugnante] promete ceder ao SEGUNDO CONTRAENTE, que reciprocamente, lhe promete adquirir, os direitos patrimoniais de autor e direitos conexos relativos aos ARGUMENTOS e INTERPRETAÇÕES, adiante designados por direitos patrimoniais.
2.a. O PRIMEIRO CONTRAENTE autoriza a SEGUNDA CONTRAENTE a explorar os direitos patrimoniais relativos aos ARGUMENTOS e INTERPRETAÇÕES à medida que forem criadas e interpretadas (...) mediante o pagamento imediato de uma quantia correspondente a 12,5% (...) dos rendimentos auferidos no decorrer do ano de 1996, pela SEGUNDA CONTRAENTE, com a exploração dos direitos patrimoniais.
b. O pagamento referido (...) será realizado pela Sociedade Portuguesa de Autores...”. (documento junto de fls 485 a 489, do processo administrativo)
B) Por documento escrito denominado de “aditamento ao contrato de promessa de cessão e aquisição dos direitos patrimoniais de autor de obra futura e direitos conexos”, datado de 30 de Novembro de 1996, foi declarado pelo impugnante e pela H …………………………, Lda, designadamente o seguinte:
“… Os argumentos escritos (...) incluídos no objecto do presente contrato (...) são aqueles que o PRIMEIRO CONTRAENTE realizar no período de 10 anos a contar de 1 de Janeiro de 1996...”. (documento junto de fls 482 a 484, do processo administrativo)
C) Em 2005, o impugnante era sócio-gerente das sociedades H …………………………, Lda, e H……. Produções, Lda. (cfr. fls 334, do processo administrativo)
D) Em 2005, o impugnante criou um espectáculo, no âmbito da comemoração do centenário da empresa A …… - Cerâmica …………………..SA. (documento junto a fls 704, do processo administrativo)
E) Na sequência do referido na alínea anterior, a empresa A …… - Cerâmica …………………..SA. pagou ao impugnante, em 2005, o valor líquido de € 7.200. (documento junto a fls 706, do processo administrativo)
F) O impugnante participou na realização de um spot publicitário para a empresa M……. II - Serviços SA. (documento junto a fls 708, do processo administrativo)
G) Na sequência do referido na alínea anterior, a empresa M………. II - Serviços SA pagou ao impugnante, em 2005, o valor líquido de € 5.175. (documento junto a fls 710, do processo administrativo)
H) O impugnante emitiu, em nome da empresa H……………. -Produções Lda, entre 14 de Fevereiro e 15 de Março de 2005, três recibos de IRS - Modelo n.° 6, no valor ilíquido de € 78.500, tendo aposto, no campo relativo a actividade exercida, a expressão “direitos de autor”. (documentos juntos a fls. 318 e 319, dos autos)
I) O impugnante foi objecto de acção de fiscalização, abrangendo o IRS dos anos de 2003 a 2005, conforme Ordens de Serviço n.°s OI200702963/4/5. (documento junto a fls. 326, do processo administrativo)
J) Da acção de fiscalização referida em I) resultou um Relatório de Inspecção Tributária, datado de 23 de Novembro de 2007, do qual consta designadamente o seguinte:
“Adiantamento por conta de lucros
Na acção inspectiva aos anos de 2003, 2004 e 2005, à H……….. -………………, Lda e H………….Produções, Lda, verificou-se que estas empresas suportaram diversos encargos em benefício do sócio-gerente H.................que devem ser afectos ao seu rendimento (...), uma vez que os encargos em nada se relacionam com a actividade exercida por aquelas empresas.
3.1.1. H……….. -………………, Lda, Lda
Do relatório da empresa H…………. (...) transcreve-se o seguinte:
O s.p. foi notificado (...) para justificar a finalidade e a indispensabilidade dos seguintes bens imóveis contabilizados no imobilizado da empresa:
- duas fracções autónomas destinadas exclusivamente a habitação sitas em V……….. (...);
- três prédios rústicos (...) (quinta em A………). (...)
De acordo com a informação prestada pelo s.p., os apartamentos de V………….. e quinta de A…………. servem essencialmente para reuniões/recepções, produção criativa e realização de ensaios de espectáculos.
Sendo a sede da empresa H………., localizada no centro de Lisboa (...), não se vislumbra porque os locais de reunião/recepção, com produtores, directores e potenciais clientes se situam em V………. e A………..
Em relação ao espaço próprio para produção criativa, não nos parece aceitável, considerando o ponto de vista empresarial, a aquisição e manutenção de dois apartamentos e uma quinta, com todos os encargos associados, a serem utilizados como produção criativa.
Relativamente à realização de ensaios (...), o ensaio do programa H…….. era efectuado nos estúdios da Valentim ……….. (...). Quanto ao ensaio de outros programas/espectáculos, por norma os ensaios realizam-se nos próprios locais de gravação ou realização dos programas/espectáculos.
Deste modo, não ficou provado que a utilização das casas no exercício da actividade, ou seja, (...) para gerar proveitos ou ganhos e manutenção da fonte produtora da empresa, conforme determina o art.° 23.° do CIRC, tenha a ver com qualquer finalidade artística e proveito para a empresa.
Tendo em atenção o que foi referido concluímos que, os apartamentos / em V……… e a quinta de A………. estão à disposição do sócio-gerente e destinam-se ao seu uso pessoal.
Assim, os custos incorridos com as casas, nomeadamente: amortização, juros de leasing, manutenção, condomínio, tractores e decoração, e ainda as viagens de férias e despesas com embarcações de recreio, constituem encargos que a empresa suportou em beneficio do sócio-gerente (…), pelo que os mesmos enquadram-se no âmbito de adiantamento por conta de lucros e constituem rendimentos de capitais de acordo com o mencionado no art.º 5º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do CIRS, pelo que devem ser englobados, para efeitos de tributação em sede de IRS do sócio-gerente H……………. (...)
3.2. Direitos de Autor (...)
3.2.1. H…………. (...)
O pagamento destes rendimentos (...) tem por base o contrato assinado entre o sócio-gerente H……….e a firma H…………., datado de 01 / 01 / 1996 e aditado em 30 de Novembro do mesmo ano (...).
(...) [V]erifica-se o seguinte:
1. Os direitos de autor são pagos directamente pela H..............., ao sócio-gerente H.................e não através da Sociedade Portuguesa de Autores, conforme definido na Cláusula 4ª do contrato;
2. Não se encontra evidenciado nos documentos de suporte contabilístico, a forma de apuramento dos valores pagos;
3. Não se encontram especificadas as obras intelectuais ou originais, que serviram de base ao pagamento dos referidos direitos de autor, conforme vem definido no artº 1º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (…).
Os espectáculos e programas de TV, não constituem, por si só, nos termos do artº lº e artº 2º do CDADC obras originais (...).
De acordo com o Parecer n.° 36/2003 (...), emitido pelo Centro de Estudos Fiscais, “não poderá usufruir deste enquadramento os rendimentos (...) enquanto usufruídos no âmbito de uma relação de trabalho dependente, ou de outro a ele equiparado (...)”.
Atendendo ao exposto, não são de considerar os rendimentos anteriormente descritos como rendimentos de direitos de Autor, não usufruindo, deste modo, do benefício estipulado pelo artigo 56° do (...) EBF (...).
Assim, os rendimentos pagos, serão considerados rendimentos de trabalho dependente (categoria A do IRS), resultantes de remuneração extraordinária pela actividade de gerência (...).
3.2.3. H............... Zap (...)
Na HZP informaram-nos que não existe um contrato, com o actor H............... J......., respeitante aos rendimentos pagos. Na impossibilidade de identificar a natureza dos rendimentos e aferir a legitimidade do valor considerado (...) como Direitos de Autor, não deve (...) usufruir do benefício previsto no art.º 56.º do EBF e será considerado na totalidade (...).
Aleluia Cerâmica Comércio e Indústria SA (...) - segundo informação prestada por esta empresa, o rendimento pago (...) é respeitante à exibição e espectáculo no âmbito das comemorações do centenário da empresa.
Media Planning (...) - o rendimento pago é referente à realização de um spot publicitário (...).
A prestação de serviços do actor H.................na comemoração do aniversário de uma empresa, bem como a realização de um spot publicitário, não se enquadram no âmbito de criações intelectuais no domínio artístico (...). [N]ão são de considerar (...) como rendimentos de direitos de autor...”. (documento junto de fls. 327 a fls 359, do processo administrativo)
K) Do relatório de Inspecção Tributária referido na alínea anterior redundaram correcções à matéria tributável de IRS do ano de 2005, no valor de €101.413,94 e determinação de imposto em falta no valor de € 288,80. (cfr. fls 328, do processo administrativo)
L) Foi emitido despacho de concordância com o relatório referido em a 29 de Novembro de 2007. (cfr. fls 326, do processo administrativo)
M) Foi emitida, em nome do impugnante, pela Administração Fiscal, a liquidação adicional de IRS n.º 2007 5004624160, de 14 de Dezembro de 2007, relativa ao ano de 2005, no valor de €62.694,13. (documentos juntos a fls 309 e 314, dos autos)
N) Foi emitida, em nome do impugnante, pela Administração Fiscal, a liquidação de juros compensatórios, relativa à liquidação referida na alínea anterior, n.º 2007 00002040547, no valor de €1.727,54. (documentos juntos a fls 311 e 314, dos autos)
O) Foi emitida, em nome do impugnante, pela Administração Fiscal, a liquidação de juros compensatórios n.º 2006 00002434118, relativa à liquidação de IRS n.º 2006 5004593223, no valor de €476,79. (documentos juntos a fls 312 e 314, dos autos)
P) O impugnante procedeu, a 25 de Janeiro de 2008, ao pagamento dos valores relativos a IRS do ano de 2005. (documento junto a fls 314, dos autos)
Q) A presente impugnação deu entrada neste Tribunal a 23 de Abril de 2008. (carimbo aposto a fls 2, dos autos)
R) Por despacho de 14 de Novembro de 2008, do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, foram parcialmente revogadas as liquidações impugnadas, na parte relativa à correcção respeitante ao beneficio fiscal de €73,23, relativo a 50% dos rendimentos da propriedade intelectual disponibilizados pela “Emi Valentim de Carvalho Música, Lda”. (documento junto a fls. 818, do processo administrativo)”

3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que o âmbito e objecto do recurso jurisdicional está balizado pelo teor das respectivas conclusões, o que significa que no caso que aqui nos ocupa logo se conclui que a este Tribunal foi colocada a questão de saber se a decisão recorrida enferma, ou não, de erro de julgamento, na medida em julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida da liquidação adicional de IRS de 2005, nomeadamente na questão relativa ao alegado adiantamento por conta dos lucros, no entendimento de que ocorre erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que não está demonstrada a dispensabilidade dos custos nem que estejam em causa efectivos adiantamentos por conta dos lucros.

Num primeiro momento, quanto à indispensabilidade dos custos, a sentença recorrida ponderou que “no caso concreto, em relação às despesas com imóveis, toda a fundamentação se centra em critérios de razoabilidade (“não se vislumbra porque os locais de reunião / recepção (…) se situam em V................ e A................”; “não nos parece aceitável, considerando o ponto de vista empresarial, a aquisição e manutenção de dois apartamentos e uma quinta, com todos os encargos associados, a serem utilizados como produção criativa”), sendo que em relação às viagens e despesas com embarcações de recreio apenas se refere que, a par das despesas com imóveis, a empresa os suportou em benefício do sócio-gerente.
Ora, a correcção efectuada à sociedade em causa, com base na qual a Administração Fiscal requalificou os valores envolvidos, padece de ilegalidade, por violação do art.º 23.º, do CIRC, porquanto parte das considerações de razoabilidade e de “boa” gestão, quando à Administração Fiscal compete tão somente aferir da indispensabilidade do custo, o que não resulta evidenciado no Relatório de Inspecção. A Administração Fiscal partiu de premissas e extraiu conclusões, sem que aferisse a indispensabilidade dos custos, mas a sua razoabilidade.
Logo, a fundamentação ilegal faz padecer de ilegalidade a correcção ora em causa. …”.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que as conclusões da AF não se basearam em critérios de razoabilidade, pois que os custos controvertidos estão relacionados com imóveis, que se encontram registados para efeitos contabilísticos, no imobilizado da sociedade ‘H.................- Promoção ………………….., Lda’, mas que, todavia, não se relacionam com a sede daquela sociedade, sendo que a A.T. solicitou ao impugnante justificação para a indispensabilidade de tais custos, face aos proveitos realizados, todavia, as justificações por si apresentadas não consubstanciaram prova daquela indispensabilidade, na medida em que se atentarmos nos esclarecimentos constantes do Anexo 2 ao Relatório da Inspecção (fls. 151 e ss. dos autos), verificamos que não se encontram justificações para tais encargos, não tendo o impugnante conseguido provar a indispensabilidade dos referidos custos, impondo-se notar que a ‘H.................- Promoção ……………….., Lda’, encontrava-se sita na Rua …………., em Lisboa, em local de acesso privilegiado no que concerne às empresas produtoras e estações de televisão. Comparativamente a locais como V……….. e A………..…, além de que também os ensaios com espectáculos a solo/com orquestra, antes da transmissão do programa em directo, eram efectuados nos estádios da Valentim ………., sendo os ensaios dos outros programas/espectáculos, por norma, realizados nos próprios locais de gravação ou realização de tais eventos (cfr. Relatório de Inspecção, a fls. 337 dos autos), pelo que, não se provou que a utilização das casas no exercício da actividade, ou seja, utilização para gerar proveitos ou ganhos e manutenção da fonte produtora da empresa, conforme determina o art. 23º do CIRC, tenha a ver com qualquer finalidade artística e proveito para a empresa, sendo que, essa prova - salvo melhor opinião -, era o impugnante quem tinha de a fazer.

A partir daqui, analisando os termos em que a Recorrente coloca a questão, assiste total razão ao Recorrido quando refere que tendo a Douta sentença recorrida julgado procedente a impugnação com base em dois fundamentos autónomos - o vício de fundamentação ilegal e o vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito -, abstendo-se a Digníssima Representante da Fazenda Pública de atacar o juízo de fundamentação ilegal feito pelo Douto Tribunal a quo relativamente às despesas incorridas pela H.................- PROMOÇÃO …………………………………., LDA. com viagens e com embarcações de recreio, dá-se o recurso como votado ao insucesso no que concerne à imputação dos montantes dessas despesas como rendimentos tributados em sede de IRS;

Quanto ao mais, e no que diz respeito à matéria nuclear acima apontada, cabe, desde logo, com apoio no Ac. deste Tribunal de 19-01-2011, Proc. nº 04155/10, ao que se crê inédito, referir que “no que toca à noção de “necessidade” e/ou “indispensabilidade” prevista no art.º 23º nº 1 do CIRC, - no caso tendo em consideração a redacção vigente e aplicável ao exercício de 1993 -, não deixamos de nos identificar com a jurisprudência e a doutrina, quando preenche tal conceito por reporte ao interesse societário do sujeito passivo que pretende qualificar as (determinadas) despesas como custos fiscalmente relevantes.

Em suporte desse entendimento socorremo-nos do Ac. deste Tribunal tirado no Proc. n.º 1.107/06, de 2007JUL17 e de que respigamos, por transcrição, o seguinte excerto;

«Nos termos do art. 23° nº l do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.(...).

(...).
A questão a decidir passa, portanto, pela apreciação da alegada indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, sendo que o referido art. 23º do CIRC enuncia, exemplificativamente, nas suas diversas alíneas, várias categorias concretas de encargos dedutíveis. Porém, da necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, resulta claro que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim.
Sem embargo da relevância assumida pela realidade jurídico-económica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento (cfr, o ac. do STA, de 23/9/98, AD 452/453, p. 1057) e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da AT, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito.
Ora, como se disse, o art. 23° do CIRC dispunha, na redacção à data Redacção que, como ao que aqui nos importa, é a aplicável aos exercícios em questão – redacção dada pela Lei n.º 127-B/1997DEZ20.:
«1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(...)».
Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, nº 396, págs. 7 a 177) e confrontando as três interpretações possíveis ali enunciadas em termos da interpretação da regra constante do art. 23º do CIRC (indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade, ou com o significado de conveniência, ou identificando-se com a noção de interesse societário) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.
A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.»

(…)

«Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.
«Neste sentido vai, também, o entendimento de António Moura Portugal (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pags. 113 e sgts.), quando sustenta que «A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário», que esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de “razoabilidade” (artigo 26° do CCI)» e que se é certo «que a “razoabilidade” está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23º), … deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. O problema é que o Fisco tem vindo a utilizar a indispensabilidade para precludir que determinados gastos, por si valorados como excessivos ou inapropriados, possam ser acolhidos pelo balanço fiscal. Talvez por isso se note na doutrina uma propensão para uma interpretação ampla do termo, recusando qualquer leitura do mesmo que pressuponha ou contemporize com juízos subjectivos do controlador público sobre a bondade da gestão empreendida (…).

A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, que se não deve imiscuir, muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Só esta concepção está de acordo com os princípios de liberdade de gestão empresarial e, ao mesmo tempo, respeita interesses específicos do direito fiscal (que estão na base da limitação expressa que é feita à dedutibilidade de certos encargos).
Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que - por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”». (1)

Para este autor, a interpretação para a indispensabilidade «deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária. Este, por sua vez, não deve ser sindicado pelo Fisco ou pelos tribunais, porque a isso obriga a liberdade de iniciativa económica. (…) uma interpretação da indispensabilidade em função do objecto social e da actividade desenvolvida pela sociedade. A identificação com a actividade comercial, industrial ou agrícola desenvolvida pelo sujeito passivo é critério suficiente. Se se quiser falar de “relação causal”, esta só pode ter lugar por via de uma ligação entre os custos e a actividade da empresa. Nunca entre os custos e os proveitos ou a manutenção da fonte produtora.».
Isto mesmo para quem, como nós, se perfila na linha dos que consideram que não basta a ocorrência de toda e qualquer despesa, desde que subsumível ao tipo de actividade exercida pelo sujeito passivo, para que, necessariamente, tenha/possa ser havida como custo fiscal relevante para efeitos do artigo em questão, considerando-a como “indispensável”, sob pena de se não vislumbrar qualquer efeito e, muito menos, útil, à letra da lei que, apesar de subsequentes alterações legislativas, desde o tempo do CCIndustrial (art.º 26.º do respectivo compêndio legal) até aos dia de hoje (art.º 23.º/1 do CIRC) sempre manteve o conceito de “indispensabilidade” como pressuposto legal à qualificação de determinada despesa como custo fiscal, mas que entendem que essa aferição se há-de processar numa relação entre o custo (despesa) e a actividade, concretamente, desenvolvida pelo sujeito passivo, assim tendo, de alguma forma, ínsita a necessidade de apreciação “a posteriori” da gestão empresarial; mas, reafirma-se, apenas enquanto pressuposto à referida aferição, em concreto, do custo à actividade societária e já não quanto à bondade e/ou oportunidade, particularmente económica, da realização dessa mesma despesa.
Ou seja acompanha-se o entendimento da ilegitimidade da administração pública, rectius da administração fiscal, em emitir juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida, na esteira do escopo societário, mas apenas quando tal juízo de valor reflicta uma pronúncia sobre a oportunidade de determinado tipo de conduta empresarial e, por maioria de razão, sobre a orientação dessa mesma conduta, enquanto conduta devida para a obtenção de ganhos, ou seja, acolhe-se o argumento de que a emissão de um juízo de valor sobre “(...) a bondade da gestão empreendida (...)”, por parte da AF, é ilegítimo para qualificação de uma determinada despesa enquanto custo ao abrigo do art.º 23.º/1 se e na medida em que essa aferição repousar numa ponderação de causalidade entre o custo e os proveitos.
Assim sendo, neste domínio, porque o preceito existe e tem de ter aplicabilidade prática, apenas não será de aceitar como custos fiscais relevantes e, por isso, dedutíveis, aqueles que, independentemente de corresponderem a uma correcta ou incorrecta actuação de gestão, não forem, objectivamente, adequados ao desenvolvimento da actividade da empresa.
No caso concreto, verifica-se que está em causa a qualificação de custos com imóveis sitos em V................ e A................ e que fazem parte do imobilizado corpóreo da sociedade H………-Promoção………………… , Lda., da qual o recorrido é sócio e gerente.
De facto, a recorrente entende que os custos, relativos a esses imóveis, nomeadamente, amortização, juros de leasing, manutenção do condomínio, tractores e decoração constituem encargos que a empresa suportou em beneficio do sócio-gerente, pelo que os mesmos se enquadram no âmbito do adiantamento por conta de lucros e constituem rendimentos de capitais de acordo com o estatuído no artigo 5.º/l/2/h) do CIRS, enquanto que o recorrido entende que são custos da empresa por serem indispensáveis à realização dos proveitos e manutenção da fonte produtora.
Para aferir da indispensabilidade dos custos, para além do que ficou exposto, há que ter em conta o intuito objectivo que levou o contribuinte a despender os custos com os imóveis em causa, sendo certo que tal intuito não se identifica com o concreto ânimo de quem tomou tal decisão.
Efectivamente, o intuito objectivo é determinado a posteriori, tendo como referência todas as circunstâncias conhecidas no momento da decisão e nunca as posteriores.
Se a decisão teve na sua génese tão só o interesse da empresa, o prosseguimento do seu objecto social, tal como os seus sócios e gestores, bem ou mal não interessa, ao tempo o interpretaram, o custo não pode deixar de ser havido como indispensável.
Se a motivação predominante for outra não deverá ser fiscalmente aceite.
Cabe ao sujeito passivo o ónus de alegação dos factos justificativos da necessidade do custo.
Nesta medida, considerando os elementos presentes nos autos, tem de entender-se, como bem nota o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, que os encargos em causa não podem ser relevados como custos da esfera da empresa H..............., na medida em que, embora a referida empresa tenha informado que os imóveis em causa servem, essencialmente, para reuniões/recepções, produção criativa e realização de ensaios de espectáculos, a verdade é que esses factos não se mostram provados nos autos (o recorrido nem sequer arrolou prova testemunhal ou documental que ateste tal factualidade!).
Na verdade, o que resulta provado e consta do RIT é que a sede da empresa é no centro de Lisboa, o ensaio do programa H............... foi efectuado nos estádios da Valentim ………… e os ensaios realizavam-se nos próprios locais de gravação ou realização dos programas espectáculos, o que significa que, em função do próprio relevo que o Recorrido confere a tal matéria, não está demonstrado, de modo algum, que na génese da assumpção dos custos com os imóveis esteve o prosseguimento do objecto social da sociedade H................

No entanto, como bem nota a sentença recorrida, ainda que se considere que a correcção efectuada tem amparo no art. 23º do CIRC, não resulta que de tal desconsideração se possa inexoravelmente concluir que os valores em causa se tratavam de adiantamentos por conta de lucros.

Sobre esta matéria, a Recorrente refere que os custos controvertidos - uma vez que não contribuíram para a manutenção da fonte produtora - não poderiam (de acordo com as regras do POC) ter sido contabilizados em contas de custos, mais especificamente nas diversas subcontas da conta 62 - Fornecimento e Serviços Externos, sendo que tratando-se de custos de natureza essencialmente particular, deveriam ter sido registados como despesas pessoais do sócio-gerente, para as quais a sociedade estaria a adiantar os montantes em causa, por conta de lucros futuros, correspondendo os adiantamentos por conta de lucros não a uma verdadeira atribuição de lucros aos sócios, mas sim a um simples crédito, a regularizar aquando de um futura distribuição de lucros, de modo que, se tivermos em conta, por um lado, a falta de base contabilística, segundo as normas do POC e, por outro, a falta de base legal, de acordo com as normas fiscais (art. 23º, nº. 1 do CIRC), temos que concluir que a actuação dos SIT ao considerar aqueles custos como adiantamento por conta de lucros, atento o disposto nos n°s. 1 e 2, alínea h) do art. 5º do CIRS, foi correcta e não discricionária;

No que concerne aos adiantamentos por conta de lucros, dispunha o então art. 5º nº 1 do CIRS que “consideram-se rendimentos de capitais ou frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção do ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias”, referindo o nº 2 al. h) que “os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente: (…) os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º…”.
Na sentença recorrida, depois de se afastar a aplicação da presunção prevista no então nº 4 do art. 6º do CIRS, é apontado que caberia à AF demonstrar o quid da qualificação efectuada, para depois se referir que dos elementos constantes do relatório de inspecção não se podem extrair, nem do ponto de vista fáctico, nem consequentemente do ponto de vista legal, pressupostos para a qualificação efectuada pela AF, porquanto parte de conclusões, extraídas pela AF (a de que os custos em causa se destinam ao uso pessoal do impugnante), que não estão devidamente alicerçadas, além de que a qualificação como rendimento da categoria E tem carácter residual, não ficando na discricionariedade da Administração escolher se um determinado rendimento há-se ser qualificado como rendimento da categoria A ou da categoria E.
Voltando ao probatório, é ponto assente que da acção de fiscalização referida em I) resultou um Relatório de Inspecção Tributária, datado de 23 de Novembro de 2007, do qual consta designadamente o seguinte:
“Adiantamento por conta de lucros
Na acção inspectiva aos anos de 2003, 2004 e 2005, à H.................-Promoção ……………., Lda e H.................Produções, Lda, verificou-se que estas empresas suportaram diversos encargos em benefício do sócio-gerente H.................que devem ser afectos ao seu rendimento (...), uma vez que os encargos em nada se relacionam com a actividade exercida por aquelas empresas.
3.1.1. H.................- Promoção ……………………….., Lda
Do relatório da empresa H.................(...) transcreve-se o seguinte:
O s.p. foi notificado (...) para justificar a finalidade e a indispensabilidade dos seguintes bens imóveis contabilizados no imobilizado da empresa:
- duas fracções autónomas destinadas exclusivamente a habitação sitas em V................ (...);
- três prédios rústicos (...) (quinta em A................). (...)
De acordo com a informação prestada pelo s.p., os apartamentos de V................ e quinta de A................ servem essencialmente para reuniões/recepções, produção criativa e realização de ensaios de espectáculos.
Sendo a sede da empresa H..............., localizada no centro de Lisboa (...), não se vislumbra porque os locais de reunião/recepção, com produtores, directores e potenciais clientes se situam em V................ e A.................
Em relação ao espaço próprio para produção criativa, não nos parece aceitável, considerando o ponto de vista empresarial, a aquisição e manutenção de dois apartamentos e uma quinta, com todos os encargos associados, a serem utilizados como produção criativa.
Relativamente à realização de ensaios (...), o ensaio do programa H............... era efectuado nos estúdios da …………….. (...). Quanto ao ensaio de outros programas/espectáculos, por norma os ensaios realizam-se nos próprios locais de gravação ou realização dos programas/espectáculos.
Deste modo, não ficou provado que a utilização das casas no exercício da actividade, ou seja, (...) para gerar proveitos ou ganhos e manutenção da fonte produtora da empresa, conforme determina o art.° 23.° do CIRC, tenha a ver com qualquer finalidade artística e proveito para a empresa.
Tendo em atenção o que foi referido concluímos que, os apartamentos / em V................ e a quinta de A................ estão à disposição do sócio-gerente e destinam-se ao seu uso pessoal.
Assim, os custos incorridos com as casas, nomeadamente: amortização, juros de leasing, manutenção, condomínio, tractores e decoração, e ainda as viagens de férias e despesas com embarcações de recreio, constituem encargos que a empresa suportou em beneficio do sócio-gerente (…), pelo que os mesmos enquadram-se no âmbito de adiantamento por conta de lucros e constituem rendimentos de capitais de acordo com o mencionado no art.º 5º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do CIRS, pelo que devem ser englobados, para efeitos de tributação em sede de IRS do sócio-gerente H............... ……….. (...)
Pois bem, tal como refere a decisão recorrida, era a Administração Tributária que tinha o ónus de alegar e provar factos donde se pudesse extrair a conclusão atrás referida, atento o disposto no artigo 74.º da LGT, sendo que a mesma nada fez nesse sentido.
Com efeito, a argumentação constante do RIT e vertida na descrita alínea J) do probatório não contém factos objectivos susceptíveis de demonstrar que os imóveis em causa são essencialmente utilizados pelo recorrido a título particular, o que significa que, neste âmbito, e com os elementos descritos, os custos em causa não podem ser considerados adiantamentos por conta dos lucros, nos termos do estatuído no artigo 5.º/1/2/h) do CIRS, não merecendo censura a apreciação da sentença recorrida quanto a esta matéria, situação que impõe a confirmação da decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..

Lisboa, 16 de Outubro de 2012
Pedro Vergueiro
Pereira Gameiro
Joaquim Condesso (Voto a decisão , dado que tendo havido o trânsito em julgado de um dos fundamentos da parcial procedência da impugnação em 1ª instância, me dispensava de examinar o recurso)