Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1202/16.3BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:02/21/2019
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL;
ART.º 2.º, N.º 8 NRFGS;
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO;
CONTAGEM DO PRAZO;
CAUSAS DE SUSPENSÃO DA CONTAGEM DO PRAZO.
Sumário:
I- A nulidade da sentença descrita no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC constitui uma sanção dimanante da violação do dever de fundamentação das decisões, dever este imposto pelo art.º 154.º do CPC, bem como, no caso da sentença, pelo art.º 607.º do CPC, que reforça as exigências de fundamentação, concretamente, nos respetivos n.ºs 3 e 4 que, no que concerne aos “fundamentos”, determina a discriminação dos factos considerados provados pelo Juiz, bem como a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
II- Apenas a falta absoluta de fundamentação deve ser conducente à nulidade da sentença, não sendo de aplicar esta sanção aos casos de “eventual erro ou discordância quanto à fundamentação de facto e de direito” contida na sentença e desde que esta se mostre dotada de um mínimo de suficiência e explicitação dos factos e das regras jurídicas, sucedendo ainda, que a eventual mediocridade de uma decisão prolatada em 1.ª Instância não é bastante para fundar a nulidade da mesma, mas somente a ocorrência de erro de julgamento.
III- O art.º 94.º, n.º 5 do CPTA autoriza a adoção, na sentença, de fundamentação jurídica por remissão para outro caso similar.
IV- Em sede de imputação de nulidade à sentença, motivada por omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC), a dificuldade resida na destrinça entre o que são as questões e o que são os argumentos elencados pelas partes, dado que, apenas a ausência de apreciação e julgamento das primeiras é suscetível de inquinar de nulidade a decisão objeto de recurso.
V- As questões suscitadas pelas partes e que exigem a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá em nulidade por omissão de pronúncia o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes.
VI- O prazo de um ano prescrito no n.º 8 do art.º 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, para além de configurar uma novidade em face do regime anteriormente vigente, configura igualmente- na medida em que introduz um prazo, anteriormente inexistente, para o exercício de um direito-, e em bom rigor, uma alteração de prazo.
VII- Atento o disposto no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil, impera concluir que, nas situações em que o contrato de trabalho tenha cessado em data anterior ao do início da vigência do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, ou seja, antes de 04/05/2015, o prazo de um ano estipulado no art.º 2.º, n.º 8 daquele Novo Regime apenas inicia a sua contagem no dia 04/05/2015, findando tal prazo um ano depois, ou seja, em 04/05/2016 (em consonância com o estipulado nos art.ºs 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil).
VIII- A satisfação dos requisitos descritos nos art.ºs 1.º, n.º 1, al. a) e 5.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial não depende exclusivamente da vontade ou diligência do trabalhador, antes envolvendo a atuação de instituições terceiras e o cumprimento de procedimentos relativamente aos quais o trabalhador não possui, em absoluto, qualquer domínio ou controlo (v.g. a duração dos processos judiciais de insolvência ou de revitalização, os trâmites respeitantes ao reconhecimento dos créditos salariais, a preparação da documentação necessária à demonstração dos requisitos e da situação do trabalhador para efeitos de acesso ao Fundo de Garantia Salarial).
IX- O Tribunal Constitucional, no recente Acórdão n.º 328/2018, de 27/06/2018, decidiu julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
X- De acordo com a fundamentação do julgado pelo Tribunal Constitucional, independentemente da consideração da natureza do prazo descrito no art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial como de caducidade ou de prescrição, deverá admitir-se a existência de causas de interrupção ou de suspensão sob pena de, assim não sendo, tal norma violar- para além do direito da União Europeia e da Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia-, os princípios ínsitos nos art.ºs 13.º, 59.º, n.sº 1 e 3 e 2.º da Constituição da República Portuguesa, incluindo o da igualdade e o da efetividade.
XI- A concretização da Jurisprudência vertida no já referenciado Acórdão n.º 328/2018 impõe que o julgamento do caso posto deva passar, não pela desaplicação da norma contida no citado art.º 2.º, n.º 8 ao caso concreto, mas sim pela interpretação e aplicação dessa norma em consenso e harmonia com os ditames constitucionais da igualdade e efetividade.
XII- Nessa senda, e partindo do pressuposto de que o prazo a que se refere o n.º 8 do art.º 2.º assume a natureza de prazo de caducidade, cumpre assumir como admissível a existência de possíveis causas de suspensão desse mesmo prazo.
XIII- Uma das causas de suspensão a admitir é a que se refere à existência de processos judiciais, cujo desfecho assume valor de requisito ou condição imprescindível de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, seja por este acesso depender da prolação de sentença judicial definidora de uma certa situação fáctico-jurídica, seja por este acesso depender da prática de determinados atos no decurso dos ditos processos judiciais.
XIV- Assim, enquanto estiver em curso o processo judicial no âmbito do qual serão praticados atos, ou reconhecidos direitos, de que depende o acesso ao Fundo de Garantia Salarial, não deve ser contabilizado o prazo de caducidade estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS. Por conseguinte, a existência destes processos deve constituir uma causa de suspensão do aludido prazo de caducidade, devendo o início da suspensão coincidir com o início do processo judicial e o fim da mesma suspensão coincidir, no mínimo, com o momento da prolação dos atos ou das sentenças em tais processos, mais especificamente, o respetivo trânsito em julgado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

Ana ……………………………….. (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra em 29/11/2017, que julgou improcedente a ação administrativa especial por si proposta contra o Fundo de Garantia Salarial, I.P. (Recorrido) e, consequentemente, manteve o despacho proferido em 13/07/2016 pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, nos termos do qual foi indeferido o pedido de pagamento de créditos salariais advenientes da cessação do contrato de trabalho por conta de outrem.

Inconformada com a decisão, a Recorrente apela a este Tribunal Central Administrativo, clamando pela declaração de nulidade da sentença a quo e, subsidiariamente, pela subsistência de erro de julgamento, que ditará a revogação da decisão em crise e a inerente procedência das suas pretensões.
As alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões:
III. Conclusões
1. A Recorrente intentou contra o Recorrido uma ação administrativa especial de anulação de ato administrativo e condenação à prática do ato administrativo legalmente devido, peticionando i) a anulação da decisão administrativa proferida pelo Recorrido; e ii) a condenação deste à sua substituição por outra que deferisse o requerimento apresentado pela Recorrente e reconhecesse o direito desta ao pagamento dos créditos emergentes do seu contrato de trabalho, no valor máximo assegurado pelo Recorrido.

2. Subjacente aos mencionados pedidos, esteve a decisão de indeferimento do segundo requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado pela Recorrente ao Fundo de Garantia Salarial, ora Recorrido.

3. Em 19/10/2015, a Recorrente apresentou um primeiro requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ao Fundo de Garantia Salarial, ora Recorrido, declarando como data da cessação do contrato de trabalho 21/10/2014, que foi indeferido, na altura, com fundamento no facto de não ter sido (ainda) proferida sentença de declaração de insolvência da Entidade Empregadora.

4. Aguardou, então, a Recorrente a declaração de insolvência da Entidade Empregadora que chegou por sentença datada de 13/11/2015, no âmbito do processo de insolvência n.º 2080/14.2T8LSB, que correu termos no juiz 2 da 1.ª secção de comércio da instância central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, e

5. Em 01/12/2015, no decurso do mencionado processo de insolvência, a Recorrente veio reclamar créditos laborais no montante de € 13.891,70 (treze mil, oitocentos e noventa e um euros e setenta cêntimos), e

6. Após receber, em 11/12/2015, o Modelo GS 1/2015-DGSS, assinado e enviado pelo Administrador de Insolvência, para solicitar o pagamento daqueles créditos laborais ao Fundo de Garantia Salarial, apresentou, em 15/12/2015, um novo requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ao Fundo de Garantia Salarial, ora Recorrido, novamente indeferido, agora, com fundamento no facto de não ter sido apresentado no prazo de 1 (um) ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do art.º 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril (doravante “DL n.º 59/2015”) que entretanto decorrera.

7. A Recorrente veio, então, impugnar judicialmente esta decisão de indeferimento.

Para tanto,

8. A Recorrente alegou a impossibilidade legal de cumprimento do prazo de 1 (um) ano a contar da cessação do contrato de trabalho previsto no art.º 2, n.º 8 do DL n.º 59/2015 já que, no seu caso concreto, não podia ter acionado o Fundo de Garantia Salarial, ora Recorrido, antes do decurso daquele prazo, uma vez que a sentença de declaração de insolvência da Entidade Empregadora, requisito exigido pelo art.º 1.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 59/2015, só veio a ser proferida após o seu decurso.

9. A Recorrente alegou, ainda, a violação dos princípios jurídicos - administrativos, já que a Administração Pública e, em particular, a Segurança Social, devem pautar a sua conduta pelo cumprimento dos princípios jurídico-constitucionais (cfr. art.º 3, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa - doravante “CRP”), com destaque para o princípio da proporcionalidade, da legalidade, da justiça e da razoabilidade (cfr. arts. 2.º e 18.º da CRP e 7.º do Código do Procedimento Administrativo).

10. Em sede de contestação, o Recorrido pugnou pela validade do indeferimento e peticionou a improcedência da ação intentada pela Recorrente.

11. Seguindo os autos o seu decurso normal, veio, então, em 28/11/2017, o Tribunal a quo proferir sentença que julgou a ação administrativa especial totalmente improcedente e absolveu o Recorrido dos pedidos.

12. A Recorrente vem recorrer do teor da sentença por considerar que esta padece de nulidade por violação do dever de fundamentação da decisão (cfr. art.615.º, n.º 1, al. b) do CPC ex vi art.º 1 do CPTA) e por omissão de pronúncia (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC ex vi art.º 1 do CPTA) e, ainda, por considerar que consubstancia uma errada aplicação da Lei.

13. Em primeiro lugar, a sentença objeto do presente recurso é nula porquanto não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA),

14. Não revelando as premissas em que aquele Tribunal assentou, nem o raciocínio lógico que seguiu para chegar à sua decisão e não a outra.

15. A fundamentação da sentença sustenta-se numa mera remissão para um acórdão e na transcrição parcial de um texto seu, não se verificando os pressupostos para a admissibilidade da fundamentação da decisão através da simples remissão para uma decisão precedente.

16. Ainda que se entendesse que a fundamentação do Tribunal a quo se pudesse fazer por adesão à fundamentação jurídica de anterior acórdão de Tribunal Superior, o que não se concede e só se admite por mero dever de patrocínio, note-se que, no presente caso, esta remissão levanta dúvidas dado que a sentença não explica quais foram as “necessárias adaptações” que empreendeu e que subjazeram ao raciocínio que motivou a sua decisão e que a própria admite ter feito.

17. No caso de o douto Tribunal ad quem entender que o Tribunal a quo especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, o que não se concede e só se admite por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que tanto a fundamentação de facto, como em especial a fundamentação de direito são terrivelmente medíocres e insuficientes, em termos tais que inviabilizam a possibilidade da Recorrente compreender as razões que levaram o Tribunal a quo a decidir de uma maneira e não de outra, o que é igualmente passível de gerar nulidade da decisão.

18. A presente falta de fundamentação da decisão ora invocada impede a Recorrente, enquanto parte vencida, de conhecer as razões que motivaram o seu vencimento, vendo-se, por conseguinte, impedida de ataca-las no presente recurso.

19. Por conseguinte, faltando os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão é a presente sentença recorrida nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.

20. Pretende, assim, a Recorrente que seja a decisão recorrida objeto de devida fundamentação pelo Tribunal a quo, o que desde já se requer a este douto Tribunal que ordene.

21. Em segundo lugar, a sentença objeto do presente recurso é nula por omissão de pronúncia do juiz sobre questões que devia apreciar (art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi art.º 1 do CPTA), nomeadamente as identificadas nos pontos 8 e 9 destas Conclusões.

22. As questões invocadas pela Recorrente na ação, que consubstanciaram dimensões autónomas e relevantes no âmbito do presente litígio e que materializam os direitos reivindicados por ambas as Partes foram objeto de contraditório, tendo o Recorrido, tido a oportunidade de responder às mesmas em sede de Contestação.

23. Para além de identificar a questão e de proceder a uma remissão para uma parte de um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, a sentença recorrida omite em absoluto o julgamento dos pedidos formulados com base nas causas de pedir invocadas.

24. O Tribunal a quo não se pronuncia sobre a impossibilidade legal, no caso dos presentes autos, de cumprimento do prazo de 1 (um) ano a contar da cessação do contrato de trabalho da Recorrente para requerer ao Fundo de Garantia Salarial, ora Recorrido, o pagamento dos seus créditos, previsto no art.º 2, n.º 8 do DL n.º 59/2015, na medida em que a sentença de declaração de insolvência da Entidade Empregadora, requisito exigido pelo art.º 1.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 59/2015, só veio a ser proferida após o seu decurso,

25. Nada referindo, também, quanto à conduta que deveria, então, ter sido adotada pela Recorrente.

26. E relativamente à violação dos princípios jurídico-administrativos, nomeadamente o princípio da proporcionalidade, da legalidade, da justiça e da razoabilidade, o Tribunal a quo tece apenas uma brevíssima consideração sobre a inexistência, no caso, de margem para valorações próprias do exercício da função administrativa face ao requisito legal imposto pelo art.º 2, n.º 8 do DL 59/2015,

27. Esquecendo-se, no entanto, que a interpretação da Lei não se deve cingir à sua letra, mas considerar o pensamento legislativo, assente nomeadamente na unidade do sistema jurídico, nas circunstâncias da elaboração da Lei e nas condições atuais da sua aplicação (cfr. art.º 9.º, n.º 1 do Código Civil - doravante “CC”).

28. O Tribunal a quo concluiu, sem mais, pela improcedência da ação administrativa especial, impedindo a Recorrente de compreender o raciocínio lógico em que o Tribunal assentou a sua decisão porquanto não analisa o mérito de todas as questões suscitadas pela Recorrente na sua Petição Inicial e, posteriormente, sujeitas a contestação pelo Recorrido.

29. Por conseguinte, tendo o juiz deixado de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado é a presente sentença recorrida nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi art.º 1 do CPTA.

30. Pretende, assim, a Recorrente que sejam as referidas questões objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, o que desde já se requer a este douto Tribunal que ordene.

31. Em terceiro lugar, a sentença objeto do presente recurso aplicou ao caso dos presentes autos uma interpretação errada e inconstitucional da Lei, nomeadamente, do DL n.º 59/2015,

32. Porquanto, na verdade, os requisitos estabelecidos na lei aplicável para pagamento do crédito objeto do requerimento da Recorrente por parte do Fundo de Garantia Salarial, ora Recorrido, encontravam-se preenchidos

Com efeito,

33. As alterações introduzidas pelo DL n.º 59/2015 ao regime do Fundo de Garantia Salarial retiraram à sentença de declaração de insolvência da entidade empregadora o carácter de condição “sine qua non” para o acionamento do Fundo.

34. Com efeito, ainda que a situação económica da entidade empregadora não conduza à sua insolvência, o Fundo de Garantia Salarial pode assegurar, mesmo assim, o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação como, por exemplo, nos casos de ser proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, no âmbito do PER (cfr. art.º 1.º, n.º 1, al. b) do DL n.º 59/2015) e de ser proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. (IAPMEI, I.P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas (cfr. art.º 1.º, n.º 1, al. c) do DL n.º 59/2015).

35. Além disso, a própria exigência de sentença de declaração de insolvência da entidade empregadora, no âmbito dos processos de insolvência (cfr. art.º 1, n.º 1, al. a) do DL n.º 59/2015), pode, na prática, tornar-se num “requisito vazio” nos casos em que a mesma venha a ser revogada em sede de recurso.

36. De modo que a “ratio legis” do DL n.º 59/2015 encontra-se na garantia do pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos por uma entidade empregadora em decorrência da sua situação económica, independentemente de esta conduzir ou não a uma declaração de insolvência,

37. Casos em que, face à impossibilidade económica da empresa, o trabalhador se veja impedido de obter o ressarcimento dos seus créditos, ficando o seu direito confinado ao recurso ao Fundo de Garantia Salarial, que assume, deste modo, ser fundamental e consentâneo com os direitos constitucionais dos trabalhadores à retribuição do trabalho indispensável a uma existência condigna (cfr. art.º 59.º, n.º 1, al. a) da CRP.

38. No caso dos presentes autos, não há dúvidas de que a Entidade Empregadora se encontrava (e encontra) impossibilitada economicamente de satisfazer os créditos dos seus credores, de tal modo que viu requerida e proferida a sua declaração de insolvência, e de que, face à impossibilidade económica da empresa, a Recorrente se encontrava (e encontra) impedida de obter o ressarcimento dos seus créditos senão pela via do recurso ao Fundo de Garantia Salarial.

39. Face ao exposto, verifica-se que o caso dos presentes autos cabe dentro da demarcação da razão do DL n.º 59/2015.

40. No entanto, verifica-se que o sistema jurídico não contempla, indevidamente, o caso dos presentes autos, contrariando o plano finalístico do mesmo.

41. Com efeito, o regime do Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que:

· se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no PER ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas; e

· seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador, ou seja proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de PER, ou seja proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas; e

· o pagamento dos créditos lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

42. Donde resulta que o caso dos presentes autos não se encontra, injustamente, acautelado pelo regime do Fundo de Garantia Salarial atualmente em vigor, penalizando, de forma grave, a Recorrente.

43. Note-se que a Recorrente cessou o seu contrato de trabalho, com efeitos a 21/10/2014, e a declaração de insolvência da sua Entidade Empregadora já tinha sido requerida por uma sociedade credora em 08/10/2014, ou seja, ainda antes de começar a decorrer o prazo de prescrição dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação e cessação de um ano (cfr. art.º 337.º, n.º 1 do CT) e, igualmente, ainda antes de começar a decorrer do prazo de um ano para requerer ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento desses mesmos créditos (cfr. art.º 2.º, n.º 8 do DL n.º 59/2015).

44. Não obstante, no caso concreto, a sentença de declaração de insolvência da Entidade Empregadora foi proferida mais de um ano depois de ser requerida, a saber em 13 de novembro de 2015!

45. Apesar dos créditos da ora Recorrente serem créditos laborais, por ter resolvido com justa causa o seu contrato de trabalho, a ora Recorrente acabou por não obter o pagamento dos seus créditos laborais através do Fundo de Garantia Salarial porque entre o requerimento da insolvência da sua Entidade Empregadora, prévio à própria cessação do seu contrato de trabalho, e a declaração de insolvência decorreu mais de um ano!

46. Não pode o direito de acesso do trabalhador ao Fundo de Garantia Salarial ficar dependente do andamento do processo e dos Tribunais, a que o trabalhador é completamente alheio!

47. De notar que a Recorrente não poderia ter sido mais pronta e diligente do que foi já que, ainda em 19/10/2015, ou seja, ainda antes de decorrido o prazo de um ano, a Recorrente apresentou um primeiro requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ao Fundo de Garantia Salarial, ora Recorrido, que foi indeferido com fundamento, na altura, no facto de não ter sido (ainda) proferida sentença de declaração de insolvência da Entidade Empregadora!

48. O facto de a Entidade Empregadora só tardiamente ser declarada insolvente, em 13 de novembro de 2015, decorrido mais de um ano sobre a cessação do contrato de trabalho e mais de um ano sobre a entrada da competente ação em Tribunal, não é um facto que seja imputável à Recorrente e que, como tal, deva produzir consequências tão lesivas na sua esfera jurídica!

49. Mais: a situação da Recorrente no caso dos presentes autos não pode distinguir-se da situação do trabalhador no caso em que a sentença de declaração de insolvência da sua entidade empregadora é proferida em menos de um ano após o seu requerimento.

50. A este respeito, note-se que os trabalhadores de empresas sócias da Entidade Empregadora da Recorrente, igualmente objeto de processo de insolvência mas em Tribunais de comarcas distintas, conseguiram acionar o Fundo de Garantia Salarial porque, dada a maior celeridade do andamento dos correspondentes processos de insolvência, a respetiva declaração de insolvência foi proferida antes de decorrido o prazo de um ano previsto no art.º 2, n.º 8 do DL n.º 59/2015.

51. Assim, a aplicação do prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato do trabalho, estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do DL n.º 59/2015, ao requerimento dos trabalhadores, cujos contratos de trabalho já tenham cessado há mais de um ano, quando o requerimento da declaração de insolvência da Entidade Empregadora fora apresentado ainda antes dessa cessação, viola o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP, que exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes.

52. A sentença objeto do presente recurso incorre, assim, num vício de inconstitucionalidade normativa na medida em que, face à existência de outras interpretações normativas menos lesivas dos direitos da Recorrente e mais consentâneas com uma interpretação conforme à CRP, optou por aplicar a norma jurídica extraída da interpretação do art.º 2.º, n.º 8 do DL n.º 59/2015 no sentido de que o Fundo de Garantia Salarial, ora Recorrido, não assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do seu contrato de trabalho e/ou da sua violação e/ou cessação, requerido após um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, no caso em que a declaração de insolvência da Entidade Empregadora fora requerida antes mesmo da cessação do contrato de trabalho e apenas proferida após o prazo de um ano sobre essa cessação.

53. É inconstitucional esta norma resultante da interpretação do art.º 2.º, n.º 8 do DL n.º 59/2015 que foi feita pela sentença recorrida por violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 59.º, n.º 1, al. a) e 13.º da CRP.

54. Resulta da “ratio legis” do DL n.º 59/2015 que o legislador não pretendeu distinguir a situação da Recorrente no caso dos presentes autos da situação do trabalhador em que a sentença de declaração de insolvência da sua Entidade Empregadora é proferida em menos de ano após o seu requerimento.

55. De facto, o propósito do Fundo de Garantia Salarial está na proteção dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos por uma entidade empregadora em decorrência da sua situação económica e

56. Este propósito não será inteiramente atingido se se entender que o prazo de um ano a partir da data de cessação do contrato de trabalho (cfr. art.º 2.º, n.º 8 do DL n.º 59/2015) é aplicável à situação dos trabalhadores que cessaram o seu contrato de trabalho já depois da declaração de insolvência da sua Entidade Empregadora ter sido requerida por outro credor, ou seja, ainda antes de começar a decorrer o prazo de prescrição dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação e cessação de um ano (cfr. art.º 337.º, n.º 1 do CT) e, igualmente, ainda antes de começar a decorrer do prazo de um ano para requerer ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento desses mesmos créditos (cfr. art.º 2.º, n.º 8 do DL n.º 59/2015), mas em que devido à duração aleatória do andamento do processo, a sentença de declaração de insolvência só veio a ser proferida mais de um ano depois de ser requerida.

57. Até porque em tal caso, se o trabalhador apresentar o requerimento para pagamento dos créditos ao Fundo de Garantia Salarial antes de decorrido o prazo de um ano sobre a cessação do contrato de trabalho (o que a ora Recorrente fez, inicialmente, em 19/10/2015), o requerimento é indeferido com fundamento no facto de a Entidade Empregadora ainda não se encontrar declarada insolvente (o que aconteceu com o primeiro requerimento apresentado pela ora Recorrente)!

58. Por conseguinte, a omissão de um prazo específico para a apresentação desses requerimentos consubstancia uma lacuna da Lei que deverá ser objeto de integração nos termos do art.º 10.º, n.º 3 do CC, dada a inexistência de caso análogo.

59. Assim, para os casos como o dos presentes autos, deverá prever-se um prazo razoável após o proferimento da sentença de declaração de insolvência para o trabalhador requerer ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos seus créditos laborais.

60. Atentos os elementos necessários à instrução do requerimento (cfr. art.º 5.º, n.º 2 e 3 do DL n.º 59/2015), nomeadamente relativos aos créditos reclamados pelo trabalhador, afigura-se razoável a previsão de um prazo não inferior a 30 dias contados da data do reconhecimento dos créditos do trabalhador no correspondente processo de insolvência, posterior à sentença de declaração de insolvência para requerer ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos créditos.

61. Pois bem, no caso dos presentes autos, a sentença de declaração de insolvência data de 13/11/2015, sendo que a Recorrente, numa conduta de prontidão e diligência reclamou créditos no dia 01/12/2015 e logo após receber o modelo assinado pelo Administrador de Insolvência (em 11/12/ 2015), apresentou, em 15/12/2015, o segundo requerimento ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento dos créditos, ou seja, antes de decorrido o prazo de 30 dias contados da data do reconhecimento dos créditos no correspondente processo de insolvência - que correu termos no juiz 2 da 1.ª secção de comércio da instância central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o n.º 2080/14.2T8LSB - mencionada no ponto anterior.

62. Deste modo, o requerimento da Recorrente, cujo indeferimento ora se impugna deve ser considerado tempestivo, mostrando-se reunidos os requisitos estabelecidos no novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aplicável ao caso.

63. Sem conceder e subsidiariamente, ainda que se entendesse que o prazo de 1 (um) ano previsto no art.º 2, n.º 8 do DL 59/2015 é um prazo de caducidade (argumento em que parece - dada a falta de fundamentação alegada acima - assentar a sentença recorrida através da remissão que faz para uma decisão do Tribunal Central Administrativo Sul), sempre se diria que nos termos do art.º 329.º do CC, o prazo de caducidade só poderia começar a correr no momento em que o direito pudesse legalmente ser exercido.

64. Com efeito, dada a impossibilidade no caso dos presentes autos, como se explicou acima, de harmonização do art.º 2, n.º 8 com o art.º 1, n.º 1, al. a) do DL n.º 59/2015, e atento ao princípio do aproveitamento das leis e da presunção da racionalidade do legislação (cfr. art. 9.º, n.º 3 do CC), a coexistência daquelas normas só poderá alcançar um sentido útil mediante o entendimento de que o prazo constante do art.º 2, n.º 8 não pode, no caso dos presentes autos, começar a contar da data de cessação do contrato de trabalho (porque nesta data a Entidade Empregadora ainda não tinha sido declarada insolvente), mas apenas a partir da data da declaração de insolvência da Entidade Empregadora, já que só a partir desta data poderia a Recorrente legalmente exercer o seu direito de acesso ao Fundo de Garantia Salarial.”


O Recorrido não apresentou contra-alegações.

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O Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso, pugnando pelo seu não provimento.
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Foram colhidos os vistos dos Venerandos Adjuntos.
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Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar:

i) Se a sentença a quo padece de nulidade, consonantemente com o disposto nos art.ºs 615.º, n.º 1, al.s b) e d) e 608.º, n.º 2, ambos do CPC e art.º 95.º, n.º 1 do CPTA, uma vez que:
- não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
- não apreciou nem decidiu as questões referentes i) à “impossibilidade legal” do cumprimento do prazo de um ano, descrito no art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril e ii) à violação dos princípios da proporcionalidade, legalidade, justiça e razoabilidade;

ii) Se a sentença a quo padece de erro de julgamento no que concerne à verificação da caducidade do direito da Recorrente de requerer ao Recorrido o pagamento dos seus créditos salariais, nos termos previstos no art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.



II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Os Factos
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra, a qual se reproduz ipsis verbis:
a) Por carta datada de 29 de agosto de 2014 a Autora comunicou à sua Entidade Empregadora a suspensão do contrato de trabalho «por falta de pagamento pontual da retribuição, que se prolongou por um período superior a 15 dias sobre a data do seu vencimento de julho de 2014 e subsídio de férias» - Documento n.º 1 junto à petição inicial;
b) Em 13 de outubro de 2014 a Autora comunicou à Entidade Empregadora a resolução do seu contrato de trabalho, com fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição - Documento n.º 2 junto à petição inicial;
c) Em 19 de outubro de 2015 a Autora apresentou requerimento ao Fundo de Garantia Salarial requerendo que lhe fosse pago montante de € 10.015,96, a título de créditos salariais vencidos, no qual declarou como data da cessação do contrato de trabalho 21 de outubro de 2014 - Documento n.º 6 junto à petição inicial e documento a fls. 1 a 5 do Processo Administrativo junto aos autos;
d) Em 13 de novembro de 2015, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 2080/14.2T8LSB, que correu termos no Tribunal de Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Comércio, J2, foi declarada a insolvência da Entidade Empregadora - Documento n.º 3 junto à petição inicial e documento a fls. 9 do Processo Administrativo junto aos autos;
e) Em 15 de dezembro de 2015 a Autora apresentou novo requerimento ao Fundo de Garantia Salarial requerendo que lhe fosse pago o montante de € 13.891,70, a título de créditos salariais vencidos, no qual declarou como data da cessação do contrato de trabalho 21 de outubro de 2014 - Documento n.º 5 junto à petição inicial e documento a fls. 6 a 12 do Processo Administrativo junto aos autos;
f) Em 4 de agosto de 2016 a Autora foi notificada de que, na sequência do despacho de 13 de julho de 2016, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o seu requerimento foi indeferido, com fundamento na não apresentação do requerimento no prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o seu contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril - Documento n.º 9 junto à petição inicial documento a fls. 18 e 19 do Processo Administrativo junto aos autos.”
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Deve proceder-se à modificação e aditamento à matéria de facto constante da sentença recorrida, nos termos do estabelecido no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ao caso vertente em virtude do previsto no art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, quando subsista necessidade identificada de se proceder ao enquadramento circunstanciado do caso, em termos que permitam percecionar e captar o alcance dos atos praticados no procedimento administrativo a que se referem os autos.
Ora, na alínea d) dos factos provados, o Tribunal a quo consignou que, “em 13 de novembro de 2015, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 2080/14.2T8LSB, que correu termos no Tribunal de Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Comércio, J2, foi declarada a insolvência da Entidade Empregadora”.
Estando demonstrada a existência de processo de insolvência, bem como o facto de no mesmo ter sido proferida sentença declarativa da insolvência do ex-empregador da Recorrente na data de 13/11/2015, importa ainda conduzir ao probatório a data em que a mencionada ação de insolvência foi proposta, dado que, tal circunstancialismo assume relevância face, não só à demais factualidade provada, como também para o melhor enquadramento jurídico do caso posto, tendo em vista o invocado pela Recorrente nas conclusões 43 e 44 do recurso jurisdicional.
A propositura da ação de insolvência sucedeu em 08/10/2014, data esta invocada na petição inicial- ponto 5.º- e não contestada pelo Recorrido, sendo certo que este fez constar do processo administrativo apenso a mesma data, vg. a fls. 16, atinente a informação elaborada pelos serviços do Recorrido em 12/07/2016.
Por conseguinte, quer porque subsiste confissão, quer porque da prova documental junta aos autos decorre que a data da propositura da ação de insolvência é a de 08/10/2014, cumpre alterar o sobredito ponto d) do probatório em conformidade.
Sendo assim, impõe-se proceder à alteração da alínea d) do probatório nos termos do prescrito no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, ex vi do art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, nos seguintes moldes:
d) Em 13 de novembro de 2015, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 2080/14.2T8LSB, instaurado em 08/10/2014 e que correu termos no Tribunal de Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Comércio, J2, foi declarada a insolvência da Entidade Empregadora.

Por razões similares às explanadas a propósito do facto constante do ponto d), importa também proceder à alteração do ponto e) do probatório, por forma a nele incluir a data em que o formulário apresentado pela Recorrente ao Recorrido foi certificado pelo Administrador de Insolvência.
Refira-se que a Recorrente aludiu a tal facto nos pontos 7 e 8 da sua petição inicial, bem como na conclusão 61 do seu recurso jurisdicional.
Seja como for, para além da data de 01/12/2015 não ter sido alvo de qualquer contestação por banda do Recorrido, a verdade é que tal data é a que se encontra aposta no formulário entregue pela Recorrente ao Recorrido em 15/12/2015, a título de “requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho”, conforme é possível constatar pela análise de fls. 6, frente e verso, do processo administrativo apenso aos autos.
Por conseguinte, impõe-se proceder à alteração da alínea e) do probatório nos termos do prescrito no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, ex vi do art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, nos seguintes moldes:
e) Em 15 de dezembro de 2015, a Autora apresentou ao Fundo de Garantia Salarial o formulário certificado pelo Administrador de Insolvência e datado de 01/12/2015, requerendo que lhe fosse pago o montante de € 13.891,70, a título de créditos salariais vencidos, no qual declarou como data da cessação do contrato de trabalho 21 de outubro de 2014.


II.2. O Direito
A Recorrente propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra a presente ação administrativa contra o Fundo de Garantia Salarial, IP., peticionando a anulação do ato proferido em 13/07/2016 pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, bem como a condenação do Recorrido a proferir ato que lhe reconheça o direito ao pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, no montante de 9.540,00 Euros.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Sintra proferiu sentença em 29/11/2017, nos termos da qual julgou a ação totalmente improcedente com o fundamento, em suma, da caducidade do direito da Recorrente de requerer ao Recorrido o pagamento dos seus créditos salariais, nos termos previstos no art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
Discorda a Recorrente do julgado na Instância a quo, imputando-lhe a nulidade e erros de julgamento.
Passemos, pois, ao exame da decisão recorrida.

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A) Quanto à imputada nulidade
A Recorrente esgrime, em primeiro lugar, que a sentença a quo padece de nulidade, consonantemente com o disposto nos art.ºs 615.º, n.º 1, al.s b) e d) e 608.º, n.º 2, ambos do CPC e art.º 95.º, n.º 1 do CPTA, uma vez que, por um lado, a sentença recorrida não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e, por outro lado, não apreciou nem decidiu as questões referentes i) à “impossibilidade legal” do cumprimento do prazo de um ano, descrito no art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril e ii) à violação dos princípios da proporcionalidade, legalidade, justiça e razoabilidade.
Ora, desde já se adianta que a sentença recorrida não padece das patologias que a Recorrente lhe assaca, fracassando a vertente impetração.
Vejamos porquê.

O art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, aplicável ao contencioso administrativo por força da consagração contida no art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, estipula que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Esta sanção é dimanante da violação do dever de fundamentação das decisões, dever este imposto, entre o mais, pelo art.º 154.º do CPC, que estatui que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, sendo que a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
No caso da sentença, o legislador processual optou por reforçar as exigências de fundamentação no art.º 607.º do CPC, concretamente, nos respetivos n.ºs 3 e 4 que, no que concerne aos “fundamentos”, determina a discriminação dos factos considerados provados pelo Juiz, bem como a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Note-se, de resto, que a legislação processual administrativa acolheu a mesma exigência com intensidade similar, visto que o art.º 94.º, n.º 3 do CPTA estatui, precisamente, que na exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
A imposição do dever de fundamentação da sentença visa, além do mais, possibilitar quer a compreensão do julgado, quer o escrutínio jurídico do mesmo, traduzindo um relevantíssimo instrumento de legitimação do poder judicial, bem como um fator credibilizante do funcionamento da justiça. Assim, a ausência, deficiência, vaguidão, obscuridade ou contradição dos fundamentos- sejam os de facto, sejam os de direito- utilizados pelo julgador em esteio da decisão final é reprimida com o desvalor mais elevado da sentença, ou seja, com a nulidade da mesma.
A questão que importa agora clarificar, é a de saber em que consiste a “não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Ora, a Jurisprudência tem trabalhado proficuamente no sentido da interpretação e aclaração da causa de nulidade agora em apreciação. Com efeito, o Colendo Supremo Tribunal Administrativo, no recentíssimo Acórdão proferido em 22/11/2018 no processo 0153/14.8BEPRT, explicitou que “os «fundamentos» justificativos da decisão são constituídos pelos factos e pelas regras jurídicas - normas e princípios - em que a mesma se alicerça, que lhe dão apoio, que a impõem”. Ademais, a mesma Suprema Instância, no Acórdão emitido em 12/07/2017 no processo 0865/15, entendeu que apenas a falta absoluta de fundamentação deve ser conducente à nulidade da sentença, não sendo de aplicar esta sanção aos casos de “eventual erro ou discordância quanto à fundamentação de facto e de direito” contida na sentença e desde que esta se mostre dotada de um mínimo de suficiência e explicitação dos factos e das regras jurídicas. Aliás, esta linha de entendimento tem sido a selecionada no tratamento da imputação às decisões recorridas da nulidade descrita na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. Ilustrativamente, veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/09/2017, tirado no processo 0552/17, em que foi exarado, além do mais, o seguinte:
“(…)
XI. As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da função jurisdicional podem estar viciadas de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; - ou por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 615.º do CPC.
XII. Caraterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que a mesma só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não conste com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
XIII. Tal como tem vindo a ser afirmado, de forma reiterada, a propósito deste fundamento de nulidade não deve confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reporta a alínea em questão, termos em que a nulidade só se verificará quando a decisão omita por completo a operação de julgamento da matéria de facto/direito essencial para a apreciação da questão/pretensão analisada e decidida.
(…)”.
Munidos destes considerandos, regressemos ao caso concreto.
Examinada a sentença recorrida, verifica-se que a mesma elencou factos, todos invocados pela Recorrente, bem como espraiou uma diversidade de considerandos jurídicos, atinentes à questão essencial colocada nos autos, e que é a de saber se o direito da Recorrente de requerer o pagamento dos seus créditos salariais ao Recorrido encontra-se, ou não, caducado, nos termos previstos no art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril. Aliás, das treze páginas que compõem a sentença recorrida, onze respeitam ao elenco factual e à subsunção jurídica da dita factualidade aos normativos entendidos como pertinentes e adequados à solução do caso posto.
Do que vem de se dizer ressuma, imediatamente, que a sentença recorrida está dotada de fundamentação suficiente, seja quanto aos factos, seja quanto ao direito aplicável, estando muito longe da necessária falta absoluta de fundamentação, condição imprescindível para a verificação positiva da nulidade descrita na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, pois que “a nulidade só se verificará quando a decisão omita por completo a operação de julgamento da matéria de facto/direito essencial para a apreciação da questão/pretensão analisada e decidida”.
A Recorrente alude ainda à circunstância da fundamentação consagrada na sentença em crise o ser por mera remissão, inculcando a convicção da ausência de decisão ponderante do concreto circunstancialismo do caso posto. Contudo, a verdade é que nada obsta a que a sentença adote uma fundamentação jurídica por remissão para outro caso similar. Diga-se, aliás, que essa possibilidade tem acolhimento expresso no domínio do contencioso administrativo, no art.º 94.º, n.º 5 do CPTA, que estatui que, quando o juiz ou relator considere que a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado (…) a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia.
Finalmente, refira-se que a eventual mediocridade de uma decisão prolatada em 1.ª Instância, conquanto seja de lamentar, não é bastante para fundar a nulidade da mesma. Realmente, só ocorre nulidade de tal sentença se estiverem preenchidas as condições descritas no art.º 615.º, n.º 1 do CPC, sem prejuízo, claro, da ocorrência de erro de julgamento.
Sendo assim, improcede, claramente, o alegado pela Recorrente nas conclusões 12 a 20 do recurso no que concerne à imputação da nulidade descrita na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

A Recorrente sufraga, ainda, a nulidade da sentença a quo, desta feita, em virtude de omissão de pronúncia. Realmente, invoca a Recorrente que a decisão recorrida não apreciou nem decidiu as questões referentes i) à “impossibilidade legal” do cumprimento do prazo de um ano, descrito no art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril e ii) à violação dos princípios da proporcionalidade, legalidade, justiça e razoabilidade.
Sucede, todavia, que não lhe assiste razão.
O art.º 95.º, n.º 1 do CPTA prescreve que a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. Esta disposição transpõe para o contencioso administrativo o que é um princípio processual de longa tradição, vertido no art.º 608.º, n.º 2 do CPC e que estabelece que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O desrespeito deste dever imposto ao Juiz contamina a sentença com uma patologia genética, conducente ao mais grave desvalor, ou seja, à nulidade, nos termos que se encontram plasmados no art.º 615.º do CPC, por força do estatuído no art.º 140.º, n.º 3 do CPTA. Assim, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC). A nulidade consubstancia, pois, a sanção da infração ao dever que impende sobre o Tribunal de, em decorrência do princípio da disponibilidade objetiva, resolver todas as pretensões/questões que as partes tinham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estivesse ou ficasse prejudicada pela solução dada a outras ou, ainda, cujo conhecimento se mostre, entretanto, abrangido pelo efeito de caso julgado que se haja formado. Daí que a nulidade da decisão judicial ocorra no âmbito da respetiva validade formal, e pressuponha que o concreto ato jurisdicional tenha desrespeitado as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou violado o conteúdo e limites do poder à sombra da qual foi decretado (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/09/2018, no processo 01411/16).
O problema que se coloca neste contexto é o de, em determinadas situações, destrinçar as questões dos argumentos elencados pelas partes, dado que, apenas a ausência de apreciação e julgamento das primeiras é suscetível de inquinar de nulidade a decisão objeto de recurso. Realmente, a não ponderação ou apreciação, por banda do tribunal, da totalidade do elenco argumentativo apresentado pelas partes é conducente, quando muito, ao erro de julgamento, mas não à nulidade da decisão. E tal sucede porque o tribunal não tem o dever de apreciar a totalidade dos argumentos oferecidos pelas partes, podendo bastar-se, na sua decisão, com uma fundamentação sopesante de argumentos diferentes dos ofertados pelas partes.
Deste modo, deve entender-se que questões são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição quanto às questões objeto de litígio. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá na nulidade em referência o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes. “Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, (…) sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/12/2018 no processo 930/12.7BALSB).
Do que vem de se exprimir decorre, portanto, que somente existe omissão de pronúncia e, consequente, nulidade se o tribunal na decisão, contrariando o disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, “proferir uma decisão de fundabilidade ou infundabilidade das exceções e da pretensão [causa de pedir/pedido] sem apreciar os problemas/questões fundamentais objeto do litígio” (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26/04/2018 no processo 01002/16, de 30/05/2018, no processo 0986/14, de 20/06/2018 no processo 0209/14, de 14/11/2018 no processo 0829/12.7BELRA e de 20/12/2018 no processo 0229/17.2BELSB e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/11/2018 no processo 942/14.6BELLE).
Dito doutro modo, “a omissão de pronúncia só existe «quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocadas pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões, sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, ((1) Cfr. Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, pág. 143.) «Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Como se disse, o conceito de «questões» não se confunde com o de «argumentos» ou «razões» aduzidos pelas partes em prol da pretendida procedência das questões a apreciar («Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito». Ou seja, o juiz deve, sob pena de nulidade da sentença (por omissão de pronúncia), conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer e cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (e sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras - nº 2 do art. 608° do novo CPC), mas já não constituindo nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes das da sentença, que as partes hajam invocado.((2) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 5ª ed., Lisboa, 2007, p. 913 - anotação 10 ao art. 125º. Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2°, Coimbra Editora, 2001, pag. 670.)
É claro que isto não significa que a decisão não possa sofrer de erro de julgamento por não ter atendido ou ponderado a argumentação apresentada pela parte. Todavia, essa é uma outra vertente do julgamento que, podendo eventualmente contender com o mérito da decisão, não contenderá com os vícios formais da sentença.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24/10/2018, no processo 01096/11.5BELRA).
Finalizando, e como se consignou no Aresto deste Tribunal Central Administrativo proferido em 06/12/2018, no processo 79/18.9BCLSB, “quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, não usar de razões ou fundamentos jurídicos ou factuais invocados pelas mesmas partes, não está a omitir o conhecimento de questões de que devia conhecer com suscetibilidade do cometimento de nulidade; independentemente da maior ou menor validade daquela argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia se não se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devesse conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso, a atinente à imputação das condutas descritas aos arguidos.”
Realizado este périplo jurisprudencial, importa reverter ao caso versado.
O escrutínio do articulado inicial da Recorrente permite assumir que a sua pretensão de anulação do ato proferido em 13/07/2016 pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, bem como de condenação do Recorrido a proferir ato que lhe reconheça o direito ao pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, no montante de 9.540,00 Euros, funda-se na imputação ao ato impugnado de violação de lei, especificamente, no tocante à interpretação da factualidade demonstrada e subsunção da mesma, além do mais, no art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril. Ou seja, a questão essencial colocada nos autos é a de saber se se extinguiu, ou não, o direito da Recorrente de acionar o Recorrido para obter o pagamento dos seus créditos salariais, visto que o aludido normativo estabelece que o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Ora, escrutinada a decisão a quo, verifica-se que a mesma debruça-se sobre a enumerada questão, debatendo amplamente a problemática da natureza do prazo de um ano consagrado no referido art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril (doravante, apenas NRFGS), bem como a hipótese de considerar, em sede da contagem daquele prazo, causas de suspensão ou de interrupção do mesmo prazo, alcançando a conclusão final de que, estando em causa um prazo de caducidade, inexiste a possibilidade de ponderar causas de suspensão ou de interrupção da contagem daquele prazo.
Quer isto significar, portanto, que a questão essencial posta nos autos foi apreciada e julgada pelo Tribunal a quo.
É certo que a decisão sob escrutínio não debateu especificamente a problemática que a Recorrente apelida de “impossibilidade legal”, ou seja, o facto de, no seu entendimento, as exigências vertidas no diploma que regula o acesso ao Fundo não permitiram, por vezes- o que sucedeu no vertente caso-, o cumprimento do prazo imposto no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS. Todavia, tal problemática não traduz, em bom rigor, uma questão essencial, mas- e quando muito- um argumento avançado em prol de uma visão jurídica do caso.
Seja como for, a verdade é que, contrariamente ao entendimento da Recorrente, a sentença a quo emitiu pronúncia sobre tal argumento, ainda que implicitamente, pois que, ao considerar que a contagem do prazo de um ano não admite causas de suspensão ou interrupção está a qualificar todo o circunstancialismo invocado pela Recorrente como inócuo para efeitos da interpretação e aplicação ao caso do disposto no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS.
Deste modo, e face ao exposto, é manifesto que não existe omissão de pronúncia referentemente à argumentação esgrimida pela Recorrente no que toca à “impossibilidade legal”.
No que concerne à invocada omissão de pronúncia relativamente à violação dos princípios da proporcionalidade, legalidade, justiça e razoabilidade, diga-se que a mesma não se verifica. A este propósito, a sentença a quo disse o seguinte:
“(…) Tendo-se concluído que não está reunido um requisito legal de que depende o pagamento, pelo Fundo de Garantia Salarial, dos créditos emergentes do contrato de trabalho, não poderia proceder a alegada violação pela Entidade Demandada do princípio da proporcionalidade e do princípio da justiça e da razoabilidade, pois não existindo, no caso, margem para valorações próprias do exercício da função administrativa, a Entidade Demandada estava estritamente vinculada a decidir a pretensão da Autora da única forma legalmente admissível, o indeferimento da sua pretensão.
Na verdade, o n.º 8 do artigo 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, estabelece um pressuposto a cuja observância a Entidade Demandada se encontra vinculada na apreciação dos requerimentos que lhe são apresentados para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, pelo que não podia a decisão da Entidade Demandada ter outro sentido que não o do indeferimento da pretensão. (…)”
O exame do trecho transcrito possibilita a conclusão, sem margem para dúvida, de que o Tribunal a quo realizou o julgamento que se impunha no que se refere à imputada violação dos enumerados princípios jurídicos. Com efeito, para além da decisão recorrida conter a menção expressa da não ocorrência da violação dos mencionados princípios, explicita que tal se deve ao facto de estar em causa uma atuação vinculada por banda do Recorrido, o que oblitera completamente o campo de atuação dos princípios em causa.
Assim sendo, também não se verifica omissão de pronúncia nesta parte, improcedendo o alegado nas conclusões 26 a 30.


Destarte, urge assentar que a sentença em causa não padece das nulidades que lhe são imputadas, assomando a procedência do vertente recurso jurisdicional, nesta parte, como totalmente inviável.

*
B) Quanto ao erro de julgamento
A Recorrente apela a este Tribunal Central Administrativo no sentido de reverter o julgado na Instância a quo, por entender que a decisão recorrida padece de erro de julgamento no que concerne à verificação da caducidade do direito da Recorrente de requerer ao Recorrido o pagamento dos seus créditos salariais, nos termos previstos no art.º 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril (doravante, NRFGS).
Em prol da sua tese, a Recorrente reclama, em suma, que, na medida em que o NRFGS exige a declaração da insolvência do ex-empregador, resulta impossível o cumprimento do prazo de um ano prescrito no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, no caso da sentença de insolvência ser proferida mais de um ano após a propositura da ação de insolvência. Entende a Recorrente, por isso, que apenas poderia requerer ao Recorrido o pagamento dos seus créditos após a declaração de insolvência proferida no processo de insolvência e do reconhecimento dos seus créditos salariais neste mesmo processo. Por estas razões, sufraga a Recorrente que o prazo de caducidade de um ano não poderá iniciar-se antes do reconhecimento dos créditos salariais, visto que, assim sendo, não obstante a sua atitude diligente, nunca poderia requerer o pagamento dos créditos salariais ao Recorrido.
Finalmente, a Recorrente vem invocar a inconstitucionalidade material da interpretação da norma contida no art.º 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, que foi adotada na sentença a quo, por violação dos direitos consagrados no art.º 59.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP).
Apreciemos, então, o acerto do julgado pelo Tribunal a quo.

Escrutinada a factualidade provada, verifica-se que a Recorrente cessou o respetivo contrato de trabalho em 21/10/2014, tendo apresentado ao Recorrido, em 19/10/2015, o requerimento para pagamento dos créditos salariais, requerimento este que não foi aceite pelo Recorrido por não ter sido proferida ainda a sentença declarativa da insolvência do ex-empregador da Recorrente.
Em 13/11/2015, foi proferida sentença de declaração de insolvência do ex-empregador da Recorrente no processo n.º 2080/14.2T8LSB, que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central, 1. ª Secção de Comércio. Assim, em 15/12/2015, a Recorrente apresentou novo requerimento ao Recorrido, peticionando o pagamento dos seus créditos salariais, requerimento este que foi indeferido em 13/07/2016 com o fundamento de que não tinha sido apresentado no prazo de um ano, contado a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho, em conformidade com o art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS.
A decisão recorrida julgou a ação improcedente por, de acordo com a Jurisprudência firmada no Acórdão proferido em 01/06/2017 por este Tribunal Central Administrativo, no processo n.º 3462/15.8BESNT, estar em causa um prazo de caducidade que, atenta essa mesma natureza, não admite causas de suspensão ou interrupção, sendo indiferentes, aliás, as vicissitudes inerentes à promoção da insolvência do ex-empregador e à obtenção das condições para requerer o pagamento dos créditos salariais ao Recorrido.
Ora, sopesando a factualidade em causa, a argumentação esgrimida pela Recorrente e a evolução jurisprudencial na matéria em discussão, é nosso entendimento que o sentido do julgado na sentença a quo não pode manter-se.
A primeira razão sustentadora da reversão da decisão recorrida é ditada pelas regras da alteração dos prazos em virtude de alteração legislativa, nos termos prescritos no art.º 297.º do Código Civil.
Com efeito, o NRFGS veio estatuir, no n.º 8 do seu art.º 2.º que “o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. E, realmente, estando assente que o contrato de trabalho da Recorrente cessou em 21/10/2014 parece ser de concluir que, na data em que o Recorrente apresentou o requerimento ao Recorrido para o efeito de obter o pagamento dos mencionados créditos salariais- em 15/12/2015-, já tinha decorrido o prazo de um ano, contado desde aquela data de 21/10/2014.
Sucede que, no caso versado, o prazo a que alude o art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS não pode ser contabilizado em termos tão simplistas.
Com efeito, percorrido o regime anteriormente vigente, estabelecido nos art.ºs 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, verifica-se que inexiste qualquer prazo, contado desde a data da cessação do contrato de trabalho, estipulado para apresentação ao Recorrido, por banda do trabalhador requerente, do requerimento para pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho. O que quer dizer, portanto, que o prazo de um ano prescrito no citado n.º 8 do art.º 2.º do NRFGS, para além de configurar uma novidade em face do regime anteriormente vigente, configura igualmente- na medida em que introduz um prazo, anteriormente inexistente, para o exercício de um direito-, e em bom rigor, uma alteração de prazo.
Assim sendo, interessa convocar o preceituado no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil, que prescreve que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Ademais, impera salientar que o prazo de um ano, descrito no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, aplica-se à totalidade do universo dos trabalhadores requerentes do pagamento dos seus créditos salariais ao Recorrido, desde que o respetivo requerimento seja apresentado após a data de 04/05/2015 e independentemente da data da cessação do contrato de trabalho. Todavia, a contagem do citado prazo, na medida em que “encurta” o prazo anteriormente vigente para apresentação do mencionado requerimento ao Recorrido, “só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei”.
Quer isto significar, no que releva para o caso posto e atento o disposto no art.º 297.º, n.º 1 do Código Civil, que, independentemente da data em que tenha cessado o contrato de trabalho da Recorrente, o prazo de um ano estipulado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS apenas inicia a sua contagem no dia 04/05/2015, findando tal prazo um ano depois, ou seja, em 04/05/2016 (em consonância com o estipulado nos art.ºs 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil).
Destarte, em face das regras de contagem de prazos prescritas nos art.ºs 297.º, 296.º e 279.º, al. c) do Código Civil, e aplicáveis ao prazo introduzido pelo art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, impõe-se concluir que o ato produzido pelo Recorrido em 13/07/2016 é ilegal, por erro nos respetivos pressupostos de direito, uma vez que, tendo a Recorrente apresentado o requerimento ao Recorrido em 15/12/2015, sempre deve entender-se que a apresentação de tal requerimento é tempestiva.

Mas ainda que não se percorresse a solução jurídica do caso vinda de espraiar, idêntico resultado seria alcançado por outra via.
Vejamos porquê.
No caso versado, como já se referiu, o contrato de trabalho da Recorrente cessou em 21/10/2014. E tendo sido requerida a insolvência do empregador em 08/10/2014, a sentença de declaração de insolvência foi prolatada em 13/11/2015. Finalmente, verifica-se que a Recorrente apresentou ao Recorrido, em 15/12/2015, o formulário devidamente certificado pelo administrador da insolvência em 01/12/2015, com os créditos salariais reconhecidos e certificados, para pagamento dos aludidos créditos salariais.
Quer isto dizer que, na hipótese de não aplicação ao caso vertente do preceituado no art.º 297.º do Código Civil, parece ser de concluir, uma vez mais, que na data em que a Recorrente apresentou o requerimento ao Recorrido para o efeito de obter o pagamento dos mencionados créditos salariais- em 15/12/2015-, já tinha decorrido o prazo de um ano, contado desde aquela data de 21/10/2014.
Contudo, também uma vez mais, o prazo a que alude o art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS não pode ser contabilizado nos moldes apresentados, dado que, importa averiguar em que data é que a Recorrente reuniu todos os requisitos, especificamente os descritos nos art.ºs 1.º e 5.º do NRFGS, para apresentar ao Recorrido o respetivo requerimento para pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho. É que, o acesso ao pagamento antecipado dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho depende da verificação de determinados requisitos.
No caso que agora se aprecia, constata-se que a situação em análise tem cabimento no disposto no art.º 1.º, n.º 1, al. a) do NRFGS, visto que foi requerida a declaração de insolvência da entidade empregadora da Recorrente. Constata-se também que a sentença declarativa da insolvência foi proferida em 13/11/2015, o que implica, atento o preceituado no art.º 1.º, n.º 1, al. a) do NRFGS, que a Recorrente nunca poderia requerer o pagamento dos seus créditos salariais ao Recorrido antes daquela data.
Com efeito, o art.º 1.º, n.º 1, al. a) do NRFGS prevê que o Recorrido assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador. Quer isto significar que, a existência de declaração de insolvência prefigura-se como um requisito sine qua non para o deferimento do pedido de pagamento dos créditos salariais, não se descortinando viabilidade noutra interpretação que não nesta, atento não só o carácter imperativo da norma em causa, como ainda aos elementos teleológico e sistemático.
De resto, a interpretação proposta encontra reforço no estabelecido no art.º 5 do NRFGS.
É que, o art.º 5.º, n.º 1 do NRFGS estabelece que o Fundo efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido. Ademais, tal requerimento deve ser instruído- obrigatoriamente, entenda-se- com a Declaração ou cópia autenticada dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador da insolvência (…), em conformidade com o estipulado no n.º 2, al. a) do mesmo art.º 5.º. E, adicionalmente, o aludido requerimento deve ser- também obrigatoriamente, entenda-se- certificado pelo administrador da insolvência (…), através de assinatura manuscrita no verso do documento, nos termos exigidos pelo n.º 3, al. b) do referido art.º 5.º do NRFGS.
Sendo assim, o requerimento apresentado ao Recorrido para efeitos de pagamento de créditos salariais emergentes da cessação de contrato de trabalho ou da sua violação deve obedecer e satisfazer os enunciados requisitos sob pena de indeferimento do pedido de pagamento.
A questão que se coloca a propósito desta matéria é que a satisfação dos aludidos requisitos não depende da vontade ou diligência do trabalhador, mas antes de instituições terceiras e procedimentos relativamente aos quais o trabalhador não possui, em absoluto, qualquer domínio ou controlo. Realmente, a duração dos processos judiciais, seja de insolvência, seja de revitalização, os trâmites respeitantes ao reconhecimento dos créditos salariais, ou a preparação da documentação necessária à demonstração dos requisitos e da situação do trabalhador para efeitos de acesso ao Fundo de Garantia Salarial, constituem matérias relativamente às quais o trabalhador não possui qualquer domínio, antes constituindo procedimentos e processos que se desenrolam completamente à margem da sua vontade, restando ao trabalhador aguardar pelo desfecho dos procedimentos e processos judiciais, por forma preencher os requisitos de acesso ao dito Fundo e a aceder, nomeadamente, à documentação imprescindível para espoletar o procedimento tendente ao pagamento dos créditos salariais por banda do Recorrido.
Sendo assim, de imediato se impõe ponderar sobre a situação concreta da Recorrente, no sentido de indagar se é justa e constitucionalmente compatível a interpretação do art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS segundo a qual o prazo de um ano estabelecido não admite causas de suspensão ou interrupção, visto que, estando em causa um prazo de caducidade, não está prevista concretamente qualquer causa de suspensão ou interrupção.
Ora, sobre esta querela debruçou-se o Tribunal Constitucional no recentíssimo Acórdão n.º 328/2018, de 27/06/2018. Com efeito, após profunda ponderação, a Colenda Instância decidiu julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
A fundamentação exarada pela Suprema Instância Constitucional foi, além do mais, a seguinte:
“(…)
2.4.1. A proteção da retribuição inclui, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a previsão de “garantias especiais”, cuja modelação cabe ao legislador, que, para o efeito, goza de “ampla liberdade” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, p. 1166). Não obstante, a instituição do mecanismo do Fundo de Garantia Salarial (para além de – como vimos – consistir numa obrigação para o Estado Português decorrente do Direito da União) não pode deixar de ser vista como concretização de uma das garantias a que se refere aquele n.º 3 (nesse sentido, v. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 777).
Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efectividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5. Tendo presentes as linhas essenciais do NRFGS – em particular a norma objeto do presente recurso (cfr. itens 2.1. e 2.2., supra) – verificam-se aporias que o afastam do padrão de efetividade e certeza acabado de traçar.
De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2., supra), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS. Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.
Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.
Note-se, todavia – sublinhando o sentido atuante que a qualificação jurídica do prazo aqui acabou por assumir –, que o Fundo, na fundamentação da respetiva posição de indeferimento da pretensão dos ora Recorridos (cfr. item 1.2.1. supra) – e sublinha-se, pois, que foi nesse quadro que a decisão recorrida, como não podia deixar de ser, se forjou –, qualificou expressamente o prazo em causa no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS como de caducidade, referindo-lhe expressamente a circunstância, que é própria do regime da caducidade nos termos do artigo 328.º do CC, de só comportar suspensão ou interrupção mediante previsão legal, no caso inexistente. E, de facto, é neste contexto que se afirma que, “[e]m matéria de contagem do prazo de caducidade[,]aplicam-se, em princípio, tal como na prescrição, as regras gerais, com uma importante diferença. Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente”, já que, “[…] como resulta do artigo 328.º do CC, ‘o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine. Assim, se a lei, em cada caso concreto, não admitir, expressamente, a suspensão e a interrupção do prazo de caducidade (ou algum destes institutos), o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2007, p. 703). Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia a decisão recorrida, ao sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de inconstitucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi.
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5.1. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (referido supra no item 2.3.2.1.), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.
2.6. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma sub judicio, confirmando a esse respeito a decisão recorrida. Complementarmente, justificam-se duas observações adicionais, referidas à incidência na situação do Direito da União e à referenciação da intervenção do Tribunal Constitucional exclusivamente à questão de inconstitucionalidade.
2.6.1. Assim, como primeira nota, respeitante às incidências do caso relativas ao Direito da União, cumpre-nos salientar, quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal no quadro referencial do artigo 8.º, n.º 4 da CRP (aqui relevante no trecho que estabelece que “[…] as normas emanadas das […] instituições [da União Europeia], no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos no Direito da União […]”), a ausência de justificação para que equacionemos (neste recurso) um reenvio prejudicial de interpretação ao TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE).
Vale esta opção – como adiante explicitaremos – em função da constatação de não se prefigurar aqui, na sequência da jurisprudência do TJUE referida ao longo deste Acórdão, uma dúvida quanto à interpretação do Direito da União que apresenta relevância no caso concreto, designadamente quanto ao sentido prescritivo dos artigos 3.º sucessivamente incluídos nas Diretivas 80/987/CEE e 2008/94/CE, referidas no item 2.3.1 supra. Estas, consubstanciando “atos jurídicos da União” vinculativos do Estado português “[…] quanto ao resultado a alcançar […]”, na aceção do terceiro parágrafo do artigo 288.º do TFUE (“[a] directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”), mostram-se já devidamente esclarecidas pela jurisprudência do TJUE, no seu sentido operante relativamente à norma de Direito interno aqui sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional (o artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS na interpretação em causa na decisão recorrida).
Aliás, conforme indicámos no item 2.5.1. supra, o ora decidido encontra-se, assumidamente, em linha com o sentido evidente dessa jurisprudência relevante na matéria aqui em causa – referimo-nos às decisões, todas proferidas em processos de reenvio, do TJUE referenciadas no item 2.3.3. supra e respetivas subdivisões (2.3.3.1 a 2.3.3.4.) –, concretamente com o ponto 46. acima transcrito, no item 2.3.3.1., constante do acórdão Visciano c. INPS, de 16 de julho de 2009 (processo C-69/08).
Com efeito, estando em causa uma obrigação de reenvio, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 267.º do TFUE, “[…] para os órgãos jurisdicionais que julguem sem hipótese de recurso judicial previsto no direito interno” [Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1982 – Processo 283/81 Srl Cilfit et Lanificio di Gavardo SpA c. Ministero della sanità”, in Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia. Uma Abordagem Jurisprudencial, Sofia Oliveira Pais (coord.), 3.ª ed., Coimbra, 2014, p. 223], verifica-se neste caso uma das circunstâncias nas quais, segundo o TJUE no acórdão Cilfit, está o tribunal nacional dispensado desse reenvio.
Referimo-nos em concreto, seguindo o ponto 14. desse acórdão de 1982 (que é invariavelmente assumido como precedente de forte valor persuasivo), às situações em que exista “[…] uma orientação jurisprudencial do Tribunal que esclareça o ponto de direito em causa, qualquer que seja a natureza do procedimento que deu lugar a esta jurisprudência, mesmo na ausência de uma estrita identidade das questões em litígio”. Nestes casos, o esclarecimento anterior pelo TJUE de uma situação equivalente, em termos aptos a suportar, consistentemente, um juízo de identidade de razão, confere à norma interpretanda a natureza de “ato clarificado” (Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982…”, cit. p. 229).
2.6.2. A isto acresce – como segunda nota complementar acima indicada no item 2.6. – a seguinte observação. Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa). Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção).
Cinge-se, pois, a presente decisão, à questão de inconstitucionalidade, nos termos em que esta emergiu da decisão de recusa do Tribunal a quo.

2.7. Pelas razões que antecedem, improcede o recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
É o que nos resta afirmar, conferindo-lhe expressão decisória.

III – Decisão

3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, decide-se:
A) julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão; e, consequentemente,
B) confirmar a decisão recorrida.
(…)”.
Escrutinando o Aresto vindo de transcrever, impera retirar do mesmo a conclusão de que, independentemente da consideração da natureza do prazo descrito no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS como de caducidade ou de prescrição, deverá admitir-se a existência de causas de interrupção ou de suspensão sob pena de, assim não sendo, tal norma violar- para além do direito da União Europeia e da Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia-, os princípios ínsitos nos art.ºs 13.º, 59.º, n.sº 1 e 3 e 2.º da Constituição da República Portuguesa, incluindo o da igualdade e o da efetividade.
Assim sendo, a supremacia dos assinalados princípios constitucionais dita que a interpretação do preceituado no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS não pode deixar de incorporar a admissibilidade- no mínimo- de causas de suspensão do prazo descrito no normativo em apreciação. Na verdade, não se descortina outra via possível em face da profunda e minuciosa análise e argumentação contidas no Aresto do Tribunal Constitucional.
Ora, a situação versada no referenciado Acórdão apresenta similitude inequívoca com a situação discutida nestes autos, dado que, nestes, também se interpôs um processo judicial de insolvência antes da data em que a Recorrente requereu ao Recorrido o pagamento dos seus créditos salariais. Ademais, não está em causa apenas o momento da prolação da sentença que declarou a insolvência, mas também o momento em que o administrador da insolvência remeteu à Recorrente a documentação necessária e imprescindível para que pudesse exercer os seus direitos perante o Fundo de Garantia Salarial. Não obstante as diferenças assinaladas, a verdade é que identificamos similaridades fácticas entre a situação versada no Acórdão n.º 328/2018 e a situação em discussão nos vertentes autos, similaridades essas que, em nosso entendimento, merecem e justificam um tratamento jurídico da situação agora em apreço também similar àquele que foi concedido no aludido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018.
Expliquemos porquê.
Sopesando a factualidade elencada no probatório, a cessação do contrato de trabalho da Recorrente aconteceu em 21/10/2014, tendo a ação de insolvência sido proposta em 08/10/2014. Em 13/11/2015 foi proferida sentença de declaração da insolvência e em 01/12/2015 o administrador da insolvência remeteu à Recorrente o formulário atinente ao “requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho”, formulário este certificado pelo mesmo administrador, para que a Recorrente pudesse requerer ao Recorrido o pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho. Finalmente, em 15/12/2015, a Recorrente apresentou o pedido de pagamento dos seus créditos salariais.
Percorrida a factualidade vinda de enunciar, e cotejando a mesma com o preceituado nos art.ºs 1.º, n.º 1, al. a) e 5.º, n.ºs 1, 2, al. a) e 3 do NRFGS, entendemos ser forçosa a conclusão de que, somente em 01/12/2015, é que a Recorrente reuniu todas as condições e requisitos para apresentar nos serviços do Recorrido o requerimento para pagamento dos respetivos créditos salariais. Com efeito, se é certo que o contrato de trabalho da Recorrente cessou em 21/10/2014, também é certo que a Recorrente apenas pôde aceder à certificação, por banda do administrador da insolvência, do requerimento para apresentar nos serviços do Recorrido, em 01/12/2015.
É que, como já se adiantou antecedentemente, nos termos do estatuído no art.º 5.º, n.º 1 do NRFGS, o Fundo efetua pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, (…) a discriminação dos créditos objeto do pedido, devendo tal requerimento ser instruído com a declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador da insolvência (…) (cfr. art.º 5.º, n.º 2, al. a)). Finalmente, importa realçar que o requerimento que é apresentado pelo trabalhador nos serviços do Recorrido é certificado pelo administrador da insolvência (…), sendo que, no caso versado, tal certificação sucedeu através de aposição de assinatura manuscrita no verso do documento (cfr. art.º 5.º, n.º 3, al. b)).
Quer isto significar, portanto, que a Recorrente somente preencheu os requisitos enunciados nos art.ºs 1.º, n.º 1, al. a) e 5.º, n.ºs 1, 2, al. a) e 3 do NRFGS em 01/12/2015. Antes de tal data, e por razões que em nada se relacionam com a sua vontade ou diligência, a Recorrente não estava em condições de peticionar ao Recorrido o pagamento dos seus créditos salariais. De resto, salienta-se que a Recorrente ainda intentou, em 19/10/2015, formular o pedido de pagamento dos seus créditos salariais ao Recorrido. No entanto, e como já se referiu supra, tal requerimento não foi aceite, precisamente, por não ter ocorrido àquela data sequer, a declaração de insolvência do empregador.
Das constatações vindas de realizar emerge, com clareza, a conclusão de que a presente situação merece a aplicação da Jurisprudência vertida no já referenciado Acórdão n.º 328/2018, não no sentido da desaplicação da norma contida no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS ao caso concreto, mas sim no sentido de uma interpretação dessa norma em consenso e harmonia com os ditames constitucionais da igualdade e efetividade, nos termos escalpelizados e determinados no sobredito Acórdão do Tribunal Constitucional.
Nessa senda, impõe-se, em nosso entender, e partindo do pressuposto de que o prazo a que se refere o n.º 8 do art.º 2.º do NRFGS assume a natureza de prazo de caducidade, assumir como admissível a existência de possíveis causas de suspensão desse mesmo prazo, causas estas atinentes ao desenrolar e ao desfecho dos procedimentos e processos judiciais, e sem os quais o trabalhador não logra reunir as condições e requisitos para aceder ao pagamento dos créditos salariais por parte do FGS.
Uma das causas de suspensão a admitir é a que se refere à existência de processos judiciais, cujo desfecho assume valor de requisito ou condição imprescindível de acesso ao FGS, seja por este acesso depender da prolação de sentença judicial definidora de uma certa situação fáctico-jurídica, seja por este acesso depender da prática de determinados atos no decurso dos ditos processos judiciais. Do que vem de se referir decorre logicamente que, enquanto estiver em curso o processo judicial no âmbito do qual serão praticados atos, ou reconhecidos direitos, de que depende o acesso ao FGS, não deve ser contabilizado o prazo de caducidade estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS. Por conseguinte, a existência destes processos deve constituir uma causa de suspensão do aludido prazo de caducidade, devendo o início da suspensão coincidir com o início do processo judicial e o fim da mesma suspensão coincidir, no mínimo, com o momento da prolação dos atos ou das sentenças em tais processos, mais especificamente, o respetivo trânsito em julgado.
Revertendo ao caso em discussão, e sopesando o enquadramento que se traçou antecedentemente, não pode deixar de se conferir relevância ao facto da Recorrente, apenas em 01/12/2015, se encontrar na posse dos elementos imprescindíveis para requerer ao Recorrido o pagamento dos seus créditos salariais. Adicionalmente, também importa conferir relevância ao facto de que, em 08/10/2014, foi proposta a ação de insolvência, visto que, o desfecho deste processo, designadamente em termos de declaração da insolvência e reconhecimento dos créditos salariais, apresenta-se necessário à reunião de todos os elementos instrutórios imprescindíveis ao sucesso da pretensão da Recorrente.
Quer tanto significar que, em bom rigor, e tendo em conta o que se explicitou antecedentemente no tocante à suspensão da contagem do prazo de caducidade de um ano, que a contagem deste prazo deve ter-se por suspensa, necessariamente, desde a data em que foi proposta a ação de insolvência- 08/10/2016- até à data em que a Recorrente reuniu todos os requisitos para peticionar ao Recorrido o pagamento dos seus créditos salariais, ou seja, 01/12/2015. Realmente, e como já se explicou em momento antecedente, tendo a Recorrente tido acesso aos elementos instrutórios imprescindíveis ao sucesso da sua pretensão em 01/12/2015, deve esta data marcar o momento do fim da suspensão da contagem do prazo de caducidade, uma vez que, a partir desta data, a Recorrente entrou já no domínio dos factos, no sentido de que lhe cabe, em exclusivo, diligenciar no sentido de peticionar ao FGS o pagamento dos respetivos créditos salariais. A partir deste momento, portanto, a conduta da Recorrente passa a merecer relevância, especialmente para efeitos de apreciação da diligência ou negligência da sua atuação.
Em suma, e de modo mais simples, desde 08/10/2014- a data da propositura da ação de insolvência- até 01/12/2015- posse, por parte da Recorrente, dos elementos remetidos pelo administrador da insolvência-, a contagem do prazo de caducidade previsto no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS suspendeu-se.
Quer isto dizer que, tendo a ação de insolvência sido proposta em data anterior à da cessação do contrato de trabalho da Recorrente, o referido prazo de um ano apenas iniciou a sua contagem em 01/12/2015. Sendo assim, tal implica que, no momento em que a Recorrente apresentou ao Recorrido o requerimento para pagamento dos seus créditos salariais- 15/12/2015-, ainda não tinha decorrido o aludido prazo de caducidade previsto no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS.
Deste modo, impera concluir que o ato produzido pelo Recorrido em 13/07/2016 é ilegal, por erro nos respetivos pressupostos de direito.
Qualquer solução diversa daquela que se preconiza no raciocínio exposto é inadmissível em virtude da franca desproteção dos direitos da agora Recorrente, bem como da injustificada penalização que sobre a mesma recai, sendo certo que a Recorrente assumiu uma conduta sempre diligente no sentido de fazer valer os respetivos direitos e interesses, bem como de reclamar o pagamento dos respetivos créditos salariais.
Destarte, e pelas já apontadas razões, é nosso entendimento que o ato agora sob escrutínio padece de erro nos respetivos pressupostos fáctico-jurídicos, merecendo, por isso, a anulação.
Acresce dizer que, tendo a Recorrente, na conclusão 53 do presente recurso, invocado a inconstitucionalidade material do art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS, quando interpretado no sentido em que o foi pela sentença recorrida, não pode este Tribunal, em consideração do Acórdão n.º 328/2018 do Tribunal Constitucional, deixar de reconhecer razão à Recorrente. Simplesmente, entende este Tribunal não ser necessária a desaplicação do mencionado normativo ao caso versado, antes devendo o caso posto ser resolvido através da interpretação do mesmo normativo num sentido conforme aos ditames constitucionais que emergem dos art.ºs 13.º, 59.º e 2.º da CRP.
Do que vem de expor-se resulta que a solução a conferir ao caso posto deve consubstanciar-se no mero controlo da legalidade do ato impugnado- a decisão proferida pelo Recorrido em 13/07/2016-, que impõe uma interpretação dos normativos pertinentes- especificamente o art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS- compatível com os preceitos constitucionais examinados. E porque os atos administrativos não são aptos a suportar pronúncias declarativas de inconstitucionalidade, resta proceder à anulação do ato emitido pelo Recorrido em 13/07/2015, por este estar inquinado de erro nos respetivos pressupostos fáctico-jurídicos.
Em derradeiro lugar, cumpre explicitar que, mostrando-se respeitado o prazo de um ano para apresentação ao Recorrido do pedido de pagamento dos créditos salariais, a Recorrente tem o direito a ver efetivamente apreciada a sua pretensão de pagamento. Pelo que, ao Recorrido incumbe reapreciar a situação da Recorrente e proferir decisão, nos termos da qual defira o pedido de pagamento formulado pela Recorrente, com os limites impostos pelo estipulado no art.º 3.º do NRFGS.
*
Desta feita, ponderando todo o expendido, assoma cristalino que a sentença a quo errou no julgamento que realizou do caso versado, merecendo procedência o alegado pela Recorrente nas conclusões 31 a 60 do seu recurso jurisdicional.
E, sendo assim, apresenta-se inequívoco que a sentença a quo padece de erro de julgamento, pelo que, em conformidade, terá de conferir-se provimento ao presente recurso, na parte que cumpre conhecer, e revogar a sentença recorrida, julgando a ação administrativa procedente.



III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
I- Conceder procedência ao recurso jurisdicional;
Em consequência,
II- Revogar a sentença recorrida; e
III- Julgar procedente a ação administrativa, anulando o ato emitido pelo Recorrido em 13/07/2016, bem como condenando o Recorrido a proferir nova decisão sobre o pedido da Recorrente, nos termos explicitados supra.

Custas a cargo do Recorrido, sem prejuízo da isenção de que beneficia.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2019,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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José Gomes Correia

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António Vasconcelos