Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1018/20.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
EXCUSSÃO PRÉVIA
SUSPENSÃO OPE LEGIS
MEDIDAS CAUTELARES
Sumário:I - A possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas relativamente ao responsável subsidiário está legalmente prevista, concretamente no artigo 23º, nº 3 da LGT. Aqui se incluem o arresto e arrolamento.
II - Será, pois, na sequência de uma actuação administrativa de natureza cautelar que fará sentido analisar a alegada (in)existência de qualquer indício de risco no que concerne à frustração da cobrança ou ao extravio de elementos necessários ao processo que possa justificar a adoção de medidas cautelares”.
III - Em caso de fundada insuficiência do património do devedor, a reversão contra o(s) responsável(eis) subsidiário tem lugar imediatamente (n.º 2 do artigo 23.º da LGT), mas, por efeito do benefício de excussão prévia do património do executado, que constitui uma garantia do revertido, o processo de execução fiscal fica, por efeito da lei (do n.º 3 do artigo 23.º da LGT), automaticamente suspenso após a reversão em relação ao revertido (estamos, pois, perante uma suspensão que opera ope legis) pelo período que durar a excussão do património do devedor originário e caberá ao órgão de execução fiscal, que está vinculado por lei a este efeito e que não pode prosseguir neste caso com qualquer acto no âmbito daquele processo (incluindo a penhora), caso pretenda acautelar o futuro pagamento da dívida tributária, lançar mão de providências cautelares (artigo 51.º da LGT), das quais o revertido se poderá defender nos termos do disposto no artigo 144.º do CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


R..., com os demais sinais nos autos, invocando o disposto no artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou para o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa pedindo a anulação da decisão proferida em 13/11/2019, pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 3 que lhe indeferiu o pedido de suspensão da cobrança e de não aplicação de medidas cautelares, até à excussão do património do devedor originário, formulado no âmbito do processo de execução fiscal nº 3085 2015 0..., contra si revertido, depois de instaurado contra a sociedade de direito alemão B... International GMBH & Co KG, para cobrança coerciva de uma dívida de IVA e juros compensatórios, no montante de € 843.768,55, (apensado ao processo principal nº308…), e impôs a prestação de garantia no valor em 1.319.281,23€.

O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença de 08 de Outubro de 2020, julgou improcedente a reclamação e, em consequência absolveu Fazenda Pública do pedido.

Inconformado, o Reclamante veio recorrer da sentença, apresentando alegações que concluiu nos seguintes termos:

«A) O presente Recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 8 de outubro de 2020 no Processo n°1018/20.2BELRS, que julgou improcedente a Reclamação Judicial apresentada pelo RECORRENTE contra o Despacho do órgão de execução fiscal que Indeferiu o pedido de suspensão da cobrança e de não aplicação de medidas cautelares contra o RECORRENTE (devedor subsidiário) até à excussão do património da devedora originária no âmbito do processo de execução fiscal n°308520150... (apenso ao processo n°3085…);

B) O referido processo n°3... foi instaurado pelo SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA - 3 contra a sociedade de direito alemão B... INTERNATIONAL GMBH & Co KG, titular do número de identificação fiscal português 9... (e entretanto incorporado na sociedade E...) para cobrança coerciva de uma dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") e juros compensatórios no montante total de € 843,768,55 (oitocentos e quarenta e três mil, setecentos e sessenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos);

C) Uma vez citado na qualidade de devedor subsidiário, o RECORRENTE apresentou Reclamação Graciosa contra os atos de liquidação de imposto e de juros subjacentes à execução e Oposição à Execução com fundamento na ilegalidade da reversão do processo contra si;

D) Em outubro de 2019, o RECORRENTE apresentou um requerimento junto do órgão de execução fiscal, solicitando, ao abrigo do regime do benefício da excussão prévia consagrado nos n,°s 2 e 3 do artigo 23° da Lei Geral Tributária, que a Administração Tributária averbasse nos Autos de execução a suspensão da cobrança contra ele (devedor subsidiário) com fundamento no facto - demonstrado documentalmente no próprio processo executivo - de a devedora originária ainda ter um património significativo, em liquidação no âmbito de um processo de insolvência no Reino Unido;

E) Adicionalmente, o RECORRENTE solicitou que a Administração Tributária se abstivesse de promover, relativamente ao seu património, qualquer medida cautelar por não se verificar - quanto a ele (revertido) - qualquer indício de risco no que concerne à frustração de cobrança ou ao extravio de elementos necessários ao processo;

F) Sucede que, através do Despacho de 13 de novembro de 2019, reclamado pelo RECORRENTE nos presentes Autos, a Senhora CHEFE DO SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA -3 indeferiu o pedido de suspensão do processo até à excussão do património da devedora originária e de abstenção de aprovação de medidas cautelares indicando que, "Tendo sido deduzida oposição à reversão do processo executivo só poderá (...) ficar suspenso de acordo com o n°1 do artº169°, nomeadamente n.°s 2, 6 e 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), mediante apresentação de garantia idónea que reúna os requisitos constantes do art°199.° do mesmo código, conjuntamente com essa declaração";

G) Em substância - e como indica a Fazenda Pública no artigo 13° da sua contestação - o órgão de execução fiscal decidiu "não ser de aplicar ao caso sub judice o n°3 do artigo 23° da LGT (...)"; dito de outro modo, a Administração Tributária entendeu que não está impedida de cobrar a dívida ao RECORRENTE mesmo antes de esgotado o património da devedora originária (negando-lhe, portanto, o benefício da excussão prévia previsto no referido artigo 23.° da Lei Geral Tributária), nem de promover medidas cautelares contra ele.

H) Perante esta decisão ilegal, o RECORRENTE apresentou uma Reclamação Judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa, pedindo a anulação do despacho do órgão de execução fiscal com base nos seguintes argumentos:
(i) Nos termos do disposto nos n.°s 2 e 3 do artigo 23° da Lei Geral Tributária, a Administração Tributária tem de suspender a cobrança contra ele (revertido) até à excussão completa do património da devedora originária (ou seja, até ao termo do processo de insolvência que corre termos no Reino Unido); e
(ii) Nas atuais circunstâncias, a Administração Tributária não pode promover qualquer medida cautelar contra o RECORRENTE (revertido), por não existir qualquer indício de risco no que concerne à frustração de cobrança ou ao extravio de elementos necessários ao processo.

I) No entanto, na Sentença aqui recorrida, o Tribunal a quo julgou a Reclamação Judicial improcedente, fundamentando a decisão nos termos que a seguir se procuram sintetizar:
(i) A suspensão da cobrança da dívida exequenda e acrescido só poderia ser assegurada através dos meios previstos no artigo 52° da Lei Geral Tributária e nos artigos 169° e 170° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, em função da pendência de um plano prestacional ou da existência de meios de reação contra a dívida ou a própria execução, em qualquer dos dois casos acompanhados da prestação de garantia ou de uma decisão de dispensa de prestação de garantia; e
(ii) A Reclamação Judicial não é o processo próprio para discutir a admissibilidade da aplicação de medidas cautelares, por não estar em causa uma medida em concreto, previamente adotada ou decidida pela Administração Tributária.

J) Todavia, a Sentença aqui recorrida padece de erro de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, devendo ser anulada e substituída por um aresto que anule o despacho do órgão de execução fiscal reclamado pelo RECORRENTE e determine: (i) a suspensão da cobrança contra ele enquanto não for excutido o património da devedora originária no âmbito do processo em curso; e (ii) a impossibilidade de promoção de medidas cautelares contra o seu património;

K) Para além da matéria de facto dada como assente e relevante no ponto IV. da Sentença recorrida, o Tribunal a quo devia ter dado como provados e relevantes para a boa decisão da causa os seguintes factos que aqui se identificam para efeitos do disposto no artigo 640°, n°1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil:
(i) A devedora originária encontra-se, desde 16 de junho de 2017, em processo de insolvência para liquidação no Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, no âmbito do qual ainda não foram apurados definitivamente todos os seus créditos e obrigações e tem bens penhoráveis;
(ii) No âmbito do referido processo de insolvência para liquidação, está identificado património de valor significativo, designadamente depósitos bancários (estimados em £292.281,00), compensações por contribuições sociais (estimadas em £32.959,00) e juros bancários (estimados em £158,96);

L) Para efeitos do disposto no artigo 640°, n°1, alínea b), do Código de Processo Civil, indica-se que estes factos - alegados no artigo 27° da p.i. no requerimento de 8 de setembro de 2020 - resultam inequivocamente provados da documentação oficial do registo comercial britânico (Companies' House) que integra o Vol. IV. do processo de execução fiscal e cuja certidão traduzida para língua portuguesa foi junta aos Autos a pedido do Tribunal a quo através do referido requerimento de 8 de setembro de 2020, a fls. 414 dos Autos no SITAF',

M) Em concreto, na numeração da certidão dada pelo Serviço de Finanças, a página 56 indica que a sociedade está em insolvência e identifica como data do início do processo o dia 16 de junho de 2017; a página 63 enumera os ativos já identificados da sociedade, incluindo os referidos depósitos bancários; e a página 74 inclui um balanço provisório da empresa, na qual os mencionados depósitos são novamente inscritos;

N) O RECORRENTE nota que o Tribunal a quo não julgou estes factos como não provados (pelo contrário, assumiu-os como adquiridos na fundamentação de direito) -simplesmente não os incluiu na matéria de facto relevante para a boa decisão da causa;

O) Admite-se que tal tenha ocorrido porque, como já se indicou, o Tribunal a quo se limitou a analisar a possibilidade de aplicação do regime de excussão prévia em abstracto, independentemente da situação de facto da devedora originária no caso concreto; todavia, como esta análise jurídica também padece de erro de julgamento, sendo por isso importante dar como assente e relevante para a boa decisão da causa os dois factos acima enumerados.

P) Demonstrado o erro de julgamento na decisão da matéria de facto, consubstanciado na desconsideração dos dois factos acima identificados, a Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por um aresto que considere e dê como provada toda a matéria de facto relevante, nos termos acima enunciados;

Q) Quanto à suspensão da cobrança por efeito do regime de excussão prévia do património da devedora originária, o Tribunal a quo considerou, em síntese, que:
(i) O regime previsto nos artigos 30° e 26° da Lei Geral Tributária impede a Administração Tributária de conceder perdões ou moratórias que não estejam expressamente previstas na lei;
(ii) Nos termos do disposto no artigo 52° da Lei Geral Tributária e nos artigos 169° e 170° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a execução fiscal só pode ser suspensa se estiver pendente um plano prestacional ou um meio de reação contra a dívida ou a execução, acompanhado(s), em qualquer caso, de garantia idónea ou de dispensa de garantia;
(iii) O RECORRENTE apresentou Reclamação Graciosa e Oposição à Execução, mas não prestou garantia, nem demonstrou, para já os pressupostos da respetiva dispensa, pelo que a execução não pode ser suspensa contra ele; e
(iv) A existência de património da devedora originária não impede a reversão do processo contra os devedores originários.

R) A este respeito, importa começar por notar que, ao contrário do que parece ter entendido o Tribunal a quo, o RECORRENTE não discute nos presentes Autos os pressupostos da reversão (esse tema é tratado no processo de Oposição à Execução) - não está aqui em causa a existência de bens que obstem à concretização da reversão; o que está em causa no presente processo é o benefício da excussão prévia em favor do revertido, o qual tem como pressuposto a concretização da reversão;

S) Posto isto, o RECORRENTE concorda, naturalmente, com a posição do Tribunal a quo relativa à impossibilidade de perdão de créditos ou de concessão de moratórias não previstas na lei, como impõem os princípios da igualdade e da legalidade, de suprema importância no domínio tributário;

T) Sucede, contudo, que o artigo 23°, n°s 2 e 3, da Lei Geral Tributária (que também integra o regime legal relevante para este efeito) incluiu um caso específico de suspensão da cobrança da dívida executiva e acrescido contra os responsáveis subsidiários, que não pode ser ignorado pela Administração Tributária;

U) Como, a este propósito, sublinha a doutrina, "O ponto de partida é necessariamente a salvaguarda do benefício de excussão. De modo que, em qualquer caso, embora a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário possa ser decidida antes dessa excussão, o prosseguimento do processo contra o revertido, após o prazo de oposição, só pode operar depois de excutidos os bens do devedor principal e dos responsáveis solidário” (DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª Edição 2012, Encontro da Escrita Editora, página 223; realce acrescentado);

V) Assim, uma vez "efetuada a reversão, a execução fica suspensa desde o termo do prazo da oposição até à completa excussão do património (art 23°, n°3, da LGT), o que significa que a reversão não tem como objetivo imediato a cobrança coerciva da dívida tributária através do património do responsável subsidiário, mas apenas garantir a possibilidade ulteriormente vir a efetuar, eventualmente, essa cobrança coerciva (...)" (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado e Comentado, vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, Lisboa: 2011, página 66; realce acrescentado).

W) E é neste mesmo sentido que tem vindo a decidir a jurisprudência dos Tribunais superiores, afirmando que o "benefício da excussão traduz-se no direito do responsável subsidiário de se opor a que a execução dos seus bens se efetue enquanto não forem penhorados e vendidos todos os bens do devedor principal" o que "assegura ao responsável subsidiário o benefício da excussão mediante a suspensão do processo executivo, desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado" (cf. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 25 de janeiro de 2017, no Processo 0286/16, disponível, como os demais arestos dos tribunais referidos neste requerimento, em www.dgsj.pt; realce acrescentado);

X) Ainda de acordo com a jurisprudência dos Tribunais superiores a "execução fiscal não prosseguirá contra o revertido enquanto não findar o processo de insolvência e se tiver apurado se, e em que medida, os bens da sociedade originária devedora são insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, assim se assegurando o benefício da excussão prévia (cfr. art. 23°, n°s 2 e 3, da LGT)" (cf. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12 de julho de 2018, no processo 0789/17);

Y) E tal sucede mesmo que a Administração Tributária não tenha reclamado os seus créditos no âmbito do processo de insolvência (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 27 de setembro de 1995, no processo n°16069, citado em DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, ... cit., página 229);

Z) Diga-se, aliás, que se assim não se entendesse, então ter-se-ia de concluir que o regime permite, de forma totalmente injustificada, à Administração Tributária escolher arbitrariamente a forma mais simples de cobrar os seus créditos, transformando o revertido em devedor solidário e violando (sem justificação) o princípio do estado de direito democrático, o principio da legalidade e o direito à propriedade privada, previstos nos artigos 2°, 3°, n°2, e 62° da Constituição da República Portuguesa;

AA) Transpondo este entendimento para o presente caso, verifica-se que a Administração Tributária está inequivocamente obrigada pelo disposto no artigo 23°, n°s 2 e 3, da Lei Geral Tributária, a suspender a cobrança da dívida exequenda e acrescido contra o REQUERENTE porque a devedora originária se encontra em processo de insolvência no qual não foram apurados definitivamente todos os seus créditos e obrigações e está demonstrado que detém depósitos bancários de valor muito significativo;

BB) Nestes termos, o ato do órgão de execução fiscal reclamado pelo RECORRENTE é manifestamente ilegal e a Sentença recorrida padece de um manifesto erro de julgamento, devendo ser revogada e substituída por um aresto que anule o despacho reclamado e determine a suspensão da cobrança da dívida exequenda e acrescido contra o RECORRENTE;

CC) Relativamente à segunda ilegalidade apontada pelo RECORRENTE ao despacho do órgão de execução fiscal reclamado - o indeferimento do pedido no que se refere à abstenção da promoção de medidas cautelares contra o seu património - o Tribunal a quo considerou que não podia apreciar esta questão porque, infere-se do exposto na página 16 da Sentença recorrida, a pretensão do RECORRENTE não se dirige contra um ato em concreto (a promoção de medidas cautelares);

DD) Sucede que, como resulta do exposto no capítulo introdutório destas Alegações, o objeto do pedido na Reclamação Judicial é um ato concreto - o despacho do órgão de execução fiscal que, determinando que a cobrança só pode ser suspensa nos termos do disposto no artigo 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, indeferiu o pedido principal do RECORRENTE: que a Administração Tributária: (i) averbasse a suspensão da cobrança contra ele ao abrigo do regime da excussão prévia (cf. discutido no capítulo anterior); e (ii) se abstivesse de promover medidas cautelares contra o seu património, por não estarem reunidos os respetivos pressupostos legais;

EE) Nestes termos, há um ato do órgão de execução fiscal que é concreto e potencialmente lesivo do património do REQUERENTE, que não pode deixar de ter o direito de suscitar o respetivo controlo judicial através do meio legal especialmente previsto para o efeito - a reclamação judicial prevista no artigo 276° do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

FF) Sublinha-se, a este propósito, que, ao contrário do que parece ter suposto o Tribunal a quo, no presente caso as medidas cautelares que a Administração Tributária pode, em abstraio, promover, podem respeitar a património localizado em Portugal (caso em que o regime processual garante o controlo judicial pelo Tribunal Tributário), mas também a património localizado na Alemanha, país onde reside o RECORRENTE e ao qual se aplica o mecanismo europeu de cooperação mútua na cobrança; neste segundo caso, o controlo da aplicação destas medidas a posteriori é muito mais complexo e implica a intervenção do RECORRENTE em duas jurisdições;

GG) Sendo evidente que os pressupostos da aplicação destas medidas não estão verificados, não há qualquer justificação para remeter o controlo das mesmas para o futuro, no âmbito de outra ação/ outras ações, com os mesmos fundamentos, em diferentes jurisdições;

HH) Por outro lado, ainda que se entendesse que o despacho do órgão de execução fiscal não contém uma decisão a respeito da (im)possibilidade de promover medidas cautelares - o que não se admite - o certo é que a omissão da Administração Tributária não pode impedir o particular de aceder ao controlo judicial desta atuação, sendo evidente que a reclamação judicial é o meio mais adequado também para este efeito;

II) Em face do exposto, o Tribunal a quo devia ter sindicado a legalidade do conteúdo/omissão do despacho reclamado também quanto à matéria relativa às medidas cautelares e, não o tendo feito, incorreu em erro de julgamento. Se assim não se entender, e se considerar (erradamente) que a interpretação feita pelo Tribunal a quo está correta, então o regime de verificação judicial das decisões do órgão de execução fiscal é inconstitucional, por violação dos direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, consagrados no artigo 20.°, n.°s l e 4, da Constituição da República Portuguesa;

JJ) No que respeita, por último, à avaliação da (im)possibilidade de recurso a medidas cautelares, o RECORRENTE nota que em nenhum momento o órgão de execução fiscal ou a Fazenda Pública justificaram (ou sequer tentaram justificar) a promoção destas medidas;

KK) Ora, não cabe ao RECORRENTE justificar a não aplicação de um regime excecional que depende da verificação de pressupostos legais muito concretos. De acordo com a lei, as medidas cautelares só podem ser promovidas quando exista fundado receio de que o comportamento do devedor obste à cobrança ou ao bom andamento do processo (cf. artigos 136.° e 140.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário). E a demonstração deste fundado receio cabe, nos termos do disposto naqueles preceitos legais e no artigo 74.° da Lei Geral Tributária, à Administração Tributária;

LL) Sem prejuízo do exposto relativo ao ónus da prova (incumprido pela Administração Tributária), o RECORRENTE demonstrou nos Autos que os pressupostos da adoção de medidas cautelares não estão verificados, razão pela qual, no presente momento, essas medidas não podem ser promovidas;

MM) Com efeito, não obstante ser um cidadão alemão, de não residir em Portugal, e de não compreender imediatamente o conteúdo das notificações que tem vindo a receber no âmbito do presente processo de execução fiscal (todas redigidas em português e sem nenhuma preocupação de clareza), o RECORRENTE sempre foi absolutamente diligente e cooperante na sua relação com a Administração Tributária, tendo nomeado mandatários para o efeito e respondido tempestivamente (e sem fazer uso de qualquer dilação) a todas as solicitações que lhe têm sido feitas;

NN) Esta atitude diligente e cooperante (que implica gastos significativos) afasta sem margem para dúvidas a existência de qualquer indício de risco no que concerne à frustração da cobrança ou ao extravio de elementos necessários ao processo que possa justificar a adoção de medidas cautelares;

OO) Em face do exposto, a Sentença recorrida padece, também quanto a esta matéria, de um erro de julgamento, devendo ser revogada e substituída por um aresto que anule o despacho reclamado e determine a suspensão da cobrança contra o RECORRENTE, ao abrigo do regime da excussão prévia, e a impossibilidade de promoção de medidas cautelares contra o seu património, por não estarem verificados os respectivos pressupostos legais

TERMOS EM QUE,
DEVE O PRESENTE RECURSO PROCEDER, POR PROVADO E FUNDADO, REVOGANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA RECORRIDA, E DETERMINAR-SE (I) A SUSPENSÃO DA COBRANÇA DA DÍVIDA EXEQUENDA E ACRESCIDO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL N° 308520150... (APENSO AO PROCESSO N°3...) ATÉ À COMPLETA EXCUSSÃO DO PATRIMÓNIO DA DEVEDORA ORIGINÁRIA; E (II) A IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR MEDIDAS CAUTELARES NO ÂMBITO DAQUELE PROCESSO RELATIVAMENTE AO PATRIMÓNIO DO RECORRENTE, POR NÃO SE VERIFICAREM OS PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DESSAS MEDIDAS


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1) Corre termos contra o Reclamante, no Serviço de Finanças de Lisboa 3, o processo de execução fiscal número 308520150..., por apenso ao processo de execução fiscal número 3..., originariamente instaurado em 23/02/2015 contra a sociedade B... International GMBH & Co KG, com base nas certidões de dívida n°s 2015/5352 e 2015/5353, relativas a IVA e juros compensatórios do período de 2010/03, nos valores de 232.037,31€ e 33.464,23€, respectivamente; n°s 2015/5354 e 2015/5355, relativas a IVA e juros compensatórios do período de 2010/04, nos valores de 276.523.20€ e 38.910,22€, respectivamente; n.°s 2015/5356 e 2015/5357, relativas a IVA e juros compensatórios do período de 2010/05, nos valores de 231.100,07€ e 31.733,52€, respectivamente, todas com data limite para pagamento voluntário até 31/01/2015 (informação oficial, certidões de dívida e despacho de reversão de fls. 37 a 39, 133 a 138 e do SITAF).

2) Em 03/07/2017 o Serviço de Finanças de Lisboa 3 enviou uma mensagem de correio electrónico sob o assunto "PEDIDO DE COBRANÇA_Diretiva 2010/24/UE_E... GMBH_Alemanha", do qual consta que o mesmo foi realizado com base no artigo 10° da Directiva 2010/24/EU - artigo 27° Acordo UE-Noruega, com a referência PT_DE_AM53417_S1316PT1700065_20170704_b_RR, referente à entidade E... GMBH, na qualidade de sucessor legal da entidade B... International GMBH & CO KG, para a cobrança, além do mais, de dívida de IVA relativa aos períodos de 2010/03 a 2010/05, no valor de 843.868,55€ e acrescidos, tendo sido identificado como Estado da autoridade requerente, Portugal e o serviço que apresenta o pedido, o Serviço de Finanças de Lisboa 3 e identificado o Estado da autoridade requerida, a Alemanha e o serviço que trata do pedido, o Serviço de Impostos de Munique (mensagem de correio electrónico e formulário electrónico de fls. 1 a 11 do SITAF).

3) Em 27/02/2018 a DSGCT - Comissão Interministerial de Assistência Mútua em Matéria de Cobrança, enviou uma mensagem de correio electrónico para o Serviço de Finanças de Lisboa 3, de resposta ao pedido referido no número anterior, com junção de comunicação da autoridade requerida, na qual informa da impossibilidade de recuperação do crédito, pelo motivo de a entidade E... GMBH também ter dívidas de impostos para com o Serviço de Impostos de Munique (Departamento de Cobrança), as quais totalizam 72.142,50€ e são irrecuperáveis devido à falta de bens para execução, acrescentando que com base no pedido de medidas cautelares a serem tomadas, referência S1316PT1600003, o saldo do crédito do IVA foi penhorado e garantido, não estando disponível, pois o Serviço de Impostos de Munique (Departamento de Cobrança) teve de acautelar dívidas prioritárias (mensagem de correio electrónico e formulário electrónico de fls. 1 a 11 do SITAF).

4) Por ofício n°9967, datado de 03/09/2019, enviado ao Reclamante, foi-lhe dado conhecimento que contra si corre termos o processo de execução fiscal referido em 1), de que é executada a sociedade aí identificada, com vista a cobrança do valor aí mencionado para, além do mais, pagar ou apresentar oposição (citação de fls. 54, 119, 120, 256 e 257 do SITAF).

5) Em 09/10/2019 o Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Lisboa 3, por correio postal registado com a referência RH4…PT, reclamação graciosa, relativa às liquidações de IVA e juros compensatórios dos períodos de 2010/03 a 2010/05 (registo postal e reclamação graciosa de fls. 58 a 60 e 219 a 249 do SITAF).

6) Em 10/10/2019 o Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Lisboa 3, por correio postal registado com a referência RH4…PT, oposição ao processo de execução fiscal referido em 1) (registo postal e petição de fls. 55 a 57 e 86 a 118 do SITAF).

7) Em 28/10/2019 deu entrada, no Serviço de Finanças de Lisboa 3, um requerimento apresentado pelo mandatário constituído pelo Reclamante, enviado por correio postal registado com a referência RH4…PT, através do qual pediu a suspensão do processo de execução fiscal referido em 1) em relação ao Reclamante com fundamento na falta de excussão prévia do património da sociedade devedora originária, por resultar de informação constante do volume IV do processo físico de execução fiscal que a sociedade devedora originária se encontra em processo de insolvência no Reino Unido desde 16/06/2016, no âmbito do qual ainda não foram apurados definitivamente os créditos e as obrigações da sociedade, bem como pediu a não adopção de medidas cautelares contra o Reclamante com fundamento na inexistência de fundado receio de frustração de cobrança ou de destruição ou extravio de documentos ou outros elementos necessários ao apuramento da situação tributária do sujeito passivo e demais obrigados tributários, dado que, embora seja um cidadão alemão não residente em Portugal, o Reclamante sempre foi diligente e cooperante na sua relação com a administração tributária, tendo nomeado mandatários para o efeito e respondido tempestivamente a todas as solicitações que lhe têm sido feitas; subsidiariamente, pediu a suspensão do referido processo de execução fiscal com fundamento em ter apresentado oposição à execução fiscal e reclamação graciosa contra os actos de liquidação subjacentes à dívida em cobrança, devendo a administração tributária indicar-lhe o valor da garantia a prestar e conceder-lhe um prazo razoável para o fazer, o que desde logo requereu devendo, enquanto não for feita tal notificação, abster-se de praticar qualquer acto de execução ou adoptar qualquer medida cautelar; sem prejuízo do exposto, pediu também a dispensa da prestação de garantia, por o valor da dívida exequenda ser muitíssimo elevado, sendo-lhe impossível prestar uma garantia idónea sem sofrer prejuízos irreparáveis e causar manifesta falta de meios económicos (registo postal e requerimento de fls. 43 a 50 e 276 a 289 do SITAF).

8) Por ofício n°12801, datado de 13/11/2019, enviado ao mandatário constituído pelo Reclamante por correio postal registado com a referência RH3…PT, cujo aviso de recepção foi assinado em 18/11/2019, sob o assunto "Notificação de valor da garantia", foi-lhe comunicado o seguinte (notificação, registo postal, aviso de recepção e envelope de fls. 40, 41, 84 e 85 do SITAF):
" (...)

Tendo sido deduzida Oposição á reversão do processo executivo 3... aps só poderá o mesmo ficar suspenso de acordo com o n°1 do art.169°, nomeadamente n°s 2, 6 e 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (C. P. P.T.), mediante apresentação de garantia idónea que reúna os requisitos constantes do art°199° do mesmo código, juntamente com essa declaração. Para decisão sobre a aceitação e suficiência da garantia é necessária que esta esteja legalmente constituída, nomeadamente por hipoteca voluntária registada na Conservatória do Registo Predial, garantia bancária, seguro-caução ou outra com idoneidade nos termos do art°199° do CPPT e o ofício circulado 60094/2013, disponível no Portal das Finanças.

Após constituição da garantia deverá ser apresentado neste Serviço requerimento acompanhado da mesma para suspensão dos autos ao abrigo do disposto no art°169° do CPPT.

Alerta-se para o fato que o valor considerado como garantia deverá ser calculada à data da sua apresentação, não competindo a este Serviço notificar do seu cálculo, à data.

O valor a garantir á presente data é de 1.319.281.23 €, nos termos do n.°6 do art°199° do CPPT.
(…)”.

9) A petição da presente acção foi enviada para o Serviço de Finanças de Lisboa 3 em 28/11/2019, por correio postal registado com a referência RH4…PT (petição, comunicação e envelope de fls. 62 a 83, 290 e 291 do SITAF).


Nenhum outro facto foi considerado provado ou não provado com interesse para a presente decisão.


A convicção do Tribunal fundou-se nos elementos documentais existentes no processo, tal como indicados à frente de cada facto provado que, não tendo sido postos em causa, foram considerados credíveis.»


*

- De Direito

Conforme decorre das conclusões da alegação de recurso, vêm-nos dirigidas diversas questões.

Por um lado, impugna-se a matéria de facto, pretendendo o Recorrente ver aditados dois factos ao probatório, tal como consta das conclusões K) a N). Por outro lado, entende o Recorrente que a sentença errou ao não reconhecer que estavam reunidas as condições para suspender a execução fiscal relativamente a si, R..., chamado ao processo a título de responsável subsidiário, com base no artigo 23º, nº3 da LGT, ou seja, até à excussão do património da devedora originária. Acresce, ainda, que, para o Recorrente, a sentença laborou em erro ao não reconhecer uma segunda ilegalidade do despacho reclamado, em concreto a circunstância de não ter considerado, tal como requerido, não estarem reunidos os requisitos para a AT promover medidas cautelares contra o património do Recorrente, tendentes à cobrança da dívida contra si revertida.

Para facilitar o entendimento daquilo que foi inicialmente requerido, decidido pela AT e objecto de análise pela sentença recorrida, deixemos, para já, nos excertos essenciais, o percurso argumentativo adoptado pela sentença.

Fazendo um resumo do alcance da reclamação, refere a Senhora Juíza que “O Reclamante pretende obter o efeito jurídico de anulação de um acto que considera ser-lhe desfavorável, bem como a abstenção de aplicação de medidas cautelares, com vista a alcançar a suspensão do processo de execução fiscal e apenso contra si revertido, assentando a sua argumentação em dois vectores essenciais: a falta de excussão prévia dos bens do património da sociedade devedora originária e a inexistência de risco no que concerne à frustração de cobrança do crédito exequendo.

Discorda a Fazenda Pública, alegando que a única forma de suspender o processo de execução fiscal é através da prestação de garantia idónea, o que o Reclamante não fez”.

Na sentença traçou-se, então, o quadro legal aplicável, fazendo-se expresso apelo aos artigos 30º, n.º 2, 36º, nº 3 e 52º, todos da LGT e, bem assim, aos artigos 85º, n.º 3, 169º e 170º, nº 1, todos do CPPT. Resumiu, assim, a sentença que “…nos termos conjugados dos artigos 36.º, n.º 3 da LGT e 85.º, n.º 3 do CPPT, a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, nem suspender o processo de execução fiscal, salvo nos casos expressamente previstos na lei, o que constitui um corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT.

Neste contexto, é sabido que, em conformidade com o disposto nos artigos 52.º, n.º 1 da LGT e 169.º, n.ºs 1, 2, 3 e 10 do CPPT, a cobrança da dívida tributária deve ser suspensa pela administração tributária, nomeadamente, quando o contribuinte apresente ou manifeste a intenção de apresentar um meio de defesa, administrativo ou contencioso, onde seja discutida a legalidade ou exigibilidade da dívida tributária.

Todavia, porque importa, desde logo, acautelar os interesses do erário público, essa suspensão depende, regra geral, da prestação de uma garantia idónea, capaz de assegurar a cobrança da totalidade dessa dívida.

Só não será assim quando, mediante requerimento prévio do executado, o órgão de execução fiscal dispense a prestação dessa garantia, ao abrigo do disposto nos artigos 52.º, n.º 4 da LGT e 170.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT,…”.

Ora, considerando que “o Reclamante apresentou reclamação graciosa e oposição à execução fiscal em 9 e 10 de Outubro de 2019, respectivamente (…)”, que “requereu, junto do órgão de execução fiscal, a suspensão do processo de execução fiscal com fundamento na falta de excussão prévia do património da sociedade devedora originária, bem como requereu a não adopção de medidas cautelares, (…) requereu ainda a suspensão do processo de execução fiscal com fundamento em ter apresentado oposição à execução fiscal e reclamação graciosa contra os actos de liquidação subjacentes à dívida em cobrança, requereu, também a indicação do valor da garantia a prestar e sem prejuízo do exposto e requereu, antecipadamente, a dispensa da prestação de garantia, por o valor da dívida exequenda ser muitíssimo elevado” e, bem assim, que, na sequência de tal circunstancialismo, “o órgão de execução fiscal notificou o Reclamante do acto reclamado”, comunicando “que o processo de execução fiscal só pode ser suspenso com a prestação de garantia idónea, fixando, para o efeito, o valor de 1.319.281,23€”, ponderando tudo isto, a Mma. Juíza concluiu que “nada há a apontar à actuação do órgão de execução fiscal, porquanto, em face da pretensão de suspensão do processo de execução fiscal revelada pelo Reclamante e tendo já este lançado mãos dos meios de impugnação graciosa e contenciosa ao seu dispor, foi informado do meio legal para alcançar o seu desiderato, tendo sido fixado, para o efeito, o valor da garantia a prestar”.

Afastando expressamente o fundamento invocado pelo Reclamante, quanto ao benefício da excussão prévia, lê-se na sentença que “o benefício da excussão prévia dos bens penhoráveis do património da sociedade devedora originária não obsta à concretização da reversão, impondo apenas que a execução dos bens da titularidade do revertido, na qualidade de responsável subsidiário, só possa prosseguir depois de terem sido penhorados e vendidos todos os bens da sociedade devedora originária.

Pois que o objectivo imediato da reversão não é cobrança coerciva da dívida tributária através do património deste, mas, outrossim, o de o chamar à execução e de ver assim garantida a possibilidade de posteriormente executar o respectivo património, com a finalidade de solver a dívida tributária.

Motivo pelo qual não é fundamento susceptível de providenciar pela suspensão do processo de execução fiscal, podendo o mesmo ser aventado em sede de oposição à execução fiscal”.

Por outro lado, e no que concerne à requerida não adopção de medidas cautelares, considerou a sentença que “tal alegação é genérica e abstracta, não concretizada factualmente, não permitindo, por conseguinte, a sua apreciação pelo Tribunal”, concluindo-se que “tal pretensão não pode ser atendida nesta sede, por não se dirigir a um acto em concreto, nem tal consequência poder ser colhida do acto ora reclamado”.

E assim, com base nesta análise, que através de excertos evidenciámos, o TT de Lisboa conclui desfavoravelmente à pretensão do Reclamante, mantendo o acto reclamado.

Já deixámos esclarecidos os termos em que a discordância do Recorrente se manifesta.

Assim sendo, estamos em condições de apreciar as questões que nos vêm colocadas.

Uma vez que os dois apontados erros de julgamento de direito são absolutamente autónomos entre si e que a questão relativa à adopção de medidas cautelares contra o património do Recorrente nada tem a ver com o erro de julgamento de facto, é por essa questão que vamos começar.

E aqui, sem hesitar, diremos que a sentença decidiu com acerto e que a pretensão do Recorrente não tem, nesta fase – leia-se, a propósito do concreto despacho reclamado – qualquer justificação legal.

Vejamos a razão de assim considerarmos.

A possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas relativamente ao responsável subsidiário está legalmente prevista, concretamente no artigo 23º, nº 3 da LGT – lê-se em tal preceito que “Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei”.

Como salienta J. M. Fernandes Pires e outros, in LGT, Anotada e Comentada, Almedina, 2015, págs. 200 e 201, em anotação ao artigo 23º, “A abstenção à prática de actos de coerção não obsta, no entanto, a que a administração tributária lance mão de mecanismos que se destinem a assegurar a cobrança do crédito tributário. Resulta do disposto no artigo 135° do CPPT que são admissíveis em processo judicial tributário as providências cautelares de arresto e de arrolamento de bens, encontrando-se o seu regime, designadamente os pressupostos de que depende o seu decretamento, nos artigos subsequentes.

Assim, e havendo fundado receio de diminuição das garantias para a cobrança do crédito tributário, em face dos indícios de insuficiência de bens do devedor originário, poderá a administração tributária requerer providências cautelares de arresto dos bens do responsável subsidiário, impedindo-o de dissipar o seu património, evitando-se a frustração da cobrança do crédito . Nos casos de fundado receio de extravio ou dissipação de bens ou documentos conexos com obrigações tributárias, pode a administração tributária lançar mão da providência cautelar de arrolamento, como decorre do artigo 140°- do CPPT”

E, na verdade, assim é, pois, mediante determinados pressupostos, poderá a AT ter necessidade de lançar mão do arresto (que, no caso de responsabilidade subsidiária, pode até ter lugar antes da reversão) ou do arrolamento de bens ou de documentos conexos com obrigações tributárias, cabendo-lhe desencadear os procedimentos adequados para tal, o que aqui jamais se verificou.

Portanto, hipoteticamente, a verificarem-se os pressupostos que permitem à AT lançar mão de tais medidas cautelares, que podem ser variados e cujo circunstancialismo subjacente não se antecipa aqui, o visado terá os meios previstos para se defender, não fazendo qualquer sentido antecipar a impossibilidade de uma actuação que não está minimamente em discussão no despacho reclamado, sonegando à AT o recurso a meios de garantia do crédito tributário que o legislador, pressupondo certas circunstâncias, considerou justificados.

Será, pois, na sequência de uma actuação administrativa de natureza cautelar que fará sentido analisar a alegada (in)existência de qualquer indício de risco no que concerne à frustração da cobrança ou ao extravio de elementos necessários ao processo que possa justificar a adoção de medidas cautelares”. Nesta linha de entendimento que aqui adoptamos, nenhum sentido faz a alegada “violação dos direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, consagrados no artigo 20.°, n.°s l e 4, da Constituição da República Portuguesa”.

Como bem apontou o EMMP no processo de reclamação, “o reclamante pretende sindicar a legalidade do referido despacho, mas retira do mesmo um sentido e alcance que o mesmo não possui e não se retira da sua leitura”.

Em suma, sem necessidade de outros considerandos, improcede esta questão por onde iniciámos a nossa análise.


*

Avancemos para a questão atinente à pretendida suspensão da execução fiscal relativamente ao revertido, R..., com base no artigo 23º, nº3 da LGT, ou seja, até à excussão do património da devedora originária, questão esta que pressupõe, nos termos explanados, a análise da impugnação da matéria de facto, concretamente o aditamento aos factos que vem requerido.

Já dissemos que a sentença descartou este fundamento de suspensão da execução por considerar que “o benefício da excussão prévia dos bens penhoráveis do património da sociedade devedora originária não obsta à concretização da reversão, impondo apenas que a execução dos bens da titularidade do revertido, na qualidade de responsável subsidiário, só possa prosseguir depois de terem sido penhorados e vendidos todos os bens da sociedade devedora originária”, mais se concluindo não ser “fundamento susceptível de providenciar pela suspensão do processo de execução fiscal”.

Vejamos.

Cabe lembrar antes do mais, clarificando alguns pontos respeitantes ao quadro normativo-legal da suspensão da execução relativamente ao responsável subsidiário, o que o STA no acórdão de 27/11/19, proferido no processo nº 0890/19.3 BEBRG, referiu a este propósito:

“(…)

Como resulta do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários pode ter lugar em dois casos, com consequências jurídicas distintas: i) no caso de inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores (alínea a); ou no caso de fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido (alínea b).

3.3.2.1. Caso a factualidade, tal como descrita no processo de execução fiscal, se reconduza à segunda situação ¯ fundada insuficiência do património do devedor ¯ a reversão contra o(s) responsável(eis) subsidiário tem lugar imediatamente (n.º 2 do artigo 23.º da LGT), mas, por efeito do benefício de excussão prévia do património do executado, que constitui uma garantia do revertido, o processo de execução fiscal fica, por efeito da lei (do n.º 3 do artigo 23.º da LGT), automaticamente suspenso após a reversão em relação ao revertido (estamos, pois, perante uma suspensão que opera ope legis) pelo período que durar a excussão do património do devedor originário e caberá ao órgão de execução fiscal, que está vinculado por lei a este efeito e que não pode prosseguir neste caso com qualquer acto no âmbito daquele processo (incluindo a penhora), caso pretenda acautelar o futuro pagamento da dívida tributária, lançar mão de providências cautelares (artigo 51.º da LGT), das quais o revertido se poderá defender nos termos do disposto no artigo 144.º do CPPT.

3.3.2.2. Já nas situações que estejamos perante uma factualidade descrita no processo de execução fiscal como de inexistência de bens do devedor originário, não pode aplicar-se a suspensão ope legis do n.º 3 do artigo 23.º da LGT, na medida em que não existe, na conformação que o órgão de execução fiscal deu à execução, objecto para a aplicação do benefício da excussão prévia, por não existirem bens do devedor originário a excutir, passando de imediato os bens do revertido a responder pela totalidade da dívida tributária. Ora, nesta hipótese, a suspensão da execução fiscal, mesmo que exista oposição à execução fiscal, fica, até que uma eventual suspensão da execução seja determinada, subordinada às regras gerais em matéria de suspensão (artigo 169.º, n.º 10 do CPPT).

Assim, a eventual suspensão do processo de execução fiscal em relação ao revertido até que seja decidida a oposição terá de resultar da constituição ou prestação de garantia idónea (n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da LGT e n.ºs 1 e 2 do artigo 169.º do CPPT) ou da dispensa de prestação de garantia se estiverem verificados os respectivos pressupostos legais (artigos 52.º, n.º 2 da LGT e 170.º do CPPT). Em qualquer destas hipóteses, a suspensão do processo de execução fiscal depende da “primeira palavra” do órgão de execução fiscal, por assentar numa decisão materialmente administrativa (quer quanto à idoneidade e suficiência da garantia, quer quanto à verificação dos pressupostos de dispensa de prestação da mesma), sem prejuízo, claro, de essa decisão administrativa poder ser sindicada judicialmente nos termos do artigo 276.º do CPPT.

3.3.2.3. Existe, portanto, uma cindibilidade entre o controlo dos pressupostos da reversão do processo de execução fiscal – que tem lugar na oposição à execução – e o controlo dos pressupostos ou condicionalidades da suspensão do processo de execução fiscal, que depende sempre de uma decisão administrativa posteriormente sindicável judicialmente.

(…)”

Ora, é justamente a questão da insuficiência de bens da devedora originária, com as consequências daí decorrentes, no que toca à suspensão ope legis prevista no nº3 do artigo 23º da LGT, que o Recorrente pretende ver reapreciada.

Sucede que, como se demonstrará, os autos não dispõem de elementos que atestem, com rigor sobre o património da devedora originária, de molde a alcançar a conclusão sobre a insuficiência ou inexistência de património, o que se afigura vital para a presente lide. Mais, aliás. Há elementos com origem na própria AT que se mostram pouco consentâneos uns com os outros, o que impede que (ao menos, com os elementos disponíveis) se possa apreender cabalmente o circunstancialismo de facto em que a reversão operou e em que o despacho reclamado foi proferido. Veja-se que a citação em reversão, junta aos autos, com data de 2019/09/03, refere-se a Insuficiência dos bens do devedor originário, ao passo que a informação prestada aquando da subida da reclamação ao TT refere que a Administração alemã contraria a informação de que o património da originária devedora não se mostra excutido.

Lembremos que o Recorrente pretendia, para este efeito, ver dois factos aditados ao probatório, nos termos constantes das conclusões K) a N), a saber: que (i) a devedora originária encontra-se, desde 16 de junho de 2017, em processo de insolvência para liquidação no Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, no âmbito do qual ainda não foram apurados definitivamente todos os seus créditos e obrigações e tem bens penhoráveis; que (ii) no âmbito do referido processo de insolvência para liquidação, está identificado património de valor significativo, designadamente depósitos bancários (estimados em £292.281,00), compensações por contribuições sociais (estimadas em £32.959,00) e juros bancários (estimados em £158,96). Para prova destes factos, o Recorrente procede às indicações exigidas no artigo 640º do CPC, tal como consta da conclusão L).

Sucede, contudo, que, compulsados os autos, se verifica que foi ordenado o desentranhamento do requerimento junto ao qual constam os ditos elementos, isto apesar de ter sido ordenada a tradução para a língua portuguesa dos apontados documentos. Apesar do desentranhamento ordenado, há elementos que se mantiveram nos autos, porém, tanto quanto se apreende, os elementos juntos não estarão na sua versão integral.

Apesar disto, e como o Recorrente adiantou, tais elementos mostrar-se-ão juntos ao PEF, em concreto ao Vol. IV, processo este que não foi junto a este recurso jurisdicional, nem se vê que o tenha sido à reclamação.

A tudo isto acresce, repete-se, que há elementos (aparentemente) contraditórios nos autos e que importa esclarecer, já que, em sede de reversão, há elementos que se referem à insuficiência dos bens da devedora originária e outros à inexistência de bens, não se percebendo exatamente o que foi de facto apurado em sede de execução fiscal.

Ora, em face do exposto, afigurando-se tais elementos vitais para apreciar a invocada questão e não contemplando os autos todos os elementos para decidir da mesma, deparamo-nos, inequivocamente, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.

Nessa medida, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662º do CPC, a decisão recorrida, de molde a permitir que, no Tribunal a quo, sejam efectuadas diligências instrutórias que se mostrem necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos factos apontados como deficitariamente instruídos, de molde a apurar, de forma rigorosa e fidedigna, a situação patrimonial da devedora originária.

Assim, impõe-se, então, a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que, após instrução e ampliação do probatório fixado nos termos supra referidos, decida a questão de direito atinente à aplicação, in casu, do disposto no nº3 do artigo 23º da LGT.


*

III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, no segmento apontado, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após as diligências de instrução que se reputem úteis e necessárias para os fins acima precisados.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 14/01/21


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Ana Cristina Carvalho)