Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:356/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/28/2019
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:“PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL”
NORMA ANTI-ABUSO ESPECÍFICA
PRESUNÇÃO ILIDÍVEL
TRANSMISSÃO ONEROSA
Sumário:I – Estando em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação do Tribunal, s Tribunal Central deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que no juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos e/ou depoimentos complementados ou não pelas regras da experiência.

II – A reacção do legislador a práticas de fraude à lei pode quedar-se pela consagração de normas ou cláusulas gerais anti abuso ou traduzir-se também, designadamente, na criação de normas especiais (normas anti-abuso específicas) que visem combater comportamentos específicos (concretas operações comerciais que a realidade revela serem comummente utilizadas para manipular normas específicas de tributação) através da criação de presunções ilidíveis ou inilidíveis.

III – A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem firmando um entendimento de princípio de inconstitucionalidade em matéria de normas que consagram presunções inilidíveis em matéria de direito fiscal, apontando como limite a consagração de presunções ilidíveis com o consequente direito do sujeito passivo de provar a falta de fundamento da presunção.

IV – O Tribunal de Justiça da União vem firmando o entendimento de que o combate à fraude ou à evasão fiscal não pode ser combatido através de normas que à partida excluam uma ponderação ou excluam totalmente a exigência de um mínimo de fundamentação por parte da Administração ao caso concreto, que o individualizam e nos quais se deve buscar a distinção, que a norma não pode prescindir, entre interesses legítimos e comportamentos abusivos por parte do sujeito passivo.

V- A regra de inadmissibilidade da prova testemunhal nas situações em que o facto está plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena não é aplicável à simples interpretação do contexto do documento, que possibilitará aferir da relação subjacente, designadamente apurar convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento autêntico quando invocadas por terceiro (artigos 392.º a 394 do Código Civil).

VI – Por força do preceituado no artigo 2.º, n.º 1 do CIMT, estão sujeitos a IMT as transmissões onerosas do direito de propriedade ou figuras parcelares.

VI – Integram, ainda, o conceito de “transmissão onerosa” referido em VI, todos os negócios jurídicos identificados no n.º 2 do artigo 2.º do CIMT.

VII – O artigo 2.º, n.º 3 al. c) do CIMIT consagra uma “mera” presunção de que a transmissão onerosa tributável, prevista no n.º 1 do mesmo preceito, se concretiza no momento da outorga da “procuração irrevogável”.

VIII – O contrato de divisão de coisa comum não configura, face à nossa lei civil, um contrato oneroso de alienação de bens uma vez que neste contrato os intervenientes já são titulares de uma quota-parte do direito de propriedade, apenas transmutando a situação para a de uma titularidade única (ou mais reduzida) e exclusiva, com as correspondentes contrapartidas.

IX - Não constituindo o contrato de ação de divisão de coisa comum uma alienação onerosa de bens imóveis, nem tendo sido integrado no conceito de transmissão onerosa de bens imóveis por força do alargamento desse conceito para efeitos fiscais, realizado no artigo 2. n. 2 do CIMT, não pode esse contrato ser objecto de tributação em sede de IMT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I – Relatório

Luís ............................................ recorreu para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de Imposto Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) que incidiu sobre a alienação, no ano de 2005, do prédio urbano inscrito na freguesia da Pena [actual Arroios], concelho de Lisboa, sob o artigo 513º, no valor de €38.613,03,´e que lhe negou, ainda, o direito a juros indemnizatórios.

Nas alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões:

115. Vem o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo no âmbito do processo de impugnação da liquidação oficiosa de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) no montante de € 37.217,38 (trinta e sete mil duzentos e dezassete Euros e trinta e oito cêntimos), relativa à emissão de procuração irrevogável em que o Recorrente é nomeado procurador, sujeita a tributação nos termos da alínea c) do n°3 do artigo 2° do código do IMT, e sendo o procurador sujeito passivo nos termos do artigo 4°, alínea f) do mesmo Código.

116. A decisão recorrida não só não apreciou a prova produzida como se impunha, como mantém as ilegalidades da liquidação aqui posta em causa, que se baseia em diversos equívocos que cumpre esclarecer e que conduzem à insusceptibilidade de produção de efeitos da cláusula de irrevogabilidade aposta na procuração acima mencionada, à errada interpretação da norma de incidência atrás mencionada, e à violação de diversos princípios constitucionais, como sejam, entre outros, do princípio da Justiça, da igualdade e da racionalidade dos tributos.

117. De acordo com a decisão recorrida, relativamente aos factos não provados, que, "com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante".

118. Sucede porém que, como aqui se demonstra, da prova testemunhal resultam evidente coerência quanto a diversos factos relevantes que foram alegados e deveriam ter sido dados como provados, tais como:
a) a procuração emitida a favor do Recorrente, o foi com o intuito exclusivo de o habilitar para a prática do acto necessário a dar cumprimento ao contrato promessa de partilha celebrado pela mandante com a sua irmã Leonor, e com o único propósito de facilitar o acto de transmissão atenta a idade avançada da mandante e a distância geográfica a que vive da sua irmã Leonor, a beneficiária da transmissão;
b) nem a mandante nem o Recorrente solicitaram que nela fosse incluída a cláusula de renúncia ao poder de revogar a procuração;
c) o procurador, ora Recorrente, não obteve qualquer beneficio económico, directo ou indirecto, com a outorga da mencionada procuração;
d) a mandante, outorgante da procuração em causa, não teve consciência de que, além da procuração que estava a outorgar, estava ainda a produzir uma outra declaração negocial, com o sentido e alcance da cláusula de irrevogabilidade nela aposta,
e) e que obviamente a procuração se destinava a transmitir, em escritura de divisão de coisa comum, prédio para terceiro (que o recebeu) e não para o Recorrente, que nunca exerceu sobre esse bem qualquer comportamento concludente de ter adquirido uma situação equiparável ao direito de propriedade.

119. Quanto a isto, referiu apenas a sentença recorrida que "Da prova testemunhal nada resultou de útil par a o esclarecimento dos factos. Até porque a ser verdade que as partes não acordaram na cláusula de irrevogabilidade, nem se aperceberam do seu alcance jurídico, então o caminho a trilhar era o da anulação do acto, com os efeitos ex tunc, previstos no artº289°,do Código Civil”.

120. Trata-se de uma informação incorreta, uma vez que a procuração é unilateral, pelo que o ora Recorrente nem sequer teria a legitimação substantiva para invocar os vícios relativos à sua outorga.

121. Ora, do exposto decorre que, contrariamente ao referido no aresto ora posto em crise, que:
d) da prova testemunhal resultaram diversos factos relevantes para a decisão sobre a decisão controvertida;
e) de facto, a mandante não acordou na cláusula de irrevogabilidade com o mandatário, nem se apercebeu (ou conhecia) o alcance jurídico dessa cláusula; e ainda que
f) a invocação da falta dos efeitos do acto encontra-se obviamente implícito no pedido e ao longo de toda a causa de pedir e a própria inquirição de testemunhas constantes deste processo.

122. Quanto a este último aspeto em particular, diga-se por cautela de patrocínio que de acordo com o acórdão do STJ de 26/06/1997, "um erro na qualificação jurídica do efeito prático a atingir, que é o termo do contrato, isto é, de uma errada qualificação jurídica do pedido, e tal erro pode e deve ser corrigido pelo julgador, sem que haja ofensa do princípio dispositivo consagrado no artigo 664 do Código de Processo Civil (Antunes Varela, RLJ122, 255; acórdão do STJ de 17 de Junho de 1992, BMJ 418, 710)." também neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ, de 19/11/1998.

123. Ora, considerando que o depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas, de idade já avançada, de que resultou claramente não apenas a inutilidade no caso concreto da cláusula de irrevogabilidade, mas também designadamente que não foi “atribuído significado" à cláusula de irrevogabilidade aposta na aludida procuração, tendo-se declarado não estar "dentro desses assuntos", e ainda que "não se apercebeu nada disso".

124. Tendo em conta ainda que da procuração e do depoimento das testemunhas resulta ainda que não foi dado cumprimento pelo funcionário do cartório, ao disposto no n°1l do artigo 49° do código do IMT, e sendo inegável que ao praticar o ato, a declarante não teve consciência de que, além da procuração que estava a outorgar, estava ainda a praticar mais uma declaração adicional, com o sentido e ao alcance daquela cláusula de irrevogabilidade, a que é atribuído para efeitos fiscais, efeitos semelhantes ao da transmissão de titularidade,

125. Trata-se de situação que se enquadra pois, apenas no que diz respeito à cláusula da irrevogabilidade, numa divergência entre a vontade real e a vontade declarada correspondente à falta de consciência da declaração prevista no artigo 246° do Código Civil, uma vez que -repita-se apenas quanto à cláusula de irrevogabilidade - a declarante não teve consciência da declaração negocial que fez.

126. Mas ainda que por algum motivo assim se não entenda, sempre se dirá que da prova produzida resulta também que os outorgantes não quiseram nenhum dos efeitos da cláusula de irrevogabilidade em causa e que tal se reconduz-se a uma situação de erro na declaração, em virtude de a vontade declarada não corresponder à vontade real do autor da declaração, a que não deverá no entanto revestir-se de relevância anulatória mas sim ser interpretada de acordo com o que estabelece o artigo 236° do Código Civil, sobre o sentido normal da declaração negocial, cujo n°2 estabelece: "sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida", para todos e quaisquer efeitos, incluindo fiscais.

127. Assim, conhecendo o Recorrente perfeitamente todas as circunstâncias que levaram a mandante a emitir esta procuração, incluindo a vontade real do declarante invocada nos presentes autos e provada em sede de inquirição de testemunhas, sempre será de aplicar o disposto no n°2 do artigo 236° do Código Civil.

128. Mas ainda que porventura assim se não entendesse o que não se concebe nem concede, e apenas se representa por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que: ainda que se considere válida a cláusula de irrevogabilidade, sempre deveria tal cláusula ser considerada in casu como ineficaz, porquanto:

129. Esta norma deve ser qualificada como uma norma anti-abuso que integra em si uma presunção legal e não um novo facto tributário de per se, impedindo que a tributação tenha lugar independentemente da verificação, ou não, dos comportamentos que visa impedir, facto que seria manifestamente injusto e materialmente violador do disposto no n°3 do artigo 104° da Constituição da República Portuguesa.

130. Aliás, atentando ao relatório do código do IMT e a outros elementos interpretativos torna-se forçoso concluir estarmos perante uma presunção (de aquisição de situação equiparável do direito de propriedade), inserida numa norma de incidência tributária, sendo por conseguinte de aplicar o disposto no art°73° da LGT, e admitir a prova em contrário constante dos presentes autos e incontestada pelo Representante da Fazenda Pública.

131. Entendimento contrário, a nosso ver contra legem, levaria a que se considerasse natural a verificação de uma dupla tributação na esfera do beneficiário da procuração, o que não é manifestamente a intenção do legislador, como ficou demonstrado.

132. Desta maneira desincentiva-se o recurso a este instituto como meio de evasão fiscal, conseguindo-se ao mesmo tempo não prejudicar deliberadamente todos aqueles que por alguma razão necessitem lançar mão deste instituto, previsto nos n°s. 2 e 3 do artigo 265° do Código Civil.

133. Ou seja:
a) o legislador não pretende criar situações de dupla tributação de acordo com o princípio da neutralidade das soluções previstas na Lei fiscal, e
b) o método de obstar ao abuso das formas jurídicas escolhido pelo legislador consiste na antecipação do imposto para o momento imediatamente anterior ao da outorga da procuração irrevogável, ficando ao critério do representado o momento da celebração do contrato definitivo, sem perda de receita fiscal; e que
c) in casu, a interpretação que a Administração Fiscal faz das normas jurídicas em causa conduziu efetivamente a um resultado absurdo e economicamente indefensável, que levou a que injustamente, e com abuso das formas jurídicas, quer o Recorrente quer a beneficiária da procuração, viessem a suportar duplamente IMT sobre factos que, como está amplamente demonstrado, têm a mesma substância económica;
d) a aplicação das normas em causa ao caso concreto feita pela Administração Tributária decorre de uma interpretação manifestamente inconstitucional.

134. Donde a liquidação objeto da presente impugnação não atende portanto como devia, à substância económica do facto tributário sub judice (cfr. n°3 do artigo 11° da Lei Geral Tributária), e provoca uma inaceitável dupla tributação que constitui um resultado não querido pelo Legislador, e proibido pela Constituição Fiscal.

135. Querer - como faz a Administração Tributária - que o Recorrente seja tributado por um facto alheio e relativamente ao qual não teve quaisquer benefícios, diretos ou indirectos consubstancia uma interpretação manifestamente inconstitucional da norma contida na alínea c) do n°3 do artigo 2° do código do IMT, na parte em que determina a cobrança de imposto sem que exista facto tributário subjacente.

136. O que viola direitos subjetivos dos cidadãos que emergem diretamente da nossa Constituição Fiscal, basilares da nossa ordem jurídica, tais como o princípio do direito à Propriedade Privada (cfr. artigo 62° da Constituição da República Portuguesa), e o princípio da racionalidade económica dos impostos, previsto na parte final do n°1 do artigo 103°, naturalmente conjugado com o princípio da igualdade na tributação do património previsto no n°3 do artigo 104°, ambos da CRP.

137. A interpretação da norma em causa, consubstanciada na liquidação impugnada, viola ainda categoricamente o n°2 do artigo 5° da LGT, nos termos do qual " a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material", que não pode deixar de relevar no caso concreto, também como causa de anulação.

138. E viola também o artigo 2° da CRP, onde se encontram ínsitos os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, uma vez que a previsibilidade da lei fiscal e das decisões administrativas e judiciais que a vão aplicar, bem como a determinabilidade da quantificação dos encargos tributários esperados, são importantes condições da racionalidade dos comportamentos dos sujeitos económicos, fatores que foram totalmente desconsiderados pela Administração Fiscal na avaliação da situação em causa e na subsequente errónea aplicação da lei.

139. Acresce que devia ter sido observado neste caso concreto o princípio da proporcionalidade, que proíbe o excesso e determina consequentemente a inconstitucionalidade dos impostos confiscatórios e expiatórios e das medidas fiscais excessivamente onerosas para o contribuinte.

140. Outro aspeto fundamental das normas constitucionais em matéria fiscal aqui igualmente desprezadas, prende-se com os princípios da igualdade tributária segundo o qual todos devem ser igualmente tributados sem discriminações arbitrárias, o qual infere-se a partir do princípio da igualdade jurídica consagrado no artigo 13° da CRP.

141. Não podendo pelos motivos referidos deixar de se considerar a liquidação impugnada como inválida por ausência de facto tributário e violação de lei, que deverá ser declarada com o douto suprimento de V. Exas., e ser anulada a liquidação aqui posta em crise, ordenando-se em consequência o reembolso de todas as quantias por si despendidas no âmbito da presente liquidação, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios até ao seu integral e efetivo pagamento.

Termos em que, com o sempre douto suprimento de V. Exa., deverá ser dado provimento ao recurso apresentado pelo aqui Recorrente, e em consequência ser julgada procedente a impugnação por si apresentada, assim se requerendo.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da admissão do recurso, optou por não contra-alegar.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central, a que os autos foram com «Termo de Vista», para emissão de parecer, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.


II - Objecto do recurso

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir as seguintes questões:

- Foi cometido pelo Tribunal a quo erro no julgamento de facto por, contrariamente ao aí consignado, terem sido alegados e comprovados outros factos para a decisão da causa para além dos que ficaram integrados no probatório, com manifesta relevância para a decisão da causa [“a) a procuração emitida a favor do Recorrente, o foi com o intuito exclusivo de o habilitar para a prática do acto necessário a dar cumprimento ao contrato promessa de partilha celebrado pela mandante com a sua irmã Leonor, e com o único propósito de facilitar o acto de transmissão atenta a idade avançada da mandante e a distância geográfica a que vive da sua irmã Leonor, a beneficiária da transmissão; b) nem a mandante nem o Recorrente solicitaram que nela fosse incluída a cláusula de renúncia ao poder de revogar a procuração; c) o procurador, ora Recorrente, não obteve qualquer beneficio económico, directo ou indirecto, com a outorga da mencionada procuração; d) a mandante, outorgante da procuração em causa, não teve consciência de que, além da procuração que estava a outorgar, estava ainda a produzir uma outra declaração negocial, com o sentido e alcance da cláusula de irrevogabilidade nela aposta,; e) a procuração se destinava a transmitir, em escritura de divisão de coisa comum, prédio para tercceiro (que o recebeu) e não para o Recorrente, que nunca exerceu sobre esse bem qualquer comportamento concludente de ter adquirido uma situação equiparável ao direito de propriedade”] ?

- E erro de julgamento de direito porque, face aos factos apurados, incluindo aqueles cujo aditamento foi requerido no âmbito da impugnação do julgamento de facto, o Tribunal a quo devia ter concluído que não estão verificados os pressupostos, de facto e de direito, de tributação em que se fundou o acto impugnado?
- Deve ao Recorrente ser reconhecida razão no pedido que formulou de restituição do valor pago a título de Imposto sobre Transmissão Onerosa de Imóveis e no pagamento de uma indemnização traduzida no valor correspondente aos juros vencidos sobre o valor de imposto liquidado deste essa data até integral e efectivo pagamento?

III - Fundamentação de facto

A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

1. Por escritura de 28-3-2005, Maria ............................................................... constituiu o impugnante seu procurador, conferindo-lhe, entre o mais, poderes para alienar, nos termos e condições e a quem entender, o prédio inscrito na matriz sob o artigo 513 da freguesia da Pena (cf.fls. 38/40);

2. Mais consta da referida procuração o seguinte: «A presente procuração é também conferida no interesse do mandatário, sendo irrevogável nos termos do art°1170° n°2 do Código Civil»;

3. Por escritura de "divisão de coisa comum", celebrada em 4-8-2005, o impugnante na qualidade de procurador da Maria ............................................................... adjudicou a totalidade do referido prédio a Leonor ........................................................, também ali sua representada e já dona e legítima possuidora da metade indivisa do referido prédio (cf.fls.48 a 51);

4. A escritura de "divisão de coisa comum" deu execução a um dos pontos do contrato promessa de partilha assinado em 23-12-1998 entre Maria ............................................................... e a co-herdeira Leonor ........................................................, esta já então representada pelo impugnante (cf. fls.41 a 46);

5. Por escritura de 2-7-2009, a referida Maria ............................................................... revogou a procuração de 28-3-2005, referida em 1), constando da mesma a expressa aceitação do impugnante (cf.fls. 54/55);

6. Sobre o negócio referido em 3) foi liquidado ao impugnante IMT no valor de €38.613,03, calculado à taxa de 6,5% sobre metade do valor patrimonial actualizado do prédio, de €1.188.093,13 (oficio de notificação n°........., de 15/06/2009, e "print" de liquidação, fls.50 e 51 do apenso de reclamação graciosa);

7. Da liquidação em causa de IMT n°2..........., o impugnante deduziu reclamação graciosa;

8. A reclamação foi indeferida por despacho de 27-1-2010, do Sr. Chefe de Finanças exarado sobre informação/proposta dos serviços a fls.92 do apenso, para que remete na sua fundamentação e a qual damos aqui por integralmente reproduzida face à sua extensão;

9. O impugnante foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 2-2-2010 (fls.102 do respectivo apenso);

10. Deduziu a presente impugnação judicial em 12-2-2010, conforme carimbo de entrada aposto na p.i., a fls.4.

3.2. Consta da mesma sentença a título de “Factos não provados que:
«Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante».

3.3. E que a convicção do Tribunal se apoiou «no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada».

IV – Fundamentação de direito

A primeira questão que importa resolver é a que tem por objecto o erro de julgamento de facto.
Considerando os termos em que este erro vem invocado e “os factos” sobre que versa e/ou os efeitos que sobre outros factos é susceptível de produzir, é necessário que, antes de mais, se deixe balizada, de direito e de facto, a apreciação que nesta sede vamos realizar.
Neste contexto, começamos por salientar que, como é sabido, entre o regime estabelecido no Código de Processo Civil de 1939 - em que imperava a regra da inalterabilidade da decisão do tribunal sobre a matéria de facto constante do questionário), passando pela ampliação de poderes dos tribunais de 2ª instância consagrada no Código de processo Civil de 1961 (com o limitado alcance prático que decorrida do regime então plasmado no artigo 712.º) até aos regimes introduzidos pelas medidas intercalares introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, pelos posteriores Decretos-Lei n.ºs 183/2000, de 10 de Agosto e 303/2007, de 24 de Agosto – e a entrada em vigor do comummente designado Novo Código de Processo Civil, em 1 de Setembro de 2013, foi percorrido um longo caminho no que respeita à impugnação do julgamento de facto realizado em 1ª instância, claramente revelador de que o propósito subjacente à evolução legislativa foi o de alargar as possibilidades de sindicância desse julgamento, sem prejuízo do estabelecimento de regras formais que de modo rigoroso o balizassem por forma a que, concomitantemente, essa reapreciação ou sindicância em nome de tão elevados valores se não traduzisse, pelo menos não sistematicamente, na realização de um “novo julgamento”.
Na data em que foi interposto o presente recurso jurisdicional (Março de 2013), dispunha o artigo 685º-B do Código de Processo Civil (na redacção vigente até 31 de Agosto de 2013), o qual dispunha, para o que ora releva, o seguinte:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.”

Entendia-se na vigência deste preceito, e continua a entender-se hoje, como já mencionado, que o poder de reapreciação do Tribunal de 2ª instância sobre a matéria de facto não assume nunca uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, quer porque está confinado aos pontos de facto que o Recorrente considera incorrectamente julgados, quer porque, na decisão sobre eles, está especialmente vinculado aos meios probatórios em que a proposta de alteração do julgamento vem suportada, quer, por fim, pela imposição de que, sempre que esse controlo tenha por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência a livre apreciação da prova do julgador de 1ª instância, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade, actualmente prevista no artigo 607.º, n.º 5 do NCPC (e à data de interposição do recurso, no artigo 655.º, n.º 1) não resultar absolutamente postergada.

Em suma, num ordenamento como o nosso, em que vigora o sistema da livre apreciação da prova, isto é, em que “o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica” e num quadro formal de impugnação estruturado nos termos em que estava consagrado no artigo 685-B do CPC, está imposto ao Recorrente que pretende ver alterado o julgamento de facto que indique os concretos pontos que entende incorrectamente julgados, os meios de prova em que sustenta essa alteração, a qual deverá ser acolhida sempre que o Recorrente convença o Tribunal, ou este se convença pela reanálise para que é convocado, que efectivamente existiu erro na determinação dos factos relevantes e/ou na apreciação do valor probatório atribuído à prova produzida.

Como já deixámos expresso num outro acórdão desta Secção e Tribunal Central (citando a doutrina aí identificada) “Com a nova redacção do art.º 662.º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art.º 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação do Tribunal, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que no juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos (…) complementados ou não pelas regras da experiência.”(1)

Tal como no sistema anterior, mantém-se a possibilidade de impugnar a decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas (…)», mantendo-se, «agora com mais vigor e clareza a possibilidade de sindicar a decisão quando assente em prova que foi oralmente produzida e tenha ficado gravada, afastando definitivamente o argumento de que a modificação da matéria de facto deveria ser reservada para «casos de erro manifesto» ou de que não é permitido à Relação contraditar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação», ou seja, é hoje inequívoco que a «Relação tem autonomia decisória», competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou aqueles que se mostrem acessíveis». Outrossim, «é consagrada a possibilidade de renovação da produção de certos meios de prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de algum depoente ou sobre o sentido do depoimento que não sejam ultrapassadas por outras vias.».

É esta a doutrina que de forma ampla o Supremo Tribunal de Justiça foi acolhendo, e que de forma muito firme fixou recentemente: «a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa (…) No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.».

Diga-se desde já que, quanto ao formalismo imposto pelo artigo 685-B do Código de Processo Civil, este Tribunal Central entende que o mesmo foi suficientemente preenchido.

Efectivamente, das alegações e conclusões de recurso, devidamente conjugadas, são manifestos quais os pontos de facto que o Recorrente pretende ver aditados (ainda que seja notório que nem todos correspondem a factos, como infra analisaremos e em conformidade, decidiremos) e quais os meios de prova em que funda esta sua pretensão de alteração do probatório.

E não obstante as referências às gravações e as transcrições parcelares dos depoimentos apenas surjam nas alegações, estão realizadas de forma suficientemente perceptível, sendo que está hoje sedimentado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e na doutrina que “as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por exemplo, por razões de objectividade e certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação(2)

Posto isto, o que agora importa saber é se assiste razão ao Recorrente, de fundo, o que passará pela apreciação dos factos cujo aditamento foi peticionado e pela reapreciação dos meios de prova invocados mas também e antes de mais, pela apreciação do juízo do julgador que o conduziu a seleccionar como provados determinados factos e pela análise da explicação que adiantou para julgar - após a consideração do “conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada “- que, “Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante».
Note-se que para a decisão de improcedência da impugnação concorreram de forma essencial 3 argumentos: (i) outorga de uma procuração pela qual o ora Recorrente foi constituído, por Maria ..............................................................., seu procurador e na qual ficou consignado que «A presente procuração é também conferida no interesse do mandatário, sendo irrevogável nos termos do art°1170°, n°2, do Código Civil»; (ii) inclusão nessa procuração de poderes para alienação de prédio urbano e (iii) a tributação em sede de IMT, legitimada pelo preceituado no artigo 2.º, n.ºs 1, 3 e 4, al. f) do CIMT, por aquele ser o beneficiário dos poderes conferidos por aquela procuração.
Relativamente aos restantes factos invocados na petição inicial – declarados como não provados/não relevantes – o Tribunal a quo não se comprometeu, limitando-se a afirmar, já em sede de apreciação do mérito, que “Da prova testemunhal nada resultou de útil para o esclarecimento dos factos. Até porque a ser verdade que as partes não acordaram na cláusula de irrevogabilidade, nem se aperceberam do seu alcance jurídico, então o caminho a trilhar era o da anulação do acto, com os efeitos ex tunc, previstos no art°289°, do Código Civil.”.
Em suma, percebe-se da selecção dos factos operada e da justificação adiantada que o Tribunal a quo não entendeu como relevante a factualidade vertida pelo Recorrente na petição - e em que, em nosso entender, o Recorrente suportava a ilegalidade da tributação por inexistência de facto tributário - porque existia indiscutivelmente uma procuração irrevogável válida, pelo menos existia à data a que se reportava a tributação (independentemente da relevância jurídica da revogação da procuração irrevogável). E que, a ter existido erro na emissão da declaração ou no âmbito dos poderes conferidos, isto é, independentemente de ao Recorrente terem sido atribuídos poderes que não solicitara, consentira e de que não pretendera ser beneficiário nem nunca exercera, por força dos quais fora tributado e pagara imposto, essa era questão que devia ir discutir nos meios comuns.
Com o devido respeito, não só não se nos afigura que a pretensão tenha sido bem enquadrada como é para nós evidente que aquela factualidade é de extrema relevância para a decisão do mérito dos autos segundo as várias soluções plausíveis de direito.
Efectivamente, sem prejuízo de, em abstracto, ser irrepreensível o quadro jurídico convocado na 1ª instância para apreciação do pedido formulado, discordamos da aplicação que dele foi feita ao caso concreto.
Explicitemos.
Nos termos do artigo 2.º do Código de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante CIMT):
«1. O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional»
2. Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:
(…)
3. Considera-se que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 na outorga dos seguintes actos ou contratos:
(…)
c) Outorga de procuração que confira poderes de alienação de bem imóveis ou de partes sociais a que se refere a alínea d) do n. °2 em que, por renúncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração;”
Por sua vez, no artigo 4.º al. f) do mesmo diploma legal, esse imposto é devido pelo procurador ou por quem tiver sido substabelecido, não lhe sendo aplicável qualquer isenção ou redução de taxa, sem prejuízo do disposto no n.°3 do artigo 22º».
É destas normas que o Meritíssimo Juiz extrai a seguinte conclusão: “Das disposições citadas resulta que a outorga da procuração com poderes de alienação de um prédio urbano ou parte dele integra o conceito de transmissão de bens imóveis, sendo sujeito passivo do imposto em tal acto transmissivo o procurador, no caso, o aqui impugnante.”.
Foi esta conclusão ou pressuposto interpretativo – de que discordamos - que condicionou, desde logo, o pré -julgamento de facto, isto é, a delimitação da causa de pedir (vulgo, selecção dos factos relevantes) e conduziu ao erro de julgamento de facto.
Efectivamente, com o presente quadro jurídico, especialmente com a consideração de que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 na outorga de procuração unilateral atribuindo poderes de alienação de bens imóveis o legislador não integrou a outorga da procuração no conceito de transmissão de bens imóveis (o que faz, efectivamente, relativamente a outros negócios identificados no n.º 2 do artigo 2.º) mas consagrou a presunção de existência de um facto tributário – transmissão onerosa - que dá como verificado no momento da emissão da procuração que confira poderes de alienação “irrevogáveis”.
É sabido que com esta consagração se visou sobretudo, propósito comum ou transversal à própria reforma de impostos sobre o património de 2003, introduzir no nosso ordenamento jurídico-tributário medidas concretas de combate à evasão fiscal, obviando, para o que nos interessa, ao que foi sendo qualificado como “esquemas negociais”, sobretudo empresariais e relacionados com a construção civil e a actividade imobiliária, que, de forma habilidosa, logravam operar a transmissão de direitos, em tudo idênticos, materialmente, aos da transmissão de bens imóveis sujeitos a registo, sem a verificação do facto gerador da obrigação, isto é, sem a celebração da correspondente escritura pública de compra e venda, como ocorria com a outorga de procuração irrevogável com poderes de alienação de imóveis e a constituição de uma efectiva posse destes por parte daquele a quem eram atribuídos, de forma irrevogável, os poderes inerentes à transmissão onerosa de imóveis.
Foi neste contexto específico de combate a determinadas operações económicas que visavam contornar a lei fiscal que impunha a tributação das transmissões onerosas que ficou consagrada a “identidade” entre outorga de procuração que confira poderes de alienação de bem imóveis e transmissão onerosa de propriedade: o legislador presumiu que pela outorga de procuração irrevogável para venda de bem imóvel se verifica a transmissão do direito de propriedade, ou seja, presumiu que, com a referida emissão da procuração irrevogável o mandante deixa de ter sobre a coisa os poderes inerentes ao direito de propriedade que passam para o procurador como se seu dono fosse.
Como nos ensina a doutrina, “Entre as possibilidades de reagir a práticas em fraude à lei do sujeito passivo, podemos ter instrumentos como a cláusula geral anti-abuso” ou, outra possibilidade, “consiste na definição de regras que visam combater a evitação fiscal em zonas e através de comportamentos específicos, prognosticadas como de risco ou potencialmente suspeitos, através da criação de presunções ilidíveis ou inilidíveis, inversões do ónus da prova ou, de forma mais radical, desconsideração de certos custos”.(3)
São, como nos ensina o mesmo autor, “normas que, em atenção ao seu campo de operatividade restrito, geralmente se designam como normas anti-abuso específicas, por contraposição à cláusula geral anti-abuso”.
Persistindo em nos acolhermos nos seus ensinamentos, atentemos agora naquela que é qualificada como a principal distinção ente normas anti-abuso específicas e cláusula geral anti-abuso e que “reside na circunstância de, nas últimas, a Administração ser habilitada com um poder sobre cuja aplicação deverá decidir, enquanto nas primeiras a sua aplicação é vinculada”, constituindo, nesta ultima situação, a própria norma condição necessária e suficiente “para o desencadear de um procedimento legalmente previsto”, sem qualquer imposição, à Administração de um “dever de fundamentação do juízo acerca da intenção do sujeito passivo” mas, simultaneamente, pela sua previsibilidade objectiva e aparente transparência do comportamento tributado, constituir critério seguro de predeterminação do seu comportamento ou, se preferirmos, de lhe facultar um quadro seguro perante o qual poderá tomar a sua opção contribuindo, ou não, para a criação do facto tributário.
Alerta-nos, ainda, para a necessidade de se fazer uma distinção entre normas que, compartilhando com as normas anti-abuso específicas um âmbito de actuação previamente determinado, exigem, ainda assim, alguma fun­damentação do juízo administrativo sobre a intenção do sujeito passivo como condição da sua aplicação e aquelas que, pura e simplesmente, impedem a formação de um certo efeito jurídico.
Uma última possibilidade doutrinalmente considerada é “a que encontramos quando o legislador, com uma preocupação de evitar uma qualquer forma de fraude à lei, cria uma previsão normativa muito ampla, mas que é susceptível de interpretação restritiva por parte do aplicador administrativo”.

Por outro lado, chama-nos ainda a atenção este autor para o facto de, dentro da categoria de entre as normas anti-abuso específicas, ser necessário fazer uma distinção entre aquelas que têm como objectivo reagir contra operações in fraus legis e aquelas que têm como objectivo reagir contra a fraude fiscal: com as primeiras visa-se combater a fraude fiscal; pelas segundas combater a concretização de certas operações económicas que a realidade revela serem comummente utilizadas para “manipular” normas específicas de tributação, consagrando, por referência a elas, os pressupostos que determinarão inelutavelmente a intervenção administrativa (que não tem que realizar qualquer averiguação sobre as razões da opção do contribuinte, isto é, sem recair sobre ela qualquer ónus quanto à “escolha ou juízo de valor sobre as razões, legítimas ou ilegítimas, da actuação do contribuinte”) ou até “normas que funcionam mesmo sem necessidade de intervenção administrativa, mas através de um efeito ope legis”.

Ora, a consagração destas normas ou cláusulas anti-abuso específicas suscitam, como está bem de ver, questões fundamentais porque susceptíveis de conduzir à violação de princípios fundamentais, como o princípio da igualdade da tributação segundo o lucro real, da igualdade no ordenamento jurídico-tributário, ambos com raiz constitucional e do princípio da justiça, estruturante do Estado de Direito Democrático.

Por essa razão a doutrina vem defendendo que as normas específicas anti-abuso, quando não absorvem “meras inversões do ónus da prova e se tornam presunções inilidíveis”, constituem regras “que podem constituir uma violação frontal do princípio da igualdade entre os onerados tributários”, violação que “pode ser detectada não por meio de uma mera exegese do texto da norma, que poderá servir apenas para nos revelar um indício sobre a sua possível inconstitucionalidade, mas mediante os resultados de uma aplicação concreta da norma.”
E que “a decisão sobre a inconstitucionalidade tem necessariamente de partir da discussão de um dado caso concreto” sendo o juízo de inconstitucionalidade a conclusão a extrair sempre que o resultado da aplicação da norma conduzir a uma frontal violação dos princípios referidos, designadamente nas situações em que o caso concreto revele que o objectivo que se visou atingir com a consagração da norma, os princípios ou valores que lhe estão subjacentes, permanecem intocáveis – ou ficaram assegurados – pelo comportamento do sujeito passivo e que a sua tributação, in casu, para além de não concorrer para os fazer perigar traduz uma frontal violação do seu direito fundamental a não ser tributado.
Ao Imposto Municipal sobre Transmissão de Imóveis (IMT) se referiu o autor que vimos seguindo: porque “corresponde a um imposto de consumo específico como tributação especial que atinge certas operações (aquisição de direitos reais sobre imóveis), exige mais normas anti-abuso específicas que outro tipo de impostos” (…) É o seu carácter especial, não sistemático e casuístico que, incidindo sobre certas transacções e não incidindo sobre outras, torna mais provável que a lei seja contornada” mas que pode, por essa razão, conduzir, em termos concretos (e a alguns aí previstos) a consequência “aberrante” a impor que seja efectuada uma interpretação restritiva que parta do princípio de que estamos perante mais uma norma anti-abuso específica, de carácter excepcional, de natureza anti-sistemática, as quais, tal como as demais com mesma natureza, “constituem corpos estranhos no ordenamento jurídico tributário, exigindo uma especial justificação e podendo ser defendidas e justificadas como regras de simplificação no modo de aplicação da lei fiscal” e que, por isso mesmo, e porque “podem conduzir a soluções inaceitáveis” não podem ser cegamente aplicadas, isto é, não pode na sua aplicação o intérprete e aplicador limitar-se à literalidade do seu texto, antes restringindo o seu campo de aplicação sempre que daquele resultar o “resultado aberrante “traduzido na violação dos referidos princípios constitucionais.
Em suma, sempre que “O excessivo alcance da norma criado pela intenção anti-abusiva do legislador gera (…) um excesso de aplicação” cabe à Administração e muito especialmente aos tribunais proceder a uma interpretação restritiva como forma de impedir o excesso que constitui a aplicação da norma a todas as situações.
Diga-se, desde já, e como, de resto, o Recorrente salienta, que, para além de, em termos civilísticos, os efeitos produzidos pela dita “procuração irrevogável” que aparece mencionada como fundamento da liquidação, não compreenderem exactamente a amplitude de poderes que o legislador fiscal lhe atribui ou terá configurado, o facto tributário assente na presunção de transmissão onerosa de bens no momento de outorga de procuração conferindo poderes de alienação ao procurador que presumidamente desses direitos inerentes ao proprietário passa a gozar tem que admitir-se como ilidível por prova em contrário. Ou seja, essa presunção não pode ser entendida como absoluta ou jure et de jure, (artigo 350.º, nº 2 do Código Civil), mas, sim, entendida como passível de prova em contrário, sob pena de, através de um regime geral de tributação objectivamente centrado no combate à evasão e fraude fiscal, se atingir, como já dissemos, e ora repetimos, de forma ilegítima princípios estruturais do sistema fiscal e constitucionalmente consagrados, designadamente, e desde logo, o princípio da legalidade (não existe tributação sem facto tributário), da capacidade contributiva, da igualdade tributária, da legalidade e da justiça que o ordenamento jurídico-tributário não pode postergar por repugnar ao conceito de Estado de Direito.
Note-se, aliás, que é por demais conhecida a posição que a doutrina e a jurisprudência – nacional, do Tribunal Constitucional, e do Tribunal de Justiça da União Europeia – têm (após uma inicial posição de auto-contenção) em matéria de consagração de presunções inilidíveis em Direito Fiscal.
O Tribunal Constitucional, propendendo para a inconstitucionalidade desse tipo de normas e para a inaceitabilidade de presunções inilidíveis no Direito Fiscal, aponta ao legislador fiscal como limite a consagração de presunções ilidíveis com o consequente direito (e ónus) do sujeito passivo de provar a falta de fundamento, no seu caso, da presunção.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, sobretudo após o caso Leur-Bloem, firmando o entendimento de que o combate à fraude ou à evasão fiscal não pode ser combatido através de normas que à partida excluam uma ponderação ou totalmente excludentes de um mínimo de fundamentação por parte da Administração ao caso concreto, que o individualizam e nos quais se deve buscar a distinção, que a norma não pode prescindir, entre interesses legítimos e comportamentos abusivos por parte do sujeito passivo, tendo, muito recentemente, sido defendido, em conclusões apresentadas pela Advogada Geral, de forma muito ampla, que “a constatação da existência de uma prática abusiva depende de uma apreciação global de todas as circunstâncias do respetivo caso, a qual incumbe ao órgão jurisdicional nacional” e que “No direito fiscal, pode entender-se que existe uma situação abusiva nas situações em que se vislumbram montagens puramente artificiais, desprovidas de realidade económica ou cujo objetivo essencial é o de eludir o imposto que, de acordo com o seu espírito, seria normalmente devido. Para este efeito, cabe à Administração Fiscal demonstrar que o respetivo imposto seria exigível, se a montagem fosse adequada, ao passo que cabe ao sujeito passivo demonstrar a existência de motivos relevantes alheios ao direito fiscal, subjacentes à escolha da montagem.”(4)
Em suma: “só o comportamento fraudulento e malicioso do sujeito passivo, a determinar caso por caso”, pode justificar a restrição aos seus direitos fundamentais.
Acresce que, como é sabido, é a relação subjacente à emissão da procuração que define o conteúdo material da procuração, delimita os seus poderes e modela a actuação do procurador, (5) porque “subjacente à procuração estará, sempre e naturalmente, uma qualquer situação da vida que constitui a sua causa; é uma concreta ocorrência que faz despertar a necessidade/vontade/oportunidade de se conferir poderes representativos a alguém”. (6)
Foi partindo deste pressuposto, qualificando a norma contida no artigo 2.º n.º 2 do CIMT como norma específica anti-abuso assente numa presunção ilidível, que acolhemos a pretensão deduzida pelo Recorrente, considerando toda a factualidade por este invocada, designadamente que nunca consentiu na emissão de “procuração” que lhe concedesse tais poderes de “forma irrevogável; que a inclusão de tal declaração (perceba-se: “A presente procuração é também conferida no interesse do mandatário, sendo irrevogável nos termos do art°1170° n°2 do Código Civil”) num instrumento em que não teve qualquer intervenção constitui seguramente um lapso; que não fruiu, usufruiu, beneficiou ou exerceu relativamente aos imóveis qualquer poder de facto ou de direito, tendo-se limitado a celebrar, em representação de ambas as irmãs, ambas suas representadas, e em concretização do contrato promessa de partilha entre ambas celebrado, na celebração da escritura de divisão de coisa comum, por força da qual o prédio a que se refere a liquidação foi adjudicado a favor de Leonor ...........; que essa intervenção radicou, em exclusivo, na provecta idade de ambas, de quem é familiar, no facto de uma residir no Porto (Maria ...........) e outra em Lisboa (Maria ...........), não tendo recebido qualquer valor ou qualquer outro benefício de uma ou de outra, exercendo, pessoalmente, actividade ligada à agricultura.
Assente que para nós essa factualidade é relevante, recuperemos “os factos” cujo aditamento nos é peticionado - que deixámos já transcritos na delimitação do objecto do recurso e que ora, por comodidade de análise, transcrevemos de novo:
- a procuração emitida a favor do Recorrente, o foi com o intuito exclusivo de o habilitar para a prática do acto necessário a dar cumprimento ao contrato promessa de partilha celebrado pela mandante com a sua irmã Leonor, e com o único propósito de facilitar o acto de transmissão atenta a idade avançada da mandante e a distância geográfica a que vive da sua irmã Leonor, a beneficiária da transmissão;
- nem a mandante nem o Recorrente solicitaram que nela fosse incluída a cláusula de renúncia ao poder de revogar a procuração;
- o procurador, ora Recorrente, não obteve qualquer beneficio económico, directo ou indirecto, com a outorga da mencionada procuração;
- a mandante, outorgante da procuração em causa, não teve consciência de que, além da procuração que estava a outorgar, estava ainda a produzir uma outra declaração negocial, com o sentido e alcance da cláusula de irrevogabilidade nela aposta,;
- a procuração se destinava a transmitir, em escritura de divisão de coisa comum, prédio para terceiro (que o recebeu) e não para o Recorrente, que nunca exerceu sobre esse bem qualquer comportamento concludente de ter adquirido uma situação equiparável ao direito de propriedade.

Expostos os factos, vejamos, então, se devemos julgar os mesmos como provados, começando por salientar, antes de mais, dois aspectos.
O primeiro é o de que fica desde já completamente afastada qualquer hipótese de este Tribunal de recurso afastar a validade formal da procuração. Esta, como é sabido, é, por definição legal, o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (artigo 262.º do Código Civil). É, assim, um negócio jurídico unilateral através do qual o autor (emitente da declaração negocial) atribui a outrem poderes para actuar juridicamente em seu nome. O procurador não fica, na figura da procuração, com qualquer dever perante o autor da procuração, razão pela qual não tem que a aceitar ou a ela renunciar, derivando a obrigação da prática dos actos jurídicos do contrato de mandato que, normalmente, também é celebrado entre ambos (representado e procurador).
Salvo disposição legal em contrário, a procuração, para ser válida, deve revestir a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar, sendo que, exigindo intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado. No caso das procurações conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro devem ser lavradas por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial.
Ora, como se vê do factos provados – sem que reparo lhe tenha, nesta parte, sido dirigido pelo Recorrente, e em escrupuloso acolhimento da prova documental constante dos autos – a procuração “irrevogável” (em bom rigor não há “procurações irrevogáveis” já que mesmo aquelas a que vulgarmente se aplica tal denominação são livremente revogáveis pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação, com a especialidade de que, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador, como é o caso, ou de terceiro não podem ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa – artigo 265.º do Código Civil) foi emitida, como tinha que ser, sob a forma de instrumento público (artigo 116.º n.ºs 1 e 2 do Código de Notariado), possuindo, assim, força probatória plena quanto aos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (artigos 363.º, n.ºs 1 e 2 e 371.º do Código Civil), salvo demonstração do contrário, da falsidade da declaração que, nesse acto, haja sido produzida pelos outorgantes (artigo 372.º n.º 1 e 2 do Código Civil)
Deste modo, se a pretensão do Recorrente fosse, ou só fosse, como interpretou o Meritíssimo Juiz, suscitar a falsidade do instrumento público de constituição da procuração, nenhum reparo nos merecia a “remessa” que na sentença ficou indiciada para o incidente de falsidade e para tramitação deste (que não para os meios comuns por não lograrmos descobrir fundamento legal algum para que o incidente aqui não pudesse ser suscitado, conhecido e decidido como fundamento de anulação do acto de liquidação ou, no mínimo, para que não fosse possível sobrestar na decisão, suspendendo a instância, até à decisão “da acção de declaração de nulidade” equacionada pelo Tribunal a quo em alternativa à decisão da impugnação sem a percepção da realidade apurada dos factos controvertidos).
Tal como não nos merecia, nesse contexto, censura, a irrelevância atribuída à prova testemunhal que nos autos foi produzida, atento o preceituado nos artigos 392.º, 393.º e 394.º do Código Civil, dos quais resulta que a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada e que esta está afastada, na terminologia do legislador, é “inadmissível” sempre que a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito ou quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
Acontece porém que não foi essa, ou pelo menos não foi só essa a intenção do Recorrente, sendo para nós evidente que, para além de ter procurado demonstrar que tinha existido um vício de exteriorização da vontade da declarante, um erro clamoroso por parte da Notária na interpretação da vontade da representada ou um excesso no exercício das competências por parte daquela (seguramente por lapso, como resultaria inclusive do facto de não ter sido solicitado qualquer comprovativo de liquidação de imposto nos termos impostos pelo artigo 49.º, n.º 11 do Código do IMT) procurou demonstrar que não existe facto tributário susceptível de ser objecto de liquidação.

Ora, a inadmissibilidade da prova testemunhal a que se reportam os normativos supra citados não é aplicável “à simples interpretação do contexto do documento” (n.º 3 do artigo 393.º do Código Civil) e que nos permitirá aferir da relação subjacente a que já nos reportámos, sendo, pois, a prova testemunhal admissível se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores” quando invocadas por terceiros (artigo 394.º, n.º 1 e 3 do Código Civil) sendo inquestionável que o Recorrente é terceiro relativamente à declaração”.

Por outro lado, o facto de o depoimento das testemunhas não dever ser relevado para efeitos de destruir directamente a força probatória de um documento com força probatória plena também não determina que esse depoimento não possa ou deva ser relevado para prova de outros factos alegados pelo Recorrente que, conjugados com os apurados pelo Tribunal a quo ou outros que este Tribunal de recurso, igualmente dentro dos alegados, julgue provados, permitam sustentar o fundamento da pretensão anulatória.

Daí que, para nós, assiste razão ao Recorrente quando clama pela relevância dos depoimentos testemunhais prestados por Maria ..........., mandante, e por João ..........., (marido daquela), que de forma inequívoca declararam em Tribunal que apenas tinha sido acordado com o procurador que a procuração seria emitida para este dar cumprimento ou execução ao contrato promessa de partilha celebrado em 1998 e que ele acedera a tal para “facilitar” esse acordo, “por causa das partilhas”, para cumprir essa “promessa de partilha” e que nunca foi pedido pelo procurador que constasse da escritura que a mesma era em seu benefício ou “irrevogável” e que nunca recebeu qualquer valor pela intervenção no acto ou teve a posse do imóvel em questão.

Em suma, não obstante a procuração, nos termos em que foi lavrada e atenta a forma que revestiu (instrumento público) possua força probatória plena, esta apenas abrange a realidade aí descrita tal como percepcionada pelo Notário mas já não a correspondência entre o declarado e o previamente acordado (relação subjacente) muito menos a utilização da mesma pelo procurador ou os benefícios que deste retirou, designadamente para efeitos de afastar a presunção legal, podendo estes factos ser invocados por terceiro (sujeito do imposto) sem necessidade de arguição da falsidade do documento para comprovar a inexistência de facto tributário.

Ou seja, a declaração/procuração referida valerá nos seus termos textuais, na sua literalidade, se e enquanto, o declarante ou terceiro não alegarem e provarem factos que afastem o seu relevo jurídico, podendo tal prova ser feita por qualquer forma, maxime¸ a prova testemunhal. E só terá relevo, mesmo considerando a sua literalidade, se, per se, for suficiente para comprovar o facto tributário.

Nesta medida, considerando a delimitação da causa de pedir, tal como ficou recortada, relevando as declarações prestadas e o relevo e força probatória que lhe reconhecemos, bem como os demais documentos constantes dos autos convocados pelo Recorrente, impõe-se aditar ao probatório a seguinte factualidade:


11. A 23 de Dezembro de 1998 foi celebrado entre Maria ............................................................... e Leonor ................................................., o acordo constante de fls. 41 a 46, denominado “CONTRATO PROMESSA DE PARTILHA” em que, após declararem serem “proprietárias em comum “ e “comproprietárias” dos imóveis que identificam nos pontos “I” e “II” da cláusula primeira do acordo, acordam no preenchimento, por referência a esses imoveis, (cláusula segunda) dos respectivos quinhões, a promover no “mais breve prazo” as diligências tendo em vista a divisão acordada e que “SEXTA: A partir de 1 de Janeiro de 1999 cada uma das Outorgantes administrará mediante procuração a outorgar pela outra nos termos de minutas a acordar pelos seus advogados os bens que lhes foram agora adjudicados, fazendo suas as respectivas receitas e suportando os respectivos encargos.”
12. Antes da emissão da procuração referida em 1., datada de 28 de Março de 2005, Maria ............................................................... acordou com o Recorrente e sua irmã, Leonor ................................................., que seria emitida, por cada uma delas, procuração conferindo poderes àquele para celebrar os negócios necessários ao cumprimento do contrato de promessa de partilhas celebrado entre ambas em 23 de Dezembro de 1998 (depoimentos de Maria Teresa e João Duarte e documento de fls. 41 a 46, já referido em 4. supra e que agora se dá por integralmente reproduzido);

13. Leonor ........................................................ emitiu, a 20 de Junho de 2005, a declaração que consta de fls. 252 a 254, de conteúdo idêntico ao da emitida por Maria ........... referido em 1., com excepção da menção “A presente procuração é também conferida no interesse do mandatário, sendo irrevogável nos termos do art°1170° n°2 do Código Civil»” (cfr. certidão de fls. 251 a 254 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);


14. Consta da escritura pública de “Divisão de Coisa Comum”, referida em 4., designadamente, o seguinte: “ No dia 4 de Agosto Julho de dois mil e cinco, no Cartório Notarial sito (….) perante mim, (…) compareceu como outorgante: LUÍS ................................................. (…) que outorga na qualidade de procurador de: a) MARIA ............................................................... (…); B) LEONOR ................................................. (…) qualidade e poderes que verifiquei por procuração e fotocópia autenticada de procuração que arquivo.”

15. Consta, ainda, da mesma escritura de “DIVISÃO DE COISA COMUM o seguinte:

“ – Que as suas representadas são donas e legítimas possuidoras em comum e partes iguais do seguinte imóvel: - edifício de rés-do-chão e cinco andares com lados direito e esquerdo, sito em ................., Rua ...................., números ......, ...... A, B,C e D, na freguesia da ................., concelho de Lisboa (…) com o valor patrimonial de 157.816,76€ a que atribuem igual valor.-----
(…) Que sendo de cento e cinquenta e sete mil oitocentos e dezasseis euros e setenta cêntimos, o valor activo líquido, corresponde a cada uma das suas representadas, por conta do respectivo quinhão a quantia de setenta e oito mil novecentos e oito euros e trinta e oito cêntimos________
- Que não convindo continuar na indivisão que as suas representadas detêm no referido imóvel pela presente escritura as suas representadas acordam em proceder á divisão de coisa comum da seguinte forma:
- Adjudica a totalidade do prédio supra descrito no valor de cento e cinquenta e sete mil e oitocentos e dezasseis euros e setenta e seis cêntimos à sua representada Leonor ............
- Assim o valor líquido que lhe é adjudicado é de cento e cinquenta e sete mil e oitocentos e dezasseis euros e setenta e seis cêntimos, pelo que leva a mais a quantia de setenta e oito mil e novecentos e oito euros e trinta e oito cêntimos, que já deu de tornas á sua representada Maria ...........____” (cfr. documento de fls. 47 a 51, cujo teor agora se dá por integralmente reproduzido).

16. A procuração e a fotocópia autenticada de procuração cujo arquivo é mencionado em 12., são as procurações mencionadas em 1. e 11., e foram emitidas na sequência do acordo referido em 10. [cfr. certidões de fls. 47-51 (já dado por reproduzido), de fls. 53-55 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e de fls. 251 a 254 (igualmente já dado por reproduzido integralmente) e depoimentos de Maria .............................e João .............................].

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil e tendo por referência a certidão de escritura pública que consta de fls. 53 a 55, acorda-se em alterar a redacção do facto n.º 5. supra, do qual passará a constar o seguinte:

“5. Consta dos autos certidão de escritura pública de “REVOGAÇÃO DE PROCURAÇÃO” da qual consta, designadamente, o seguinte:
No dia 2 de Julho de 2009, no Cartório com sede na Rua (…), perante mim, 8…), respectiva Notária, compareceram como outorgantes:
- PRIMEIRO:
- Maria ............................................................... (…)
- SEGUNDO:
- Luís ........................................ (…)
Pelos outorgantes foi dito:
- Que pelo presente instrumento revogam em comum acordo a partir desta data, a procuração lavrada a vinte e oito de Março de dois mil e cinco (…), com excepção do que respeita aos poderes atribuídos para a divisão de coisa comum relativamente ao prédio (….) sito na Rua .................... n.º ......, ...... A, ...... B, ...... C, ...... D (…) o que fez em execução do contrato promessa de partilha assinado pela mandante em vinte e três de Dezembro de mil novecentos e noventa e oito.—
- Pelo segundo outorgante foi dito:
- Que tendo cumprido a procuração apenas no que respeita à divisão de coisa comum, atrás referida através da escritura pública supra mencionada e em execução do contrato promessa de partilha assinado pela mandante em vinte e três de Dezembro de mil novecentos e noventa e oito, aceita a presente revogação nos termos exarados.—
---Este documento foi lido e o seu conteúdo explicado---“ (certidão de escritura pública de fls. 53 a 55, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

4.3. Apurados, em definitivo, os factos, quid iuris?
Recordemos, mais uma vez, que a tributação consagrada no artigo 2.º n.º 1 e 3, resulta de uma presunção legal: para efeitos fiscais o legislador presumiu que a “transmissão” (facto tributário) se considerava realizada com a outorga de uma “procuração irrevogável” conferindo poderes de alienação do direito de propriedade sobre imóveis, partindo do pressuposto, que presume, que aquele a quem são conferidos poderes de alienação do direito de propriedade (ou figuras parcelares) passa a exercer ou a poder exercer sobre os mesmos poderes do proprietário.
Sem pretender reproduzir o que já deixámos exposto quanto às razões que conduziram à consagração desta obrigação de pagamento de imposto através daquela presunção, temos por certo que o facto tributário presumido – transmissão do bem imóvel com a outorga da procuração – não existiu efectivamente, como nos é demonstrado pela relação subjacente à emissão da procuração e pela natureza do acto que através dessa procuração foi praticado
Pela relação subjacente à emissão da procuração, porque ficou alegado e provado que esta foi emitida na sequência de um acordo entre Maria ........... e Leonor ........... com o ora Recorrente com um exclusivo fim: para este concretizar, através dos poderes que lhe conferiam, o contrato de promessa de partilhas entre ambas celebrado, o que fez, decorrido escassos 4 meses e 2 meses contados, respectivamente, da data de cada uma das procurações.
Pela natureza do acto praticado, porque o Recorrente também alegou e provou que no caso concreto o acto a cuja prática as procurações se destinavam (recorde-se que a procuração de Leonor ........... não está e causa nos autos por dela nem sequer constar qualquer “cláusula de irrevogabilidade”) e que justifica a existência da própria tributação – alegada transmissão onerosa do prédio sito na Rua .................... – não é uma transmissão onerosa de bens imóveis.

Efectivamente, resultou apurado que a liquidação do IMT só foi emitida na sequência da celebração da escritura de divisão de coisa comum (cfr. factualidade vertida no probatório, sob os n.ºs 6: “Sobre o negócio referido em 3) foi liquidado ao impugnante IMT no valor de €38.613,03, calculado à taxa de 6,5% sobre metade do valor patrimonial actualizado do prédio, de €1.188.093,13 (oficio de notificação n°........., de 15/06/2009, e "print" de liquidação, fls.50 e 51 do apenso de reclamação graciosa) e que esta se sustentou, juridicamente, no preceituado no artigo 2.º, n.º 1 e 3 al. c) do CIMT.
Ora, como por diversas vezes já salientámos, nos termos do citado artigo só são sujeitos a imposto as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional» limitando-se o legislador a presumir que há uma transmissão onerosa, para efeitos do n.º 1 na outorga de procuração que confira poderes de alienação de bem imóveis.
Ou seja, é para nós isento de dúvidas que com a consagração deste regime o legislador pretendeu tributar a transmissão onerosa de bens (n.º 1) e que não integrou a outorga de procuração no conceito de transmissão onerosa de bens - contrariamente ao que fez relativamente a um outro conjunto de negócios jurídicos identificados no n.º 2 do normativo - e presumiu que havendo outorga de uma procuração irrevogável nessa data se operava a transmissão onerosa identificada no seu n.º 1 (e n.º 2, pelo alargamento do conceito de transmissão onerosa aí realizado para efeitos fiscais).
Ora, para além de tudo o que ficou provado e a que supra fizemos referência específica, está provado que não houve transmissão onerosa de bens, pela simples razão de que a “Divisão de Coisa Comum” não é uma transmissão onerosa do direito de propriedade.
Note-se que a existência de propriedade em comum ou compropriedade está definida no artigo 1403.º do Código Civil: quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, sendo que os direitos desses consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes, presumindo-se, todavia, as quotas quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.

Este conceito de compropriedade acolhido pela lei reflecte-se, naturalmente, no regime jurídico a que, nos termos do nosso Código Civil, o instituto se acha subordinado: sob o ponto de vista qualitativo, os comproprietários exercem, em conjunto, os direitos do proprietário singular; mas, na actuação desses direitos ou poderes intervém o aspecto quantitativo, de tal modo que os consortes só participam nas vantagens e nos encargos da coisa, em proporção das suas quotas. (artigo 1405.º do Código Civil).

Trata-se, como a doutrina vem salientando, de uma compropriedade de carácter individualista, de origem latina, caracterizada, do ponto de vista externo, pela existência de duas titularidades: uma, que, residindo no colectivo dos consortes, goza de todos os direitos pertencentes ao proprietário singular; outra, específica dos vários comproprietários, individualmente considerados, e que se traduz na faculdade que a cada um assiste de dispor da sua quota e, em consequência, da sua qualidade de consorte, e de pôr termo à indivisão.

E embora a cessação ou extinção da compropriedade possa ocorrer por outros meios, é no reconhecimento expresso a cada comproprietário da faculdade de obter a divisão da coisa comum que se evidencia o não favorecimento pela lei da situação de compropriedade, acentuando o seu carácter temporário.

“O direito potestativo de que trata o art.º 1412.º do Código Civil configura-se como um direito de dissolução da compropriedade, que se diferencia das outras formas de dissolução, pelo facto de se dirigir contra todos os consortes. E pode, nos termos previstos no art.º 1413.º, n.ºs 1 e 2, ser exercido pela via judicial ou extrajudicial – obedecendo, nesta hipótese, à forma exigida para a alienação onerosa da coisa, ou seja, tratando-se de bens imóveis, a escritura pública [art.º 875.º, C.C. e art.º 80.º, n.º 2, alínea l), C. Notariado].

Pela divisão, a coisa adjudicada ou cada parcela dividida fica a ser propriedade exclusiva do comproprietário a quem coube, de modo a poder concluir-se que “… ele foi sempre dono dela e nunca teve a propriedade nos outros bens ou partes pertencentes aos seus antigos consortes.” Sendo que é nisto se consubstancia o designado efeito declarativo da divisão, em contraponto da opinião dominante no direito romano, segundo a qual, a divisão da coisa comum era atributiva ou translativa, já que se traduzia numa espécie de venda em que cada comproprietário vendia ao outro a sua parte no quinhão deste e comprava a parte que este tinha no seu quinhão.

Em suma, o contrato de divisão de coisa comum, não configura, face à nossa lei civil, um contrato oneroso de alienação de bens (não há comprador, não há vendedor e não há preço), uma vez que neste contrato os intervenientes já são titulares de uma quota-parte do direito de propriedade, apenas transmutando a situação para a de uma titularidade única (ou mais reduzida) e exclusiva, com as correspondentes contrapartidas.

Foi precisamente o que se passou no caso concreto. Munido das procurações emitidas por Leonor ........... (que não inclui qualquer cláusula de “irrevogabilidade”) e da emitida pela Maria ........... (onde a natureza de irrevogabilidade ficou exarada) o Recorrente interveio na celebração do contrato de divisão de coisa comum, ou seja, em representação daquelas e no estrito cumprimento do por elas acordado no contrato-promessa de partilha, celebrando a escritura pública de divisão de coisa comum, traduzida, no caso, na adjudicação do imóvel à Leonor ..........., sem prejuízo das tornas fixadas, da propriedade plena sobre o prédio sito na Rua .................... que determinou a tributação impugnada.

Em síntese, não existindo “transmissão onerosa de imóvel” não estão preenchidos os pressuposto da tributação, ou, dito de outro modo, não constituindo a divisão de coisa comum uma alienação onerosa de imóveis também não pode ser sujeita ao regime do artigo 2.º do Código do IMT.

E não se diga que este Tribunal está a deslocar o facto tributário “procuração irrevogável” para o “negócio concretizado através daquela” esvaziando de sentido útil a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 2.º e o alargamento do conceito “transmissão onerosa” determinado pelo legislador, desde logo porque o facto tributário não é a procuração mas a transmissão onerosa do bem que o legislador tão só presume como realizada.

Donde, afastada a presunção, isto é, provado que não houve transmissão onerosa de bens, pressuposto inultrapassável da concreta tributação e da subsequente obrigação do sujeito, não pode manter-se a liquidação.

É, assim, por todo o exposto, de reconhecer razão ao Recorrente e, em conformidade, de revogar a sentença recorrida que assim não julgou, anulando o acto impugnado.

4.4. Pedido de restituição do valor liquidado e pedido indemnizatório

O Recorrente peticionou, em consequência da anulação da liquidação, que lhe fosse restituído o valor de imposto liquidado, bem como uma indemnização traduzida no valor correspondente aos juros vencidos sobre aquele valor de imposto, contados desde a data desse pagamento até integral e efectivo pagamento da indemnização devida.
Começamos por salientar que nos termos do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (doravante LGT), em caso de procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a Autoridade Tributária fica obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, o que implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, isto é, a recriação, por via da teoria da reconstituição da situação actual hipotética, da situação que teria existido ab initio não fora a prática do acto ilegal.
É, no fundo, e como sistematicamente é dito, a manifestação ao nível do direito tributário do princípio geral de direito consagrado no artigo 562.º do Código Civil, que impõe que sejam apagados os efeitos jurídico-práticos consequentes de um acto ilícito.
Nessa medida, a reconstituição, em abstracto, da situação hipotética actual determina a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago e o pagamento de juros indemnizatórios ao sujeito passivo independentemente de nesse sentido este ter ou não formulado esse pedido.
E que, nos termos do artigo 43.º n.º 1 da Lei Geral Tributária “ São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No caso dos autos não subsistem dúvidas quanto à devolução do valor pago a título de imposto, por este não ser devido.
Porém, a apreciação do pedido indemnizatório pressupõe, in casu, uma análise mais cuidada.
Efectivamente, como vimos aquando da exposição do dever de tributação pela Administração Fiscal, a lei presume que, com a constituição da procuração irrevogável, se verificou uma transmissão onerosa, razão pela qual, sendo-lhe dado conhecimento do facto ou advindo o mesmo ao seu conhecimento (quer pela comunicação obrigatória da emissão destas procurações pelas entidades oficiais, quer, actualmente, pela consulta electrónica desse registo obrigatório quer por advir ao seu conhecimento através de outros actos concretos de terceiros) tem o dever de proceder a essa tributação, sem que lhe esteja legalmente imposto um especial dever de indagação ou fundamentação que ultrapasse a existência da procuração ou, no limite, como sucedeu neste caso, porque o facto não lhe terá sido comunicado pela Notária, por posterior declaração da adjudicatária.
Ou seja, no momento em que emitiu a liquidação a Administração Tributária, em nosso entender, não incorreu em erro que lhe seja imputável, o qual só passou a existir no momento em que, deduzida reclamação graciosa e sendo levado ao seu conhecimento os factos e documentos que comprovavam o que neste Tribunal ficou decidido, optou pela desconsideração dos mesmos e perfilhou uma interpretação jurídica dessa realidade incompatível com o ordenamento jurídico vigente.
Em suma, em nosso entender, só no momento em que a Administração Tributária foi obrigada a reapreciar a legalidade da tributação assente na presunção legalmente estabelecida é que teve a possibilidade de confirmar (ou infirmar) a legalidade da tributação, pelo que, só no momento em que conclui, mal, pela verificação, mesmo assim, dos pressupostos de facto e de direito em que essa tributação se fundou é que incorreu em erro que lhe é imputável: “a partir daquele momento, isto é, do momento em que podia ter tomado posição conforme o direito e não o fez” é que a sua conduta é censurável. (7)
E, sendo assim, é a partir da decisão da reclamação graciosa que indeferiu a pretensão do Recorrente de anulação do acto de liquidação, 27 de Janeiro de 2010, que devem ser contados os juros indemnizatórios.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, revogando a sentença recorrida, em:

- Julgar integralmente procedente a impugnação judicial e, consequentemente, anular a liquidação;

- Condenar a Administração Tributária a restituir ao Impugnante o valor pago a título de imposto de IMT pela sua intervenção na qualidade de procurador na escritura de divisão de coisa comum, acrescida de juros contados desde a data da decisão da reclamação graciosa (27-1-2010) até integral e efectivo pagamento.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.

*****

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019


[Anabela Russo]

[Jorge Cortês]

[Lurdes Toscano]




_________________________________________
(1) Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal central Administrativo Sul, de 25 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 6623/13, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt
(2) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I., anotação 9 ao artigo 640.º., pág. 771, No mesmo sentido os Acórdãos do STJ aí citados, designadamente: de 19-2-15 (299/05); 31-5-16 (1572/12), 9-6-2016 (6617/07) e 28-4-16 (1006/12), integralmente disponíveis em www.dgsi.pt
(3) J.L Saldanha Sanches, “Os limites do planeamento fiscal”, Coimbra Editora, 2006, páginas 199 e seguintes, a que nos reportámos nas citações subsequentes se outra menção específica não deixarmos realizada.
(4) Conclusões da Advogada-Geral Juliane Kokkot, apresentadas a 1 de Março de 2018, no processo n.º C-119/16, C DANMARK I contra Skatteministeriet
(5) Neste sentido, Pais de Vasconcelos, “A Procuração Irrevogável2, Almedina, 2002, págs.
(6) Acórdão da Relação de Coimbra, de 10 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 164705.7TBVLF.C2, integralmente disponível em www.dgsi.pt
(7) Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 601/09, integralmente disponível em www.dgsi.pt