Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 356/10.7BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 02/28/2019 |
Relator: | ANABELA RUSSO |
Descritores: | “PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL” NORMA ANTI-ABUSO ESPECÍFICA PRESUNÇÃO ILIDÍVEL TRANSMISSÃO ONEROSA |
Sumário: | I – Estando em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação do Tribunal, s Tribunal Central deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que no juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos e/ou depoimentos complementados ou não pelas regras da experiência. II – A reacção do legislador a práticas de fraude à lei pode quedar-se pela consagração de normas ou cláusulas gerais anti abuso ou traduzir-se também, designadamente, na criação de normas especiais (normas anti-abuso específicas) que visem combater comportamentos específicos (concretas operações comerciais que a realidade revela serem comummente utilizadas para manipular normas específicas de tributação) através da criação de presunções ilidíveis ou inilidíveis. III – A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem firmando um entendimento de princípio de inconstitucionalidade em matéria de normas que consagram presunções inilidíveis em matéria de direito fiscal, apontando como limite a consagração de presunções ilidíveis com o consequente direito do sujeito passivo de provar a falta de fundamento da presunção. IV – O Tribunal de Justiça da União vem firmando o entendimento de que o combate à fraude ou à evasão fiscal não pode ser combatido através de normas que à partida excluam uma ponderação ou excluam totalmente a exigência de um mínimo de fundamentação por parte da Administração ao caso concreto, que o individualizam e nos quais se deve buscar a distinção, que a norma não pode prescindir, entre interesses legítimos e comportamentos abusivos por parte do sujeito passivo. V- A regra de inadmissibilidade da prova testemunhal nas situações em que o facto está plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena não é aplicável à simples interpretação do contexto do documento, que possibilitará aferir da relação subjacente, designadamente apurar convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento autêntico quando invocadas por terceiro (artigos 392.º a 394 do Código Civil). VI – Por força do preceituado no artigo 2.º, n.º 1 do CIMT, estão sujeitos a IMT as transmissões onerosas do direito de propriedade ou figuras parcelares. VI – Integram, ainda, o conceito de “transmissão onerosa” referido em VI, todos os negócios jurídicos identificados no n.º 2 do artigo 2.º do CIMT. VII – O artigo 2.º, n.º 3 al. c) do CIMIT consagra uma “mera” presunção de que a transmissão onerosa tributável, prevista no n.º 1 do mesmo preceito, se concretiza no momento da outorga da “procuração irrevogável”. VIII – O contrato de divisão de coisa comum não configura, face à nossa lei civil, um contrato oneroso de alienação de bens uma vez que neste contrato os intervenientes já são titulares de uma quota-parte do direito de propriedade, apenas transmutando a situação para a de uma titularidade única (ou mais reduzida) e exclusiva, com as correspondentes contrapartidas. IX - Não constituindo o contrato de ação de divisão de coisa comum uma alienação onerosa de bens imóveis, nem tendo sido integrado no conceito de transmissão onerosa de bens imóveis por força do alargamento desse conceito para efeitos fiscais, realizado no artigo 2. n. 2 do CIMT, não pode esse contrato ser objecto de tributação em sede de IMT. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acórdão I – Relatório Luís ............................................ recorreu para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de Imposto Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) que incidiu sobre a alienação, no ano de 2005, do prédio urbano inscrito na freguesia da Pena [actual Arroios], concelho de Lisboa, sob o artigo 513º, no valor de €38.613,03,´e que lhe negou, ainda, o direito a juros indemnizatórios. Nas alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões: 116. A decisão recorrida não só não apreciou a prova produzida como se impunha, como mantém as ilegalidades da liquidação aqui posta em causa, que se baseia em diversos equívocos que cumpre esclarecer e que conduzem à insusceptibilidade de produção de efeitos da cláusula de irrevogabilidade aposta na procuração acima mencionada, à errada interpretação da norma de incidência atrás mencionada, e à violação de diversos princípios constitucionais, como sejam, entre outros, do princípio da Justiça, da igualdade e da racionalidade dos tributos. 117. De acordo com a decisão recorrida, relativamente aos factos não provados, que, "com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante". 118. Sucede porém que, como aqui se demonstra, da prova testemunhal resultam evidente coerência quanto a diversos factos relevantes que foram alegados e deveriam ter sido dados como provados, tais como: 119. Quanto a isto, referiu apenas a sentença recorrida que "Da prova testemunhal nada resultou de útil par a o esclarecimento dos factos. Até porque a ser verdade que as partes não acordaram na cláusula de irrevogabilidade, nem se aperceberam do seu alcance jurídico, então o caminho a trilhar era o da anulação do acto, com os efeitos ex tunc, previstos no artº289°,do Código Civil”. 120. Trata-se de uma informação incorreta, uma vez que a procuração é unilateral, pelo que o ora Recorrente nem sequer teria a legitimação substantiva para invocar os vícios relativos à sua outorga. 121. Ora, do exposto decorre que, contrariamente ao referido no aresto ora posto em crise, que: 122. Quanto a este último aspeto em particular, diga-se por cautela de patrocínio que de acordo com o acórdão do STJ de 26/06/1997, "um erro na qualificação jurídica do efeito prático a atingir, que é o termo do contrato, isto é, de uma errada qualificação jurídica do pedido, e tal erro pode e deve ser corrigido pelo julgador, sem que haja ofensa do princípio dispositivo consagrado no artigo 664 do Código de Processo Civil (Antunes Varela, RLJ122, 255; acórdão do STJ de 17 de Junho de 1992, BMJ 418, 710)." também neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ, de 19/11/1998. 123. Ora, considerando que o depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas, de idade já avançada, de que resultou claramente não apenas a inutilidade no caso concreto da cláusula de irrevogabilidade, mas também designadamente que não foi “atribuído significado" à cláusula de irrevogabilidade aposta na aludida procuração, tendo-se declarado não estar "dentro desses assuntos", e ainda que "não se apercebeu nada disso". 124. Tendo em conta ainda que da procuração e do depoimento das testemunhas resulta ainda que não foi dado cumprimento pelo funcionário do cartório, ao disposto no n°1l do artigo 49° do código do IMT, e sendo inegável que ao praticar o ato, a declarante não teve consciência de que, além da procuração que estava a outorgar, estava ainda a praticar mais uma declaração adicional, com o sentido e ao alcance daquela cláusula de irrevogabilidade, a que é atribuído para efeitos fiscais, efeitos semelhantes ao da transmissão de titularidade, 125. Trata-se de situação que se enquadra pois, apenas no que diz respeito à cláusula da irrevogabilidade, numa divergência entre a vontade real e a vontade declarada correspondente à falta de consciência da declaração prevista no artigo 246° do Código Civil, uma vez que -repita-se apenas quanto à cláusula de irrevogabilidade - a declarante não teve consciência da declaração negocial que fez. 126. Mas ainda que por algum motivo assim se não entenda, sempre se dirá que da prova produzida resulta também que os outorgantes não quiseram nenhum dos efeitos da cláusula de irrevogabilidade em causa e que tal se reconduz-se a uma situação de erro na declaração, em virtude de a vontade declarada não corresponder à vontade real do autor da declaração, a que não deverá no entanto revestir-se de relevância anulatória mas sim ser interpretada de acordo com o que estabelece o artigo 236° do Código Civil, sobre o sentido normal da declaração negocial, cujo n°2 estabelece: "sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida", para todos e quaisquer efeitos, incluindo fiscais. 127. Assim, conhecendo o Recorrente perfeitamente todas as circunstâncias que levaram a mandante a emitir esta procuração, incluindo a vontade real do declarante invocada nos presentes autos e provada em sede de inquirição de testemunhas, sempre será de aplicar o disposto no n°2 do artigo 236° do Código Civil. 128. Mas ainda que porventura assim se não entendesse o que não se concebe nem concede, e apenas se representa por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que: ainda que se considere válida a cláusula de irrevogabilidade, sempre deveria tal cláusula ser considerada in casu como ineficaz, porquanto: 129. Esta norma deve ser qualificada como uma norma anti-abuso que integra em si uma presunção legal e não um novo facto tributário de per se, impedindo que a tributação tenha lugar independentemente da verificação, ou não, dos comportamentos que visa impedir, facto que seria manifestamente injusto e materialmente violador do disposto no n°3 do artigo 104° da Constituição da República Portuguesa. 130. Aliás, atentando ao relatório do código do IMT e a outros elementos interpretativos torna-se forçoso concluir estarmos perante uma presunção (de aquisição de situação equiparável do direito de propriedade), inserida numa norma de incidência tributária, sendo por conseguinte de aplicar o disposto no art°73° da LGT, e admitir a prova em contrário constante dos presentes autos e incontestada pelo Representante da Fazenda Pública. 131. Entendimento contrário, a nosso ver contra legem, levaria a que se considerasse natural a verificação de uma dupla tributação na esfera do beneficiário da procuração, o que não é manifestamente a intenção do legislador, como ficou demonstrado. 132. Desta maneira desincentiva-se o recurso a este instituto como meio de evasão fiscal, conseguindo-se ao mesmo tempo não prejudicar deliberadamente todos aqueles que por alguma razão necessitem lançar mão deste instituto, previsto nos n°s. 2 e 3 do artigo 265° do Código Civil. 133. Ou seja: 134. Donde a liquidação objeto da presente impugnação não atende portanto como devia, à substância económica do facto tributário sub judice (cfr. n°3 do artigo 11° da Lei Geral Tributária), e provoca uma inaceitável dupla tributação que constitui um resultado não querido pelo Legislador, e proibido pela Constituição Fiscal. 135. Querer - como faz a Administração Tributária - que o Recorrente seja tributado por um facto alheio e relativamente ao qual não teve quaisquer benefícios, diretos ou indirectos consubstancia uma interpretação manifestamente inconstitucional da norma contida na alínea c) do n°3 do artigo 2° do código do IMT, na parte em que determina a cobrança de imposto sem que exista facto tributário subjacente. 136. O que viola direitos subjetivos dos cidadãos que emergem diretamente da nossa Constituição Fiscal, basilares da nossa ordem jurídica, tais como o princípio do direito à Propriedade Privada (cfr. artigo 62° da Constituição da República Portuguesa), e o princípio da racionalidade económica dos impostos, previsto na parte final do n°1 do artigo 103°, naturalmente conjugado com o princípio da igualdade na tributação do património previsto no n°3 do artigo 104°, ambos da CRP. 137. A interpretação da norma em causa, consubstanciada na liquidação impugnada, viola ainda categoricamente o n°2 do artigo 5° da LGT, nos termos do qual " a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material", que não pode deixar de relevar no caso concreto, também como causa de anulação. 138. E viola também o artigo 2° da CRP, onde se encontram ínsitos os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, uma vez que a previsibilidade da lei fiscal e das decisões administrativas e judiciais que a vão aplicar, bem como a determinabilidade da quantificação dos encargos tributários esperados, são importantes condições da racionalidade dos comportamentos dos sujeitos económicos, fatores que foram totalmente desconsiderados pela Administração Fiscal na avaliação da situação em causa e na subsequente errónea aplicação da lei. 139. Acresce que devia ter sido observado neste caso concreto o princípio da proporcionalidade, que proíbe o excesso e determina consequentemente a inconstitucionalidade dos impostos confiscatórios e expiatórios e das medidas fiscais excessivamente onerosas para o contribuinte. 140. Outro aspeto fundamental das normas constitucionais em matéria fiscal aqui igualmente desprezadas, prende-se com os princípios da igualdade tributária segundo o qual todos devem ser igualmente tributados sem discriminações arbitrárias, o qual infere-se a partir do princípio da igualdade jurídica consagrado no artigo 13° da CRP. 141. Não podendo pelos motivos referidos deixar de se considerar a liquidação impugnada como inválida por ausência de facto tributário e violação de lei, que deverá ser declarada com o douto suprimento de V. Exas., e ser anulada a liquidação aqui posta em crise, ordenando-se em consequência o reembolso de todas as quantias por si despendidas no âmbito da presente liquidação, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios até ao seu integral e efetivo pagamento. Termos em que, com o sempre douto suprimento de V. Exa., deverá ser dado provimento ao recurso apresentado pelo aqui Recorrente, e em consequência ser julgada procedente a impugnação por si apresentada, assim se requerendo. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da admissão do recurso, optou por não contra-alegar. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central, a que os autos foram com «Termo de Vista», para emissão de parecer, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. II - Objecto do recurso Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir as seguintes questões: - Foi cometido pelo Tribunal a quo erro no julgamento de facto por, contrariamente ao aí consignado, terem sido alegados e comprovados outros factos para a decisão da causa para além dos que ficaram integrados no probatório, com manifesta relevância para a decisão da causa [“a) a procuração emitida a favor do Recorrente, o foi com o intuito exclusivo de o habilitar para a prática do acto necessário a dar cumprimento ao contrato promessa de partilha celebrado pela mandante com a sua irmã Leonor, e com o único propósito de facilitar o acto de transmissão atenta a idade avançada da mandante e a distância geográfica a que vive da sua irmã Leonor, a beneficiária da transmissão; b) nem a mandante nem o Recorrente solicitaram que nela fosse incluída a cláusula de renúncia ao poder de revogar a procuração; c) o procurador, ora Recorrente, não obteve qualquer beneficio económico, directo ou indirecto, com a outorga da mencionada procuração; d) a mandante, outorgante da procuração em causa, não teve consciência de que, além da procuração que estava a outorgar, estava ainda a produzir uma outra declaração negocial, com o sentido e alcance da cláusula de irrevogabilidade nela aposta,; e) a procuração se destinava a transmitir, em escritura de divisão de coisa comum, prédio para tercceiro (que o recebeu) e não para o Recorrente, que nunca exerceu sobre esse bem qualquer comportamento concludente de ter adquirido uma situação equiparável ao direito de propriedade”] ? - E erro de julgamento de direito porque, face aos factos apurados, incluindo aqueles cujo aditamento foi requerido no âmbito da impugnação do julgamento de facto, o Tribunal a quo devia ter concluído que não estão verificados os pressupostos, de facto e de direito, de tributação em que se fundou o acto impugnado? III - Fundamentação de facto A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz: 1. Por escritura de 28-3-2005, Maria ............................................................... constituiu o impugnante seu procurador, conferindo-lhe, entre o mais, poderes para alienar, nos termos e condições e a quem entender, o prédio inscrito na matriz sob o artigo 513 da freguesia da Pena (cf.fls. 38/40); 2. Mais consta da referida procuração o seguinte: «A presente procuração é também conferida no interesse do mandatário, sendo irrevogável nos termos do art°1170° n°2 do Código Civil»; 3. Por escritura de "divisão de coisa comum", celebrada em 4-8-2005, o impugnante na qualidade de procurador da Maria ............................................................... adjudicou a totalidade do referido prédio a Leonor ........................................................, também ali sua representada e já dona e legítima possuidora da metade indivisa do referido prédio (cf.fls.48 a 51); 4. A escritura de "divisão de coisa comum" deu execução a um dos pontos do contrato promessa de partilha assinado em 23-12-1998 entre Maria ............................................................... e a co-herdeira Leonor ........................................................, esta já então representada pelo impugnante (cf. fls.41 a 46); 5. Por escritura de 2-7-2009, a referida Maria ............................................................... revogou a procuração de 28-3-2005, referida em 1), constando da mesma a expressa aceitação do impugnante (cf.fls. 54/55); 6. Sobre o negócio referido em 3) foi liquidado ao impugnante IMT no valor de €38.613,03, calculado à taxa de 6,5% sobre metade do valor patrimonial actualizado do prédio, de €1.188.093,13 (oficio de notificação n°........., de 15/06/2009, e "print" de liquidação, fls.50 e 51 do apenso de reclamação graciosa); 7. Da liquidação em causa de IMT n°2..........., o impugnante deduziu reclamação graciosa; 8. A reclamação foi indeferida por despacho de 27-1-2010, do Sr. Chefe de Finanças exarado sobre informação/proposta dos serviços a fls.92 do apenso, para que remete na sua fundamentação e a qual damos aqui por integralmente reproduzida face à sua extensão; 9. O impugnante foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 2-2-2010 (fls.102 do respectivo apenso); 10. Deduziu a presente impugnação judicial em 12-2-2010, conforme carimbo de entrada aposto na p.i., a fls.4. “1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.” Entendia-se na vigência deste preceito, e continua a entender-se hoje, como já mencionado, que o poder de reapreciação do Tribunal de 2ª instância sobre a matéria de facto não assume nunca uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, quer porque está confinado aos pontos de facto que o Recorrente considera incorrectamente julgados, quer porque, na decisão sobre eles, está especialmente vinculado aos meios probatórios em que a proposta de alteração do julgamento vem suportada, quer, por fim, pela imposição de que, sempre que esse controlo tenha por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência a livre apreciação da prova do julgador de 1ª instância, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade, actualmente prevista no artigo 607.º, n.º 5 do NCPC (e à data de interposição do recurso, no artigo 655.º, n.º 1) não resultar absolutamente postergada. Em suma, num ordenamento como o nosso, em que vigora o sistema da livre apreciação da prova, isto é, em que “o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica” e num quadro formal de impugnação estruturado nos termos em que estava consagrado no artigo 685-B do CPC, está imposto ao Recorrente que pretende ver alterado o julgamento de facto que indique os concretos pontos que entende incorrectamente julgados, os meios de prova em que sustenta essa alteração, a qual deverá ser acolhida sempre que o Recorrente convença o Tribunal, ou este se convença pela reanálise para que é convocado, que efectivamente existiu erro na determinação dos factos relevantes e/ou na apreciação do valor probatório atribuído à prova produzida. Como já deixámos expresso num outro acórdão desta Secção e Tribunal Central (citando a doutrina aí identificada) “Com a nova redacção do art.º 662.º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art.º 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação do Tribunal, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que no juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos (…) complementados ou não pelas regras da experiência.”(1) Tal como no sistema anterior, mantém-se a possibilidade de impugnar a decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas (…)», mantendo-se, «agora com mais vigor e clareza a possibilidade de sindicar a decisão quando assente em prova que foi oralmente produzida e tenha ficado gravada, afastando definitivamente o argumento de que a modificação da matéria de facto deveria ser reservada para «casos de erro manifesto» ou de que não é permitido à Relação contraditar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação», ou seja, é hoje inequívoco que a «Relação tem autonomia decisória», competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou aqueles que se mostrem acessíveis». Outrossim, «é consagrada a possibilidade de renovação da produção de certos meios de prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de algum depoente ou sobre o sentido do depoimento que não sejam ultrapassadas por outras vias.». É esta a doutrina que de forma ampla o Supremo Tribunal de Justiça foi acolhendo, e que de forma muito firme fixou recentemente: «a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa (…) No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.». Diga-se desde já que, quanto ao formalismo imposto pelo artigo 685-B do Código de Processo Civil, este Tribunal Central entende que o mesmo foi suficientemente preenchido. Efectivamente, das alegações e conclusões de recurso, devidamente conjugadas, são manifestos quais os pontos de facto que o Recorrente pretende ver aditados (ainda que seja notório que nem todos correspondem a factos, como infra analisaremos e em conformidade, decidiremos) e quais os meios de prova em que funda esta sua pretensão de alteração do probatório. E não obstante as referências às gravações e as transcrições parcelares dos depoimentos apenas surjam nas alegações, estão realizadas de forma suficientemente perceptível, sendo que está hoje sedimentado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e na doutrina que “as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por exemplo, por razões de objectividade e certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação”(2) Posto isto, o que agora importa saber é se assiste razão ao Recorrente, de fundo, o que passará pela apreciação dos factos cujo aditamento foi peticionado e pela reapreciação dos meios de prova invocados mas também e antes de mais, pela apreciação do juízo do julgador que o conduziu a seleccionar como provados determinados factos e pela análise da explicação que adiantou para julgar - após a consideração do “conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada “- que, “Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante». Por outro lado, chama-nos ainda a atenção este autor para o facto de, dentro da categoria de entre as normas anti-abuso específicas, ser necessário fazer uma distinção entre aquelas que têm como objectivo reagir contra operações in fraus legis e aquelas que têm como objectivo reagir contra a fraude fiscal: com as primeiras visa-se combater a fraude fiscal; pelas segundas combater a concretização de certas operações económicas que a realidade revela serem comummente utilizadas para “manipular” normas específicas de tributação, consagrando, por referência a elas, os pressupostos que determinarão inelutavelmente a intervenção administrativa (que não tem que realizar qualquer averiguação sobre as razões da opção do contribuinte, isto é, sem recair sobre ela qualquer ónus quanto à “escolha ou juízo de valor sobre as razões, legítimas ou ilegítimas, da actuação do contribuinte”) ou até “normas que funcionam mesmo sem necessidade de intervenção administrativa, mas através de um efeito ope legis”. Ora, a consagração destas normas ou cláusulas anti-abuso específicas suscitam, como está bem de ver, questões fundamentais porque susceptíveis de conduzir à violação de princípios fundamentais, como o princípio da igualdade da tributação segundo o lucro real, da igualdade no ordenamento jurídico-tributário, ambos com raiz constitucional e do princípio da justiça, estruturante do Estado de Direito Democrático. Por essa razão a doutrina vem defendendo que as normas específicas anti-abuso, quando não absorvem “meras inversões do ónus da prova e se tornam presunções inilidíveis”, constituem regras “que podem constituir uma violação frontal do princípio da igualdade entre os onerados tributários”, violação que “pode ser detectada não por meio de uma mera exegese do texto da norma, que poderá servir apenas para nos revelar um indício sobre a sua possível inconstitucionalidade, mas mediante os resultados de uma aplicação concreta da norma.” Ora, a inadmissibilidade da prova testemunhal a que se reportam os normativos supra citados não é aplicável “à simples interpretação do contexto do documento” (n.º 3 do artigo 393.º do Código Civil) e que nos permitirá aferir da relação subjacente a que já nos reportámos, sendo, pois, a prova testemunhal admissível se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores” quando invocadas por terceiros (artigo 394.º, n.º 1 e 3 do Código Civil) sendo inquestionável que o Recorrente é terceiro relativamente à declaração”. Por outro lado, o facto de o depoimento das testemunhas não dever ser relevado para efeitos de destruir directamente a força probatória de um documento com força probatória plena também não determina que esse depoimento não possa ou deva ser relevado para prova de outros factos alegados pelo Recorrente que, conjugados com os apurados pelo Tribunal a quo ou outros que este Tribunal de recurso, igualmente dentro dos alegados, julgue provados, permitam sustentar o fundamento da pretensão anulatória. Daí que, para nós, assiste razão ao Recorrente quando clama pela relevância dos depoimentos testemunhais prestados por Maria ..........., mandante, e por João ..........., (marido daquela), que de forma inequívoca declararam em Tribunal que apenas tinha sido acordado com o procurador que a procuração seria emitida para este dar cumprimento ou execução ao contrato promessa de partilha celebrado em 1998 e que ele acedera a tal para “facilitar” esse acordo, “por causa das partilhas”, para cumprir essa “promessa de partilha” e que nunca foi pedido pelo procurador que constasse da escritura que a mesma era em seu benefício ou “irrevogável” e que nunca recebeu qualquer valor pela intervenção no acto ou teve a posse do imóvel em questão. Em suma, não obstante a procuração, nos termos em que foi lavrada e atenta a forma que revestiu (instrumento público) possua força probatória plena, esta apenas abrange a realidade aí descrita tal como percepcionada pelo Notário mas já não a correspondência entre o declarado e o previamente acordado (relação subjacente) muito menos a utilização da mesma pelo procurador ou os benefícios que deste retirou, designadamente para efeitos de afastar a presunção legal, podendo estes factos ser invocados por terceiro (sujeito do imposto) sem necessidade de arguição da falsidade do documento para comprovar a inexistência de facto tributário. Ou seja, a declaração/procuração referida valerá nos seus termos textuais, na sua literalidade, se e enquanto, o declarante ou terceiro não alegarem e provarem factos que afastem o seu relevo jurídico, podendo tal prova ser feita por qualquer forma, maxime¸ a prova testemunhal. E só terá relevo, mesmo considerando a sua literalidade, se, per se, for suficiente para comprovar o facto tributário. Nesta medida, considerando a delimitação da causa de pedir, tal como ficou recortada, relevando as declarações prestadas e o relevo e força probatória que lhe reconhecemos, bem como os demais documentos constantes dos autos convocados pelo Recorrente, impõe-se aditar ao probatório a seguinte factualidade: 11. A 23 de Dezembro de 1998 foi celebrado entre Maria ............................................................... e Leonor ................................................., o acordo constante de fls. 41 a 46, denominado “CONTRATO PROMESSA DE PARTILHA” em que, após declararem serem “proprietárias em comum “ e “comproprietárias” dos imóveis que identificam nos pontos “I” e “II” da cláusula primeira do acordo, acordam no preenchimento, por referência a esses imoveis, (cláusula segunda) dos respectivos quinhões, a promover no “mais breve prazo” as diligências tendo em vista a divisão acordada e que “SEXTA: A partir de 1 de Janeiro de 1999 cada uma das Outorgantes administrará mediante procuração a outorgar pela outra nos termos de minutas a acordar pelos seus advogados os bens que lhes foram agora adjudicados, fazendo suas as respectivas receitas e suportando os respectivos encargos.” 13. Leonor ........................................................ emitiu, a 20 de Junho de 2005, a declaração que consta de fls. 252 a 254, de conteúdo idêntico ao da emitida por Maria ........... referido em 1., com excepção da menção “A presente procuração é também conferida no interesse do mandatário, sendo irrevogável nos termos do art°1170° n°2 do Código Civil»” (cfr. certidão de fls. 251 a 254 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido); 14. Consta da escritura pública de “Divisão de Coisa Comum”, referida em 4., designadamente, o seguinte: “ No dia 4 de Agosto Julho de dois mil e cinco, no Cartório Notarial sito (….) perante mim, (…) compareceu como outorgante: LUÍS ................................................. (…) que outorga na qualidade de procurador de: a) MARIA ............................................................... (…); B) LEONOR ................................................. (…) qualidade e poderes que verifiquei por procuração e fotocópia autenticada de procuração que arquivo.” 15. Consta, ainda, da mesma escritura de “DIVISÃO DE COISA COMUM” o seguinte: “ – Que as suas representadas são donas e legítimas possuidoras em comum e partes iguais do seguinte imóvel: - edifício de rés-do-chão e cinco andares com lados direito e esquerdo, sito em ................., Rua ...................., números ......, ...... A, B,C e D, na freguesia da ................., concelho de Lisboa (…) com o valor patrimonial de 157.816,76€ a que atribuem igual valor.----- 16. A procuração e a fotocópia autenticada de procuração cujo arquivo é mencionado em 12., são as procurações mencionadas em 1. e 11., e foram emitidas na sequência do acordo referido em 10. [cfr. certidões de fls. 47-51 (já dado por reproduzido), de fls. 53-55 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) e de fls. 251 a 254 (igualmente já dado por reproduzido integralmente) e depoimentos de Maria .............................e João .............................]. Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil e tendo por referência a certidão de escritura pública que consta de fls. 53 a 55, acorda-se em alterar a redacção do facto n.º 5. supra, do qual passará a constar o seguinte: Efectivamente, resultou apurado que a liquidação do IMT só foi emitida na sequência da celebração da escritura de divisão de coisa comum (cfr. factualidade vertida no probatório, sob os n.ºs 6: “Sobre o negócio referido em 3) foi liquidado ao impugnante IMT no valor de €38.613,03, calculado à taxa de 6,5% sobre metade do valor patrimonial actualizado do prédio, de €1.188.093,13 (oficio de notificação n°........., de 15/06/2009, e "print" de liquidação, fls.50 e 51 do apenso de reclamação graciosa) e que esta se sustentou, juridicamente, no preceituado no artigo 2.º, n.º 1 e 3 al. c) do CIMT. Este conceito de compropriedade acolhido pela lei reflecte-se, naturalmente, no regime jurídico a que, nos termos do nosso Código Civil, o instituto se acha subordinado: sob o ponto de vista qualitativo, os comproprietários exercem, em conjunto, os direitos do proprietário singular; mas, na actuação desses direitos ou poderes intervém o aspecto quantitativo, de tal modo que os consortes só participam nas vantagens e nos encargos da coisa, em proporção das suas quotas. (artigo 1405.º do Código Civil). Trata-se, como a doutrina vem salientando, de uma compropriedade de carácter individualista, de origem latina, caracterizada, do ponto de vista externo, pela existência de duas titularidades: uma, que, residindo no colectivo dos consortes, goza de todos os direitos pertencentes ao proprietário singular; outra, específica dos vários comproprietários, individualmente considerados, e que se traduz na faculdade que a cada um assiste de dispor da sua quota e, em consequência, da sua qualidade de consorte, e de pôr termo à indivisão. E embora a cessação ou extinção da compropriedade possa ocorrer por outros meios, é no reconhecimento expresso a cada comproprietário da faculdade de obter a divisão da coisa comum que se evidencia o não favorecimento pela lei da situação de compropriedade, acentuando o seu carácter temporário. “O direito potestativo de que trata o art.º 1412.º do Código Civil configura-se como um direito de dissolução da compropriedade, que se diferencia das outras formas de dissolução, pelo facto de se dirigir contra todos os consortes. E pode, nos termos previstos no art.º 1413.º, n.ºs 1 e 2, ser exercido pela via judicial ou extrajudicial – obedecendo, nesta hipótese, à forma exigida para a alienação onerosa da coisa, ou seja, tratando-se de bens imóveis, a escritura pública [art.º 875.º, C.C. e art.º 80.º, n.º 2, alínea l), C. Notariado]. Pela divisão, a coisa adjudicada ou cada parcela dividida fica a ser propriedade exclusiva do comproprietário a quem coube, de modo a poder concluir-se que “… ele foi sempre dono dela e nunca teve a propriedade nos outros bens ou partes pertencentes aos seus antigos consortes.” Sendo que é nisto se consubstancia o designado efeito declarativo da divisão, em contraponto da opinião dominante no direito romano, segundo a qual, a divisão da coisa comum era atributiva ou translativa, já que se traduzia numa espécie de venda em que cada comproprietário vendia ao outro a sua parte no quinhão deste e comprava a parte que este tinha no seu quinhão. Em suma, o contrato de divisão de coisa comum, não configura, face à nossa lei civil, um contrato oneroso de alienação de bens (não há comprador, não há vendedor e não há preço), uma vez que neste contrato os intervenientes já são titulares de uma quota-parte do direito de propriedade, apenas transmutando a situação para a de uma titularidade única (ou mais reduzida) e exclusiva, com as correspondentes contrapartidas. Foi precisamente o que se passou no caso concreto. Munido das procurações emitidas por Leonor ........... (que não inclui qualquer cláusula de “irrevogabilidade”) e da emitida pela Maria ........... (onde a natureza de irrevogabilidade ficou exarada) o Recorrente interveio na celebração do contrato de divisão de coisa comum, ou seja, em representação daquelas e no estrito cumprimento do por elas acordado no contrato-promessa de partilha, celebrando a escritura pública de divisão de coisa comum, traduzida, no caso, na adjudicação do imóvel à Leonor ..........., sem prejuízo das tornas fixadas, da propriedade plena sobre o prédio sito na Rua .................... que determinou a tributação impugnada. Em síntese, não existindo “transmissão onerosa de imóvel” não estão preenchidos os pressuposto da tributação, ou, dito de outro modo, não constituindo a divisão de coisa comum uma alienação onerosa de imóveis também não pode ser sujeita ao regime do artigo 2.º do Código do IMT. E não se diga que este Tribunal está a deslocar o facto tributário “procuração irrevogável” para o “negócio concretizado através daquela” esvaziando de sentido útil a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 2.º e o alargamento do conceito “transmissão onerosa” determinado pelo legislador, desde logo porque o facto tributário não é a procuração mas a transmissão onerosa do bem que o legislador tão só presume como realizada. Donde, afastada a presunção, isto é, provado que não houve transmissão onerosa de bens, pressuposto inultrapassável da concreta tributação e da subsequente obrigação do sujeito, não pode manter-se a liquidação. É, assim, por todo o exposto, de reconhecer razão ao Recorrente e, em conformidade, de revogar a sentença recorrida que assim não julgou, anulando o acto impugnado. 4.4. Pedido de restituição do valor liquidado e pedido indemnizatório O Recorrente peticionou, em consequência da anulação da liquidação, que lhe fosse restituído o valor de imposto liquidado, bem como uma indemnização traduzida no valor correspondente aos juros vencidos sobre aquele valor de imposto, contados desde a data desse pagamento até integral e efectivo pagamento da indemnização devida. V – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, revogando a sentença recorrida, em: - Julgar integralmente procedente a impugnação judicial e, consequentemente, anular a liquidação; - Condenar a Administração Tributária a restituir ao Impugnante o valor pago a título de imposto de IMT pela sua intervenção na qualidade de procurador na escritura de divisão de coisa comum, acrescida de juros contados desde a data da decisão da reclamação graciosa (27-1-2010) até integral e efectivo pagamento. Custas pela Recorrida. Registe e notifique. ***** Lisboa, 28 de Fevereiro de 2019 [Anabela Russo] [Jorge Cortês] _________________________________________ (1) Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal central Administrativo Sul, de 25 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 6623/13, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt (2) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I., anotação 9 ao artigo 640.º., pág. 771, No mesmo sentido os Acórdãos do STJ aí citados, designadamente: de 19-2-15 (299/05); 31-5-16 (1572/12), 9-6-2016 (6617/07) e 28-4-16 (1006/12), integralmente disponíveis em www.dgsi.pt (3) J.L Saldanha Sanches, “Os limites do planeamento fiscal”, Coimbra Editora, 2006, páginas 199 e seguintes, a que nos reportámos nas citações subsequentes se outra menção específica não deixarmos realizada. (4) Conclusões da Advogada-Geral Juliane Kokkot, apresentadas a 1 de Março de 2018, no processo n.º C-119/16, C DANMARK I contra Skatteministeriet (5) Neste sentido, Pais de Vasconcelos, “A Procuração Irrevogável2, Almedina, 2002, págs. (6) Acórdão da Relação de Coimbra, de 10 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 164705.7TBVLF.C2, integralmente disponível em www.dgsi.pt (7) Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 601/09, integralmente disponível em www.dgsi.pt |