Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7498/14.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRECTA
PRESSUPOSTOS E FUNDAMENTAÇÃO
CRITÉRIOS DA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
ÓNUS DA PROVA DO EXCESSO NA RESPECTIVA QUANTIFICAÇÃO
ROL DE TESTEMUNHAS PROTESTADO JUNTAR
Sumário:I – Compete à administração tributária o ónus da prova, não só da verificação dos pressupostos da aplicação de métodos indiciários ou indirectos, como também da fundamentação dos critérios que utilize na quantificação da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.

II - No que se refere ao critério para a quantificação da matéria colectável, bastará à administração tributária referir o critério que utilizou, pela indicação dos elementos que permitam ao contribuinte (e, se for caso disso, ao tribunal) ficar a conhecer o critério utilizado, para que possa ser invocado e demonstrado o erro ou desacerto desse critério e, portanto, a falta de fundamentação material do acto, a qual integra vício de violação de lei.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Primeira Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por C , com os sinais nos autos, contra a liquidação adicional de IRS de 1996, no valor de 1.717.689$00 e os juros compensatórios liquidados no valor de 767.905$00 e que, em consequência, anulou a parte da liquidação de IRS relativa ao exercício de 1996, derivada de correcções com recurso a métodos indirectos, efectuadas na sequência da acção inspectiva, mantendo-se a liquidação quanto às correcções efectuadas de natureza meramente aritmética, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

« 1) A sentença impugnada decidiu pela procedência parcial da impugnação, anulando a parte da liquidação impugnada que resultou de métodos indirectos, por considerar ter sido incumprido o dever legal de fundamentação, quer quanto à verificação dos pressupostos de recurso a métodos indirectos, quer quanto à sua quantificação, e mantendo a parte da liquidação resultante de correcções aritméticas.

2) A Fazenda Pública discorda dessa decisão, entendendo que a inspecção tributária detectou e canalizou para o procedimento factos suficientes para legitimar o recurso a métodos indirectos, o qual, se encontra assim suficientemente fundamento no respectivo relatório, tal como de resto acontece com a quantificação da matéria colectável apurada com recurso a essa metodologia;

3) Entendendo ainda que a douta sentença recorrida se encontra ferida de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de factos e que, decidindo no sentido em que decidiu, fez uma errada apreciação dos factos e do direito aplicável, do que resultou um errado julgamento da situação em apreciação.

4) Quanto aos pressupostos para a decisão de recurso a métodos indirectos, entendemos, contrariamente àquilo que foi conclusão da douta sentença, que pelo menos um dos fundamentos apontados pela Inspecção Tributária no seu relatório se encontra claramente verificado, cabalmente demonstrado em meios de prova adequados, e suficientemente fundamentado nesse mesmo relatório. Concretamente, a inexistência na escrita da impugnante de documentos de suporte dos registos de compras do primeiro trimestre de 1996.

5) Efectivamente, o relatório de inspecção dá conta de que o inspector tributário responsável pela acção de inspecção em causa verificou pessoalmente que "Nos livros de registo de compras efectuadas estão contabilizadas as suas aquisições de Janeiro a Setembro de 1996... data da cessação da sua actividade)

Mas que verificou também que "Tais registos não têm, como seu suporte, a totalidade das respectivas facturas e/ou documentos equivalentes, uma vez que, por parte do sujeito passivo, apenas foram disponibilizados os respeitantes ao período de 01.04.96 a 30.09.96 e desconhecendo o mesmo, conforme Termos de Declarações de fis. 34 e de fis 35 a 37, onde poderão encontrar-se as facturas e/ou outros documentos, ou seja, os respeitantes às compras efectuadas durante o período de 01.01.96 a 31.03.96 (1.° trimestre/ 96)."

6) Aliás, a inexistência destes documentos de suporte foi dada como facto provado pela douta sentença, fundamentalmente com base na verificação directa por parte do inspector tributário, e ainda pela sua confirmação por parte da impugnante.

7) No entanto, a douta sentença conclui também que "Porém assim não entendeu de forma coerente a A T e isto porque a AT no que respeita ao mês de Fevereiro efectuou uma correcção aos custos declarados com base nos livros, conforme se encontra vertido no relatório, pelo que, não obstante não ter acesso aos documentos com base nos quais foram efectuados os registos, não deixou de considerar aquela escituração como verdadeira, sendo que é com base na mesma, e aplicando-lhe as margens indicadas pelo sujeito passivo em relação a cada negócio que pretende efectuar a avaliação indirecta."

8) Ora, tal conclusão (a de que a AT considerou fidedignos os valores escriturados pela impugnante e como tal não poderia lançar mão de métodos indirectos) consubstancia uma causa de nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificam. Na realidade entendemos mesmo, mais uma vez, salvo o devido respeito, que não existem factos provados em que ela possa ser suportada.

9) É certo que a douta sentença refere que tal se encontra vertido no relatório, mas sem no entanto especificar ou identificar qual a parte do relatório em que isso acontece. Sem o que não é possível confirmar a fundamentação de facto em dúvida. Ou seja, em que capítulo e em que contexto tal correcção aos custos de Fevereiro se encontra vertida no relatório? Quais os custos em causa?

10) Em qualquer caso entendemos ainda que nesta parte a douta sentença encerra em si mesmo um erro de julgamento decorrente de uma errada apreciação e decisão sobre a matéria de facto e sobre o direito aplicável. Circunstância suficiente para que, em nosso entendimento, e salvo o devido respeito, deva ser revogada.

11) Efectivamente, a douta sentença recorrida conclui, com base nos factos dados como provados a partir do relatório inspectivo que foram feitas correcções aos custos declarados pela recorrida.

12) Acontece que, sem prejuízo de melhor opinião e salvo o devido respeito, aquilo que resulta do dito relatório não é que foram feitas correcções aos custos (aliás, nem os métodos indirectos são uma metodologia de encontrar valores de custos, são sim uma metodologia de determinar a matéria colectável), mas sim que foi calculado o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas em qualquer dos sectores de actividade desenvolvidas pela recorrida, de maneira a aplicar-lha margem de comercialização respectiva, e assim, completar a tarefa de determinação da sua matéria tributável por métodos indirectos.

13) Houve por isso um erro na apreciação da matéria de facto pois que efectuar correcções aos custos de uma determinada actividade económica não é o mesmo do que determinar o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas.

14) Ao que acresce que, houve também uma errada apreciação e aplicação do direito aplicável. Efectivamente, a douta sentença conclui também que, “... embora a AT indique o facto de não lhe terem sido apresentados os documentos relativos ao primeiro trimestre do exercício de 1996 não põe em causa os valores escriturados, pelo que, afinal temos de concluir, os mesmos foram considerados fidedignos, pelo que a AT não pode com base nesse facto decidir pela utilização de métodos indirectos.”

15) Esta conclusão surge na sequência de uma outra, segundo a qual a AT teria feito correcções aos custos declarados com base nos livros e relativamente ao mês de Fevereiro. Vimos já que, em nosso entendimento, a correcta apreciação da matéria de facto dada como provada e de resto, os factos efectivamente ocorridos, não permitem tal conclusão.

16) Mas, mesmo que assim fosse, tal circunstância só por si não poderia ter como consequência tornar credível toda a escrita da impugnante, e obstar à determinação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, como parece defender a douta sentença.

17) Tal conclusão assenta numa errada aplicação do direito aplicável, uma vez que o recurso a métodos indirectos não obsta a que na determinação da respectiva matéria colectável sejam utilizados, sempre que possível elementos concretos da escrita contribuinte.

18) Pelo que, salvo o devido respeito, entendemos que a conclusão tirada na douta sentença de que “... a fundamentação vertida no relatório de inspecção, acaba por ser insuficiente para a determinação da AT no sentido do recurso aos métodos indirectos, mostra-se incoerente, por a AT por um lado afirmar ter reunido os pressupostos para tal decisão, não agindo porém e como já se disse de forma coerente com aquela tomada de decisão, tomando em consideração os elementos da contabilidade, que acaba por defender serem incorrectos e não credíveis.” resulta de um erro de julgamento por errada apreciação da matéria de facto e da matéria de direito.

19) Mas, a douta sentença conclui também que a quantificação da matéria tributável feita pela AT com recurso a métodos indirectos não foi objecto da devida fundamentação.

20) Salvo o devido respeito, entendemos que também este segmento a douta sentença recorrida padece de nulidade, e assenta num erro de julgamento.

21) Efectivamente, nela se conclui “... que também a quantificação não resulta totalmente clara, sendo que o conteúdo do dever de fundamentação incide também sobre esta decisão da AT e não resulta claro porque no que respeita ao sector das mercadorias (supomos que aqui se estará a referir ao sector da mercearia, pois a actividade da impugnante divida-se em mercearia e em restauração e mercadorias são apenas uma componente da generalidade das actividades), o valor da margem de lucro que a AT considerou, tendo por base as declarações da impugnante, é aplicado sobre o custo das mercadorias e matérias consumidas, sendo que porém como custo, a AT não levou em consideração aquele mesmo valor, mas apenas o valor das compras efectuadas naquele ano, o que resultou num valor de proveitos superior ao que resultaria da consideração daquele valor, sem que a AT venha fundamentar a razão da desconsideração do já referido valor de existências iniciais, quando, como se disse já, o leva em consideração para chegar às vendas presumidas no sector da mercearia.”

22) Entendemos que se verifica uma causa de nulidade da sentença desde logo porque a mesma, concluindo como acima de transcreveu, não especifica minimamente quais os fundamentos de facto em que suporta tal conclusão. Sendo certo que de entre a matéria de facto dada como provada não se detectam factos que permitam aquela conclusão.

23) Na realidade, contrariamente ao que conclui a douta sentença recorrida, e salvo o devido respeito, entendemos que a quantificação da matéria colectável, nomeadamente no sector da mercearia, se encontra devidamente fundamentada. E, na determinação dessa matéria colectável foi efectivamente considerado o valor das existências inicias do exercício, por via da determinação do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas, contrariamente ao que é conclusão tirada pela douta sentença recorrida.

24) Efectivamente, se atentarmos no capítulo V, do relatório de inspecção, dedicado aos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, constataremos que, a AT procedeu à determinação do custo das mercadorias vendidas, para o que considerou o valor das existências iniciais, correspondente ao valor das existências finais do exercício anterior, ao qual aplicou a margem de comercialização utilizada.

25) Simplesmente, deixou de fora da aplicação dessa margem de comercialização o valor das mercadorias em existência no estabelecimento à data da cessação de actividade, uma vez que foram transmitidas ao valor de custo.

26) Salvo o devido respeito, era esta a conclusão a que a matéria de facto dada como provada deveria conduzir.

27) Do que decorre, em consequência, que a quantificação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos se encontra fundamentada. Do que decorre assim também que a sentença recorrida, decidindo como decidiu, com base numa errada apreciação dos factos e do direito, teve como consequência um julgamento errado da situação em apreciação.

28) Razão pela qual, não sendo declarada a sua nulidade com o fundamento acima invocado, se impõe a sua revogação que, desde já, se requer.


Por tudo quanto deverá o presente recurso merecer total provimento. Pelo que, revogando a douta sentença recorrida, farão VOSSAS EXCELÊNCIAS, EXECELENTÍSSIMOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES, JUSTIÇA



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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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Foi dada vista ao Ministério Público, o qual se pronunciou no sentido da procedência do recurso, invocando a respectiva posição tomada em primeira instância.

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.


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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir:

i) se ocorre a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto para julgar que a AT não fundamentou o recurso à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos, bem como a quantificação da matéria tributável;

ii) se a sentença incorre em erro de julgamento na apreciação dos factos e do direito aplicável ao decidir que a falta de documentos de suporte da escrita relativa ao primeiro trimestre de 1996 não impediu a correcção dos custos incorridos naquele período e assim sendo não constituía pressuposto do recurso a métodos indirectos;

iii) se ocorre erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito no que concerne à falta de fundamentação da quantificação da matéria tributável.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

« a) A 07/11/2000 foi emitido o ofício n.° ..... com o assunto “Notificação dos actos resultantes do relatório de Inspecção Tributária (art.° 77 da Lei Geral Tributária e art.° 61 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária)” indicando a fixação, por métodos indirectos, nos termos do artigo 87.° a 90.° da LGT e art.° 38 do CIRS, relativo a 1996, de 7.359.134$00 de rendimento líquido do exercício (cfr. cópia de ofício a fls. 17 dos autos);
b) Do mesmo documento lê-se: “A decisão (...) referida no ponto anterior tem por base os factos, motivos e fundamentos e, bem assim, os critérios e cálculos que originaram os valores acima referidos, expressamente desenvolvidos no relatório de inspecção tributária, que faz parte integrante da presente notificação (cfr. cópia de ofício a fls. 17 dos autos);
c) A impugnante foi inspeccionada em sede de IVA e IRS, em relação aos exercícios de 1996 e 1997 (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 20 a 41 dos autos);
d) Do procedimento de inspecção concluiu-se serem de efectuar as seguintes correcções (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 20 a 41 dos autos, mais concretamente a fls. 20):
Ano de 1996 — Correcções Meramente Aritméticas:
IRS -1.609171$00
IVA-41.374100
Ano de 1996 — Correcções pelo recurso à aplicação de métodos indirectos:
IRS-11.641.391100
IVA-1.896.504100
e) Lê-se, além do mais, do relatório de inspecção, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido “III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável” (relatório de inspecção tributária de fls. 20 a 41 dos autos, concretamente fls. 23):
“3.2. Em custos:
Declarou a menos, no Anexo B1 e em compras de mercadorias u, como seria o caso, em compras de matérias primas subsidiárias e de consumo, a verba de 279 816$, uma vez que devido a erro de soma cometido no Livro Modelo 2 de Compras para o “sector” da restauração e respeitante ao mês de Fevereiro de 1996, deveria ter sido considerado como total do valor liquido das compras o valor de 360 527$ (conforme verificação e comprovação directa (...)).”
f) Lê-se, além do mais, do relatório de inspecção, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, “IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos” (relatório de inspecção tributária de fls. 20 a 41 dos autos, concretamente fls. 23 a 27):
“1. A presente acção inspectiva é dirigida ao IRS e ao IVA e respeita ao exercício da actividade de "Café - Casa de Pasto - Mercearia", actividade que durante o ano de 1996 foi exercida de 01.01.96 ate 30.09.96 (data da cessação por parte do presente SP).
2. Quadro resumo dos seus elementos declarativos para o IRS, recolhidos do Anexo B 1 (rendimentos comerciais /industriais - categoria C e em nome de C.....), apresentado com referência ao exercício objecto da presente acção inspectiva:

RUBRICA 1996
- Vendas de mercadorias (“mercearia” + “imobilizado”).. 16 532 850$
- Vendas de produtos fabricados (“tabacos”) ..................... 2 547 731$
- Prestações de serviços (“café”+ “casa de pasto”).............. 10 365 728$
- Variação em existências ....................................................... (8 590 160$)
- TOTAL PROVEITOS ............................................................ 20 856 149$
- Compras de mercadorias (p/ mercear. e p/ café)............. 18 113 969$
- Compras mat. Primas, sub.e cons. (tabacos)....................... 2 414 911$
- Despesas gerais........................................................................ 3 000 355$
- TOTAL CUSTOS...................................................................... 23 529 235$
- RESULTADO APURADO (DECL. P/SP)............................ (2 673 086$)

3. O SP possui como elementos de escrituração os livros de registo a que se refere o art.° 50.° do CIVA.
4. De acordo com o averiguado e tendo em consideração os seus livros de registo, documentação de suporte e a forma como a actividade terá sido desenvolvida durante o ano de 1 996, constatámos e verificámos os seguintes tipos de situações:
4.1 - Durante a visita e enquanto decorreu a análise e recolha dos elementos considerados necessários para a execução da acção inspectiva superiormente determinada, para além da presença do SP, tivemos o apoio e acompanhamento, mais ou menos permanente, de seu filho senhor V....., pessoa que actualmente exerce, em seu nome, a actividade do "Café / Restaurante" que constituía um dos dois sectores da actividade exercida por sua mãe e presente SP e que, conjuntamente com a sua esposa, com ela colaborava a tempo inteiro no estabelecimento (com o estatuto de empregado, embora os dois tivessem uma responsabilidade directa e assumida de quem, na pratica, geria este sector da actividade, pelo que constitui, na nossa opinião, pessoa tão ou mais abalizada que aquela para prestar as informações e esclarecimentos quanta ao exercício e pratica da mesma).
4.2 - Tal acompanhamento e prestação de esclarecimentos / informações, por parte do Sr. V..... tem perfeita acuidade, uma vez que, tal como o já havíamos referido no ponto 1.2 do item III, este mesmo SP foi recentemente objecto de uma outra acção inspectiva também dirigida ao IRS e ao IVA e ao mesmo estabelecimento (embora este apenas tenha ficado com parte/sector da "restauração") e cuja extensão, em termos de temporalidade, foi direccionada aos anos de 1997 e 1998.
4.3 - É importante aqui referirmos que essa mesma acção justificou correcções pelo recurso a aplicação de métodos indirectos, correcções à matéria tributável para o IRS e em imposto em falta para efeitos do IVA e cujos factos e fundamentos correspondem, na sua quase generalidade, a factos e/ou situações também verificados no presente exercício e em nome de sua mãe (SP - C.....).
4.4 - Constituindo, eventualmente, os aspectos mais relevantes das averiguações efectuadas, verifiquemos os seguintes aspectos e dados conclusivos relativamente às compras e/ou outros tipos de aquisições de mercadorias (para o sector da "mercearia") e de matérias-primas, subsidiárias e de consumo para o sector da "restauração" ("café / casa de pasto / taberna"):
4.4.1 - Nos livros de registo das compras efectuadas (um livro de registo Mod. 2 para cada um dos sectores) estão contabilizadas as suas aquisições de Janeiro a Setembro de 1996 e, embora com alguns erros, os valores encontram-se discriminados por valor líquido, imposto (IVA) dedutível e das taxas reduzidas e normal e outras.
4.4.2 - Tais registos não têm, como seu suporte, a totalidade das respectivas facturas e/ou documentos equivalentes, uma vez que, por parte do SP, apenas foram disponibilizados os respeitantes ao período de 01.04.96 a 30.09.96 e desconhecendo o mesmo, conforme Termos de Declarações de fls. 34 e de fls. 35 a 37, onde poderão encontrar-se as facturas e/ou outros documentos, ou seja, os respeitantes as compras efectuadas durante o período de 01.01.96 a 31.03.96 (l.° trimestre /96).
4.4.3 - De acordo ainda com o declarado pelo SP nos Termos de Declarações a que nos referimos anteriormente, o próprio confirma a omissão de compras efectuadas para consumo no estabelecimento e necessárias para a pratica e exercício da actividade (sector da "restauração").
4.4.4 - Conforme se constata do Relatório de Inspecção Tributária elaborado para os anos de 1997 e de 1998, também nesses dois anos se verificou a omissão de compras (actividade já a ser exercida em nome de V.....).
4.4.5 - De fls. 24 a fls. 28 apresentamos o resultado do trabalho efectuado em conjunto com o SP (representada por seu filho) e em que foi considerado o valor anual em falta para cada um dos produtos ali descritos, produtos e/ou grupos em que foram praticadas omissões de compras, constituindo o documento de fls. 37, rubricado pelo próprio e a quem foi entregue uma cópia, um resumo geral dessas omissões.
4.5 - Relativamente ao sector da "mercearia", actividade que a partir de 01.10.96 (cessação em nome do SP ocorrida em 30.09.96) passou a ser exercida por sua filha C....., verificámos o seguinte:
4.5.1 - As compras para este sector da actividade encontram-se registadas, como já o havíamos referido em 4.4.1, num outro livro de registo Modelo 2 (não estão, pois, em conjunto com as efectuadas para o sector da "restauração").
4.5.2 - A exemplo do ocorrido relativamente à não disponibilização das facturas das aquisições efectuadas durante o 1.° trimestre do ano de 1996 para o sector da "restauração", também desconhece onde possam estar as facturas correspondentes às compras efectuadas durante o 1.° trimestre de 1996 e respeitantes ao sector da "mercearia".
4.5.3 - No entanto, no livro de registo das compras estão contabilizados valores para os meses de Janeiro, Fevereiro e Março e cujos montantes fazem parte do total acumulado contabilizado e declarado para o ano de 1 996,
4.5.4 - O SP cometeu alguns erros nos seus registos das compras e na transposição dos respectivos valores para o Anexo BI-Declaração Mod. 2 - IRS (correcções aritméticas do valor de 279 816$ + 172 730$ = 452 546$), erros que só afectam o sector da "restauração", pelo que, analisando os elementos declarados pelo SP, não se justifica que declare, para este sector da actividade ("mercearia"), uma rentabilidade / margens de
comercialização / lucro bruto negativas, como procuraremos demonstrar de seguida:
4.5.4.1 - Custo bruto das vendas "mercearia" (declarado):
a) Existência inicial (em 01.01.96 de mercadorias para o sector da "mercearia"
..........(+) 5 771 439$
b) Compras de mercadorias p/sector..............................................(+)13 082 385$
c) Existência final (30.09.96)...........................................................................(-) 0$
d) CUSTO MERCAD. VENDIDA....................................................18 853 824$
4.5.4.2 - Vendas declaradas para a "mercearia":
a) Vendas contabilizadas (p/exterior)................................................... 12.614.600$
b) Vendas, a preço de custo, das mercadorias em existência no estabelecimento a
data da cessação - 30.09.96 (a sua filha C.....)........................................2.540.250$
c) VALOR TOTAL VENDAS DEC................................................... 15.154850$
4.5.4.3 - MARGEM DE LUCRO BRUTO-NEG...............................(3.383.974$)
4.5.5 - Justifica-se deixarmos aqui esclarecido que no campo 09 do quadro 5 do Anexo B I, quando o SP indica, como valor anual das suas vendas, o valor de 16 532 850$, este valor inclui, para além do montante supra referido de vendas para o sector da "mercearia" de 15 132 850$ (a que se devera acrescer o montante de 22 000$ que por lapso o SP não havia incluído e que correspondem as vendas efectuadas em 30.09.96 a sua filha C..... das mercadorias da taxa de 12% do IVA), também a verba de 1 400 000$ que o SP indevidamente considerou como vendas de mercadorias e que se refere ao valor de realização pela transmissão de duas viaturas que se encontravam no activo imobilizado da empresa, também alienadas em 30.09.96, data da sua cessação.
5. Assim e face ao exposto, somos da opinião que se justifica o recurso a aplicação de métodos indirectos, tal como esta determinado e a que se referem os art° 38.° do CIRS e art.° s 51.° e 52.° do CIRC (ao caso aplicáveis), uma vez que existem indícios seguros de que a sua contabilidade / livros de escrituração e registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o(s) resultado(s) efectivamente obtido(s) e por não ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, indícios a que nos referimos anteriormente e que sintetizamos nos seguintes pontos :
5.1 - Prejuízo fiscal declarado para o IRS - Categoria C (rendimentos comerciais e industriais) e para o ano de 1996, sem que tenham sido apresentadas e / ou fundamentadas razões consistentes para tal (relativamente aos dois exercícios imediatamente anteriores, ou seja, para os anos de 1 995 e 1 994, declarou, respectivamente, os lucros tributáveis / resultados de 1 58681$ e 1 452601$).
5.2 - Reconhecimento, por parte do SP, de terem sido praticadas omissões de compras, não só por inexistência das facturas / documentos equivalentes, como igualmente por falta dos respectivos registos no livro de escrituração (e aqui foram não só omitidas compras como também não foram registados outros tipos de "entradas" de produtos e/ou matérias-primas para consumo no estabelecimento e na actividade e que possam, eventualmente, ter sido "adquiridas sem encargos" - "peixe do rio", "caça", "hortaliças e legumes", etc.).
5.3 - A situação específica do sector da "mercearia", em que o próprio afirma ser de cerca de 15% a margem de comercialização normalmente praticada / % sobre o custo, margem média eventualmente considerada por defeito, mas que nós próprios admitimos e aceitamos e que nada tem a ver com o declarado e expresso no resultado negativo apurado pelo SP (situação referida em 4.5, ou, mais propriamente, no ponto 4.5.4).
5.4 - Inclusivamente no sector de "tabacos" há indícios de ter sido "trabalhado" o valor declarado como vendas - 2 547 731$, já que, tendo sido adquirido, durante o ano, um montante de 2 414 911$, como se explicam os registos diários/mensais e que conduzem a um valor total contabilizado de 2 035 386$ e a que, embora não contabilizado, se poderá / deverá acrescer o valor de 85 661$ correspondente à venda efectuada a seu filho V....., que a partir de 01.10.96 passou a exercer a actividade em seu nome, totalizando, pois, o valor de 2 121 047$ - (Esclarece-se que para um custo como o contabilizado e declarado e a % comercialização - expressa em desconto - mais ou menos fixa para os tabacos da ordem dos 5,5 %, o valor "normal" das vendas "deverá ser" semelhante ao declarado).
g) Lê-se do relatório de inspecção “V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos” (relatório de inspecção tributária de fls. 20 a 41 dos autos, concretamente fls. 27 a 35):
“Face ao demonstrado no item IV e em que procuramos justificar os motivos e factos que, na nossa perspectiva, implicam, o recurso à utilização de métodos indirectos, iremos proceder ao cálculo dos valores que justificam as competentes correcções em sede do IRS e do IVA, respectivamente à matéria tributável e ao imposto, bem como definiremos, para cada um dos dois sectores da actividade que o SP exerceu de 01.01.96 a 30.09.96 ("Mercearia" e "Restauração"), os respectivos critérios.
1. CÁLCULO DO CUSTO DAS MERCADORIAS VENDIDAS E DAS MATÉRIAS CONSUMIDAS - ANO DE 1 996
1.1 - Consideramos como Existências Iniciais (EF'95 / EI'96), o valor declarado pelo SP no Anexo BI e que, de acordo com o contabilizado (possui em arquivos documentos de apoio) no competente livro de registo, se subdivide, relativamente aos dois sectores da actividade, da seguinte forma:
1.1.1 - Sector da "mercearia" (mercadorias)............. 5.771.439$
1.1.2 - Sector da "restauração” (mat.-primas)...........2.818.721$
1.1.3 - "Tabacos".......................................................................0$
1.1.4 - Valor total, da Existência Inicial..................... 8 590 160$
1.2 - Não foram declaradas e, como tal, não consideramos Existências Finais, uma vez que o SP transmitiu toda a mercadoria que possuía no estabelecimento na data de 30.09.96 (data da cessação, em seu nome, do exercício de toda a actividade), transmissão efectuada (a preço de custo) a seus dois filhos que entretanto se registaram para início, em 01.10.96, da actividade de "Mercearia” (sua filha C.....) e de "Café Restaurante" (seu filho V.....).
1.3 - Relativamente às compras efectuadas e tal como já o havíamos referido anteriormente, as mesmas encontram-se registadas em separado e foram utilizados dois livros de registo de compras Modelo 2 (um para cada um dos sectores e constando as compras de "tabacos" no livro de registo das aquisições para o sector da "restauração"), justificando-se, no entanto e para além da respectiva sectorização, que para o cálculo do CMVMC sejam consideradas, não só as "compras ejou entradas de produtos" em falta (para o sector da "restauração", conforme discriminação constante do Anexo A e que constitui fls. 24 a fls. 28), mas igualmente as correcções meramente aritméticas a que nos referimos no ponto 3. do item III (estas também apenas com incidência no sector da "restauração") e o "auto-consumo" (relativamente ao analisado, apenas com reflexos e incidência também neste
mesmo sector - "restauração") .
1.3.1 - Compras para o sector da "mercearia":
a) Contabilizadas.......................................................... 13 082 385$
b) Total compras p/ sector "mercearia"..................13 082 385$
1.3.2 - Compras para o sector da "restauração":
a) Contabilizadas........................................................5 204 314$
b) Omitidas..................................................................... 2 167000$
c) Correcção por erro........................................................279 816$
d) Total compras p/ sector "restauração".................. 7 651 130$
1.3.3 - Compras de "tabacos" (valor contabiliz.)....... 2 414 911$
1.3.4 - Valor total das compras a considerar p/ ano .23 148 426$
1.4 - Valor a considerar para o "auto-consumo" e respeitante ao sector da "restauração":
1.4.1 - Durante o ano de 1 996 e a trabalhar no estabelecimento e neste sector da actividade, poderemos considerar três pessoas a tempo inteiro (o SP e seu filho e nora, estes dois com o estatuto de empregados) e que ali tomavam as suas refeições.
1.4.2 - Iremos considerar, para o ano de 1 996, o valor do subsídio de (...)
1.5 - De acordo, pois, com tais critérios, será o seguinte o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas, sector a sector;

2. CÁLCULO DAS VENDAS - SECTOR DA "MERCEARIA"
2.1 - Conforme demonstração efectuada em 1.5.1, o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas foi de 18 853 824$.
2.2 - Porque em 30.09.96, data da cessação do exercício da actividade, transmitiu a sua filha C....., conforme factura n.° 2433, dessa data (fotocópia de fls. 41), as mercadorias que se encontravam em existência no estabelecimento e do valor total de .... 2.540 .250$ (vendas efectuadas a preço de custo), iremos abater esse valor ao CMVMC e, com o novo valor para o custo, vamos encontrar, depois da aplicação da margem de comercialização (% sobre o custo), o montante das vendas para o exterior/público consumidor em geral.
2.3 - Assim, será o seguinte o CMVMC para as vendas ao público:
18 853 824$- 2540250$ - 16 313 574$.
2.4 - Relativamente à margem de comercialização / % sobre o custo com que iremos trabalhar, consideramos o seguinte :
2.4.1 - O SP cessou o exercício da actividade em seu nome no dia 30 de Setembro de 1996.
2.4.2 - A partir de 01 de Outubro desse mesmo ano de 1 996 e situação que ainda se verifica neste momento, a actividade passou a ser exercida em nome de outra pessoa - sua filha C......
2.4.3 - Por falta de elementos, nomeadamente os preços de venda ao público dos vários produtos que transaccionava no estabelecimento e em vigor à data e porque actualmente é outra pessoa que o explora e aí exerce a actividade, estará prejudicada a amostragem que nos permitiria encontrar, com alguma credibilidade, as suas margens de comercialização.
2.4.4 - Claro que a existência de "rácios" e a possibilidade de pesquisa na zona e em estabelecimentos congéneres (inclusivamente o próprio), nos poderiam conduzir a indicadores médios eventualmente aceitáveis e porventura aplicáveis neste sector da actividade ("mercearia").
2.4.5 - No entanto e porque tal procedimento conteria sempre algo de aleatório, pensamos ser razoável aceitar e, como tal, será com ela que iremos trabalhar, a margem de comercialização que o próprio SP nos indicou como aquela que em média aplicaria, ou seja, 15% sobre o custo, tal como consta do documento que ambos rubricámos e que constitui fls. 37 (aceite igualmente, para além das raz5es antes expostas, tendo ainda em consideração, para além do tipo de actividade e produtos comercializados, parte deles com margens normalmente baixas, a zona em que se situa o estabelecimento e a nossa própria experiência adquirida noutros tipos de trabalhos que já efectuados nesta área).
2.4.6 - Face ao referido, encontramos, para as vendas efectuadas ao público consumidor em geral, o seguinte valor:
16313 574$ x 115% = 18 760 610$.
2.5 - Em conclusão, VENDAS TOTAIS PARA A "MERCEARIA":
a) Vendas ao público em geral.................................... 18 760 610$
b) Vendas a sua filha a preço de custo......................2 540 250$
c) TOTAL DAS VEND AS A CONSIDERAR....21 300 860$.
(...)
6.1 - PROVEITOS:
6.1.1 - Vendas ■ "mercearia"...........................................................21 300 860$
6.1.2 - Vendas de "tabacos" ..............................................................2 547 731$
6.1.3 - Total apurado para as vendas de mercadorias.................. 23 848 591$
6.1.4 - Prestações de Serviços - "restauração"..............................18 006 109$
6.1.5 - Variação das existências.....................................................(8 590 160$)
6.1.6 - Outros proveitos (cont.º exclusividade)...............................243 375$
6.2 - CUSTOS:
6.2.1 - Compras mercadorias - "mercearia"................................. 13 082 385$
6.2.2 - Compras mercadorias - "tabacos"......................................2 414 911 $
6.2.3 - Total apurado para as compras de mercadorias.............. 15 497 296$
6.2.4 - Compras mat-ptimas, sub. e cons. - "restaur.".................. 7 651 130$
6.2.5 - Despesas gerais...................................................................... 3 000 355$
6.2. — Total dos Custos...................................................................26 148 781$
6.2.7 - Resultado Apurado e Propostos........................................7 359 134$
NOTA: - Confirmam-se os pagamentos por conte, efectuados e do valor total, para o ano de 1 996, de............................................................ 125 355$
7.1 - De acordo com os cálculos efectuados e os critérios utilizados para o IRS, constatamos haver Imposto Sobre o Valor Acrescentado em falta.
7.2 - Face as demonstrações efectuadas e aos diversos valores encontrados em vendas e em prestações de serviços, iremos encontrar a BT / VN e o IVA correspondente e que, tendo em consideração o declarado e constante das diversas Declarações Periódicas enviadas ao SIVA (três DP's para os períodos 96 03 T, 96 06 T e 96 09 T), nos permitirá encontrar e sugerir o respectivo montante de imposto em falta.
7.3 - Os valores em falta foram repartidos pelos três períodos de tributação e de forma proporcional (consideramos e aceitamos a repartição efectuada pelo SP, tanto para os valores período a período, como e sobretudo, no que respeita ao sector da "mercearia", a sua repartição pelas diversas taxas do IVA).
7.4 - Para a execução e conclusão do nosso trabalho, foi tido em consideração que, a partir de 01.07.96, não só a taxa do IVA para o sector da "restauração11 foi alterada, tendo passado de 17% para 12%, como e no que respeita ao sector da "mercearia", diversos produtos também viram as respectivas taxas do IVA serem alteradas.
- Conforme mapa resumo e discriminativo (Anexo D - fis. 31), foi apurado o seguinte montante de imposto em falta - métodos indirectos:
7.5.1 - Base Tributável/Volume de Negócios - Apurado............ 40950344$
7.5.2 - « « « « « -Declarado....... 26 898 578$
7.5.3 - « « « « « -- Em falta.......... 14 051 766$
(•••)"
h) A 17/10/2000 foi proferido despacho de concordância com o relatório de inspecção, onde se lê (cfr. despacho a fls. 19 dos autos): “(...) Assim, e porque se verificam os pressupostos consignados no art.° 38.° do CIRS, art.° 87.° e 88.° da Lei Geral Tributária determino, nos termos do art.° 77.° da LGT, o apuramento do rendimento da categoria C de IRS e da base tributável em IVA, com recurso a métodos indirectos, utilizando os critérios propostos na informação”.
i) O despacho foi assinado por José das Neves Raimundo, “Chefe de Divisão” com a indicação “Por delegação do Director de Finanças de Portalegre conforme despacho de 1/04/1999” (cfr. despacho a fls. 19 dos autos);
j) A 29/03/2000 foi lavrado termo de declarações de V....., na qualidade de proprietário de estabelecimento sito na ....., com o seguinte teor (cfr. cópia de termo de declarações, a fls. 33 do PAT):
“Inquirido sobre: (...)
2. ° Sobre diversas omissões de compras de matérias primas verificadas nos seus elementos de escrita, especificando os produtos, quantidades e resectivos valores, relativamente aos anos de 1997 e 1998.
3. ° Sobre a margem de lucro bruta praticada relativamente à sua actividade, naqueles mesmos exercícios, no conjunto da sua actividade de café/ restaurante.
declarou o seguinte:
(...)
2. ° Que admite a existência de omissões de compras de matérias primas relativamente àqueles exercícios, não lhe sendo no entanto já possível quantifica-los.
3. ° Que não sabe qual a margem de lucro praticada relativamente à sua actividade.”
k) A 08/06/2000 foi lavrado termo de declarações de C....., na qualidade de proprietário de estabelecimento sito na ..... (...), com o seguinte teor (cfr. cópia de termo de declarações, a fls. 34 do PAT):
“l.° Já há muito tempo solicitados e por não aparecerem, qual o paradeiro dos documentos de compras do seu estabelecimento, relativamente ao 1.° trimestre de 1996.
2.° Quais os produtos, nomeadamente compras de matérias primas que omitiu na sua escrita, relativamente ao sector café/ restaurante (casa de pasto), durante os 1.°, 2.° e 3.° trimestre de 1996, respectivas espécies e montantes.
Declarou o seguinte: Io Que desconhece onde se encontram os documentos referidos. 2.° Que efectivamente omitiu compras efectuadas para o seu estabelecimento, desconhecendo porém as respectivas espécies e montantes”.
l) A 28/06/2000 foi lavrado termo de declarações de C....., na qualidade de proprietário de estabelecimento sito na ..... (...), cujo teor se dá por integralmente reproduzido (cfr. cópia de termo de declarações, a fls. 35 do PAT);
m) Com data de 30/09/1996 foi emitida pela ora impugnante a V....., a factura n.°2432, onde se lê (cfr. cópia de fatura a fls. 48 do PAT): “Venda de mercadorias conforme relação anexa — 838 195$00
IVA-12%- 100 583$00
Tabaco-85 664$00”
n) Com data de 30/09/1996 foi emitida pela ora impugnante a C....., a factura n.°2433, onde se lê (cfr. cópia de fatura a fls. 49 do PAT):
“Venda de mercadorias conforme relação anexa:
755.475$00
IVA 5% 37.774$00
1.762.775$00
299.672$00
IVA 17% 22.000$00
IVA 12% 2.640$00”
o) A 15/01/2001 realizou-se a reunião dos peritos da FP e da impugnante para apreciar o pedido de revisão da matéria colectável apurado em sede de IVA e IRS, para o exercício de 1996 (cfr. cópia autenticada de acta da reunião, a fls. 54 e seguintes dos autos);
p) Na reunião a que se refere a alínea anterior não houve acordo dos peritos (cfr. cópia autenticada de acta da reunião, a fls. 54 e seguintes dos autos);
q) A 22/01/2001 foi proferida decisão de indeferimento da reclamação da matéria colectável alcançada por métodos indirectos, mantendo-se os valores fixados (cfr. documento de fls. 56 dos autos);
r) A decisão a que se refere a alínea anterior foi proferida por J....., que assinou como “O Director de Finanças, em substituição” (cfr. documento de fls. 56 dos autos);
s) Foi emitida liquidação de IRS de 1996, apurando um valor total a pagar de 13.062,05€ (cfr. ofício a fls. 86 dos autos);
t) A petição inicial relativa à presente impugnação deu entrada na Repartição de Finanças de Ponte de Sor a 28/08/2001 (cfr. carimbo aposto a £ls. 2 dos autos);»

*
Consta ainda da mesma sentença que «Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.» e que «Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos.».
*

III – 2. Do direito

Antes de mais, para melhor percebermos o alcance do recurso jurisdicional que nos vem dirigido, importa ter presente o âmbito da decisão proferida.

A recorrida exerceu a actividade de café, casa de pasto e mercearia tendo cessado a sua actividade em 30/09/1996. Na mesma data cedeu os estabelecimentos aos seus filhos.

Foi sujeita a uma acção inspectiva que incidiu sobre IRS e IVA, relativos à actividade desenvolvida no referido ano de 1996 (entre Janeiro a Setembro).

A acção de inspecção culminou com correcções meramente aritméticas e com a aplicação de métodos indiciários. A recorrente impugnou a liquidação e na parte resultante da avaliação indiciária o Tribunal a quo concedeu provimento à acção.

Não se conformando com o decidido, a Fazenda Pública apresentou o presente recurso, impondo-se começar por apreciar as nulidades que veem imputadas à sentença, «por falta de especificação dos fundamentos de factos» quanto à decisão de anulação da liquidação impugnada, por falta de fundamentação que legitime o recurso a métodos indirectos, bem como quanto à quantificação efectuada no relatório final (cf. conclusões 2), 3) e 21) e 22)).

Vejamos o que se nos oferece dizer.

O dever de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional, no n.º 1 do artigo 205.º da CRP, dispondo que «[a]s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.» Este imperativo constitucional está consagrado no processo civil, no artigo 154.º do CPC, e no processo tributário no n.º 2 do artigo 123.º do CPPT.

O dever de fundamentação das decisões judiciais visa explicitar os motivos que determinaram o sentido da decisão, por forma a permitir às partes aceitar a decisão ou escrutinar o juízo formulado, caso em que a fundamentação assume um papel importante na apreciação da correcção do juízo formulado e da motivação subjacente à decisão.

Como ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139) «[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base

Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, é nula a sentença, quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão

No processo tributário estatui o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de «nulidades da sentença», que: «1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer

Constitui entendimento uniforme e reiterado da jurisprudência e da doutrina que esta nulidade apenas ocorre com a absoluta falta de indicação dos fundamentos de facto, ou da indicação dos fundamentos de direito da decisão, e não quando a fundamentação seja insuficiente, deficiente ou errada (cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Volume 2.º, p. 736, 4ª edição, Almedina).

Em concreto, a recorrente sustenta a primeira nulidade no facto de a sentença ter julgado que a AT considerou fidedignos os valores escriturados pela impugnante e, como tal, não poderia lançar mão de métodos indirectos, consubstanciando uma causa de nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos em que se fundou.

Ora, da leitura da sentença recorrida constatamos, no que respeita em concreto à decisão da matéria de facto e aos factos provados e não provados, que a mesma procede à expressa menção dos meios probatórios que contribuíram para a formação da convicção do julgador, bem como a localização desses meios de prova nos autos. Verificamos ainda, que é indicada a motivação do Tribunal para o julgamento efectuado. Com efeito, a conclusão de que a AT considerou fidedignos os valores escriturados pela impugnante e, como tal, não poderia lançar mão de métodos indirectos alicerçou-se, bem ou mal, no relatório de inspecção que se encontra transcrito na matéria de facto, na parte que relevou para a decisão.

Resulta ainda, do teor da sentença recorrida, a expressa indicação de que a apreciação e o julgamento efectuados se sustentaram no relatório de inspecção, de acordo com o seguinte discurso fundamentador: «(…) impõe-se, em primeiro lugar, averiguar se a AT coligiu os factos suficientes a considerar-se verificado os pressupostos para se decidir pelo cálculo do rendimento de sujeito passivo aqui impugnante através dos métodos expressamente indirectos. Ora da leitura do relatório de inspeção resulta que foram os seguintes os fundamentos para tal decisão: - Omissão de registo de compras; - Falta de apresentação de documentos de suporte aos registos relativos ao 1º trimestre de 1996; (…)».

O mesmo sucede quanto à segunda nulidade imputada pela recorrente, relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão sobre a quantificação da matéria colectável. Quanto a esta questão o Tribunal a quo sustentou-se no seguinte discurso: «(…) também a quantificação não resulta totalmente clara, sendo que o conteúdo do dever de fundamentação incide também sobre esta concreta decisão da AT, e não resulta clara porque no que respeita ao sector mercadorias, o valor da margem de lucro que a AT considerou, tendo por base as declarações da impugnante, é aplicado sobre o custo das mercadorias e matérias consumidas, sendo que porém como custo, a AT não levou em consideração aquele mesmo valor, mas apenas o valor das compras efectuadas naquele ano, o que resultou num valor de proveitos superior ao que resultaria da consideração daquele valor, sem que a AT venha fundamentar a razão da desconsideração do já referido valor de existências inicias, quando, como se disse já, o leva em consideração para chegar às vendas presumidas no sector da mercearia.

Ora, quanto a este aspecto, há uma total falta de fundamentação, pois que, não resulta de qualquer elemento junto ao relatório de inspecção o motivo que levou a esta tomada de decisão. (…)»

Do que se deixou dito resulta a conclusão de que não ocorrem as apontadas nulidades, configurada a nulidade como absoluta falta de fundamentação, como a própria recorrente admite nas 10ª e 27ª conclusões.

A sentença pode ter julgado mal, caso em que estaremos no âmbito de eventuais erros de julgamento e não no âmbito da nulidade da decisão, pois, reitera-se, o Tribunal a quo indicou os fundamentos de facto em que sustentou o seu julgamento.

Em face do exposto, improcede a questão da nulidade da sentença que nos vinha colocada.

Do erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito quanto à legitimidade do recurso à avaliação indirecta

Nas conclusões 2), 4) a 7) e 10) a 18) do recurso vem imputada à sentença a verificação de erro de julgamento de facto e de direito quanto à legitimidade do recurso à avaliação indirecta e à quantificação da matéria tributável.

Partindo da matéria de facto apurada (cf. alínea f)), o Tribunal a quo concluiu que não resultava da prova adquirida, mais precisamente do relatório de inspecção, a verificação dos pressupostos necessários à aplicação de métodos indirectos.

Vejamos, antes de mais, quais os motivos que determinaram a AT a recorrer à aplicação de métodos indirectos.

Sintetizando, os fundamentos invocados no relatório para o recurso a métodos indirectos são os seguintes:
«5.1 - Prejuízo fiscal declarado para o IRS - Categoria C (rendimentos comerciais e industriais) e para o ano de 1996, sem que tenham sido apresentadas e / ou fundamentadas razões consistentes para tal (relativamente aos dois exercícios imediatamente anteriores, ou seja, para os anos de 1 995 e 1 994, declarou, respectivamente, os lucros tributáveis / resultados de 1 58681$ e 1 452601$).
5.2 - Reconhecimento, por parte do SP, de terem sido praticadas omissões de compras, não só por inexistência das facturas / documentos equivalentes, como igualmente por falta dos respectivos registos no livro de escrituração (e aqui foram não só omitidas compras como também não foram registados outros tipos de "entradas" de produtos e/ou matérias-primas para consumo no estabelecimento e na actividade e que possam, eventualmente, ter sido "adquiridas sem encargos" - "peixe do rio", "caça", "hortaliças e legumes", etc.).
5.3 - A situação específica do sector da "mercearia", em que o próprio afirma ser de cerca de 15% a margem de comercialização normalmente praticada / % sobre o custo, margem média eventualmente considerada por defeito, mas que nós próprios admitimos e aceitamos e que nada tem a ver com o declarado e expresso no resultado negativo apurado pelo SP (situação referida em 4.5, ou, mais propriamente, no ponto 4.5.4).
5.4 - Inclusivamente no sector de "tabacos" há indícios de ter sido "trabalhado" o valor declarado como vendas - 2 547 731$, já que, tendo sido adquirido, durante o ano, um montante de 2 414 911$, como se explicam os registos diários/mensais e que conduzem a um valor total contabilizado de 2 035 386$ e a que, embora não contabilizado, se poderá / deverá acrescer o valor de 85 661$ correspondente à venda efectuada a seu filho V....., que a partir de 01.10.96 passou a exercer a actividade em seu nome, totalizando, pois, o valor de 2 121 047$ - (Esclarece-se que para um custo como o contabilizado e declarado e a % comercialização - expressa em desconto - mais ou menos fixa para os tabacos da ordem dos 5,5 %, o valor "normal" das vendas "deverá ser" semelhante ao declarado).»

A recorrente alega que, pelo menos um dos fundamentos apontados se encontra claramente verificado, suportado em meios de prova adequados e suficientemente fundamentados – a inexistência na escrita da impugnante, ora recorrida, de documentos de suporte dos registos de compras relativos ao primeiro trimestre de 1996.

Mais alega que basta a verificação de um desses fundamentos, a ponto de tornar impossível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, para legitimar o recurso a métodos indirectos.

Vejamos. No ponto IV do relatório que consta da alínea f) da matéria de facto, é descrita a existência de livros de escrita, nos quais, embora com erros, constam registadas as aquisições, inexistindo documentos de suporte relativos aos registos do primeiro trimestre de 1996 (cf. 4.4.1 e 4.2.2).

Mais se fez consignar no relatório de inspecção que a recorrida confirmou, em declarações prestadas no procedimento inspectivo, «a omissão de compras efectuadas para consumo no estabelecimento, necessárias» ao exercício da actividade no sector de restauração, leia-se, café e casa de pasto (cf. 4.4.3).

Quanto ao sector de actividade de mercearia, foi constatado que as compras realizadas nesta actividade foram registadas noutro livro de registo, Modelo 2, verificando-se, também neste sector, a falta de documentos referentes ao primeiro trimestre, assinalando-se que «estão contabilizados valores relativos aos meses de Janeiro a Março que fazem parte do total acumulado contabilizado e declarado para o ano de 1966» (cf. pontos 4.5.1 a 4.5.3, alínea f) da matéria de facto).

Relativamente à falta de documentos, a recorrida C..... prestou declarações no âmbito do procedimento (em 8/6/2000 e 28/7/2000, cf. pontos k) e l) da matéria de facto) confirmando desconhecer o paradeiro dos documentos respeitantes ao primeiro trimestre de 1996.

A questão central é que, o que motivou a AT a lançar mão da avaliação indiciária não foi apenas a inexistência de documentos de suporte dos registos contabilísticos. Foi também a verificação da existência da omissão do registo e declaração das aquisições que se repercutiram na omissão de registo e declaração de proveitos.

São ainda assinalados alguns erros nos registos de compras no sector de restauração que foram objecto de correcções técnicas. No sector de mercearia conclui-se que não se justificava a declaração de «uma rentabilidade/margens de comercialização/lucro bruto negativas» com base na análise do custo bruto das vendas e das vendas declaradas.

Vejamos agora o discurso fundamentador da sentença recorrida: «para o Tribunal é claro que a AT se motivou pela conclusão de se verificar in casu a impossibilidade de determinação directa e exacta de matéria tributável, defendendo existirem indícios seguros de que a contabilidade da impugnante, assim como os livros de escrituração e registos não reflectiram a exacta situação patrimonial e os resultados obtidos e por não ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável\ como se deixou escrito no seu relatório.» Após essa constatação foi efectuada a análise dos fundamentos sintetizados nos pontos 5.1 a 5.4 supra transcritos, concluindo-se que nenhum deles constituiria fundamento de aplicação de métodos indirectos e assim sendo, verificava-se a falta de fundamentação da decisão.

Importa deter-nos, em particular, na apreciação feita pelo Tribunal a quo sobre o fundamento relativo à falta de documentos de suporte dos registos contabilísticos, por constituir o fundamento em que a recorrente coloca o foco do seu recurso para sustentar o erro de julgamento.

A recorrente dirige a sua critica à sentença, imputando-lhe erro de julgamento de facto quando, apesar da verificação da falta de documentos de suporte da contabilidade, que constituiria fundamento para o recurso a métodos indirectos extrai a conclusão de que «assim não entendeu de forma coerente a AT, e isto porque a AT no que respeita ao mês de Fevereiro efectuou uma correcção aos custos declarados com base nos livros, conforme se encontra vertido no relatório, pelo que, não obstante não ter acesso aos documentos com base nos quais foram efectuados os registos, não deixou de considerar aquela escrituração como verdadeira, sendo que é com base na mesma, e aplicando-lhe as margens indicadas pelo sujeito passivo em relação a cada negócio que pretende efectuar a avaliação indirecta.»

Para a recorrente, este silogismo encerra um erro na apreciação da matéria de facto e que consiste na consideração de que foram efectuadas correcções aos custos, quando na realidade analisou os custos registados relativos às mercadorias vendidas e às matérias consumidas nos dois sectores de actividade desenvolvidas pela recorrida, corrigindo erros de cálculo, de forma a permitir-se a aplicação da margem de comercialização respectiva e assim completar a tarefa de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, o que é diferente de efectuar correcções aos custos.

E assim é. Constituindo a avaliação indiciária ou indirecta de determinação da matéria colectável um desvio ao princípio da tributação pelo lucro real, a sua aplicação constitui um meio subsidiário, a ser utilizado como ultima ratio. Ora, sempre que se imponha a aplicação de métodos indirectos, deve ser privilegiada, concomitantemente, a aplicação de métodos directos, ou o mais aproximada possível, nos aspectos em que tal se mostre possível.

No caso dos autos, foram efectuadas quatro correcções aritméticas, uma favorável ao Estado e três favoráveis à recorrida, uma delas em Fevereiro, resultantes de erros no somatório para menos, dos montantes registados nos livros de registo em custos de matéria primas, subsidiárias e de consumo. Ou seja, a soma dos custos registados naquele mês é superior ao resultado registado. Desta correcção não se pode concluir que a AT tenha considerado fidedignos os registos contabilísticos para o efeito de proceder a correcções aritméticas sem as considerar em sede de métodos indirectos, como se conclui na sentença recorrida. O que resulta da matéria de facto é que foi efectuada a correcção aritmética dos custos registados, apesar de não existirem os documentos de suporte dos registos no livro da contabilidade referentes ao primeiro trimestre e, relativamente aos custos omitidos, foi determinada a aplicação de métodos indiciários. O apuramento desses custos com suporte no documento complementar ao segundo auto de declarações prestadas pela recorrida, determinou a aplicação da margem de comercialização indicadas pela recorrida como sendo a margem que praticava no exercício de cada uma das actividades (15% para a mercearia e 85% para a restauração) para obter o valor das vendas efectuadas bem como dos serviços prestados ao consumidor final (cf. ponto V - 2.4.5 a 3.6, alínea g) da matéria de facto).

Ora, uma coisa é corrigir, por via das correcções aritméticas, o resultado da soma dos montantes constantes do livro de registos como custos da actividade, outra é aplicar métodos indirectos para determinara a matéria colectável. No caso dos autos, com base nos elementos fornecidos pela recorrente, na segunda diligência de recolha de declarações, a AT efectuou o cálculo do montante relativo a compras omitidas e aplicou a margem de comercialização (às compras objecto de registo e às compras omitidas) para alcançar o valor das vendas e das prestações de serviços. Ao assim não decidir, concluímos que se verifica o invocado erro de julgamento por errada apreciação da matéria de facto.

Com base no que se deixou dito, concluímos que estão verificados os pressupostos do recurso à avaliação indirecta, pelo que, ao concluir-se na sentença recorrida que a «fundamentação vertida no relatório de inspecção, acaba por ser insuficiente para a determinação da AT no sentido do recurso aos métodos indirectos» também padece do erro de julgamento de direito que lhe vem imputado. Com efeito, resulta dos autos que a decisão de recurso à avaliação indiciária se fundou, como se viu, na existência de «indícios seguros de que a sua contabilidade/livros de escrituração e registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o(s) resultado(s) efectivamente obtido(s) e por não ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável», constantes dos artigos 38.º do CIRS e 51.º e 52.º do CIRC, conforme resulta do ponto IV - 5 do relatório de inspecção que se encontra transcrito na alínea f) do probatório.

Do erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito quanto à fundamentação da quantificação da matéria colectável

Como é sabido, compete à administração tributária o ónus da prova, não só da verificação dos pressupostos da aplicação de métodos indiciários ou indirectos, como também da fundamentação dos critérios que utilize na quantificação da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (cf. artigo 342.º, n.ºs 1 e 2 do CCivil).

Nas conclusões 2), 3), 19) a 28) a recorrente alega que a sentença padece de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto quanto à fundamentação da quantificação da matéria colectável.

Para tal, sustenta-se no seguinte segmento da motivação da decisão: «também a quantificação não resulta totalmente clara, sendo que o conteúdo do dever de fundamentação incide também sobre esta decisão da AT e não resulta claro porque no que respeita ao sector das mercadorias (supomos que aqui se estará a referir ao sector da mercearia, pois a actividade da impugnante divide-se em mercearia e em restauração e mercadorias são apenas uma componente da generalidade das actividades), o valor da margem de lucro que a AT considerou, tendo por base as declarações da impugnante, é aplicado sobre o custo das mercadorias e matérias consumidas, sendo que porém como custo, a AT não levou em consideração aquele mesmo valor, mas apenas o valor das compras efectuadas naquele ano, o que resultou num valor de proveitos superior ao que resultaria da consideração daquele valor, sem que a AT venha fundamentar a razão da desconsideração do já referido valor de existências iniciais, quando, como se disse já, o leva em consideração para chegar às vendas presumidas no sector da mercearia.»

Alega a recorrente que, ao contrário do que se sustenta na sentença recorrida, a quantificação da matéria colectável está fundamentada. Em particular, no sector de mercearia foi considerado o valor das existências iniciais do exercício, que corresponde ao valor das existências finais do exercício anterior, na determinação do custo das mercadorias vendidas, ao qual foi aplicada a margem de comercialização indicadas pela recorrida, conforme resulta do capítulo V do relatório. A margem de comercialização só não foi aplicada ao valor das mercadorias em existências no estabelecimento, à data da cessação de actividade, por terem sido transmitidas ao valor de custo.

E assim é. Conforme resulta da alínea g) da matéria de facto (V. Critérios de cálculo, pontos 1.1 a 1.1.4), as existências iniciais foram tidas em conta, como custo dos bens vendidos, ao qual foi aplicada a margem de comercialização já referida. Assim, sendo, como refere a recorrente, tal valor foi levado em linha de conta na determinação da matéria colectável, nos termos em qua se impunha, não se verificando um valor de proveitos superior. Na sentença recorrida partiu-se de pressupostos que não se verificaram, designadamente quando considera que, apesar de ter por base as declarações da recorrida, o valor da margem de lucro aplicada pelo AT desconsiderou as existências iniciais. Como se deixou dito supra, tal não sucedeu. Quanto às margens de comercialização, salienta-se que, em complemento ao segundo termo de declarações, a recorrida subscreveu uma lista de «produtos em falta consumidos no estabelecimento – sector restauração» no valor de 2.167.000$00, nela constando ainda a indicação de que as margens de comercialização normalmente praticadas no ano de 1996 foram de 15% para o sector de mercearia e de 85% para o sector da restauração. Margens essas que foram as utilizadas para o cálculo da matéria colectável mostrando-se a fundamentadas as margens aplicadas.

Decorre do que supra se expendeu que o critério utilizado na quantificação da matéria tributável está formalmente fundamentado, permitindo perceber o critério de quantificação que a administração tributária adoptou, já que o relatório enuncia, de forma expressa, clara e congruente, o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido para proceder a essa quantificação.

Como salienta o STA no seu Acórdão proferido no processo n.º 0406/15 datado de 07/10/2015: «(…) não deve confundir-se a suficiência da fundamentação formal, com a valia ou validade dos fundamentos invocados (fundamentação substancial). Com efeito, na avaliação da correcção formal do acto não se coloca a questão da valia ou correcção dos fundamentos aduzidos, mas só a sua suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão. Uma coisa é saber se a administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; e outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.

E, por isso, no que toca ao critério para a quantificação da matéria colectável, bastará à administração tributária referir o critério que utilizou, pela indicação dos elementos que permitam ao contribuinte (e, se for caso disso, ao tribunal) ficar a conhecer o critério utilizado, para que possa ser invocado e demonstrado o erro ou desacerto desse critério e, portanto, a falta de fundamentação material do acto, a qual integra vício de violação de lei.

No caso presente, os actos de liquidação em questão ocorreram na sequência de acto inspectivo e em conformidade com o relatório de inspecção tributária homologado por despacho. Relatório onde consta expressamente, no que tange ao critério de quantificação da matéria colectável, que foram utilizados os custos declarados pelo sujeito passivo no exercício de 2004, bem como o total de serviços prestados e ganhos financeiros declarados pelo sujeito passivo nesse exercício, e os acréscimos e deduções declarados pelo próprio sujeito passivo na declaração Mod. 22/quadro 07, e, finalmente, a rendibilidade fiscal média do sector de atividade (…)remetendo-se, neste aspecto, para o anexo 1 ao relatório da inspecção.

E foi neste claro e inequívoco contexto que se procedeu ao cálculo das vendas de mercadorias estimadas (…) O que significa que, salvo o devido respeito, é claramente perceptível o método e o critério de quantificação que a administração tributária adoptou, já que o relatório que serve de suporte formal fundamentador denuncia, de forma expressa, clara e congruente, o percurso cognoscitivo e valorativo que ela percorreu para proceder a essa quantificação.»

Concluindo-se como se concluiu, que a quantificação da matéria colectável está fundamentada do ponto de vista formal, na medida em que dá a conhecer o método e os critérios que foram aplicados, impunha-se a este Tribunal, nos termos do 665.º, n.º 2 do CPC, apreciar a fundamentação substancial, já que a recorrida questionava a valia dos critérios por a considerar excessiva, apreciação que o Tribunal a quo considerou prejudicada. Contudo, não dispomos dos elementos necessários para o efeito. A recorrente havia protestado juntar o rol de testemunhas. O Tribunal a quo não determinou que se procedesse à sua notificação, concedendo-lhe um prazo para apresentação do referido rol. Donde se conclui que não lhe foi dada a oportunidade de produzir a prova que se propunha. Assim sendo, impõe-se determinar a baixa dos autos para notificar a recorrente para apresentar o rol que protestara juntar e conhecimento da questão, e após estabilização da decisão relativa à matéria de facto, proferir nova decisão, salvo se, entretanto, ocorra outro fundamento que a inviabilize.


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IV - CONCLUSÕES

I – Compete à administração tributária o ónus da prova, não só da verificação dos pressupostos da aplicação de métodos indiciários ou indirectos, como também da fundamentação dos critérios que utilize na quantificação da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.

II - No que se refere ao critério para a quantificação da matéria colectável, bastará à administração tributária referir o critério que utilizou, pela indicação dos elementos que permitam ao contribuinte (e, se for caso disso, ao tribunal) ficar a conhecer o critério utilizado, para que possa ser invocado e demonstrado o erro ou desacerto desse critério e, portanto, a falta de fundamentação material do acto, a qual integra vício de violação de lei.

V - DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da primeira Sub-secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para que seja substituída por outra que decida, após eventual ampliação da base factual, de acordo com o que supra se deixou dito.


Sem custas.

Lisboa, 8 de Julho de 2021.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, as Senhoras Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes, integrantes da formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente Acórdão.



Ana Cristina Carvalho