Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 02977/07 |
Secção: | Contencioso Administrativo - 2 º Juízo |
Data do Acordão: | 11/29/2007 |
Relator: | Cristina dos Santos |
Descritores: | AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA POR RAZÕES HUMANITÁRIAS INTERPRETAÇÃO DA LEI - OPERAÇÃO VINCULADA “SISTEMÁTICA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS” – ARTº 8º Nº 1 LEI 15/98, 26.03 |
Sumário: | 1.Em ordem a definir o âmbito de concessão de autorização de residência por razões humanitárias o artº 8º nº 1 da Lei 15/98 de 26.03 delimitou o objecto mediato do acto de autorização (pessoa sobre quem recaem os efeitos jurídicos do acto administrativo) aos estrangeiros e apátridas “que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual” e definiu os pressupostos do acto de autorização por reporte aos “motivos de grave insegurança devida a conflitos armados” ou “à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifiquem”. 2. A operação de interpretação e fixação do conteúdo do conceito indeterminado de “violação dos direitos humanos” e constatação se a situação concreta à luz dos factos provados é passível de nela ser subsumida configura um agir do órgão administrativo no domínio da actividade vinculada de interpretação da lei, e não a atribuição legal de margem de livre escolha quanto à fixação do sentido, sendo, por isso, sindicável pelos Tribunais. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Nabil ..., com os sinais nos autos, inconformado como acórdão proferido pelos Mmos. Juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa dele vem recorrer concluindo como segue: 1. O Tribunal a quo não valorou, apreciou ou fez uma análise crítica, devidamente circunstanciada, dos meios de prova carreados para os autos, limitando-se a tecer uma desvalorização genérica do respectivo teor. 2. O Tribunal a quo não podia abster-se de valorar os documentos oferecidos pelo Recorrente, mesmo os não escritos em português, antes deveria ter convidado o Autor, se assim o entendesse, a apresentar traduções certificadas desses documentos 3. O Recorrente defende que nos documentos dos autos encontram-se sobejos elementos que abalam os fundamentos da decisão recorrida e comprovam a manutenção dos pressupostos que justificaram as anteriores concessões de autorização de residência, por nada ter mudado no Egipto, desde 2001, quanto ao respeito pelos direitos humanos. 4. Os documentos entregues pelo Autor reflectem, com clareza, a existência no Egipto de manifestações contra práticas de tortura reprimidas pela polícia, o rapto no estrangeiro, prisão sistemática e tortura de opositores ao regime, maxime candidatos da oposição e realização de eleições fraudulentas. 5. O Estado de emergência continua vigente, bem como a prática sistemática de tortura, mortes de detidos políticos, impunidade dos agentes de violações de direitos humanos e restrições de liberdade de expressão e associação. 6. Ao contrário do pugnado pelo Tribunal a quo, o Autor logrou documentar e provar, a manutenção, senão agravamento, da situação de violação grave de direitos humanos e das regras do jogo democrático, suficientemente justificadora da concessão do impetrado. 7. Por outro lado, os documentos apresentados, emanados de ONG's e agências ou meios de imprensa insuspeitos, demonstram, inequivocamente, a existência de asserções e conclusões incorrectas constantes do parecer que fundamentou o acto impugnado. 8. É insustentável afirmar no relatório do CNR como passo positivo a realização de eleições quando o processo eleitoral, especialmente, as eleições presidenciais e parlamentares foram completamente fraudulentas e estão longe de poderem ser consideradas transparentes e justas (vd. relatórios da AI e da HRW juntos aos autos) 9. Sendo o Recorrente um declarado opositor ao regime vigente, existe fundado receio para crer que, caso não obtenha asilo e tenha de regressar ao Egipto seja alvo de novas medidas de repressão e represálias, incluindo prisão e tortura, tal como sofreu no passado. 10. Ao não sopesar, devidamente, os elementos factuais carreados pelo Autor para os autos, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento dos respectivos pressupostos de facto e viola, ostensivamente, o artigo 8° n° l da Lei 15/98. 11. O Recorrente fez prova bastante do alegado, verificando-se, assim, todos os pressupostos de aplicação do normativo supra. * O Recorrido Ministério da Administração Interna não apresentou contra-alegações. * Com dispensa legal de vistos substituídos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência. * Em 1ª Instância foi julgada provada a seguinte factualidade: A. Em 3.1.2006, Nabil Ibrahim Osman foi notificado da decisão de indeferimento do seu pedido de renovação da autorização de residência por razões humanitárias com o seguinte teor:" “No uso da competência delegada por Despacho nº 10 494/2005 de Sua Excelência o Ministro de Estado e da Administração Interna, datado de 29 de Abril, publicado no Diário da República n.º 91, II Série de, II de Maio de 2005, com fundamento na Proposta do Comissariado Nacional para os Refugiados e nos termos do nº 3 do art.° 8º da Lei nº 15/98 de 26 de Março, não é concedida renovação da autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão de nacionalidade egípcia NABIL IBRAHIM OSMAN, dada a falta de fundamentos legais e de facto que o justifiquem. Nos termos do artº 25º conjugado com o art.° 2º do mesmo diploma, o cidadão pode permanecer em território nacional durante um período de 30 dias, findo o qual fica sujeito à legislação sobre estrangeiros.” - (cfr. doc. 1 de fls. 62 e 63 dos autos em suporte de papel que se dá por reproduzido); B. A Proposta do Comissariado Nacional para os Refugiados a que se refere o despacho que antecede tem o seguinte teor: "Assim propõe-se que seja indeferido o pedido formulado pelo requerente NABIL HIBRAHIM OSMAN, de renovação de autorização de residência por razões humanitárias, a que se refere o art. 8°, nº 2, da Lei nº 15/98, de 26 de Março, dada a falta de fundamentos legais e de facto que o justifiquem." - (cfr. de fls. 562 a 567 do p.i. ibidem); C. A Proposta que antecede constitui a conclusão do Relatório do Alto Comissariado Nacional para os Refugiados, de 3.10.2005, do qual consta: “1.1.Por douto despacho proferido em 21 de Junho de 2001, foi concedida autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão de nacionalidade egípcia NABIL IBRAHIM OSMAN - pelo período de um ano - fls. 353. Em 24 de Junho de 2002 o mesmo requerente veio solicitar a renovação da autorização concedida, nos termos do nº 2 do artigo 8° da Lei nº 15/98, de 26 de Março, renovação essa que lhe foi deferida, por mais um ano, conforme decisão de fls 436. Em 20 de Junho de 2003, o mesmo veio solicitar, de novo, a renovação da autorização de residência, a qual veio a ser deferida por mais um ano, conforme decisão de fls. 480 E novamente o mesmo aconteceu em 2004, - fls. 486 - obtendo o requerente o despacho de deferimento de fls. 530, também por um ano. 1.2 Vem agora o referido o cidadão NABIL IBRAHIM OSMAN requerer nova renovação, que será a última, nos mesmos termos, - fls. 534. Tomadas declarações ao requerente, como consta de fls. 535 e seguintes, refere que pediu a renovação da autorização pelo facto de a mesma ter caducado e porque se regressasse ao seu país continuaria a correr riscos de perseguição, receando pela sua integridade física. Acrescenta que a actuação do regime egípcio continua sem alteração, nomeadamente neste último ano, sendo perseguidos os dissidentes, como é o seu caso. Como exemplo junta a notícia de um jornal português, em que se refere que o cidadão egípcio Hasan Nasr, que tinha o estatuto de refugiado em Itália foi aí raptado e levado para o Egipto. Continua a viver em Portugal, onde é empresário da construção civil, já desde 2001, com uma empresa de nome Namirca Construção Civil Unipessoal, Lda, residindo na Rua de Arroios nº 25, 1°, Dto., em Lisboa Juntou vários documentos, conto cartão da segurança social, cartão de identificação fiscal, de pessoa colectiva e singular e declaração de rendimentos. Foi junto relatório da situação político-militar no Egipto, como se seguintes. 2. Fundamentação 2.1. De facto: 2.1.1. Está provado que: - Por douto despacho proferido em 21 de Junho de 2001, foi concedida autorização de residência por razões humanitárias ao cidadão de nacionalidade egípcia NABIL IBRAHIM OSMAN, pelo período de um ano - fls. 353. - Esta autorização foi renovada três vezes, em 2002, 2003 e 2004, tendo o requerente pedido novamente a sua renovação, por mais um ano, com base no argumento de que a situação no seu país se mantém, com incidência na sua esfera pessoal, como dissidente do regime que governa o Egipto - Em resumo, resultante de busca sobre a situação política e social do Egipto, sabe-se que as condições de vida no país são de facto semelhantes há muitos anos, nomeadamente desde a substituição do Rei Farouk por Nasser, em 1952. - Com efeito: De acordo com a constituição, o Egipto é uma social-democracia, sendo o islamismo a religião oficial do estado O Partido Nacional Democrático (PND) tem governado o país desde a sua criação, em 1978. O PDN continua a dominar a política nacional e a manter uma maioria primordial na Assembleia do Povo e no Shura - Gonselho Consultivo, eleitos respectivamente de forma directa e parcial pelo voto popular. Depois de três guerras com Israel (1948, 1967 e 1973), em 1979 o Egipto assinou o acordo de paz de Camp David com o seu adversário, um dos passos históricos adoptados peio presidente Anwar Sadat. No entanto, a assinatura do acordo culminou na expulsão do Egipto da Liga Árabe até 1989 e no assassinato de Anwar Sadat, por radicais islamitas, em Outubro de 1981 Hosni Mubarak seu vice-presidente e sucessor, esforçou-se por recuperar o prestigio do Egipto no mundo árabe e empreendeu um programa para reformar e reforçar a economia, o que permitiu a entrada do pais no mundo das tecnologias, e aproximou o Egipto dos Estados Unidos, convertendo o num dos principais aliados da Casa Branca no Médio Oriente. Em 1992 Mubarak começa a fazer frente a um dos maiores desafios do seu Governo, o aparecimento de movimentos radicais violentos, que perpetraram centenas de atentados no país, alguns dos quais visando turistas e zonas turísticas. Combatidos com "mão de ferro", os grupos radicais Jihad Islâmica e Gamaa Islâmica entregaram as armas em 1998, depois de uma operação das forças de segurança que se saldou num elevado número de mortos e em milhares de presos políticos. Nos últimos anos, o regime de Mubarak viu-se, no entanto, a braços com escândalos de corrupção e o fracasso de algumas políticas, nomeadamente a implementação de uma economia de mercado e a privatização de empresas públicas, abrindo o caminho ao ressurgimento da oposição. Aos escândalos e fracassos políticos juntaram-se as manifestações de milhares de pessoas, desafiando a Lei de Emergência, em vigor desde 1981, e as pressões norte-americanas no sentido de serem realizadas reformas democráticas no país Os activistas alegam que a Lei de Emergência restringe a expressão política, Mubarak decide então fazer o referendo constitucional que permite, pela primeira vez na história do país, a realização de eleições presidenciais pluralistas e directas. Porém, os potenciais candidatos teriam de cumprir estritos critérios para poderem participar. A proibição dos partidos políticos religiosos mantém-se em vigor Estas eleições foram ganhas pelo candidato de há muito e efectivo desde 1981, sempre com a Lei de Emergência em vigor, em 7 do corrente mês de Setembro, de 2005, num quinto mandato, por uma margem de 80%, onde o principal opositor, Ayman Nour obteve 12%. A constituição de 1971 estabelece um sistema judicial independente, contudo, ele está sujeito à influência do executivo e a aplicação da Lei de Emergência de 1981 tem minado a sua independência O Egipto é signatário das mais importantes Convenções das Nações Unidas sobre Direitos Humanos. O Governo respeita os direitos humanos em algumas áreas, contudo, esse respeito é fraco, em noutras continuam a existir sérios problemas. Os cidadãos não dispõem de plena capacidade para mudar o seu governo. As forças de segurança continuam a maltratar e torturar prisioneiros, deter c prender arbitrariamente pessoas, prolongar os períodos de prisão preventiva e, ocasionalmente, a envolver-se em detenções em massa. O Comité Geral da Assembleia do Povo aprovou a constituição de um comité de direitos humanos, preocupado com a discussão de legislação sobre direitos humanos após ter recebido relatórios do Conselho Nacional para os Direitos Humanos. O Conselho Nacional para os Direitos Humanos reafirmou a sua confiança no sistema judicial, no que se refere ao levantamento da imunidade parlamentar a Ayman Nour correntemente sob custódia para investigação Um grupo de estudantes islâmicos da Universidade do Cairo, rnanifestou-se frente à Universidade, exigindo a abolição do Estado de Emergência e a introdução de reformas políticas Três ataques terroristas, a 7 de Abril, na zona de Al-Azhar, cidade do Caim, visando turistas, provocaram a morte de 3 turistas e de A terroristas, e ainda ferimentos entre outros 26 turistas. A 23 de Julho 3 carros armadilhados explodiram na estância balnear de Sharm al-Sheikh, na Península de Sinai, onde morreram pelo menos 64 pessoas, incluindo 8 estrangeiros, e mais de 200 ficaram feridas. A Organização de Direitos Humanos egípcia congratulou-se com a atmosfera em que decorreram as eleições presidenciais. 2.2. De direito: 2.2.1. Estipula o nº 2, do artº 8º, da Lei nº 15/98, de 26 que a autorização de residência referida no numero anterior é válida pelo período máximo de cinco anos e é renovável após analise da evolução da situação no país de origem". Assim, são pressupostos da concessão de autorização de residência por razões humanitárias a) Serem os requerentes estrangeiros ou apátridas; b) Não estarem era condições de adquirir o estatuto de refugiado, com base nos fundamentos contidos no artº 1º; c) Por motivo de grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos, que se verifique no país da sua nacionalidade ou residência, estarem impedidos de regressar a esse pais d) Ou por esses motivos sentirem-se impossibilitados de regressar ao seu pais de nacionalidade ou residência. Para que a renovação seja deferida, dentro da legislação especial do direito de asilo e da sua filosofia, torna-se necessário que a situação do país de origem se mantenha inalterada relativamente ao momento em que o direito de autorização foi concedido. O mesmo é dizer que, para que a renovação de autorização possa ser concedida, tem que a situação do pais de origem manter o mesmo grau de insegurança devido a conflitos armados ou existir uma sistemática violação dos direitos humanos - parte final nº 2 do artº 8º, da Lei nº 15/98, de 26 de Março. No caso concreto o motivo que ocorreu para a concessão do direito de autorização de residência por razões humanitárias foi a verificação, no Egipto, de um elevado nível de violações dos direitos humanos, tendo o requerente sido perseguido por ser opositor do regime, havendo justo receio de novas perseguições em caso de regresso. A análise necessária para proceder à proposta de renovação terá, assim, que ter em conta a actual situação político-militar do país de origem do requerente, em comparação com a anterior. 2.2.2. O relatório elaborado pelo Gabinete de Asilo e Refugiados permite-nos relevar pontos de avaliação que terão que ser tomados em consideração em qualquer tipo de análise. São eles, essencialmente, pelo lado negativo, a continuação da Lei de Emergência, em vigor desde 1981, algumas restrições na organização de partidos políticos, a não limitação de mandatos do Presidente da República, a detenção indiscriminada de pessoas quando há atentados, a própria, existência frequente de atentados, em especial contra turistas estrangeiros. Do lado positivo, há que relevar a realização de eleições directas para o mais alto cargo da nação, que decorreram agora sem grandes incidentes, embora a margem de vitória de 80% para o candidato de sempre seja duvidosa do sistema, até por semelhança com outras percentagens vizinhas, que não deixam dúvida nenhuma. E a existência no pais de um Conselho Nacional para os Direitos Humanos, que tem corno presidente Butros Ghali, antigo Secretário Geral da ONU, que reafirmou a sua confiança no sistema judicial, no que se refere ao levantamento da imunidade parlamentar a Ayman Nour. Correntemente sob custódia para investigação, mas que há poucos dias "produziu uni relatório bastante negativo ainda do respeito dado aos direitos humanos na sua área de observação. Em vista deste quadro entendemos que as condições que justificaram o direito concedido inicialmente ao requerente já se modificaram, embora continue a verificar-se uma situação político-social com problemas, dado que o Estado ainda não oferece garantias suficientes de segurança aos cidadãos, em termos reais e uma efectiva democracia de governo. 2.2.3. A democracia nasceu com a palavra e na língua da sua etimologia quando, formalmente, já a civilização egípcia tinha mais de dois mil anos de glórias faraónicas e de pirâmides de sucesso. E sem democracia pois, ao contrário da Grécia, não era o povo que se governava mas outros que se governavam governando o povo. Na história que se conhece já alguns exemplos dispersos se haviam verificado, mas sem palavra e conceito definidos, pelo menos em termos de teoria de governo dos povos. Em Atenas sim, existiu democracia, que ficou para sempre como exemplo. Tem-se entendido, sem grandes reparos, até como uma verdade incontestável, que não há hoje democracia sem partidos políticos Pelo menos sem partidos políticos livres e bem formados. Naturalmente que a chamada democracia representativa é muito mais recente e hoje ninguém aceita sequer a ideia que outra forma de governo possa existir num país, havendo mesmo quem vá ao exagero de tentar construir democracias à força Mesmo nas democracias, porém, há que observar regras de conduta, fixadas por todos directamente ou por alguns em representação, mas sempre observáveis por igual e por todos também. No Egipto, talvez por influência da natureza, onde o Nilo periodicamente alaga as margens e lança grande destruição, mas fertiliza as terras que alimentam o país, há muitas coisas que vêm por bem. Uma delas é a democracia com mão de ferro que, segundo os responsáveis locais, pretende evitar o fundamentalismo islâmico, além de outros males menos concretos, mas sempre arvorados em obstáculo ao governo pelos governados. O problema não é só egípcio, embora desde sempre o país tenha resistido à democracia, que lhes é tão sugerida, quer pelas autoridades internacionais quer pelos que, na prática, exercem essa autoridade. O Egipto não tem, de facto, inclinação para aprender a lição, que já não aprendeu quando em 333 antes de Cristo Alexandre conquistou o país e fundou Alexandria. Para aí levou o helenismo, mas não teve tempo, talvez porque morreu cedo, de o deixar enraizado, pelo menos na forma de governo Poderoso e mau, já exerceu o poder com mão de ferro, que foi o que ficou, nas suas vicissitudes. Além do mais, o poder no Egipto sempre foi matreiro, com exemplos subtis na beleza do nariz de Cleópatra, que seduziu Marco António trezentos anos depois. Por ela e pelos seus encantos, o sobrinho de César e seu lugar-tenente repudiou Octávia, sua mulher, ganhando o ódio de Octávio, seu irmão E por ela acabou cercado também em Alexandria, onde se suicidou. Depois, no domínio romano, depois bizantino, árabe, mameluco, napoleónico ou britânico, o Egipto sempre foi pouco independente, até Nasser e a sua constituição da igualdade entre todos os egípcios, onde porém, como noutras paisagens, alguns pretendem ser mais iguais que os outros. O Islão é a religião oficial e o árabe a sua língua nacional Assim se fazem os países e as nações, mas a luta continua, como a história também. 2.2.4. NABIL HIBRAHIM OSMAN é um cidadão egípcio que está em Portugal, onde pretende continuar, com autorização de residência por razões humanitárias. Em nossa opinião, contudo, não poderá continuar a fazê-lo debaixo do estatuto que lhe foi atribuído em 2001, que já então era duvidoso que fosse devido, como resulta da própria expressão da proposta deste Comissariado, que fala em preenchimento apenas das condições mínimas para o efeito. Essa dúvida é, agora, maior, e tanto que nos inibe de, em consciência, propor ao requerente o deferimento do seu pedido e a renovação do seu estatuto. Nenhum perigo, especialmente grave, vemos que exista no Egipto, para além de um ambiente de certa insegurança geral na zona em que se insere, fruto de mais de cinco mil anos de cobiça alheia. E nenhum mal vislumbramos apontado ao cidadão Nabil, se regressar ao seu país, para além do incómodo da mudança, que sempre transtorna quem se muda. Deste modo a conclusão será óbvia, qual seja a de que não estão preenchidas as condições de facto e legais que possam justificar o deferimento do pedido. 3. Conclusão..." - (cfr. de fls. 64 a 68 dos autos e 562 a 567 do p.i. ibidem); D. Em 20.9.2005 o Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras elaborou a Informação nº 184/GAR/05 referente à situação do Egipto em 2004 e 2005 (até Setembro) (cfr. de fls. 547 a 546 do p.i. idem); Ao abrigo do disposto no artº 712º nº 1 b) CPC aplicável ex vi artº 1º CPTA, e com fundamento nos documentos discriminados juntos aos autos, adita-se a factualidade que segue sob os itens E e F. E. No jornal diário de Lisboa, denominado “Correio da Manhã” de quarta feira, 29.06.2005 publicou-se a notícia cujo teor se transcreve parcialmente: “O imã Hassan Mustafa Osama Nasr, alegadamente sequestrado por agentes da CIA em Itália, em 2003, foi entregue às autoridades egípcias e brutalmente torturado na prisão (...) o imã encontra-se detido há vários meses na prisão de Al Tora, no Cairo, e tem sido vítima de torturas violentas por parte das autoridades egípcias, incluindo choques eléctricos nos genitais e outras atrocidades. Os familiares, citados pelo jornal espanhol "El País", adiantaram ainda que, devido às torturas, Hassan Nasr sofre de incontinência, insuficiência renal e dificuldades em caminhar. O governo egípcio já reconheceu ter recebido a custódia de Hassan Nasr "através de procedimentos extraordinários", mas negou que ele esteja a ser torturado" - fls. 92 dos autos. F. No jornal diário de Lisboa, denominado “Diário de Notícias ” de domingo, 27.11.2005, publicou-se a notícia cujo teor se transcreve parcialmente: “A segunda volta da segunda fase das legislativas ficou ontem marcada por ataques a eleitores, prisões em massa e incidentes entre a polícia e os juízes que supervisionam a votação” - fls. 93 dos autos. DO DIREITO Vem assacado o acórdão de incorrer em violação primária de lei substantiva na forma de: · erro na subsunção dos factos apurados na previsão normativa aplicável ……. itens 1a 11 das conclusões de recurso. Impõe-se, pois, apreciar o julgado no tocante à matéria de facto em ordem a saber se os elementos fornecidos pelo processo, entretanto acrescidos neste TCA-Sul ao abrigo do disposto no artº 712º nº 1 CPC, ex vi artº 140º CPTA, permitem o efeito jurídico da decretada improcedência. Na circunstância, releva o discurso jurídico fundamentador evidenciado no segmento que se transcreve: “(..) Pela presente acção, o A. vem pedir a condenação da Entidade demandada a praticar o acto de deferimento da renovação da autorização de residência por razões humanitárias, invocando que o acto impugnado padece de erro nos pressupostos de facto. Estipula o nº 1 do artigo 8º da Lei nº 15/98, de 26 de Março, os seguintes requisitos a observar pelo requerente de autorização de residência por razões humanitárias: Ø que seja estrangeiro ou apátrida; Ø que não se esteja perante um caso de aplicação das disposições contidas no artigo 1º da LAR; Ø que esteja objectiva e subjectivamente impedido de regressar ao país de sua nacionalidade ou da sua residência habitual por motivos de grave insegurança devido a conflitos armados ou à sistemática violação de direitos humanos; Ø que se sinta objectiva e subjectivamente impedido de regressar ao país de sua nacionalidade ou da sua residência habitual por motivos supra indicados. O nº 2 do mesmo preceito legal dispõe que a autorização concedida é válida pelo período máximo de cinco anos e renovável após análise da evolução da situação no país de origem. O A. alega que lhe deveria ser renovada a concessão de autorização de residência por razões humanitárias, interpretando-se o artigo 8º de acordo com o disposto no artigo 33º da Convenção de Genebra de 1951, por a situação de insegurança e de violação dos direitos humanos no Egipto se manter - tal como resulta do Relatório Alto Comissariado Nacional para os Refugiados -, em consequência do que continua a ter receio de voltar àquele país por temer pela própria vida. Para comprovar o que alega juntou recortes de jornais e relatórios (escritos em língua estrangeira) de organizações internacionais que relatam situações de violações de direitos humanos (prisões de pessoas por motivos políticos, torturas,). * A Entidade demandada entende que, tendo por base a informação objectiva elaborada pelo Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, as condições que justificaram a concessão inicial do direito de autorização de residência por razões humanitárias se alteraram (por comparação dos aspectos negativos com os positivos elencados na referida informação e no relatório do Alto Comissariado), tendo melhorado em termos socio-políticos, pelo que não se mantendo as condições que determinaram a concessão do direito em 2001 o pedido de renovação do mesmo (de 2005) não podia ter sido deferido. Vejamos. Nos termos do artigo 8º enunciado a concessão do direito a esta forma de protecção humanitária especial pressupõe que se verifique "uma grave insegurança" devida a conflitos armados ou à violação sistemática dos direitos humanos. Nesta forma de protecção humanitária distinta da do asilo e cujo regime jurídico se encontra perfeitamente delimitado (também) na Lei nº 15/98, de 26 de Março, diferentemente do que concerne à concessão de direito de asilo, a atenção da norma reside na situação objectivamente existente no país de origem ou de residência habitual do requerente e não na situação subjectiva do interessado. Daí que, não pode confundir-se a situação de indeferimento do pedido de renovação do direito com a figura de expulsão de refugiados prevista no artigo 33º da Convenção de Genebra. E, como consequência, não possa ser mitigado o ónus do requerente de prova dos factos alegados pela concessão do benefício da dúvida, como tantas vezes ocorre, ao abrigo da referida Convenção, em sede de direito de asilo. Feito o devido esclarecimento é de referir que do teor dos documentos reproduzidos acima nos factos assentes resulta que: - em 2001 a concessão do direito ao ora A. já se apresentava duvidosa (para o Comissário Nacional dos Refugiados, que na dúvida, propôs o deferimento do respectivo pedido); - apesar de se manter uma situação de instabilidade socio-política no Egipto, a mesma sofreu uma evolução significativa nos anos de 2004 e 2005 (salientando-se a realização das primeiras eleições presidenciais multipartidárias em 2005); - analisados os aspectos negativos e positivos da situação desse país, o Comissário Nacional dos Refugiados, considerou ser de propor o indeferimento do pedido de renovação do direito. Invocando que o acto impugnado padece de erro nos pressupostos de facto (por assentar no referido relatório, contraditório nas informações prestadas sobre o Estado do Egipto e a proposta de indeferimento da renovação do direito) compete ao A. de o ónus de comprovar ou de demonstrar que a situação de "grave" insegurança devido à "sistemática" violação de direitos humanos se mantém no Egipto o que, no caso, não foi conseguido. Os documentos juntos aos autos pelo A. em nada acrescentam (no que respeita ao vício alegado) ao que consta da informação elaborada pelo Gabinete de Asilo e de Refugiados e do Relatório elaborado com base mesma do Alto Comissariado (por exemplo, em ambos se afirma que está em vigor a Lei da Emergência que restringe a expressão política). A situação de insegurança existe mas não é configurada como tão gravosa como aquando da concessão do direito, tendo-se verificado mesmo uma evolução da mesma no sentido da melhoria quanto ao respeito pelos direitos humanos e as regras da democracia. Face ao exposto afigura-se ser de concluir, como no acórdão do STA, de 21.5.2003, recurso 01680/02 (in www.dgsi.pt) que “[n]ão havendo elementos que enfraqueçam o juízo assertório emitido pelo acto” acerca da situação do Egipto “de modo a que devêssemos encará-lo como problemático, tem de se concluir que não persiste, quanto ao Estado” do Egipto “avaliado pelo acto, uma qualquer dúvida susceptível de se resolver em benefício” do A. Não tendo o A invocado outros vícios que devam ser apreciados, afigura-se que o acto impugnado não merece qualquer censura. VI. Termos em acordamos julgar improcedente, por não provada, a presente acção, absolvendo-se a Entidade demandada do pedido. (..)” *** É exactamente com base no teor material da fundamentação do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna datado de 22.12.2005, despacho notificado ao ora Recorrente em 3.1.2006, conforme item A. do probatório, que se diverge do entendimento sustentado no acórdão recorrido e, consequentemente, do sentido jurídico da decisão. 1) fundamentação do acto administrativo; No caso importa ter presente que a obrigatoriedade de fundamentação expressa dos actos lesivos de direitos e interesses dos particulares bem como a respectiva notificação – isto é, a publicidade do acto em toda a sua extensão, decisão e fundamentos - tem por escopo garantir que o particular entenda o porquê da prática do acto (função justificativa) e tome conhecimento do juízo lógico-jurídico e subsuntivo que deu corpo à decisão do ente administrativo (função motivadora), de modo a permitir uma eventual defesa de entendimento distinto - art°s. 124º nº 1, 125º nº 1 CPA, 268° nº 3 CRP (1) Bem como, que a fundamentação deve constar expressamente (ainda que por remissão, artºs. 105º e 125º nº 1CPA) da própria forma de manifestação de vontade ou de juízo do ente administrativo, configurando-se, via de regra, a invalidade do acto administrativo por vício de forma derivado de falta de fundamentação como uma invalidade relativa e, por isso, sanável (a nosso ver, no plano da legalidade que não no da licitude) nos termos gerais de direito pelo decurso do tempo ou pela aceitação do interessado, salvo casos de violação do conteúdo essencial da garantia constitucional da fundamentação expressa dos actos administrativos, constante do artº 268º nº 3 CRP, sancionada com a nulidade ex vi artºs. 133º nº 2 d), 135º, CPA.(2). Por fim, neste domínio da fundamentação dos actos administrativos importa, ainda, ter presentes três pontos. Primeiro, que “(..) exactos devem ser os motivos do acto (não a sua motivação)”. (3) Segundo, tanto para os motivos como para os pressupostos do acto, a lei equipara a falta de menção expressa destes à sua obscuridade, imprecisão ou incompletude, assacando-lhes a mesma sanção – artºs. 123º nº 2 e 125º nº 2, CPA – de modo que o juízo sobre a aptidão do texto que configura a fundamentação expressa, coetânea ou anterior à data da prática do acto (nunca posterior à emissão) em ordem a preencher o desiderato legal de esclarecimento da motivação que lhe presidiu, há-de aferir-se em concreto, nomeadamente por recurso ao comportamento evidenciado pelo destinatário do acto. Como nos diz a Doutrina, “(..) as “razões de direito” a invocar pelo órgão, para fundamentar a sua decisão, não são (só) as respeitantes às normas de competência, que lhe conferem “jurisdição” na matéria, mas sim, sobretudo, as que respeitam (em abstracto) à situação concreta decidendi e às medidas que a Administração deve (ou pode) providenciar para elas (ou aos interesses ou necessidades que nelas devam ser prosseguidos). (..) como se diz no Acórdão do STA de 8.VI.95, 1ª Secção, “a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto a fundamentar …” (..)” Terceiro, na hipótese de fundamentação por remissão, mister é que essa remição seja feita “(..) de uma maneira clara e assumida (..)” pelo próprio autor do acto, não sendo legalmente permitido que terceiros, v.g. os Tribunais em caso de sindicabilidade contenciosa, componham por colagem daqui e dali o edifício da presuntiva fundamentação, substituindo-se naquilo que o ente administrativo não fez em sede de deveres de competência, devendo tê-lo feito; deste modo “(..) é preciso que as fórmulas usadas não deixem dúvidas, nem quanto à vontade de apropriação dos fundamentos contidos noutro acto ou documento nem quanto à extensão dessa concordância (..)” (4). 2) noções vagas e conceitos indeterminadas; Em ordem a definir o âmbito de concessão de autorização de residência por razões humanitárias - ou estatuto de protecção subsidiária tal como vem definido no artº 2º g) da Lei 20/06, 23.07 diploma que procedeu à transposição da Directiva nº 1003/9/CE do Conselho, de 27.01, para o direito interno -, no citado artº 8º nº 1 da Lei 15/98 o legislador expressou-se nos seguintes termos: 1. delimitou o objecto mediato do acto de autorização (pessoa sobre quem recaem os efeitos jurídicos do acto administrativo) aos: a. estrangeiros e apátridas “que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual” 2. definiu os pressupostos do acto de autorização por reporte a: a. “motivos de grave insegurança devida a conflitos armados” ou b. “à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifiquem” Como é sabido, entende-se por pressupostos “(..) as circunstâncias, as condições de facto e de direito de que depende o exercício de um poder ou competência legal para a prática de um acto administrativo (..)” (5)( Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo, Outubro/1980, pág. 612. ) Na circunstância o pressuposto da “grave insegurança”, pese embora definido pelo legislador através da noção vaga e indeterminada é por si totalmente esclarecido na medida em que essa “grave insegurança” há-de provir da existência, ser “devida a conflitos armados” e, como é de liminar evidência, conflitos armados podem assumir ampla diversidade de objectivação, da guerra civil ou situações de guerrilha em partes do território ao estado de guerra declarada com um país terceiro; ponto é que haja confrontação armada no território em causa. Outra é a situação no tocante ao pressuposto da “sistemática violação dos direitos humanos” no país da nacionalidade ou da residência habitual do estrangeiros ou apátrida que pede a concessão de “autorização de residência por razões humanitárias”. Neste, verifica-se que o legislador fixou o interesse que o órgão administrativo há-de prosseguir, a já referida residência por razões humanitárias, claramente impondo ao órgão administrativo a tarefa de proceder ao enquadramento concreto do conceito indeterminado expresso no segmento normativo por “sistemática violação dos direitos humanos”; isto quer dizer que o legislador entendeu permitir que o órgão administrativo, no concreto das circunstâncias de facto de cada caso e dentre as situações de “violação dos direitos humanos”, proceda à ponderação daquelas cuja ocorrência reiterada - “sistemática” é o adjectivo empregue -, justificam a concessão da autorização de residência. De modo que ao órgão administrativo impõe-se proceder a uma operação de interpretação e fixação do conteúdo do conceito indeterminado de “violação dos direitos humanos” e constatar se a situação concreta à luz dos factos provados é passível de ser subsumida a uma “violação dos direitos humanos” pelo que nesta operação não há lugar a nenhuma margem de livre escolha quanto à fixação do sentido do conceito indeterminado, mas apenas que proceder a uma operação vinculada de interpretação da lei, consequentemente sindicável pelos Tribunais, sendo que o sentido a adoptar na interpretação é um único, aquele que foi querido pela lei. E no que respeita à valoração da “violação dos direitos humanos” de ocorrência “sistemática”, trata-se de interpretar uma noção vaga de verificação empírica, na medida em que o que é sistemático é o que se apresenta com frequência, que se objectiva de forma reiterada, frequente, sucessiva. De modo que também neste caso a fixação do que é que se entende por ocorrência “sistemática” reportada à “violação dos direitos humanos” não cabe no âmbito da discricionariedade administrativa antes se reconduz ao exercício vinculado de apuramento de uma sucessão objectiva de ocorrências verificadas no tempo, evidenciadas pela actividade instrutória levada a cabo no procedimento administrativo e, a partir desse número objectivo de factos apurados, concluir se são ou não susceptíveis de subsunção na noção vaga de ocorrência “sistemática”. Por último, a actividade de fixação do sentido do conceito indeterminado de “sistemática violação dos direitos humanos” será seguida de um agir sob a forma de acto administrativo cujo efeito jurídico há-de estar em relação de conformidade com o resultado da operação jurídica de interpretação do sentido normativo. * Mas ainda que se entendesse que o pressuposto da “sistemática violação dos direitos humanos” implica que “(..) o órgão administrativo encontra na lei uma indicação dos pressupostos do seu acto só que, estando eles enquadrados em conceitos de mais ou menos difícil definição, ao órgão impõe-se realizar não uma mera constatação ou leitura da lei para saber qual é o pressuposto, mas um juízo de valor sobre o conceito a utilizado para determinar quais os factos que nele se enquadram (..) relembra[-se]apenas que, no mínimo a Administração está vinculada a não escolher como pressupostos factos que só por “erro grosseiro” se poderiam considerar enquadráveis na noção ou conceito utilizado pela lei. (..)” (6) Como é sabido “(..) Pode haver mais do que uma solução administrativa para prosseguir um certo interesse público concreto – quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao objecto, quer quanto à forma. Ponto é que o legislador tenha querido atribuir a liberdade de escolha à Administração Pública e que o exercício dessa liberdade não colida com qualquer outro princípio norteador da actividade administrativa. Não se nos afigura, por isso, legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um acto de administração ir ao ponto de definir – nos casos em que a lei quis atribuir discricionariedade – um conteúdo, um objecto ou uma forma únicos compatíveis com o fim a prosseguir, e, em função deles, apreciar o acto em questão. Isso representaria admitir que o Tribunal se pudesse substituir sempre à Administração Pública no traçado de todos os elementos do acto por ela praticado. O que põe em causa a lei – que quis dar à Administração Pública uma liberdade de escolha – assim negada. (..)” (7). Dito de outro modo, a sindicabilidade contenciosa do agir da Administração Pública pára exactamente na fronteira da “(..) reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa [que] constitui um limite funcional da jurisdição administrativa, pois as opções do órgão administrativo tomadas nesse domínio relevam da esfera do mérito e não da esfera da validade. A questão, no fundo, é a seguinte: partindo do princípio de que qualquer acto jurídico da Administração pode ser submetido à fiscalização de órgãos jurisdicionais (que o removerão da ordem jurídica na parte em que o julgarem inválido), até onde devem e até onde podem os tribunais controlar a actividade administrativa para que a Administração possa actuar – dentro dos limites da lei e tendo em vista a realização de fins de interesse público – de acordo com os seus próprios critérios? Em bom rigor, a regra básica e visto o problema em abstracto é de fácil formulação: a margem de livre decisão qua tale é insusceptível de controlo judicial porque respeita ao mérito, à conveniência ou à oportunidade da administração; pelo contrário, tudo o que se situar fora dessa esfera é judicialmente sindicável porque estará em causa a validade da conduta administrativa (e nesse domínio já não há livre decisão mas sim vinculação) (..)” (8). A via de compromisso entre os princípios da separação de poderes e da garantia de controlo judicial da actividade administrativa, cfr. artºs. 111º e 268º nº 4 CRP, traduz-se em que “(..) O exercício ilegal de poderes administrativos (ou seja, o comportamento da Administração contrário à lei em toda a medida em que houver vinculação) é susceptível de controlo da legalidade, e este pode ser levado a cabo quer pelos Tribunais quer pela própria Administração (..) O mau uso de poderes administrativos (isto é, o seu uso inconveniente em toda a medida em que houver livre decisão) é susceptível de controlo de mérito, e este só pode ser feito pela própria Administração nunca pelos Tribunais. A autonomia pública administrativa qua tale apenas admite, pois, controlo gracioso, não contencioso. (..)” (9). * Dos fundamentos de facto constantes do ponto 2.1.1 do relatório do Alto Comissariado Nacional para os Refugiados, de 3.10.2005, levado ao probatório por transcrição no item C., respeitante ao ano para o qual o ora Recorrente peticionou a renovação da autorização de residência por razões humanitárias, consta como provado que: “(..)As forças de segurança continuam a maltratar e torturar prisioneiros, deter e prender arbitrariamente pessoas, prolongar os períodos de prisão preventiva e, ocasionalmente, a envolver-se em detenções em massa. (..)” Factualidade que tem de se conjugar com o teor das notícias publicadas em jornais nacionais publicados em Lisboa nos dias 29.06.2005 e 27.11.2005, transcrito nos itens E. e F. do probatório, factualidade acrescida ao abrigo do disposto no artº 712º nº 1 b) CPC aplicável ex vi artº 1º CPTA, com o seguinte conteúdo: “O imã Hassan Mustafa Osama Nasr, alegadamente sequestrado por agentes da CIA em Itália, em 2003, foi entregue às autoridades egípcias e brutalmente torturado na prisão (...) o imã encontra-se detido há vários meses na prisão de Al Tora, no Cairo, e tem sido vítima de torturas violentas por parte das autoridades egípcias, incluindo choques eléctricos nos genitais e outras atrocidades. Os familiares, citados pelo jornal espanhol "El País", adiantaram ainda que, devido às torturas, Hassan Nasr sofre de incontinência, insuficiência renal e dificuldades em caminhar. O governo egípcio já reconheceu ter recebido a custódia de Hassan Nasr "através de procedimentos extraordinários", mas negou que ele esteja a ser torturado.” - fls. 92 dos autos. “A segunda volta da segunda fase das legislativas ficou ontem marcada por ataques a eleitores, prisões em massa e incidentes entre a polícia e os juízes que supervisionam a votação” - fls. 93 dos autos. Na parte respeitante à fundamentação de direito do ponto 2.2.1, o citado relatório do Alto Comissariado Nacional para os Refugiados de 3.10.2005 apresenta o enquadramento jurídico dos pressupostos da renovação e explicita os motivos justificativos da autorização de residência anteriormente concedida: “(..) para que a renovação de autorização possa ser concedida, tem que a situação do país de origem manter o mesmo grau de insegurança devido a conflitos armados ou existir uma sistemática violação dos direitos humanos - parte final nº2 do artº 8º, da Lei nº 15/98, de 26 de Março. No caso concreto o motivo que ocorreu para a concessão do direito de autorização de residência por razões humanitárias foi a verificação, no Egipto, de um elevado nível de violações dos direitos humanos, tendo o requerente sido perseguido por ser opositor do regime, havendo justo receio de novas perseguições em caso de regresso. (..)”. O ponto 2.2.3. da fundamentação de direito do citado relatório do Alto Comissariado Nacional para os Refugiados de 3.10.2005 é totalmente irrelevante do ponto de vista jurídico. Efectivamente, a renovação da autorização de residência por razões humanitárias exige que os factos provados permitam concluir pela manutenção da situação existente à data da autorização cuja renovação se peticiona, como é dito expressamente no citado relatório, isto é, “(..) torna-se necessário que a situação do país de origem se mantenha inalterada relativamente ao momento em que o direito de autorização foi concedido. (..)”. Em ordem a configurar o enquadramento jurídico no ano de 2005 do pressuposto estatuído no artº 8º nº 1da Lei 15/98 de 26.03, a “sistemática violação dos direitos humanos”, é totalmente irrelevante a prosa vazada no citado ponto 2.2.3. do relatório do Alto Comissariado Nacional para os Refugiados de 3.10.2005, de que se transcrevem alguns excertos em sublinhado, significativos no tocante ao elevado grau de irrelevância: - “dois mil anos de glórias faraónicas e de pirâmides de sucesso”, - “No Egipto, talvez por influência da natureza, onde o Nilo periodicamente alaga as margens e lança grande destruição, mas fertiliza as terras que alimentam o país, há muitas coisas que vêm por bem.” - “O Egipto não tem, de facto, inclinação para aprender a lição, que já não aprendeu quando em 333 antes de Cristo, Alexandre conquistou o país e fundou Alexandria. Para aí levou o helenismo, mas não teve tempo, talvez porque morreu cedo, de o deixar enraizado, pelo menos na forma de governo. Poderoso e mau, já exerceu o poder com mão de ferro, que foi o que ficou, nas suas vicissitudes. Além do mais, o poder no Egipto sempre foi matreiro, com exemplos subtis na beleza do nariz de Cleópatra, que seduziu Marco António trezentos anos depois. Por ela e pelos seus encantos, o sobrinho de César e seu lugar-tenente repudiou Octávia, sua mulher, ganhando o ódio de Octávio, seu irmão. E por ela acabou cercado também em Alexandria, onde se suicidou.” Na medida em que o Tribunal sindica uma actividade administrativa, tem-se por juridicamente irrelevante chamar à colação as pirâmides e glórias faraónicas, o Nilo, Jesus Cristo, Cleópatra, Alexandre, Alexandria, Marco António, o Octávio, a Octávia e mais o suicídio de alguém 300 anos depois de não se sabe o quê, à luz do citado contexto textual, na medida em que nesta parte o relatório em causa não se mostra apto a fundamentar de direito um acto administrativo reportado ao ano de 2005, praticado pela Administração Central no exercício de um poder de autoridade ou seja, como vem sendo posto de manifesto e consta de disposição legal expressa, v.g. no artº 120º CPA, destinado a produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros. * De modo que aplicando a Doutrina exposta à factualidade levada ao probatório nos itens A a C, verifica-se que tomando em conta os fundamentos do indeferimento da pretensão deduzida configuradas no citado despacho, a saber, que “(..) com fundamento na Proposta do Comissariado Nacional para os Refugiados e nos termos do nº 3 do art.° 8º da Lei nº 15/98 de 26 de Março, não é concedida renovação da autorização de residência por razões humanitárias (..)”, conclui-se que o despacho em causa se mostra inquinado de vício de violação de lei sobre um dos momentos vinculados do acto, traduzido em erro de direito sobre os pressupostos legais indicados expressamente no artº 8º nº 1 da Lei 15/98, 26.03. Primeiro, porque o juízo de valoração da situação de facto do caso concreto, por referência à hipótese expressa no art.° 8º nº 1 da Lei nº 15/98 de 26.03 através de conceitos indeterminados pese embora contenha a margem de livre decisão administrativa inerente a todo o juízo de prognose, não é recondutível ao juízo de discricionariedade derivado da liberdade de escolha entre conteúdos alternativos de decisão assente numa panóplia de soluções todas elas legais; como já acima dito, para efeitos do juízo de valoração, antes têm lugar as regras próprias da interpretação jurídica em via de aplicação puramente subsuntiva e, portanto, passível de controlo jurisdicional. Segundo, porque no procedimento administrativo e com relevo no probatório do acórdão sob recurso, a matéria de facto dada como provada não é susceptível da qualificação jurídica definida no domínio da fundamentação do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna datado de 22.12.2005, notificado ao ora Recorrente em 3.1.2006, em obediência ao pressuposto legalmente definido no artº 8º nº 1 da Lei nº 15/98 de 26.03, no sentido de que, “(..) Nenhum perigo, especialmente grave, vemos que exista no Egipto, para além de um ambiente de certa insegurança geral na zona em que se insere, fruto de mais de cinco mil anos de cobiça alheia. E nenhum mal vislumbramos apontado ao cidadão Nabil, se regressar ao seu país, para além do incómodo da mudança, que sempre transtorna quem se muda. Deste modo a conclusão será óbvia, qual seja a de que não estão preenchidas as condições de facto e legais que possam justificar o deferimento do pedido. (..)”. Qualificação jurídica que não é sustentável e, consequentemente, também o não é o efeito jurídico definido no citado despacho, em virtude da óbvia contradição de conteúdo substantivo por reporte ao pressuposto legalmente definido no artº 8º nº 1 da Lei nº 15/98 de 26.03 entre: a.a conclusão de que “(..) nenhum mal vislumbramos apontado ao cidadão Nabil, se regressar ao seu país (..) não estão preenchidas as condições de facto e legais que possam justificar o deferimento do pedido (..)” b.e a factualidade dada como provada e o enquadramento jurídico constante do próprio procedimento administrativo de que (i) “(..) No caso concreto o motivo que ocorreu para a concessão do direito de autorização de residência por razões humanitárias foi a verificação, no Egipto, de um elevado nível de violações dos direitos humanos, tendo o requerente sido perseguido por ser opositor do regime, havendo justo receio de novas perseguições em caso de regresso (..)” e (ii) “(..) As forças de segurança continuam a maltratar e torturar prisioneiros, deter e prender arbitrariamente pessoas, prolongar os períodos de prisão preventiva e, ocasionalmente, a envolver-se em detenções em massa (..)”. * Por todo o exposto conclui-se que o despacho em causa do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna datado de 22.12.2005 e notificado ao ora Recorrente em 3.1.2006 se mostra eivado de vício de violação de lei por erro de direito sobre os pressupostos, invalidade sancionada com a anulabilidade nos termos do artº 135º CPA. Nesta medida impõe-se revogar o acórdão proferido em 1ª Instância e, em via de substituição ex vi artº 149º nº 4 CPTA conhecer do peticionado em sede de condenação no acto devido, a que de seguida se procede. 3) condenação no acto devido – artºs. 66º nº 2 e 71º nº 1 CPTA – elemento vinculado do acto; Como salienta a Doutrina, o local de positivação jurídica dos direitos fundamentais é a constituição, - considerando aqui que esta incorporação não está obrigatoriamente associada à ideia de constituição escrita, como é o caso das Common Law Liberties - “(..) A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem essa positivação jurídica, os “direitos do homem são esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política”, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional. (..) A primeira função dos direitos fundamentais – sobretudo dos direitos, liberdades e garantias – é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes do estado (e de outros esquemas políticos coactivos). Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade (negativa). Assim, por exemplo, o artº 37º da CRP garante subjectivamente: (a) direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio (liberdade positiva); (b) direito de a liberdade de expressão e informação ser feita sem impedimentos ou discriminações por parte dos poderes públicos (liberdade negativa). Além disso, impõe-se objectivamente aos poderes públicos a proibição de qualquer tipo ou forma de censura (cfr. artº 37º/2). (..)” (10) * O caso concreto há-de ser analisado por reporte à positivação jurídico-constitucional da Constituição Portuguesa, pois que é ao nosso País que o ora Recorrente pede autorização de residência por razões humanitárias, desde logo tendo em conta o disposto nos artºs. 1º e 2º da CRP ao basearem a República na “dignidade da pessoa humana” e o Estado de direito democrático no “respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais”. Trata-se, pois, de operar juridicamente sobre os factos provados e concluir se os mesmos são, ou não, passíveis de subsunção no pressuposto da “sistemática violação dos direitos humanos” do artº 8º n º 1,in fine, da Lei 15/98, 26.03. Como tem vindo a ser dito, o agir do órgão administrativo move-se no domínio da actividade vinculada na medida em que apenas cabe proceder a uma operação de interpretação e fixação do conteúdo do conceito indeterminado de “violação dos direitos humanos” e constatar se a situação concreta à luz dos factos provados é passível de ser subsumida a uma “violação dos direitos humanos” pelo que nesta operação não há lugar a nenhuma margem de livre escolha quanto à fixação do sentido do conceito indeterminado, mas apenas que proceder a uma operação vinculada de interpretação da lei, consequentemente sindicável pelos Tribunais, sendo que o sentido a adoptar na interpretação é um único, aquele que foi querido pela lei. E no que respeita à valoração da “violação dos direitos humanos” de ocorrência “sistemática”, trata-se de interpretar uma noção vaga de verificação empírica, na medida em que o que é sistemático é o que se apresenta com frequência, que se objectiva de forma reiterada, frequente, sucessiva. De modo que também neste caso a fixação do que é que se entende por ocorrência “sistemática” reportada à “violação dos direitos humanos” não cabe no âmbito da discricionariedade administrativa antes se reconduz ao exercício vinculado de apuramento de uma sucessão objectiva de ocorrências verificadas no tempo, evidenciadas pela actividade instrutória levada a cabo no procedimento administrativo e, a partir desse número objectivo de factos apurados, concluir se são ou não susceptíveis de subsunção na noção vaga de ocorrência “sistemática”. A actividade de fixação do sentido do conceito indeterminado de “sistemática violação dos direitos humanos” será seguida de um agir sob a forma de acto administrativo cujo efeito jurídico há-de estar em relação de conformidade com o resultado da operação jurídica de interpretação do sentido normativo. * No caso dos autos, tendo em conta a matéria de facto julgada provada com utilidade para o processo, fundamentalmente no Relatório do Comissariado Nacional para os Refugiados de 3.10.2005 de que “(..) No caso concreto o motivo que ocorreu para a concessão do direito de autorização de residência por razões humanitárias foi a verificação, no Egipto, de um elevado nível de violações dos direitos humanos, tendo o requerente sido perseguido por ser opositor do regime, havendo justo receio de novas perseguições em caso de regresso (..)” e “(..) As forças de segurança continuam a maltratar e torturar prisioneiros, deter e prender arbitrariamente pessoas, prolongar os períodos de prisão preventiva e, ocasionalmente, a envolver-se em detenções em massa (..)” julga-se preenchido o pressuposto legal fixado no artº 8º nº 1, in fine, da Lei 15/98, 26.03 da “sistemática violação dos direitos humanos” em ordem à concessão de autorização administrativa de residência em Portugal por razões humanitárias. * De modo que, na procedência das conclusões de recurso e pelas razões de direito supra, em via de anulação do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna de indeferimento, datado de 22.12.2005 proferido no uso de competência delegada do Ministro de Estado e da Administração Interna por despacho nº 10494/2005 de 29.04, notificado ao ora Recorrente em 3.1.2006, cumpre emitir pronúncia condenatória da Administração no sentido do reexercício do poder de decisão procedimental, com observância do seguinte quadro de vinculações – cfr. artºs. 66º nº 2 e 71º nº 1 do CPTA: · - emitir novo acto administrativo no respeito da vinculação legal sobre o respectivo conteúdo e efeito jurídico positivo; · - conforme à matéria de facto julgada provada no Relatório do Comissariado Nacional para os Refugiados de 3.10.2005 de que “(..) No caso concreto o motivo que ocorreu para a concessão do direito de autorização de residência por razões humanitárias foi a verificação, no Egipto, de um elevado nível de violações dos direitos humanos, tendo o requerente sido perseguido por ser opositor do regime, havendo justo receio de novas perseguições em caso de regresso (..)” e “(..) As forças de segurança continuam a maltratar e torturar prisioneiros, deter e prender arbitrariamente pessoas, prolongar os períodos de prisão preventiva e, ocasionalmente, a envolver-se em detenções em massa (..)”; · - no sentido de deferimento do pedido de renovação da autorização de residência em Portugal atento o bem fundado da pretensão do ora Recorrente Nabil ... vista à luz da posição subjectiva de conteúdo pretensivo por si deduzida por reporte ao pressuposto legal da “sistemática violação dos direitos humanos” fixado no artº 8º nº 1, in fine, da Lei 15/98, 26.03. *** Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul em: A. julgar procedente o recurso interposto e revogar o acórdão recorrido; B. anular o despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna datado de 22.12.2005 e proferido no uso de competência delegada do Ministro de Estado e da Administração Interna por despacho nº 10494/2005 de 29.04, notificado ao Recorrente em 3.1.2006, de indeferimento do pedido por si deduzido de renovação da autorização de residência por razões humanitárias; C. condenar a Administração, na pessoa do Ministro de Estado e da Administração Interna ou no caso de manutenção da vigência do despacho de delegação de competência nº 10 494/2005, na pessoa do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, no reexercício do poder de decisão com observância do seguinte quadro de vinculações: i. emitir novo acto administrativo no respeito da vinculação legal sobre o respectivo conteúdo e efeito jurídico positivo; ii. conforme à matéria de facto julgada provada no Relatório do Comissariado Nacional para os Refugiados de 3.10.2005 de que “(..) No caso concreto o motivo que ocorreu para a concessão do direito de autorização de residência por razões humanitárias foi a verificação, no Egipto, de um elevado nível de violações dos direitos humanos, tendo o requerente sido perseguido por ser opositor do regime, havendo justo receio de novas perseguições em caso de regresso (..)” e “(..) As forças de segurança continuam a maltratar e torturar prisioneiros, deter e prender arbitrariamente pessoas, prolongar os períodos de prisão preventiva e, ocasionalmente, a envolver-se em detenções em massa (..)”; iii. no sentido de deferimento do pedido de renovação da autorização de residência em Portugal atento o bem fundado da pretensão do ora Recorrente Nabil ... vista à luz da posição subjectiva de conteúdo pretensivo por si deduzida por reporte ao pressuposto legal da “sistemática violação dos direitos humanos” fixado no artº 8º nº 1, in fine, da Lei 15/98, 26.03. Custas pelo vencido em ambas as instâncias, com procuradoria em ¼ da taxa de justiça devida. Lisboa, 29.NOV.2007 (Cristina dos Santos) (Teresa de Sousa) (Coelho da Cunha) (1) Artº 268º nº 3 CRP – Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. (2) Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves, Pacheco de Amorim, CPA - Anotado, 2ª edição Almedina, págs. 589/590. (3) Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo, Outubro/1980, págs. 663 e 796 –“(..) não é requisito legal da fundamentação do acto a sua exactidão, ou seja, a veracidade ou realidade dos factos e a correspondência das normas invocadas ao direito (..) a exactidão dos motivos não respeita a elementos formais do acto, mas sim aos seus elementos de fundo ou substanciais (..) quando os fundamentos ou os motivos do acto explicam, só por si, clara e logicamente a decisão mas são, factual ou juridicamente, falsos ou erróneos, temos ilegalidade, mas não por vício de forma; se os motivos invocados correspondem aos factos e ao direito mas não justificam só por si, clara e logicamente, a decisão tomada, temos vício de forma (..)”. (4) Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves, Pacheco de Amorim, CPA – Anotado Almedina, 2ª edição, pág. 603, nota IV. (5) Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo, Outubro/1980, pág. 612. (6) Mário Esteves de Oliveira, Lições de direito administrativo, 1980, págs. 345/346, 619/620. (7) Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Lex, 1999, págs. 107/108. (8) Bernardo Diniz de Ayala, O (défice) de controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 83. (9) Bernardo Diniz de Ayala, O (défice) de controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 87 (10) Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7ª edição, págs. 377, 407, 408. |