Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:237/19.9BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:ARGUIÇÃO DE NULIDADE DE ACÓRDÃO;
QUESTÃO NOVA- DISTINÇÃO ENTRE “QUESTÕES” E ARGUMENTOS.
Sumário:I- Não se está perante uma questão nova se a mesma problemática já tinha sido equacionada pela Recorrida na respetiva oposição, se se encontra implicitamente considerada no despacho recorrido, e se foi arguida pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo o Recorrente sido dada oportunidade ao Recorrente para responder.
II- A segunda razão que oblitera a tese do Recorrente relativa à existência de “questão nova” prende-se com o facto da problemática em exame não constituir uma verdadeira “questão”, mas apenas um argumento de natureza jurídica.
III- O problema que se coloca neste contexto é o de, em determinadas situações, destrinçar as questões dos argumentos elencados pelas partes, dado que, apenas as primeiras são aptas a acomodarem e fincarem a imputação de nulidade de decisões judiciais, seja por omissão de pronúncia, seja por excesso de pronúncia.
IV- A ponderação ou apreciação, por banda do tribunal, de elenco argumentativo diverso do apresentado pelas partes não é conducente à nulidade da decisão judicial impetrada, mas, quando muito, ao erro de julgamento da mesma. E tal sucede porque o tribunal não tem o dever de apreciar a totalidade ou somente os argumentos jurídicos oferecidos pelas partes, ou o enquadramento jurídico delimitado apenas por uma das partes, podendo bastar-se, na sua decisão, com uma fundamentação sopesante de argumentos diferentes dos ofertados pelas partes.
V- A matéria regulada no art.º 665.º do CPC de 2013 é também regulada no Título VI, do CPTA, concretamente no art.º 149.º, razão pela qual tal art.º 665.º é inaplicável aos recursos de apelação interpostos para este Tribunal Central Administrativo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Jorge ..... (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 30/04/2019, no processo cautelar interposto contra a Ordem dos Advogados (Recorrida).
Nesta providência, o Recorrente requereu o decretamento de medida cautelar, concretizada na imposição de “nomeação do Ilustre Patrono devidamente inscrito no sistema de acesso à justiça e aos tribunais, cuja declaração de aceitação se junta (…) para cessar a situação de violação do direito do beneficiário de apoio judiciário (…)”, sucedendo que, por despacho datado de 30/04/2019, foi proferida decisão judicial pela qual foi ordenado ao agora Recorrente que, no prazo de cinco dias, comprovasse nos autos o pagamento da taxa de justiça devida, com o fundamento de que “não pode o benefício de apoio judiciário concedido (…) no processo de apoio judiciário APJ ...../2015, ser utilizado e produzir os seus efeitos na presente ação, por não se integrar em nenhuma das situações previstas no art.º 18.º, n.ºs 4 a 7, da Lei do Apoio Judiciário, sendo, por isso, devido o pagamento de taxa de justiça.”
Inconformado, o Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal de Apelação.
Em 10/12/2019, este Tribunal Central Administrativo Sul prolatou Acórdão, nos termos do qual negou provimento ao recurso e confirmou o despacho recorrido.

O Recorrente Jorge ..... veio interpor recurso de revista do referido Acórdão proferido por este Tribunal de Apelação em 10/12/2019, dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo, invocando, em primeiro lugar, que o mesmo é nulo por excesso de pronúncia e, em segundo lugar, que o mesmo é nulo por violação do princípio do contraditório.
Vejamos, então, se assim é.
O Recorrente qualifica o Acórdão produzido por este Tribunal em 10/12/2019 de nulo, por entender que o mesmo padece de excesso de pronúncia, “por conhecer questões de que não podia tomar conhecimento, designadamente a questão de inadmissibilidade do meio processual que funda o silogismo lógico-judiciário que preside à elaboração do Acórdão recorrido”. Entende o Recorrente que este Tribunal apreciou “a questão nova da inadmissibilidade do meio processual, ao invés da apreciação da validade e extensão do apoio judiciário concedido” (cfr. conclusões 3 e 4 do recurso de revista).
Compulsado o corpo alegatório do recurso de revista em causa, verifica-se que, concretamente, o Recorrente insurge-se contra um específico segmento da fundamentação de direito que integra o Acórdão objeto do recurso de revista e que, de seguida, se transcreve:
“Em primeiro lugar, atenta a factualidade enunciada, resulta cristalino que, no âmbito do APJ ...../2015, a Recorrida usou da prerrogativa que o art.º 34.º, n.º 5, in fine, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais lhe atribui, e que é a de recusar a nomeação de patrono oficioso nos casos em que conclua pela inexistência de fundamento legal da pretensão. Efetivamente, após pelo menos nove nomeações de patrono oficioso, a Recorrida decidiu arquivar o procedimento de nomeação de patrono no domínio do processo de apoio judiciário APJ ...../2015, em atenção à inviabilidade da pretensão que o ora Recorrente pretendia formular na ação principal a propor.
A decisão de recusa de nomeação de patrono, tomada pela Recorrida em 08/03/2018 em conformidade com o preceituado no citado art.º 34.º, n.º 5, configura uma verdadeira decisão administrativa, passível de impugnação nos mesmos termos da impugnação contenciosa de qualquer ato administrativo.
No caso versado, de acordo com o que dimana dos autos e sendo certo que o Recorrente foi notificado desta decisão de recusa de nomeação de patrono, não foi impugnada a aludida decisão. Pelo que, em bom rigor formou-se caso decidido, devendo o Instituto da Segurança Social extrair as inerentes consequências, mormente, o cancelamento da proteção jurídica concedida no processo APJ ...../2015, consonantemente com o que prevê o art.º 10.º, n.º 3 da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais.
Quer isto dizer, portanto, que a decisão de atribuição de apoio judiciário a que se refere o processo APJ ...../2015 esgotou já a produção dos respetivos efeitos jurídicos em momento muito anterior ao da apresentação da vertente providência cautelar. E, sendo assim, resulta à evidência que a prévia cessação dos efeitos da decisão de concessão do apoio judiciário no âmbito do processo APJ ...../2015 não permite ao agora Recorrente usar esta para propor a vertente providência cautelar, antes se impondo que o Recorrente formule novo pedido de apoio judiciário, desta feita com o intuito de peticionar o decretamento da presente providência cautelar.”
Sucede que esta não constitui uma questão nova. E por duas razões.

Em primeiro, porque esta problemática sempre foi equacionada nestes exatos termos pela Recorrida, bastando para tanto examinar a oposição apresentada pela Recorrida, nos seus artigos 27 a 42, bem como se encontra implicitamente considerada no despacho recorrido (no último parágrafo de fls. 2 e primeiro de fls. 3). Ademais, no parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal- e de que o Recorrente foi notificado- foi expressamente convocado o disposto no art.º 34.º, n.º 5 da Lei n.º 34/2004.
Sendo assim, perante este acervo argumentativo, de natureza jurídica, este Tribunal de apelação limitou-se a retirar as consequentes e lógicas ilações quanto à validade e extensão do apoio judiciário que tinha sido anteriormente concedido ao Recorrente. E, repare-se quês estas são, precisamente, as questões colocadas nos autos e diretamente atacadas pelo recurso jurisdicional de apelação apresentado pelo Recorrente perante este Tribunal Central Administrativo.

A segunda razão que oblitera a tese do Recorrente relativa à existência de “questão nova” prende-se com o facto da problemática em exame não constituir uma verdadeira “questão”, mas apenas um argumento de natureza jurídica.
O problema que se coloca neste contexto é o de, em determinadas situações, destrinçar as questões dos argumentos elencados pelas partes, dado que, apenas as primeiras são aptas a acomodarem e fincarem a imputação de nulidade de decisões judiciais, seja por omissão de pronúncia, seja por excesso de pronúncia. Realmente, a ponderação ou apreciação, por banda do tribunal, de elenco argumentativo diverso do apresentado pelas partes não é conducente à nulidade da decisão judicial impetrada, mas, quando muito, ao erro de julgamento da mesma. E tal sucede porque o tribunal não tem o dever de apreciar a totalidade ou somente os argumentos jurídicos oferecidos pelas partes, ou o enquadramento jurídico delimitado apenas por uma das partes, podendo bastar-se, na sua decisão, com uma fundamentação sopesante de argumentos diferentes dos ofertados pelas partes.
Deste modo, deve entender-se que questões são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição quanto às questões objeto de litígio. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, pelo que não incorrerá na nulidade em referência o julgador que, apreciando na decisão todos os problemas/questões fundamentais objeto do litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, ou teve em consideração argumentação jurídica diversa da indicada por uma das partes. “Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, (…) sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/12/2018 no processo 930/12.7BALSB).
Do que vem de se exprimir decorre, portanto, que somente existe omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia se o Tribunal decidir questões que não se enxertam no perímetro do objeto do processo ou do recurso.
Realizado este périplo, importa reverter ao caso versado. E tomando em consideração todo o expendido, é nosso entendimento que não assiste qualquer razão ao Recorrente no que concerne à imputação de nulidade ao Acórdão prolatado por este Tribunal em 10/12/2019.

Rechaçada a primeira causa de imputação de nulidade, impõe-se indagar se ocorre a segunda. É que o Recorrente vem afirmar que o Acórdão sob revista violou o princípio do contraditório por ter fundado a sua decisão em matéria factual sobre a qual o Recorrente não foi confrontado antes (cfr. conclusões 5, 6 e 11 do recurso de revista).
Ora, uma vez mais, diga-se que a matéria factual a que alude o Recorrente foi expressamente invocada por ele próprio e pela Recorrida, derivando quer dos elementos documentais juntos aos autos, incluindo pelo próprio Recorrente, quer da não impugnação dos factos invocados. Aliás, o cancelamento da nomeação de patrono por banda da Recorrida não consubstancia o cancelamento da decisão de concessão de apoio judiciário. E é precisamente por isso que o Recorrente continua a sustentar a validade dessa decisão de concessão de apoio judiciário nos presentes autos.
De todo o modo, a “inviabilidade da ação” a que alude o Recorrente e a Recorrida não constitui objeto dos presentes autos, nem configura nenhuma espécie de incidente processual para efeitos do julgamento do mérito do vertente recurso, antes se situando no patamar do procedimento administrativo respeitante à nomeação de patrono.
Quer isto dizer, por conseguinte, que não estando em causa qualquer incidente ou questão inovadora, de facto ou de direito, não cabia, nem se impunha desenvolver o exercício do princípio do contraditório.
E seja como for, mesmo que se tratasse de questão que não foi decida pela Instância a quo, a verdade é que este Tribunal não tinha de, forçosamente, proceder à audição do Recorrente.
Realmente, de acordo com o disposto no art.º 140.º n.º 3, do CPTA (na redação dada pelo DL 214-G/2015, de 2 de outubro), o disposto na lei processual civil é aplicável aos recursos de apelação interpostos para este TCA Sul se inexistir regulamentação própria no Título VI, do CPTA.
Ora, a matéria regulada no art.º 665.º, do CPC de 2013, é também regulada no Título VI, do CPTA, concretamente no art.º 149.º, razão pela qual tal art.º 665.º é inaplicável aos recursos de apelação interpostos para este Tribunal Central Administrativo, ou seja, in casu carece de fundamento a invocação da violação do disposto no n.º 3 desse art.º 665.º.
Acresce que no referido art.º 149.º, do CPTA (o qual tem a seguinte epígrafe: “Poderes do tribunal de apelação”), concretamente no seu n.º 5, apenas se prevê a audição das partes, antes da prolação da decisão, no caso de ter sido produzida prova no tribunal superior, não se prevendo tal audição quando o tribunal superior se limita a conhecer, em substituição e sem produção de prova, das questões que o tribunal recorrido não conheceu por as considerar prejudicadas [solução introduzida no CPTA pelo DL 214-G/2015, de 2/10, e que assentará em razões de celeridade, sendo certo que tal solução legal não põe em causa o princípio do contraditório - pois a parte já se terá pronunciado sobre tais questões em 1ª instância (caso eventualmente alguma das partes não se tenha pronunciado sobre algumas das questões que cumpre ao tribunal superior conhecer em substituição, haverá que dar cumprimento ao estatuído no art. 3º n.º 3, do CPC de 2013) -, nem conduz a decisões surpresas (pois é a própria lei que prevê a obrigação do tribunal superior conhecer em substituição das questões não apreciadas pelo tribunal recorrido, pelo que a parte tem necessariamente de contar que tal venha a ocorrer)].
Ora, in casu não foi produzida prova neste Tribunal e o Recorrente já tinha patenteado a sua posição, desde logo, na petição inicial (e igualmente na alegação de recurso), razão pela qual não cumpria proceder à audição do Recorrente antes da prolação do acórdão de 10/12/2019. E mesmo que se entendesse ser aplicável o art.º 665.º do CPC, nomeadamente o seu n.º 3, verifica-se que no caso vertente não existiu qualquer omissão com relevância jurídica, dado que, como se expendeu em momento supra, tal questão- a da dita inviabilidade da ação principal a propor- não é, sequer, versada nestes autos.


Destarte, é nosso entendimento que não ocorreren as nulidades imputadas ao Acórdão sob revista, proferido em 10/12/2019 por este Tribunal Central Administrativo Sul.

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Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
I- Julgar inverificadas as nulidades invocadas no recurso jurisdicional interposto do acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Sul em 10/12/2019; e
II- Ordenar a remessa dos autos ao Colendo Supremo Tribunal Administrativo para a apreciação preliminar e sumária prevista no art.º 150.º n.ºs 1 e 6, do CPTA, quanto ao recurso interposto por Jorge ......


Lisboa, 27 de fevereiro de 2020,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano

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Paulo Gouveia