Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:269/12.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS;
ÓNUS DA PROVA;
OMISSÃO DE PROVEITOS;
FALTA DE INDÍCIOS.
Sumário:I - Compete à Administração Tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação;
II - Se a Administração Tributária conclui pela omissão de proveitos no exercício de 2006, com base em elementos recolhidos, exponencialmente, no ano de 2005, com raiz pouco impressiva e manifestamente insuficientes, e extrapola para um exercício do qual não existe um único elemento que denuncie ou ateste uma divergência efetiva entre os valores escriturados e os valores reais, tais indícios não permitem legitimar o recurso à avaliação indireta, por não estar indiciada com segurança, e segundo juízos de razoabilidade e normalidade adequada, a impossibilidade de tributação da de forma direta;
III - Não se encontrando reunidos os necessários e legais pressupostos para que a Administração Tributária pudesse lançar mão da metodologia que lançou – métodos indiretos –o ato tributário padece de vício de violação da lei.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “R.........., LDA”, tendo por objeto o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2006, no montante total de €40.895,22.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I. A douta sentença ora recorrida que julgou procedente a impugnação judicial interposta pela recorrida e que tem como objecto liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2006 e respectivos juros indemnizatórios, no montante de €40.895,22.

II. Importa aferir do preenchimento dos pressupostos legalmente impostos para a determinação do lucro tributável da aqui recorrida, no exercício de 2006, com recurso à aplicação dos métodos indirectos.

III. Nos termos do n.° 1 do artigo 16.° do CIRC a matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal, sendo que a determinação do lucro tributável por métodos indirectos só pode verificar-se nos termos e condições previstos nos artigos 52.° e seguintes (na redacção vigente â data dos factos), determinação esta compaginável com o prescrito nos artigos 74.°, 83.° e 86.° da LGT, que configura a avaliação indirecta como subsidiária da directa, devendo o lucro tributável ser apurado de acordo com o artigo 17.° do CIRC.

IV. E em conformidade com o disposto no artigo 52.° do CIRC (redacção vigente à data), a aplicação de métodos indirectos efectua-se nos casos e nas condições previstas nos artigos 87.° a 89.° da LGT, sendo que pela leitura da norma do artigo 87.°, al. b), da LGT concluímos da aceitação da aplicação da avaliação indiciária com vista á determinação do lucro tributável da pessoa colectiva quando é constatada a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do imposto.

V. Impondo o artigo 88.°, al. a), da LGT que estamos perante situação de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável sempre que ocorra a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração.

VI. Por outro lado, o artigo 17.° do CIRC implica a existência de contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilística e restantes disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade e que reflicta todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, o que é reforçado pela alínea a) do n.º 3 do artigo 115.° do CIRC e artigo 29.° do Código Comercial.

VII. Não cumpridos tais mandamentos queda-se a presunção de veracidade e de boa fé das declarações dos contribuintes vertida no artigo 75.° da LGT, surgindo legitimado o recurso à determinação do lucro tributável por aplicação de métodos indirectos nos termos do n.° 3 do artigo 74.° da LGT.

VIII. É certo que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos assume uma configuração excepcional, com aplicação possível quando não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo (conforme artigos 81.°, 85.° e 87.° e 88.° da LGT ex vi do art.° 52.° do CIRC).

IX. Contudo, desde que se verifiquem os requisitos de tais normas, não sendo possível apurar, de forma directa, mediante recurso à contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal para lançar mão da aplicação dos métodos indirectos, para determinação desse lucro.

X. No decurso do procedimento inspectivo concluiu-se pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, sendo que tal impossibilidade resultou de divergências e discrepâncias verificadas na contabilidade do sujeito passivo que corroboraram o juízo de insuficiência e de falta de credibilidade da mesma.

XI. Divergências que foram devidamente relatadas no item IV. do relatório de inspecção tributária que aqui convocamos, consubstanciadas em omissões no valor das vendas declaradas e concomitante quantificação de proveitos.

XII. Para o volume de negócios do sujeito passivo nos exercícios em questão contribuiu a venda de quarenta e duas fracções, de acordo com elementos obtidos através do sistema informático da DGCI e a análise dos extractos de conta corrente fornecidos pelo sujeito passivo, sendo que onze das quarenta e duas fracções foram alienadas no ano de 2006.

XIII. Mais resultou do procedimento inspectivo que, não correspondendo os valores efectivamente pagos aos valores das escrituras, os adquirentes das fracções procederam ao pagamento do preço de forma fraccionada, mediante emissão de vários cheques, sendo que os mesmos foram depositados em conta não pertencente à impugnante aqui recorrida.

XIV. Acresce que, confrontado com tais irregularidades - suportadas em declaração dos adquirentes, verificação e análise dos cheques por eles emitidos, bem como subsequente regularização pelos adquirentes da sua situação tributária em sede de IMT - não apresentou o sujeito passivo qualquer justificação, limitando-se a declarar não ter encontrado razão para a divergência suscitada.

XV. Ainda assim, procedeu o sujeito passivo à correcção dos valores contabilizados nos termos do disposto no artigo 58.° A do CIRC, sem apelo ao disposto no artigo 129.° do CIRC no sentido de provar que o preço efectivamente recebido pela transmissão daquelas fracções havia sido efectivamente outro.

XVI. De onde resulta inequivocamente a assunção por parte da recorrida de que os valores contabilizados a título de proveito se encontravam viciados, com necessária omissão de proveitos e violação do disposto nas normas que regulam a determinação do lucro tributável e a obrigatoriedade de organização de uma contabilidade que espelhe os efectivos negócios e actividade da empresa.

XVII. Atentando ao facto de o comportamento do sujeito passivo denunciar nítida e assumida e constatada ausência de adesão aos preceitos legais aplicáveis em sede contabilística e fiscal com referência a fracções determinadas, razoável e coerente é asseverar que a contabilidade não reflecte com veracidade a sua actividade económica no que respeita à alienação das fracções constitutivas do mesmo prédio.

XVIII. Pelo que, não nos é permitido aferir da credibilidade da contabilidade por referência a períodos delimitados no tempo, pois que goza a mesma de uma unicidade que não é permitido à impugnante recorrida colocar em causa para se prevalecer da omissão de proveitos efectivamente constatada em 2005, e que obrigatoriamente se comunica aos negócios da mesma natureza ocorridos em momento/exercício posterior.

XIX. Da matéria constante do probatório da sentença recorrida, na sua maior parte carreada do relatório da fiscalização tributária e que a transcreve, apropriada pela decisão final do Director de Finanças de Lisboa, em sede de Comissão de Revisão, que foi apurada em sede de exame à escrita da impugnante e não contrariada por qualquer outra prova, em relação às cinco situações apuradas, resultou que os montantes declarados pela recorrida o foram por montantes inferiores aos reais.

XX. Factos que a ora recorrente teve oportunidade de infirmar e nenhuma prova veio fazer neste sentido, e que traduzem, com um alto grau de probabilidade, que tal contabilidade ainda que formalmente organizada, não era apta para o fim de através dela apurar os reais proveitos do exercício que a mesma terá alcançado.

XXI. Retirando-se-lhe nessa parte toda a credibilidade, sobretudo ao nível desses proveitos, que sempre teriam de ser estimados, calculados, presumidos, e afastando a possibilidade de, através dessa escrita apurar, desde iogo, o real volume de negócios da impugnante obtidos por essas vendas das fracções comercializadas em 2005, 2006, 2007 e 2008.

XXII. Assim, vem a conduta da recorrida reforçar a certeza da factualidade recolhida pela fiscalização e das conclusões dela extraídas de que os preços de compra e venda declarados como correspondendo às vendas das fracções não corresponderam â sua realidade, não tendo a sua contabilidade o mérito de espelhar o resultado da realidade económica-financeira do respectivo exercício da actividade.

XXIII. Considerando os factos identificados e sobre os quais discorre o Relatório de Inspecção Tributária, bem como o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiciários em sede de IRC, e subsequentes apreciações feitas pela Administração Tributária em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, que permitiram detectar divergências entre os valores declarados e os valores reais das transacções, denunciada ficou a existência de proveitos superiores aos contabilizados pelo sujeito passivo com necessária e obrigatória descredibilização dos elementos contabilísticos subjacentes aos presentes autos e que estão na origem da liquidação adicional de IRC de 2006.

XXIV. Pelo que, se encontram verificados, atento o disposto no n.° 3 do artigo 74.° e alíneas a) do artigos 87.° e 88.° da LGT, bem como o prescrito nos artigos 52.° e 54.° do CIRC, os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos no exercício de 2006 para efeitos de determinar o lucro tributável do sujeito passivo a considerar para efeitos de tributação em sede de IRC, face à impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável.

XXV. A douta sentença incorreu, assim, em erro de julgamento, por ter desconsiderado prova produzida nos presentes autos legitimadora da aplicação dos métodos indirectos em sede de IRC para o exercício de 2006, com violação das normas constantes do n.° 3 do artigo 74.° da LGT, artigos 81°, 83.° e 85.° e alíneas b) do artigos 87.º e alínea a) do artigo 88.°, todos da LGT, bem como o prescrito nos artigos 52.° e 54.° do CIRC em conjugação com os artigos 17.° e 20.° do mesmo Código, pelo que se pugna pela substituição da decisão proferida nos autos de modo a que, com as legais consequências, se considere correcta e fundamentada, a posição da Administração Fiscal quanto à liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2006.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a reclamação do acto de órgão de execução fiscal ser declarada totalmente improcedente.

PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”

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A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações.
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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Da prova produzida nestes autos, resulta apurada com interesse para a decisão da causa a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) A Impugnante encontra-se registada desde 11.11.1989 pelo exercício da actividade de “Compra e Venda de Bens Imobiliários” – CAE 68100, e está enquadrada em sede de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável. (Doc. fls. 28/29 e 35/44 do processo administrativo tributário)

B) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2009...../…/…/… de 26.06.2009, foi levada a efeito à Impugnante uma acção de inspecção, de âmbito parcial em IRC incidindo sobre os exercícios de 2005 a 2008. (Doc. fls.28/29 e 35/44 do processo administrativo tributário);

C) Na sequência da acção de fiscalização a que alude a al. B) do probatório, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária (RIT), no qual consta, designadamente o seguinte:

« Através da consulta do sistema informático da DGCI verificou-se que o sujeito

passivo :

Em sede do Código do IRC (CIRC) apresentou as respectivas declarações-Modelo 22, dentro do prazo encontrando-se todas liquidadas. Apresentou, também, as declarações anuais de informação contabilística e fiscal, a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 109°;

O sujeito passivo possui contabilidade informatizada. A documentação encontra-se arquivada de acordo com os vários diários.

IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICA O RECURSO A METODOS INDIRECTOS

No exercício em análise foram detectadas situações, descritas nos pontos seguintes, impeditivas da correcta, directa e exacta comprovação e quantificação dos elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável, pelo que houve necessidade de recorrer, para a sua determinação, a métodos indirectos, nos termos do disposto no art.º 52° do Código do IRC, alínea b) do art.º 87° e alínea a) do art.º 88°, ambos da Lei Geral Tributária:

Omissões no valor das vendas declaradas

Com o objectivo de verificar a veracidade dos valores declarados nas transacções efectuadas nos anos de 2005 a 2008, procedeu-se à notificação dos adquirentes, relacionados pelos notários relativamente às escrituras públicas de compra e venda realizadas com o sujeito passivo naqueles anos, para confirmação dos valores declarados nas respectivas escrituras públicas.

Da análise dos elementos recolhidos no âmbito da presente acção, bem como dos apresentados pelos adquirentes das fracções, apurámos que na venda dos apartamentos, o sujeito passivo considerou na contabilização dos respectivos proveitos um valor inferior ao real, relativamente a parte das fracções. Tal situação viola o estipulado nos artigos 17.° e 20.° do Código do IRC.

Através da consulta à base de dados "património", verificou-se que as fracções alienadas nos exercícios em análise, pertencem ao artigo matricial n.º ....., da freguesia de Cascais, referidas no quadro infra, e correspondem a 42 fracções.

Do confronto entre os elementos obtidos através do sistema informático da DGCI, com a informação recolhida através da análise dos extractos das contas correntes de Vendas c/7121123 Vendas, concluímos que o sujeito passivo procedeu às seguintes vendas, relativas a fracções em regime de propriedade horizontal do prédio "Edifício ..........", localizado na freguesia de Cascais (código 110503):





Esta análise prévia permitiu confirmar a existência de omissões no valor de venda das fracções declarado nas escrituras de compra e venda, uma vez que alguns dos adquirentes admitiram a existência de valores superiores e procederam à regularização voluntária do IMT devido.

A partir da análise da informação recolhida, quer em sede de análise prévia com a notificação dos adquirentes, quer no decurso do procedimento de inspecção tributária, confirmou-se a omissão na venda de várias fracções do prédio urbano referido no quadro anterior, salientando-se, nomeadamente, o seguinte:

1.Relativamente às fracções AH e AI, correspondentes, respectivamente, ao 1.º G e 1.º H, o sujeito passivo registou na contabilidade, como venda (conta 71), O valor das escrituras, ou seja, 150.000,00 € (anexo 1, fls. 2 e 3) e 200.000,00 € (anexo 1, fls. 8 e 9). Verificamos, contudo, que os pagamentos efectuados pelos adquirentes não conferem na totalidade com os valores depositados através do talão de depósito de 03/02/2005, no valor de 350.000,00 €, como de seguida se demonstra:

a)No que se refere à fracção AH, quer o valor da escritura, quer o valor do recibo é de 150.000,00 €, contudo o adquirente disponibilizou-nos dois cheques nos valores de 99.398,94 € e 100.120,22 € (anexo 1, fls. 4 e 5) emitidos em 2005-02-02, data da escritura, cujo somatório perfaz 199.519,16 €, contudo o valor efectivamente pago pela fracção foi de 313.711,56 €, conforme o adquirente comprova pela declaração e respectivo pagamento adicional de IMT (anexo 1, fls. 6 e 7)

b)Para a fracção AI foram emitidos também dois cheques em 2005/02/02, nos valores de 49.398,84 € e 150.120,22 € (anexo 1, tis. 10 e 11), totalizando 199.519,06 €. Este último cheque, embora emitido em nome de R.........., foi depositado na conta .........., do B….., que não pertence à sociedade em análise.

Relativamente a estas divergências o sujeito passivo referiu o seguinte: "Analisados os documentos a que reporta o lançamento 30/24, de 2005, não encontrámos razão para a divergência suscitada"

2.A fracção AU, correspondente ao 2.° I, foi contabilizada em 2005 pelo valor da escritura, ou seja 100.000,00 €, contudo o valor efectivamente pago foi de 187.049,21 €, conforme é comprovado pelo adquirente através do contrato promessa de compra e venda (anexo 2, fls. 2 a 4), e declaração (anexo 2, tis. 5 e 6). Para pagamento desta fracção foram emitidos pelo menos dois cheques nos montantes de 100.000,00 € e € 49.639,37 € (anexo 2, fls. 7 e 8), sendo que o segundo cheque, a exemplo do referido na alínea b) do ponto anterior, foi depositado na conta .......... do B....., que não pertence à R...........

3.Em 2009/07/21, a adquirente da fracção BS, correspondente ao 6.º C, informou que o valor da transacção foi de 300.000,00 € (anexo 3, fls. 2 e 3) e não o valor de 150.000,00€, conforme foi inicialmente declarado, tendo pago o correspondente IMT adicional.

4.No que se refere à fracção BF, correspondente ao 4.° C, o valor efectivamente pago pela fracção foi de 462.500,00 € (anexo 4, fls. 2 e 3), e não € 445.000,00, conforme foi contabilizado pela empresa vendedora. A diferença de 17.500,00 € corresponde ao cheque emitido em 2008/03/31 à ordem de José .......... e depositado na conta .......... do B..... (anexo 4, fls. 4)2

(2 Esta situação será objecto de correcção em futura acção inspectiva, uma vez que estamos perante rendimentos que configuram adiantamentos por conta de lucros, sujeitos a tributação à taxa liberatória.)

De seguida apresentamos um quadro onde se encontram reflectidas as situações anteriormente mencionadas:





A existência de omissões de proveitos, revela que a contabilidade não reflecte o verdadeiro resultado das operações realizadas pelo sujeito passivo, permitindo concluir que os montantes efectivamente pagos pelos adquirentes por conta da aquisição das fracções são superiores aos valores que constam contabilizados pelo contribuinte como proveitos, comprovando-se, deste modo, a discrepância entre o valor real de venda e o valor declarado. Tal situação é confirmada pelos valores corrigidos pelo sujeito passivo de acordo com o artigo 58.º A, do CIRC3, reflectidos no quadro apresentado no ponto V.1.1.3., do presente relatório, e que o contribuinte não reclamou nos termos do artigo 129.0 do Código do IRC4.

V.CRITÉRIOS E CALCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

V.1. Correcções à matéria colectável declarada

Nas declarações de rendimentos modelo 22, foi apurado pelo sujeito passivo, para cada um dos exercícios analisados, o seguinte lucro tributável:





V.1.1. Vendas apuradas por métodos indirectos

V.1.1.1 Critérios Aplicados

Atendendo ao exposto no ponto IV, nomeadamente, à identificação de factos concretos que comprovam a omissão de proveitos e considerando a impossibilidade de quantificar directa e de forma exacta o valor real dos proveitos da sociedade, procedeu-se á determinação do valor das vendas dos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008, por aplicação de métodos indirectos.

A correcção do volume das vendas por aplicação de métodos indirectos teve em conta os factos concretos identificados junto dos adquirentes notificados no âmbito do procedimento de inspecção, enquadrável no disposto da alínea d) do artigo 90º da LGT.

Face ao exposto, determinou-se o valor médio por m2, a partir dos elementos declarados pelos adquirentes, conforme discriminação seguinte:





D) Com base no RIT, a Administração Fiscal efectuou ao abrigo das alíneas a) e b) do art. 87º, al.a) do art. 88 º e art. 90º, todos da LGT conjugados com o art.s 52º e 53º do CIRC uma correcção no montante de € 101.149,17 do valor declarado de € 1.979.171,60, para um lucro tributável fixado de € 2.080.320,77 ao exercício de 2006. (Doc. fls. 28/29 e 35/44 do processo administrativo tributário apenso)

E) A Impugnante não se conformou com a fixação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos e dela apresentou junto da Comissão de Revisão um pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiciários em sede de IRC. (Doc. fls. 31/34 do processo administrativo tributário apenso)

F) Em 20.05.2010, foi lavrada a Acta n.º …/10, referente ao pedido de revisão efectuado pela Impugnante, sem contudo ter sido lavrado acordo entre os peritos, tendo sido mantido o valor apurado pela Inspecção Tributária. (Doc. fls. 60/66 do processo administrativo tributário apenso)

G) Em 21.05.2010, o Director de Finanças de Lisboa proferiu a decisão a que se refere o artigo 92.°, n.° 6 da LGT, da qual se respiga:

«Quanto aos pressupostos de aplicação do método de Avaliação Indirecta

Pelo exposto e pelos elementos constantes do processo, Relatório da Inspecção Tributária, Pedido de Revisão e as posições dos Peritos intervenientes no Debate Contraditório, que aqui se dão como inteiramente reproduzidos, os quais foram atrás abordados, conclui-se que:

- A contabilidade não foi elaborada de acordo com a normalização contabilística, conforme refere o n°.3 do art°.17° do CIRC, nem observa o preceituado no art°.115° do mesmo código, dado que, não revela a totalidade das operações realizadas pelo sujeito passivo, não apurando correctamente o valor total das vendas e distorcendo dessa forma os resultados reais, por se ter constatado ocultação de valores e de factos que deviam ser revelados à Administração Tributária, pois verificou-se, em síntese que, O volume de negócios do sujeito passivo nos exercícios em análise, compreendeu a venda das quarenta e duas fracções do imóvel sito em Cascais, designado por edifício .........., sendo os valores de venda contabilizados, coincidentes com os valores constantes das EPCV, mas, inferiores aos preços que foram constatados pela Inspecção Tributária como tendo sido os efectivamente praticados,

Do universo dos adquirentes dos imóveis alienados pelo sujeito passivo e que foram contactados pelos Serviços de Inspecção Tributária no âmbito dos princípios do inquisitório e da colaboração previstos nos artigos 58° e 59° n°.4 da LGT, alguns deles vieram cumprir de modo completo o seu dever de cooperação, tendo declarado que o preço efectivamente pago pelos imóveis foi bastante superior aos indicados na EPCV (e que correspondem à contabilização feita pelo sujeito passivo), tendo regularizado a sua situação tributária em sede de IMT,

A partir da análise dos documentos entregues pelos adquirentes, apurou-se o depósito de cheques em contas bancárias não pertencentes à sociedade, sendo que uma delas pertence a um dos sócios, o Sr. José ..........,

Os dados obtidos permitiram evidenciar diferenças entre os valores declarados e os valores reais das transacções,

Refere o sujeito passivo na sua petição, mormente no ponto 5, que nada foi omitido nas declarações entregues à Administração Fiscal. Porém, no ponto 13 da mesma petição, implicitamente admite a possibilidade de serem feitas correcções pelos Serviços, ao afirmar" ... acrescendo eventuais valores referidos pelos compradores das fracções",

Decorre do nº.1 e nº.2 alínea a) do art°.75° da LGT, que a presunção de veracidade das declarações bem como dos dados inscritos na contabilidade do contribuinte não se verifica quando esta não se encontra organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal nem quando se verificam indícios funda dos de que essa não reflecte ou impede o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo pela Administração Fiscal, tal como dispõe o n0.2 do art°.344° do Código Civil, e isto, foi o que efectivamente se verificou com a requerente relativamente aos exercícios em análise, quando omitiu valores materialmente relevantes que deveriam constar da sua contabilidade,

Refere o perito do sujeito passivo que as correcções resultam de informações prestadas por cinco compradores. O facto de ter havido cinco a confirmar que os valores declarados nas escrituras, foram-no por valores inferiores aos reais, omitindo valores, retirou credibilidade à escrita onde os valores dos proveitos correspondem aos das escrituras, e é mais que suficiente para aplicação de métodos indirectos.

Do que não resta dúvidas é da existência de valores de venda subfacturados na empresa, evidenciados no Relatório da Inspecção Tributária e confirmados pelo perito da Fazenda Pública.

Estas situações retiram credibilidade às declarações do sujeito passivo, como resulta do já mencionado art°.75° nº .2 da LGT e mostra a evidência da não satisfação do preconizado nos artigos 17° e 115° do CIRC.

Em face da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável dos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008, conforme atrás descrito e que foi plenamente fundamentado no Relatório da Inspecção Tributária, em virtude dos factos concretamente já identificados através dos quais está patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada, havendo proveitos de valores superiores aos contabilizados, foi considerado encontrarem-se reunidos e nos termos do n°.3 do art°.74° da LGT verificados os pressupostos para a determinação do Lucro Tributável por aplicação de Métodos Indirectos nos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008, para efeitos de IRC, conforme previsto na alínea b) do art°.87° e art°.88° da LGT, bem como nos artigos 52° e 54° do CIRC.

Estas situações não foram validamente postas em causa, quer no Pedido de Revisão, quer no debate entre os Peritos, pois, nem o sujeito passivo nem o Perito por si nomeado, vieram a destruir os argumentos utilizados no Relatório de Inspecção Tributária, mantendo-se os mesmos sem contestação válida.

Os Métodos Indirectos estão assim plenamente justificados, sendo defendida pelo Perito da Fazenda Pública, a sua aplicação. Quanto à quantificação justificada a determinação da matéria tributável pelo método de Avaliação Indirecta, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, conforme se exige na parte final do nº.3 do art°.74° da LGT.

Em conformidade com o disposto na alínea d) do art°.90o da LGT, os Serviços de Inspecção Tributária procederam à determinação da matéria tributável, partindo dos elementos conhecidos, designadamente as auto-denúncias dos adquirentes e ainda dos depósitos de cheques, em contas bancárias estranhas à sociedade, foram determinados os valores de correcção do valor da venda das fracções, em função do valor médio por m2.

Conforme descrito, no que respeita à quantificação, não foram apresentados pelo sujeito passivo ou pelo seu Perito, elementos concretos que permitam pôr em causa os valores apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária e confirmados pelo Perito da Fazenda Pública, que possibilitem fazer prova do excesso na quantificação.

Porém, a Perita da Fazenda Publica, face à análise que efectuou, entendeu alterar o valor proposto para o ano de 2005, com o qual concordo, porque devidamente fundamentado. Em face do exposto, fixo os seguintes valores:





H) Em 25.05.2010, foi emitida a liquidação adicional de IRC nº 2010 .........., no montante de € 40.895,22, relativa ao exercício de 2006. (Doc. fls. 7 do processo de reclamação graciosa apenso)

I) Em 13.10.2010, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC a que alude a al.H) do probatório, tendo aquela sido indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa (por subdelegação) de 13.12.2010. (Doc. fls. 4/5 e 29/33 do processo de reclamação graciosa apenso)

J) A Impugnante interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa a que alude a al.I) do probatório, o qual veio a ser indeferido por despacho da Directora de Finanças Ajunta de 21.02.2011. (Doc. fls. 34/35 e 13/15 do processo de recurso hierárquico apenso)

K) A petição inicial que originou os presentes autos foi remetida ao Serviço de Finanças de Sintra …, via postal com registo datado de 07.03.2012. ( cfr fls. 2 dos autos)


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se consideram as demais asserções por constituírem considerações pessoais da impugnante, conclusões de facto e/ou direito.”


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A sentença recorrida motivou a matéria de facto da seguinte forma:

“Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos reportados em cada uma das alíneas do probatório.

No que respeita à única testemunha inquirida, José S.........., Técnico Oficial de Contas da Impugnante, o seu depoimento não foi de molde a introduzir na matéria assente qualquer outro facto para além do que nela consta. Respondeu de forma genérica dizendo que no ano de 2006, foram vendidas fracções do prédio sito em Cascais.”


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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC, do exercício de 2006, no valor de €40.895,22.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, a liquidação impugnada padece de vício de violação de lei conforme entendeu o Tribunal a quo por a Administração Tributária não ter recolhido qualquer elemento demonstrativo relativo ao exercício de 2006 que permita legitimar o recurso à aplicação dos métodos indiretos, ou se, conforme defende a Recorrente, a Administração Tributária cumpriu as normas legais vigentes para a determinação da matéria coletável por recurso a métodos indiretos.

Apreciando.

A Recorrente alega que no decurso do procedimento inspetivo concluiu-se pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, relevando, para o efeito, que tal impossibilidade resultou de divergências e discrepâncias verificadas na contabilidade do sujeito passivo, consubstanciadas em omissões no valor das vendas declaradas e concomitante quantificação de proveitos.

Sustenta, neste particular, que foi constatada a alienação de quarenta e duas frações nos exercícios de 2005 a 2008, sendo que onze das quarenta e duas frações foram alienadas no ano de 2006, cujos valores efetivamente pagos pelos adquirentes não correspondem aos valores das escrituras.

Mais sublinhando que tais irregularidades foram idoneamente suportadas em declaração dos adquirentes, verificação e análise dos cheques por eles emitidos, bem como subsequente regularização pelos adquirentes da sua situação tributária em sede de IMT, não tendo, por seu turno, o sujeito passivo apresentado qualquer justificação para a ocorrência de tal divergência.

Enfatiza que a desconformidade dos valores declarados com os valores, efetivamente, recebidos é, outrossim, corroborada pela circunstância de o sujeito passivo ter procedido à correção dos valores contabilizados nos termos do disposto no artigo 58.° A do CIRC, sem apelo ao disposto no artigo 129.° do CIRC.

Razão pela qual, defende que não é permitido aferir da credibilidade da contabilidade por referência a períodos delimitados no tempo, visto que goza de uma unicidade que não é permitido à Recorrida colocar em causa para se prevalecer da omissão de proveitos efetivamente constatada em 2005, e que obrigatoriamente se comunica aos negócios da mesma natureza ocorridos em exercício posterior.

Conclui, assim, que se encontram verificados, atento o disposto no n.° 3 do artigo 74.° e alíneas a) do artigos 87.° e 88.° da LGT, bem como o prescrito nos artigos 52.° e 54.° do CIRC, os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos no exercício de 2006.

O Tribunal a quo entendeu que a Administração Tributária não havia logrado demonstrar a legalidade do recurso aos métodos indiretos apresentando a seguinte fundamentação jurídica:

“quando ao exercício que aqui importa (o exercício de 2006) nenhum indício foi apresentado pela ATA, e consciente de tal facto, veio a dizer em sede da decisão de recurso hierárquico o seguinte: « (…) Pois, ainda que não tenham sido fornecidos pelos adquirentes dados sobre as vendas efectuadas em 2006, a realidade é que, questionados os valores das vendas de fracções do ano de 2005, também são questionáveis as vendas dos anos de 2006, 2007 e 2008, porque estão em causa fracções do mesmo edifício.» (fls. 30 do processo de recurso hierárquico)

Sublinha, assim, que “Face a tão límpido discurso, naturalmente que assiste razão à Impugnante quando alega que não se mostrava legitimado o recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria colectável em sede de IRC quando ao exercício de 2006, dito de outra forma, a ATA não demonstrou, como lhe competia, a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos.

Continua densificando que “[n]ão basta à Administração Tributária e Aduaneira constatar algum ou alguns dos factos que o legislador erigiu como pressuposto de legitimação do uso dos métodos indiciários relativamente a exercício anterior 2005, para “num passo de mágica” decidir pela aplicação dos métodos indirectos quanto ao exercício de 2006. Não se ignora, que a prova a cargo da ATA não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível. Ora, no caso dos autos, a ATA não recolheu qualquer elemento demonstrativo nem indirecto nem colateral relativo ao exercício de 2006 que permita legitimar o recurso à aplicação dos métodos indirectos. Por outro lado, também não apontou qualquer anomalia ou irregularidades á contabilidade do exercício de 2006 que impedisse a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação directa da matéria colectável.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida interpretou corretamente o quadro jurídico vigente com a devida transposição fáctica ao caso vertente, relevando, para o efeito, que não foi impugnada a matéria de facto, encontrando-se a mesma devidamente estabilizada.

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos.

A determinação do rendimento coletável, tem por base a declaração Modelo 22, a qual deve ser entregue pelo sujeito passivo, vigorando o princípio da verdade declarativa. Preceitua, neste âmbito, o artigo 75.º, nº1, da LGT, no sentido de que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei.

O princípio da verdade declarativa coloca, assim, na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, logo a Administração Tributária está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados.

Com efeito, só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a Administração Tributária tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. Nessa medida, se por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no citado normativo 75.º, n.º 1 da LGT deixar de funcionar, a Administração Tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja, de todo, possível, a métodos indiretos.

Conforme decorre do nº2, do artigo 104.º, Constituição da República Portuguesa (CRP):

"A tributação das empresas incidirá fundamentalmente sobre o seu rendimento real".

Devendo, portanto, evitar-se a existência de imposto sem rendimento efetivo.

Contudo, o mesmo não pode ser visto em termos absolutos resultando tal asserção, desde logo, do moderador de sentido “fundamentalmente”. O mesmo é dizer que a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excecionalmente, desvios ou exceções.

Assim, em relação às empresas que não dispõem de contabilidade em condições de traduzir os seus rendimentos reais, a tributação irá incidir sobre um rendimento apurado por presunção.

Importa, pois, que sejam mencionados, descritos e fundamentados todos os dados e elementos de facto encontrados pela Administração Tributária que determinaram o recurso à avaliação indireta e que seja demonstrado qual o iter cognoscitivo para ter optado por determinados valores (presumidos).

Daí que, tenha existido a preocupação legal de se objetivarem as situações em que a matéria coletável pode ser fixada através de métodos indiretos, consagração legislativa taxativa, atualmente consagrada no artigo 81.º da LGT o qual dispõe que a matéria coletável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a Administração Tributária proceder à avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstas na lei.

Preceituava, à data, o artigo 52.º do CIRC, sob a epígrafe de aplicação de métodos indiretos que:

“1 - A aplicação de métodos indirectos efectuar-se-á nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da lei geral tributária.

2 - O atraso na execução dos livros e registos contabilísticos, bem como a sua não exibição imediata, a que se refere o artigo 88.º da Lei Geral Tributária, só dá lugar à aplicação de métodos indirectos após o decurso do prazo fixado para a sua regularização ou apresentação sem que se mostre cumprida a obrigação.”

O artigo 87.º, concretamente, o nº1 alínea b), dispunha que: “ 1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.

Dispondo, por seu turno, o artigo 88.º da LGT, relativamente à impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável que:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.”

Com efeito, o recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual. Uma “ultima ratio fisci”, para que a Administração Tributária possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos.

“É, de facto, doutrinária e jurisprudencialmente líquido que a AT apenas estará legitimada a recorrer a presunções, na tarefa de encontrar a matéria tributável do contribuinte, -ainda que, por natureza e norma, meramente aproximativa da efectiva, quando este tenha rompido com o seu dever de colaboração para com aquela na medida em que, por um lado, a declarada, nos termos do princípio vigente neste domínio, não mereça credibilidade, por se indiciar fundadamente, que não tem aderência à realidade e, por outro, porque não haja metodologia alternativa que permita a sua fixação directa e exacta (correcções técnicas), sendo, ao caso e atento o imposto liquidado, relevante o preceituado nos art.ºs 82.º, 83.º e 84.º do CIVA e no art.º 81.º, do CIRS”(1).

Aqui chegados, e uma vez que compete à Administração Tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação, importa, então, atentar no preenchimento do respetivo ónus probatório, aquilatando, para o efeito, se bem decidiu a sentença quando julgou que a Administração Tributária não estava legitimada a proceder à determinação da matéria coletável por via presuntiva.

Vejamos, então.

No caso vertente, conforme resulta expressamente do relatório de Inspeção Tributária, a fundamentação legal para o recurso à avaliação indireta assenta no disposto nos citados artigos 52.º do CIRC e nos artigos 87.º, nº1, alínea b) e 88º, alínea a) da LGT.

Entendeu, pois, a Administração Tributária que estava perante a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável do imposto, resultante da (i) “Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais”

Evidenciou, no aludido relatório inspetivo, como circunstâncias fáticas impeditivas de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta e quantificação direta e exata as que infra se descrevem:

- Notificação dos adquirentes para confirmação dos valores declarados nas respetivas escrituras públicas, tendo, nessa sequência, alguns dos adquirentes admitido a existência de valores superiores e procedido à regularização voluntária do IMT devido, concretizando, para o efeito, o seguinte:

Ø Frações AH e AI, o sujeito passivo registou na contabilidade, como venda o valor das escrituras, ou seja, 150.000,00 € e 200.000,00 €, no entanto os pagamentos efetuados pelos adquirentes não conferem na totalidade com os valores depositados através do talão de depósito de 03/02/2005, no valor de € 350.000,00;

o Fração AH, pese embora o valor da escritura, e o valor do recibo ascendam a 150.000,00 €, certo é que o adquirente disponibilizou dois cheques nos valores de 99.398,94 € e 100.120,22 €, emitidos em 02 de fevereiro de 2005, data da escritura, cujo somatório perfaz 199.519,16 €; O valor efetivamente pago pela fração foi de 313.711,56 €, conforme o adquirente comprova pela declaração e respetivo pagamento adicional de IMT;

o Fração AI, foram emitidos também dois cheques em 02 de fevereiro de 2005, nos valores de 49.398,84 € e 150.120,22 €, totalizando 199.519,06 €, sendo que este último cheque, embora emitido em nome da Recorrida, foi depositado na conta .........., do B....., que não pertence à sociedade em análise;

Ø Fração AU, foi contabilizada em 2005 pelo valor da escritura, ou seja 100.000,00 €, porém o valor efetivamente pago foi de 187.049,21 €, conforme é comprovado pelo adquirente através do contrato promessa de compra e venda e declaração. Mais se constatou que para pagamento desta fração foram emitidos pelo menos dois cheques nos montantes de 100.000,00 € e € 49.639,37 €, sendo que o segundo cheque, foi, igualmente, depositado na conta .......... do B....., que não pertence à Recorrida.

Ø A adquirente da fração BS, informou que o valor da transação foi de 300.000,00 € e não o valor de 150.000,00 €, conforme foi inicialmente declarado, tendo pago o correspondente IMT adicional;

Ø Fração BF, o valor efetivamente pago pela fração foi de 462.500,00 € e não € 445.000,00, conforme foi contabilizado pela empresa vendedora. A diferença de 17.500,00 € corresponde ao cheque emitido em 2008/03/31 à ordem de José .......... e depositado na conta .......... do B......

Conclui, assim, que as aludidas situações permitem inferir a existência de omissões de proveitos, e consequentemente que a contabilidade não reflete o verdadeiro resultado das operações realizadas pelo sujeito passivo, visto que os montantes efetivamente pagos pelos adquirentes por conta da aquisição das frações são superiores aos valores que constam contabilizados pelo contribuinte como proveitos.

Sublinhando, a final e como argumento adicional, que a situação é confirmada pelos valores corrigidos pelo sujeito passivo de acordo com o artigo 58.º A, do CIRC, e bem assim pela circunstância adicional de o contribuinte não ter reclamado nos termos do artigo 129.º do mesmo diploma legal.

Porém, conforme demonstraremos, de seguida, não se afigura que o Tribunal a quo, tenha incorrido em erro de julgamento, uma vez que os aludidos indícios não são de molde a legitimar a determinação da matéria coletável por recurso à avaliação indireta, não demonstrando a impossibilidade de determinação da matéria coletável por via direta.

De facto, o Tribunal ad quem não descura que as aludidas circunstâncias fáticas permitem equacionar que se está perante uma sociedade que poderá dar abertura a uma prática ilegal, mas não é menos verdade que, por si só, tal circunstância, não põe em causa a possibilidade de quantificar diretamente os valores envolvidos.

Mas atentemos, com o devido rigor.

Ab initio, importa relevar que a Administração Tributária com base nas cinco situações supra evidenciadas, conclui que há omissão de proveitos nas demais vendas respeitantes ao prédio urbano visado nos autos, o mesmo é dizer que com base em cinco alienações extrapola para quarenta e duas, o que, em rigor, representa uma percentagem de 11%, sendo, nessa medida, uma base pouco impressiva.

Mais importa sublinhar que, no concernente à alienação da fração autónoma AI, não resulta do teor do relatório inspetivo qualquer assunção pelo declarante de divergência de valores, nem é feita expressa menção ao pagamento adicional de IMT, portanto, em rigor, encontramo-nos perante uma realidade fática indiciante de apenas 9%, donde, manifestamente insuficiente.

Acresce, outrossim, que dessas cinco situações supra elencadas quatro delas respeitam ao ano de 2005, e uma ao ano de 2008, portanto, não só não existe uma situação de divergência que abarque todo o leque de alienações realizadas relativamente ao prédio urbano visado, ou seja, 2005 a 2008, como relativamente ao ano visado nos presentes autos, que é o que nos importa, não existe qualquer indício, em concreto.

Ademais, não se pode descurar que no exercício de 2006, ocorreram 11 alienações quanto ao prédio visado nos autos, cerca de 26% do acervo global de alienações, pelo que para efeitos de descredibilização da contabilidade teria, necessária e inexoravelmente, de constar algum elemento suficientemente indiciante da alegada omissão de proveitos, o que, como visto, não sucede no caso vertente.

De relevar, outrossim, que não releva, per se, a circunstância de relativamente à alienação da fração autónoma “AI” e bem assim da fração “AU” dois dos cheques para pagamento terem sido depositados em conta que não pertence à sociedade, até porque, mais uma vez se reitera e sublinha que num universo de alienação de quarenta e duas frações não se afigura que tal indício possa assumir o relevo que a Administração Tributária lhe pretende atribuir.

Ajuíza-se, assim, que tais indícios não permitem legitimar o recurso à avaliação indireta no exercício de 2006, não tendo a Administração Tributária demonstrado, conforme era seu ónus, que era impossível a determinação da matéria coletável por recurso a métodos diretos.

É certo, outrossim, que o Tribunal está ciente e valoriza que a Administração Tributária procedeu à notificação dos adquirentes para confirmação dos valores declarados nas respetivas escrituras, mas a verdade é que tem, igualmente, de valorar e ponderar, em conformidade, que em apenas quatro situações os adquirentes apresentaram elementos que denunciam incorreções aos valores escriturados.

Note-se que do Relatório de Inspeção Tributária, não se retiram quaisquer outras diligências para se apurar o valor real das transações para além das aludidas notificações aos adquirentes, nem as mesmas resultam de quaisquer outros elementos dos autos, nem, tão-pouco, são alegadas pela Recorrente.

A Administração Tributária podia ter recorrido a outros procedimentos/expedientes que tinha ao seu dispor, mormente, derrogação do sigilo bancário junto de todos os adquirentes cuja identificação tinha, inteiramente, disponível. Não pode é com base em elementos recolhidos, exponencialmente, no ano de 2005, como visto, de raiz pouco impressiva e manifestamente insuficientes, e extrapolar para um exercício do qual não existe um único elemento que denuncie ou ateste uma divergência efetiva entre os valores escriturados e os valores reais.

Ademais, e como bem evidencia a decisão recorrida é a própria Administração Tributária que reconhece de forma perentória que não foram fornecidos pelos adquirentes quaisquer elementos quanto às vendas efetuadas no ano de 2006, exercício, ora, em análise.

É verdade que justifica as correções presuntivas relevando que: “[q]uestionados os valores das vendas das fracções do ano de 2005, também são questionáveis as vendas dos anos de 2006, 2007 e 2008, porque estão em causa fracções do mesmo edifício”, porém, em face de todo o supra exposto, dimana inequívoco que não pode lograr provimento tal afirmação. Note-se que não se está a dizer que não é, de todo, legítimo com base em elementos recolhidos em determinados exercícios extrapolar para demais exercícios, o que se diz é que para que essa extrapolação ser fidedigna é preciso que os elementos recolhidos sejam cabais para o efeito, o que não sucede, in casu.

De relevar, in fine, que os outros dois argumentos adicionais concretamente a adoção ao expediente constante no artigo 58.º A do CIRC e a falta de recurso ao artigo 129.º do CIRC, em nada permitem justificar e legitimar o recurso à avaliação indireta.

Com efeito, no Relatório de Inspeção Tributária é evidenciado de forma expressa que: “A existência de omissões de proveitos, revela que a contabilidade não reflecte o verdadeiro resultado das operações realizadas pelo sujeito passivo, permitindo concluir que os montantes efectivamente pagos pelos adquirentes por conta da aquisição das fracções são superiores aos valores que constam contabilizados pelo contribuinte como proveitos, comprovando-se, deste modo, a discrepância entre o valor real de venda e o valor declarado. Tal situação é confirmada pelos valores corrigidos pelo sujeito passivo de acordo com o artigo 58.º A, do CIRC (…) e que o contribuinte não reclamou nos termos do artigo 129.0 do Código do IRC”. (destaque nosso).

Reiterando a Recorrente nas suas alegações de recurso que tais condutas demonstram “[i]nequivocamente a assunção por parte da recorrida de que os valores contabilizados a título de proveito se encontravam viciados, com necessária omissão de proveitos e violação do disposto nas normas que regulam a determinação do lucro tributável e a obrigatoriedade de organização de uma contabilidade que espelhe os efectivos negócios e actividade da empresa.”

Apreciando.

Comecemos pela análise do artigo 58.º A do CIRC e se a mesma legitima a interpretação que a Recorrente lhe atribui.

Dispunha o artigo 58° A do CIRC, sob a epígrafe "Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, o seguinte:

“1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 - Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.

4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.

6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.”

Importa, desde já, relevar que o citado artigo 58º-A do CIRC, é uma norma de aplicação excecional que visa corrigir, para efeitos de determinação do lucro tributável, os valores de venda na esfera do alienante e os valores de aquisição dos imóveis na esfera do adquirente. Com efeito, a aplicação de tal preceito legal está condicionada às circunstâncias em que determinada empresa alienou diversos imóveis e os mesmos foram sujeitos à avaliação nos termos do artigo 38.º do CIMI, e sendo esta superior realizar as correções nela constantes.

In casu, a Recorrente entende que pelo facto de a Recorrida ter sido notificada pela Administração Tributária dos valores patrimoniais tributários das frações alienadas no exercício de 2006 e de, nessa conformidade, ter procedido voluntariamente à correção do lucro tributável nos termos do artigo 58-A do CIRC, decorre uma nítida assunção de omissão de proveitos.

Mas a verdade é que não se podem retirar consequências que a lei não prescreve expressamente para esse efeito, o mesmo é dizer que a aludida constatação fática e o facto de a mesma redundar em ato voluntário não pode resultar na extrapolação que a Administração Tributária lhe reputa.

Neste particular, vide o Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo nº06473/13, de 25 de maio de 2017, o qual doutrina: “[E]fectivamente, perante a divergência – em 8 casos identificados no relatório – entre o valor de alienação declarado e o VPT definitivo, impunha-se à impugnante o cumprimento de uma obrigação legal, ou seja, corrigir a declaração de rendimentos com a diferença positiva apurada, valor este a ter em conta na determinação do lucro tributável da Impugnante.

Foi este o procedimento adoptado que, repete-se, resulta de uma imposição legal.

Por conseguinte, do cumprimento de uma imposição legal constante do CIRC não pode a AT retirar mais do que esse comportamento significa, ou seja, que a regra foi observada.”

Dir-se-á, portanto, que a Recorrida se limitou a cumprir uma imposição legal, não permitindo tal facto assumir que os valores das transmissões são superiores aos declarados, mas tão-só que os valores declarados são inferiores aos valores patrimoniais tributários. Aliás, a Recorrida nos diversos momentos processuais nos quais intervém, designadamente, no pedido de revisão da matéria coletável e bem assim na petição de impugnação judicial jamais assume que omitiu os proveitos dos quais resulta a liquidação impugnada e a presente lide recursiva.

Atentemos, ora, no citado artigo 129.º do CIRC e aquilatemos se as conclusões da Administração Tributária se afiguram aptas às conclusões que a mesma pretende extrair.

Dispunha o artigo 129º do CIRC, sob a epígrafe “Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis” que:

“1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.

3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58.º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.

5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.

6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.(Redacção dada pelo artigo 52º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)

7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa. (Redacção dada pelo artigo 52º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)

8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.”

Mais uma vez se entende que o argumento avançado pela Administração Tributária não releva para efeitos de justificação e legitimação do recurso aos métodos indiretos, sendo que uma atitude passiva, in casu, a não adoção de um expediente processual que a lei consagrou especificamente para um fim específico não pode fundar uma extrapolação de uma avaliação presuntiva. Na verdade, conforme doutrina o citado Aresto cuja fundamentação se acompanha“[d]o não acolhimento de uma faculdade que a lei concede ao sujeito passivo não cremos que a AT possa extrapolar no sentido de ver aí um qualquer comportamento que indicie o que quer que seja relativamente à falta de veracidade dos valores constantes das escrituras (no sentido de uma discrepância entre o valor declarado e o de mercado), nem tão-pouco relativamente à falta de credibilidade da contabilidade.

Resumindo, é para nós claro que a AT pode e deve retirar consequências do não cumprimento de uma imposição legal, isto é, do não cumprimento de um dever imposto por lei; já não pode retirar consequências – concretamente, negativas – do não uso de uma faculdade que a lei concede ao contribuinte.

Deve dizer-se, aliás, que, atendendo ao tipo de procedimento previsto no artigo 129º do CIRC, às imposições daí decorrentes e, até, aos custos que, do ponto de vista do sujeito passivo, o mesmo pode acarretar, é aceitável que, numa lógica de custo/ benefício, o sujeito passivo opte por se cingir ao cumprimento daquilo que lhe é imposto no artigo 58º-A, em detrimento do uso da faculdade que o 129º prevê.

Desta opção, repete-se, não pode a AT retirar outras consequências que não o que a lei estipula. No caso, não lançando mão da possibilidade da prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, o contribuinte sujeita-se (com as consequências negativas que tal pode acarretar na determinação do lucro tributável) à consideração do VPT definitivo.”

Dimana, assim, que os aludidos fundamentos não são aptos a alicerçar o entendimento da Recorrente e nessa medida a legitimação, in casu, dos métodos indiretos.

O recurso a métodos indiretos para a determinação do imposto é uma faculdade que assiste à Administração Tributária, com a margem de livre apreciação conferida pelos artigos 52.º do CIRC, ex vi dos artigos 87.º e seguintes da LGT quando haja razões fundadas para concluir que não é possível a comprovação e a quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável nas situações que estão expressamente tipificadas na LGT.

No caso, em face de tudo o que vem sendo dito, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida por não estar indiciada com segurança, e segundo juízos de razoabilidade e normalidade adequada, a impossibilidade de tributação da Recorrida de forma direta, logo não se encontravam reunidos os necessários e legais pressupostos para que a Administração Tributária pudesse lançar mão da metodologia que lançou – métodos indiretos – pelo que, o ato tributário impugnado padece de vício de violação da lei, conforme decidido em 1ª instância, mantendo-se, por isso, o julgado anulatório(2).


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 30 de setembro de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Anabela Russo)



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(1)Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no recurso nº 2016/07, de 14 de novembro de 2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt
(2)Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 01686/07.0BEVIS, de 13 de julho de 2017.