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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04925/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/27/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DESTRINÇA ENTRE NULIDADE DA SENTENÇA E ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
PRESTAÇÃO DE GARANTIA IDÓNEA.
PENHOR DE BENS MÓVEIS.
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL E SUBSTANCIAL DO ACTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:1. Saber se a sentença violou, ou não, o regime normativo consagrado no artº.219, do C.P.P.T., é matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal. Ou seja, o facto de a decisão judicial objecto do presente recurso alegadamente violar um determinado normativo legal poderá constituir erro de julgamento de direito, mas já não nulidade da sentença.

2. Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.), consubstanciando um deles a hipótese em que o próprio executado oferece uma garantia idónea susceptível de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, do C.P.P.T.).

3. Ponderado o disposto nos artºs.52, nºs.1 e 2, da L. G. Tributária, e 183, nº.1, do C. P. P. Tributário, a execução fiscal pode suspender-se mediante a prestação da dita garantia idónea por parte do executado (ou até de um terceiro com interesse em tal-v.g.promitente-comprador de um imóvel que não ocupa o lugar de executado).

4. A citada garantia idónea, de acordo com o legislador, pode consistir na garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor ou na hipoteca voluntária, idoneidade essa que deve ser aferida pela susceptibilidade de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário).

5. O mencionado regime é, obviamente, uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, os quais sempre devem presidir à constituição da garantia e sua manutenção, durante as vicissitudes que podem ocorrer no processo de execução fiscal suspenso.

6. Para além de se poder questionar a aplicabilidade do artº.219, do C.P.P.T., no âmbito do processo de prestação de garantia em execução fiscal, o certo é que as dívidas de I.V.A. que constituem objecto do processo de execução fiscal no âmbito do qual foi deduzida a reclamação que originou os presentes autos, não gozam de qualquer garantia real sobre imóveis, pelo que não se lhes aplica a regra da prioridade da penhora constante do citado artº.219, do C.P.P.T.

7. Para apurar se um despacho está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.

7. Do disposto no artº.199, nº.2, do C.P.P.T., não decorre que a A. Fiscal possa aceitar ou recusar qualquer garantia que lhe seja oferecida sem mais e de forma discricionária, uma vez que o conteúdo de tal acto se encontra vinculado ao reconhecimento da idoneidade ou da inidoneidade da garantia concretamente apresentada.

8. Se a A. Fiscal tem dúvidas sobre a ido­neidade do valor dos bens dados em penhor, sempre poderá lançar mão da avaliação prevista no artº.250, nº.1, al.c), C.P.P.T., tendo em vista a qualidade dos bens e as condições de mercado. Mais se acrescenta que o critério balizador da idoneidade é o de que, para funcionar como garantia, o penhor terá que incidir sobre bens cujo valor seja suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido, o que implicará sempre uma avaliação/fixação do valor da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida (cfr.artº.199, do C.P.P.T.).
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.89 a 92 do presente processo, através da qual julgou procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida por “E……… - Produção ………, S.A.”, executado no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………, o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de ………., mais anulando o despacho que indeferiu o pedido de prestação de garantia através de penhor de bens móveis no âmbito da mencionada execução.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.105 a 112 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-É inquestionável que o despacho recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, face à justificação apontada como fundamentação do indeferimento do pedido de garantia apresentada pela reclamante;
2-Arguiu-se a nulidade da decisão prolatada pelo Tribunal “a quo”, invocando o vício de nulidade da decisão proferida por a mesma se encontrar desconforme com o princípio da legalidade;
3-Dispõe o artº.219, do C.P.P.T., relativo aos bens prioritariamente a penhorar, que se deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente, só prosseguindo noutros bens quando se reconheça a insuficiência dos primeiros para conseguir os fins da execução;
4-“In casu”, não foi requerida pela reclamante e sempre seria inútil em face da prova carreada para os autos, designadamente, documental, a avaliação por prova pericial dos bens oferecidos em penhor para efeitos de garantia da dívida exequenda;
5-O despacho recorrido encontra-se absoluta e cristalinamente fundamentado, designadamente, aferindo-se à sujeição a depreciações e desvalorizações sofridas pelos bens oferecidos em garantia pela reclamante, "decorrentes de alterações do mercado", "incerteza da duração do pleito judicial que a executada demonstra intenção de deduzir", "existindo na órbita da executada outros bens susceptíveis de hipoteca ", que poderão constituir garantia nos autos com vista à suspensão dos mesmos, ou então, constituir "... garantia bancária, caução, seguro de caução ou hipoteca de bem imóvel";
6-Com efeito, verifica-se que a fundamentação da decisão do órgão de execução fiscal foi, quanto a nós, clara, sucinta e suficiente, esclarecendo concreta e fundamentadamente os pontos de apoio para o indeferimento do oferecimento em penhor dos bens móveis melhor identificados a fls.42 e 43 do PEF e pertença da reclamante;
7-O órgão de execução fiscal apurou a existência de bens imóveis susceptíveis de constituir garantia idónea e suficiente através da sua penhora ou hipoteca legal (cfr.fls.45 do PEF);
8-Bens estes - imóveis -, que constituem garantia especial, e por isso mesmo, preferencial a qualquer outra, e como tal recomendável para a eficácia da cobrança da dívida exequenda - artº.195, do C.P.P.T. (cfr.neste sentido, e seguindo de perto o Cons.JLS, in CPPT anotado e comentado, 5a ed., l vol., em anotação ao mencionado artº. 219, do C.P.P.T.);
9-Também da análise à situação económica da sociedade executada ora reclamante, se constatou a possibilidade da mesma constituir garantia bancária para efeitos de suspensão da presente execução fiscal;
10-É incontestável, a validade e legalidade da decisão proferida pelo órgão de execução fiscal no âmbito do pedido formulado pela ora reclamante (oferecimento de penhor de bens móveis e equipamentos, na sua maioria com mais de 18 anos, cuja reavaliação foi efectuada em 1997, não comprova de alguma forma, que, efectivamente, o seu valor comercial seja actualmente o valor que vem indicado no inventário de imobilizado que juntou aos autos), com vista à obtenção da suspensão dos presentes autos de execução fiscal;
11-Para que se pudesse entender assistir razão à reclamante - de que os referidos bens móveis com cerca de 17 anos de existência, que se encontram, absolutamente amortizados e desactualizados - então teria a mesma de ter apresentado prova de que os referidos bens tinham como valor de mercado o indicado na p.i., o que não ousaram demonstrar por qualquer forma;
12-O ónus da prova sobre o valor de mercado dos mesmos incumbia à reclamante e não à A. Fiscal, uma vez ser aquele que detinha interesse no seu oferecimento aos autos para garantia e efeitos de suspensão dos mesmos;
13-Logo, o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal é irrepreensível, atenta a ausência de avaliação dos referidos bens pela reclamante a quem incumbia fazer a mesma, com vista a comprovar a sua argumentação para que os mesmos bens fossem considerados garantia válida nos autos de execução fiscal;
14-Donde, bem andou o órgão de execução fiscal ao indeferir o pedido de prestação de garantia pela reclamante através do oferecimento em penhor dos referidos bens móveis;
15-E incorrectamente decidiu o Tribunal “a quo” relativamente à prioridade de bens a penhorar, em completa desconformidade legal com o estatuído no artº.219, do C.P.P.T., apontando-se-lhe o vício de nulidade pela violação do princípio da legalidade;
16-Nestes termos, deverá ser dado provimento ao recurso ora interposto, por declaração de nulidade da decisão proferida dos presentes autos pelo Tribunal “a quo”, com o que V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA!
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Contra-alegou o recorrido, o qual pugna pela confirmação do julgado, sustentando nas Conclusões o seguinte (cfr.fls.117 a 128 dos autos):
1-Vem a Representante da Fazenda Pública arguir a nulidade da douta sentença proferida nos autos de reclamação acima mencionados, a qual decidiu determinar a anulação do douto despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de …………. em 11/3/2011;
2-Alegando que a douta sentença proferida padece do vício de nulidade por se encontrar em desconformidade com o princípio da legalidade, “porquanto, ter determinado a anulação do despacho de fls.46 dos autos, proferido pelo órgão de execução fiscal - pelo qual não foram aceites os bens oferecidos em garantia pela reclamante - por entender que o mesmo está viciado por falta de fundamentação, ao sustentar não ser plausível a argumentação de que a reclamante possui outros bens ou tem capacidade para prestar garantia bancária.”;
3-A constituição de garantia nas execuções fiscais destina-se a assegurar a cobrança dos créditos tributários, exigindo-se que a garantia prestada seja idónea em função do tipo e valor desta à data em que é apresentada;
4-Nos termos do artº.199, nº.4, do C.P.P.T., vale como garantia “a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado”;
5-O entendimento que, existindo bens imóveis susceptíveis de constituir garantia idónea e suficiente através da sua penhora ou hipoteca legal, devem estes ser tidos como uma garantia especial e preferencial a qualquer outra, é ilegal e não se retira dos artºs. 195 e 199, do C.P.P.T.;
6-Se a intenção do legislador tivesse sido a de considerar unicamente como idóneas a garantia bancária, a caução ou seguro-caução ou hipoteca de bem imóvel, este não teria incluído no artº.199, do C.P.P.T., a expressão “qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”;
7-Ou não fazia referência ao penhor como garantia admissível para efeitos de suspensão de execução fiscal (cfr.artº.199, nº.4, do C.P.P.T.);
8-Não há na lei qualquer referência a uma hierarquia ou preferência na admissão de garantias para efeitos de suspensão de execuções fiscais;
9-O entendimento de que a reclamante não logrou provar que os bens oferecidos em penhor tinham o valor de mercado indicado, a sugestão de que tal avaliação deveria ter sido realizada e apresentada com o requerimento de prestação de garantia na execução fiscal e que o ónus da prova incumbia à reclamante são, salvo o devida respeito, falaciosos, na medida em a reclamante indicou, de acordo com a sua avaliação - sempre subjectiva - o valor que oferecia aos bens indicados em penhor;
10-Não impõe a lei ao contribuinte que, quando os bens são oferecidos, sejam acompanhados por qualquer avaliação, não fixa quaisquer critérios a que a mesma deva obedecer ou entidades reconhecidas para esse desiderato;
11-A argumentação que a regra da avaliação de bens no âmbito das execuções fiscais, apenas para aferir do valor de quaisquer bens que aos executados coubesse no conceito de “garantia idónea suficiente”, independentemente de a virem a constituir, onerando em muito os processos em custas pelas avaliações a efectuar, sempre que os executados apresentassem bens para o efeito, sem que os mesmos viessem, efectivamente, a constituir alguns efeitos úteis à acção, na maioria das vezes, a servir apenas como expediente dilatório e até, quiçá, medida impeditiva de a A. Fiscal poder chegar aos bens com garantia real para precaver a possibilidade de ficar sem garantia do pagamento dos seus créditos, que, legalmente deve prosseguir é incoerente e contraditória, deixando a ora reclamante sem compreender qual o procedimento que a A. Fiscal entende dever ser realizado;
12-Isto é, se o contribuinte quando oferece em garantia bens móveis deve requerer a sua avaliação e, se o fizer, tal avaliação (ou o requerimento para esse efeito) não será entendida como o mero expediente dilatório;
13-A lei admite qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente como garantia admissível, não excepcionando, em parte alguma, os bens móveis desta regra geral;
14-Logo, deve ser conferida idêntica aptidão para assegurar a dívida exequenda ao penhor de bens móveis, sendo certo que, caso tenha dúvidas se o valor dos mesmos garante o montante da divida exequenda, a Administração Fiscal deve providenciar pela sua avaliação;
15-Pelo que não existem razões que legitimem a recusa da garantia apresentada, devendo a mesma ser considerada para efeitos de suspensão da execução fiscal;
16-Nestes termos e nos demais de direito deve ser recusado provimento ao recurso apresentado pela Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a anulação do douto despacho reclamado, com todas as consequências legais daí advenientes. Assim decidindo, se fará JUSTIÇA.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido (cfr.fls.143 e 144 dos autos) de se negar provimento ao recurso mantendo-se a anulação do acto objecto da presente reclamação e consequentemente, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida que o determinou.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.89 e 90 dos autos):
1-No Serviço de Finanças de ………… foi instaurada execução fiscal contra a reclamante para pagamento de dívidas de I.V.A. no montante de € 231.635,14 (cfr. documento junto a fls.26 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);
2-A reclamante, pretendendo suspender a execução fiscal, ofereceu em garantia bens móveis com um valor total de € 295.000,00, mediante requerimento de 22/2/2011 (cfr. documento junto a fls.27 a 30 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);
3-O valor da garantia devida é de € 291.739,48 (cfr.informação exarada a fls.44 e 45 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);
4-Notificada para apresentar os “elementos contabilísticos onde conste o valor, líquido de depreciações, dos referidos bens, ou cópia das facturas ou documentos equivalentes comprovativos da aquisição dos mesmos” (cfr.documentos juntos a fls.35 a 37 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);
5-A reclamante corrigiu o requerimento, oferecendo em penhor outros bens móveis que descreve em bom estado de conservação e avalia em € 306.012,24 (cfr.documentos juntos a fls.38 a 43 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);
6-Mediante cópia do inventário apresentado, constata-se que tais bens foram adquiridos em 1990, 1991, 1992, 2002 e 2005 (cfr.documentos juntos a fls.42 e 43 cujo conteúdo se dá por reproduzido);
7-A reclamante é proprietária de bens imóveis (cfr.informação exarada a fls.44 e 45 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);
8-A situação económica da executada/reclamante não perspectiva impossibilidade de constituição de garantia bancária (cfr.informação exarada a fls.44 e 45 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);
9-Por despacho de 11/3/2011, decidiu-se que os bens oferecidos em penhor, não constituem o meio mais susceptível de assegurar os créditos da Fazenda Nacional, atendendo à sua sujeição a depreciações, desvalorizações decorrentes de alterações do mercado e ainda à incerteza da duração do pleito judicial que a executada demonstra intenção de deduzir (cfr.despacho exarado a fls.46 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos factos provados com remissão para as folhas do processo onde se encontram…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
10-A execução fiscal referida no nº.1 supra, corre termos no Serviço de Finanças de ………….. sob o nº……………, tendo sido autuada no dia 21/2/2011, na mesma figurando como executada/reclamante a sociedade “E……….. - Produção ……….., S.A.”, com o n.i.p.c. ………. (cfr.documentos juntos a fls.1 a 26 dos presentes autos; informação exarada a fls.44 e 45 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido);
11-Em 22/2/2011, a executada/reclamante apresentou junto do processo executivo o requerimento a que se faz referência no nº.2 supra, no qual, além do mais, alegava a intenção de impugnar judicialmente as correcções efectuadas ao I.V.A., respeitantes ao ano de 2006 e que originaram a dívida exequenda (cfr.documentos juntos a fls.27 a 30 dos presentes autos);
12-O despacho identificado no nº.9 foi exarado pelo Chefe do Serviço de Finanças de …………. (cfr.despacho exarado a fls.46 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar procedente a reclamação deduzida por “E……… - Produção ……………, S.A.”, mais anulando o acto reclamado (despacho de 11/3/2011 e identificado nos nºs.9 e 12 da matéria de facto provada), o qual deverá ser substituído por outro que determine a avaliação dos bens móveis oferecidos em garantia.
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O recorrente discorda do decidido sustentando em síntese, como supra se alude, que a decisão prolatada pelo Tribunal “a quo” padece do vício de nulidade por a mesma se encontrar desconforme com o princípio da legalidade, atento o estatuído no artº.219, do C.P.P.T., norma que consagra as regras sobre a prioridade de bens a penhorar (cfr.conclusões 1 a 15 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil.
Cremos que o caso “sub judice” se integra na primeira hipótese já que a recorrente pretende é que a sentença padece de vício de ilegalidade devido a alegada violação do disposto no artº.219, do C.P.P.T.
Saber se a sentença violou, ou não, o regime normativo consagrado no citado artº.219, do C.P.P.T., é matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal. Ou seja, o facto de a decisão judicial objecto do presente recurso violar um determinado normativo legal poderá constituir erro de julgamento de direito, mas já não nulidade da sentença.
Examinemos, então, se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
Continua a ser dominante o entendimento de que a posição jurídica de supremacia que o Estado ocupa na relação fiscal não deve ficar afectada em virtude da utilização pelo sujeito passivo de um qualquer dos meios de defesa que a lei lhe faculta. Julgamos não ser necessária a invocação da ideia de supremacia do credor fiscal para justificar a ausência de efeito suspensivo do processo executivo resultante da utilização dos meios de defesa que a lei faculta ao contribuinte. Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.), consubstanciando um deles a hipótese em que o próprio executado oferece uma garantia idónea susceptível de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, do C.P.P.T.).
Ponderado o disposto nos artºs.52, nºs.1 e 2, da L. G. Tributária, e 183, nº.1, do C. P. P. Tributário, a execução fiscal pode suspender-se mediante a prestação da dita garantia idónea por parte do executado (ou até de um terceiro com interesse em tal-v.g.promitente-comprador de um imóvel que não ocupa o lugar de executado). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. A citada garantia idónea, de acordo com o legislador, pode consistir na garantia bancária, na caução, no seguro-caução, no penhor ou na hipoteca voluntária, idoneidade essa que deve ser aferida pela susceptibilidade de assegurar os créditos do exequente (cfr.artº.199, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário). Sobre o valor da garantia, deve esta abranger a dívida exequenda, juros de mora computados até cinco anos e custas, tudo acrescido de 25% e conforme dispõe o artº.199, nº.5, do C. P. P. Tributário (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11; Diogo L. Campos e Outros, L.G.T. comentada e anotada, Vislis Editores, 3ª. edição, 2003, pág.226 e seg.; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.246 e seg.; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.73 e seg.).
O novo regime é, obviamente, uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, os quais sempre devem presidir à constituição da garantia e sua manutenção, durante as vicissitudes que podem ocorrer no processo de execução fiscal suspenso.
“In casu”, no processo de execução fiscal nº………………., no âmbito do qual foi deduzida a reclamação que originou os presentes autos, de acordo com a matéria de facto provada o executado/reclamante (cfr.nº.5 da matéria de facto provada), pretendendo suspender a identificada execução fiscal, ofereceu em penhor bens móveis que descreve em bom estado de conservação e avalia em € 306.012,24, sendo que a garantia a prestar para o efeito se deveria cifrar em € 291.739,48 (cfr.nº.3 da matéria de facto provada).
Em face de tal pretensão do executado/reclamante, o Chefe do Serviço de Finanças de ………., através do despacho objecto da presente reclamação (cfr.nºs.9 e 12 da matéria de facto provada), decidiu que os bens oferecidos em penhor não constituem o meio mais susceptível de assegurar os créditos da Fazenda Nacional, atendendo à sua sujeição a depreciações, desvalorizações decorrentes de alterações do mercado e ainda à incerteza da duração do pleito judicial que a executada demonstra intenção de deduzir. Mais acrescentando a conclusão de que existindo na órbita da executada outros bens susceptíveis de hipoteca se deve notificar a mesma sociedade para que constitua garantia que deverá consistir em garantia bancária, caução, seguro-caução ou hipoteca de bem imóvel.
Fronte a este despacho, a decisão recorrida ordena a anulação do mesmo, o qual deverá ser substituído por outro que determine a avaliação dos bens móveis oferecidos em garantia. Para tanto, expende que, oferecida a garantia em bens móveis, se a A. Fiscal tem dúvidas sobre a ido­neidade do seu valor, sempre poderá lançar mão da avaliação prevista no artº.250, nº.1, al.c), C.P.P.T., tendo em vista a qualidade dos bens e as condições de mercado. O que não pode é rejeitar os bens oferecidos com o argumento de que o executado/reclamante dispõe de outros, ou tem capacidade para prestar garantia bancária.
Como se vê da mencionada fundamentação do despacho objecto da presente reclamação, o indeferimento da prestação de garantia através do penhor de móveis é baseado em meras conclusões (v.g.também outros bens, que não os móveis, estão sujeitos a eventuais depreciações e desvalorizações decorrentes de alterações do mercado). Por outro lado, e contrariamente ao defendido pela Fazenda Pública, da lei não se retira que os imóveis constituem garantia especial, e por isso mesmo, preferencial a qualquer outra, nada se dizendo nesse sentido no artº.199, do C.P.P.T. Por último, sempre se dirá que o artº.219, do mesmo diploma, se refere à ordem da penhora de bens, no âmbito do mesmo se consagrando a prioridade da penhora de imóveis desde que a dívida em causa tenha garantia real que onere bens do sujeito passivo devedor (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.445 e seg.). Ora, para além de se poder questionar a aplicabilidade do artº.219, do C.P.P.T., no âmbito do processo de prestação de garantia em execução fiscal, o certo é que as dívidas de I.V.A. que constituem objecto do processo de execução fiscal nº.2062-2011/100272.4, no âmbito do qual foi deduzida a reclamação que originou os presentes autos, não gozam de qualquer garantia real sobre imóveis, pelo que não se lhes aplica a regra da prioridade da penhora constante do citado artº.219, do C.P.P.T.
O I.V.A. é um imposto indirecto, o qual goza de privilégio mobiliário geral incidente sobre os bens móveis penhorados no processo de execução, sem limite temporal (cfr.artº.736, nº.1, do C.Civil; ac. R. Lisboa, 17/12/92, C.J., 1992, V, pág.153; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Livraria Almedina, 1998, pág.175).
Atento tudo o aludido supra, deve concluir-se que o despacho que indeferiu a prestação de garantia (cfr.nºs.9 e 12 da matéria de facto provada) não está suficientemente fundamentado, em termos substantivos, assim se podendo questionar a validade substancial dos fundamentos invocados pelo órgão de execução fiscal para o indeferimento.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C. P. Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G. Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, als.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.381 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).
Mais se dirá que para apurar se um despacho está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/7/2011, rec.656/11).
No caso concreto, o despacho sob análise (cfr.nºs.9 e 12 da matéria de facto provada) considera inidónea a prestação da garantia apresentada pelo executado/reclamante atendo-se apenas ao tipo de garantia, quando é certo que o penhor de móveis, não só é plenamente admitido em direito (cfr.artº.666, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/3/2006, proc.4877/01), como também o é nos termos especialmente previstos no artº.199, do C.P.P.T.
A fundamentação de tal despacho tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação.
O citado artº.199, do C.P.P.T., não retira a idoneidade à garantia a prestar através de penhor voluntário, antes pelo contrário, aceita-a e cauciona-a, acrescentando-lhe apenas a necessidade de obter a concordância do órgão de execução fiscal o que se justifica pois sempre haverá que proceder a uma avaliação prévia do objecto dado em penhor, bem como da legitimidade para tal do possuidor que as ofereça, pois só assim ficaria demonstrada a inidoneidade dos bens oferecidos. Só perante um tal desiderato, um declaratário normal, posto perante a declaração fundamentadora e o acto administrativo nela suportado, estaria em condições de captar o “iter” funcional, cognoscitivo e valorativo do seu autor, sendo a avaliação dos bens oferecidos em penhor a via pela qual se pode aferir, com rigor e certeza, a idoneidade/inidoneidade de uma garantia. Assim sendo, se a A. Fiscal tem dúvidas sobre a ido­neidade do valor dos bens dados em penhor, sempre poderá lançar mão da avaliação prevista no artº.250, nº.1, al.c), C.P.P.T., tendo em vista a qualidade dos bens e as condições de mercado. Mais se acrescenta que o critério balizador da idoneidade é o de que, para funcionar como garantia, o penhor terá que incidir sobre bens cujo valor seja suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respectivo acrescido, o que implicará sempre uma avaliação/fixação do valor da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida (cfr.artº.199, do C.P.P.T.). Ainda, do disposto no artº.199, nº.2, do C.P.P.T., não decorre que a A. Fiscal possa aceitar ou recusar qualquer garantia que lhe seja oferecida sem mais e de forma discricionária, uma vez que o conteúdo de tal acto se encontra vinculado ao reconhecimento da idoneidade ou da inidoneidade da garantia concretamente apresentada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/3/2011, proc.4607/11).
Pelo que, se deve concluir que a fundamentação do acto reclamado é manifestamente insuficiente em termos substantivos e conforme mencionado supra.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não padece dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Setembro de 2011

(Joaquim Condesso - Relator)
(Lucas Martins - 1º. Adjunto)
(Magda Geraldes - 2º. Adjunto)