Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11548/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; RECURSO; EFEITO DO RECURSO; EFEITO DEVOLUTIVO
Sumário:i) De acordo com o disposto no artigo 143.º, n.º 2, do CPTA, os recursos interpostos das decisões que concedam ou recusem a adopção das providências cautelares requeridas têm efeito meramente devolutivo.

ii) A atribuição de efeito meramente devolutivo aos recursos de sentenças cautelares, em excepção à regra geral do efeito suspensivo dos recursos, (contida no n.º 1 daquele preceito) destina-se, precisamente, a permitir que as decisões que recusem a suspensão da eficácia de actos administrativos produzam imediatamente os seus efeitos a partir do momento em que são proferidas
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. E….. – Empresa ………………, SA (Reclamante) vem, pelo requerimento de fls. 2354 e s., reclamar para a conferência do despacho do relator que indeferiu o pedido de alteração de efeito do recurso, requerendo a sua revogação e substituição por outro que atribua efeito suspensivo ao mesmo. Alegou, em síntese, o seguinte:

a) O despacho reclamado julgou 'improcedente o pedido de alteração do efeito do recurso apresentado pela ora Reclamante e fixou o efeito meramente devolutivo, decisão com a qual a Reclamante não concorda e se considera prejudicada;

b) A regra constante do n.º 2 do artigo 143.º do CPTA não é aplicável ao presente recurso, uma vez que a decisão recorrida não é de adopção de providências cautelares, mas antes de rejeição de providências cautelares;

c) A letra da lei é clara ao referir especificamente a "adopção" de providências cautelares, o que só pode significar que o efeito devolutivo só será atribuído em recursos de decisões que tenham adoptado - i.e., decretado - providências cautelares, e já não a outras situações como seja a de rejeição do decretamento de providências cautelares requeridas;

d) A ratio subjacente à norma também leva a tal interpretação; com efeito, quando a decisão recorrida consubstancia uma decisão de decretamento de providência cautelar, faz sentido que o legislador não tenha querido atribuir efeito suspensivo ao recurso, pois, caso contrário, ir-se-ia, por via do recurso, prejudicar a finalidade tida em vista com o pedido e com o decretamento da providência, podendo ser impedido o efeito útil da mesma;

e) Diferentemente, no caso de a decisão recorrida consubstanciar uma decisão de rejeição de providências cautelares, o legislador pretendeu muito claramente atribuir ao recurso efeito suspensivo, permitindo, desta forma, assegurar o efeito útil do próprio recurso e de um eventual decretamento da providência cautelar requerida pelo Tribunal superior;

t) Importa, pois, salvaguardar aos Tribunais Superiores, dotados do seu saber fazer e auctoritas, a possibilidade de poderem intervir activa eficazmente na decisão dos processos cautelares, sobretudo e por maioria de razão nos casos em que a justiça cautelar é denegada pelo Tribunal da 1ª instância;

g) Sendo, as mais das vezes, a verdadeira justiça material decidida no processo cautelar é manifesto que se deve garantir ao Tribunal superior o papel de último bastião dessa justiça, função essa que apenas pode ser devidamente realizada se as decisões que os Tribunais superiores tomarem em matéria cautelar, sobretudo nos casos em que a protecção provisória é recusada na 1ª instância - situações em que se toma decisivo o magistério do Tribunal de recurso dado o privilégio da execução prévia - forem dotadas de efeito útil;

h) Pelo que é manifesto que nunca o legislador poderá ter tido a intenção de arredar os Tribunais superiores da possibilidade de actuarem com utilidade e eficazmente na realização da Justiça cautelar, retirando efeito suspensivo ao recurso interposto contra as decisões que a deneguem na primeira instância;

i) Mesmo na Jurisdição cível - onde as partes se encontram, genericamente, em posição de igualdade, não sendo dotadas de privilégio de execução prévia - os recursos em matéria cautelar têm efeitos suspensivo - cfr. o artigo 647°, nº 3, alínea d) do CPC -, sendo que no caso da Jurisdição administrativa tal se justifica, como acima demonstrado, por maioria de razão;

j) Quanto agora se refere é ainda mais gritante nos casos em que, como aconteceu nos autos, a decisão da 1ª instância em matéria cautelar é ligeira, fazendo uma manifestamente errada compreensão do caso, o que a leva a denegar, com fundamentos profundamente errados, a tutela cautelar;

k) Ao contrário de quanto refere o Despacho ora reclamado, existe Jurisprudência desse Venerando TCA Sul no sentido agora defendido pela Reclamante (cfr., por todos, os Acórdãos desse Venerando Tribunal de 06- 05-2010, Proc. 6058/10, de 27-01-2011, Proc. 07041/10, de 10-02-2011, Proc. nº 7107/2011 e de 22-09-2011, Proc.7938/11);

1) Por tudo quanto se encontra supra exposto, deve a Conferência desse Douto TCA Sul proferir Acórdão que defira a presente Reclamação e atribua efeito suspensivo ao recurso interposto.




A Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista do processo, emitindo parecer a fls. 2399-2400, no qual concluiu que deveria ser decidida a reclamação para a conferência, prosseguindo o eventual recurso.

Com dispensa de vistos (processo urgente), vem o processo agora à conferência para apreciação da reclamação deduzida.






2. Apreciando, temos que a ora Reclamante vem reclamar do despacho do relator de 6.11.2014, na parte que julgou improcedente o pedido de alteração do efeito do recurso e confirmou o despacho de fls. 1933, que fixou efeito meramente devolutivo ao recurso da sentença proferida nos autos.

O despacho em causa, na parte reclamada, é do seguinte teor cfr. fls. 2292 e s.):

(…)

2. Efeito do recurso

Por razões lógicas, importa começar por apreciar o requerimento da Recorrente ETE, SA, de 13.10.2014 (fls. 2176), no qual esta vem requerer a alteração do efeito atribuído ao recurso, alterando-se o efeito meramente devolutivo fixado no despacho do Tribunal a quo, para que o recurso passe a ter efeito suspensivo. Alega, em suma, que a norma do artigo 143.º/2 do CPTA não é aplicável neste caso, em que a sentença recorrida foi no sentido da rejeição (e não a adoção) da providência, devendo ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, nos termos do artigo 143.º/1 do CPTA.

Os Recorridos Ministério das Finanças, Ministério da Economia e S……………., SA, sustentaram a improcedência do requerido.

Verifica-se que a sentença aqui recorrida julgou improcedente o pedido cautelar de suspensão de eficácia do despacho objeto da providência e que o despacho, de 03.09.2014, que admitiu o recurso, em 1.ª instância (cfr. fls. 1792 e s. e fls. 1933 dos autos), atribuiu efeito meramente devolutivo ao recurso interposto daquela sentença, com fundamento no artigo 143.º/2 do CPTA.

Como foi desde sempre entendido, a expressão “decisões respeitantes à adoção de providências cautelares” contida no artigo 143.º/2 do CPTA, inclui todos os tipos de decisões que podem ser adotadas em processos cautelares, nomeadamente, as que concedam ou deneguem providências cautelares (cfr., por todos, os Acórdãos do STA, de 03.05.2013, P. 0553/12, e do TCAS, de 08.02.2006, P. 02198/06; e no mesmo sentido Mário Aroso de Almeida/ Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., 823).

Pelo que é inequívoco que, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, o efeito do recurso interposto da decisão cautelar proferida nos autos é, por força do artigo 143.º/2 do CPTA, o efeito meramente devolutivo.

Por outro lado, ainda que se admita, como este TCAS tem admitido, que em certas situações tal efeito possa ser alterado (o que não resulta literalmente do disposto no artigo 143.º do CPTA, mas pode impor-se pela interpretação sistemática e teleológica do preceito, em casos em que o tribunal não aprecie o mérito da providência), ainda assim, no caso em apreço, não se verificam as circunstâncias que determinam a eventual admissibilidade de alteração do efeito do recurso, uma vez que a sentença recorrida não se deteve em qualquer questão de forma ou processual, mas antes apreciou o mérito da providência cautelar, negando-lhe provimento.

Este caso, em que a sentença decidiu não decretar a suspensão de eficácia do ato, é precisamente exemplo do tipo de situações que fundamentou a opção do legislador pela atribuição de efeito meramente devolutivo aos recursos interpostos de sentenças cautelares. Na verdade, a atribuição de efeito meramente devolutivo aos recursos de sentenças cautelares (em exceção à regra geral do efeito suspensivo dos recursos, contida no n.º 1 daquele preceito) destina-se, precisamente, a permitir que as decisões que recusem a suspensão da eficácia de atos administrativos produzam imediatamente os seus efeitos a partir do momento em que são proferidas, evitando-se o “efeito pernicioso de favorecer a utilização abusiva do recurso contra decisões que recusassem a suspensão da eficácia de atos administrativos, no propósito de aproveitar o efeito automático que resultaria da simples interposição do recurso jurisdicional durante toda a pendência do mesmo, assim prolongando a situação de proibição de executar o ato administrativo” (Mário Aroso de Almeida/ Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., 824).

Termos em que improcede o pedido de alteração do efeito do recurso, confirmando-se o despacho de fls. 1933, que fixou efeito meramente devolutivo ao recurso da sentença proferida nos autos.”

Insurge-se a Reclamante, em síntese, por no transcrito despacho reclamado ter sido confirmado o despacho proferido pelo Mmo. Juiz a quo que havia fixado o efeito meramente devolutivo ao recurso interposto.

Na tese da Reclamante haverá que ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, uma vez que a regra do n.º 2 do art. 143.º do CPTA apenas respeita a recursos interpostos de decisões que adoptem providências cautelares, o que não ocorre na situação presente, em que a decisão foi de rejeição da providência. Mas não lhe assiste razão.

Vejamos porquê.

2.1. Sobre a questão da validade da aplicabilidade da regra geral relativa à atribuição dos efeitos suspensivos ao recurso, contida no artigo 143º, n.º 1, do CPTA, nas situações em que tenha havido indeferimento das medidas cautelares requeridas, por oposição à fixação do efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, pode ver-se o acórdão deste TCAS de 6.03.2014, proc. n.º 10785/14. No citado aresto, discutiu-se precisamente se a norma do n.º 2 daquele art. 143.º era apenas relativa a decisões “respeitantes à adopção” da providência cautelar, assim se mantendo, para estes casos, a tutela provisória que a decisão judicial concedeu ao requerente; nas restantes situações, de não “adopção” da providência, manter-se-ia, então, o efeito suspensivo que o legislador consagrou no artigo 128.º, n.º 1, do CPTA, até que aquela decisão judicial (provisória) transitasse em julgado.

Escreveu-se nesse acórdão, em posição que aqui se subscreve integralmente:

“(…) a defesa do efeito suspensivo do recurso no caso de não adopção da providência cautelar requerida, tem sido sistemática e uniformemente contrariada pelo STA (cf., entre outros, os Acs. n.º 628/12, de 13.09.2012, 553/12, de 05.03.2012, n.º 1353/12, de 14.02.2013 e 1178/2, de 05.02.2013, todos em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido, a quase totalidade das decisões do TCA propugnam a atribuição de efeitos meramente devolutivos ao recurso interposto das providências cautelares.

Por conseguinte, face a esta jurisprudência superior, que se tem como já certa e firme, há que alterar o raciocínio que antes defendemos, e considerar que aqui o recurso tem efeitos devolutivos.

Quanto à fundamentação, deixamos para o que tem sido reiteradamente indicado pelo STA, designadamente no Ac. n.º 628/12, de 13.09.2012, no qual se refere o seguinte: «O CPTA estabelece, no respectivo art. 143, que «2 – Os recursos interpostos de … decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo».

Não obstante a redacção desta norma permitir a dúvida sobre se não reservaria para a «adopção» das providências o efeito devolutivo, valendo o efeito suspensivo – que é a regra (vd. nº 1, do mesmo preceito) – para a denegação das mesmas providências, deverá entender-se que impõe a atribuição de efeito meramente devolutivo às decisões tomadas em processos cautelares, seja as que concedam seja as recusem a adopção das providências requeridas. Pois que só assim se dissuade o interessado de interpor recurso de decisão desfavorável, apenas no intuito de continuar a beneficiar da proibição de executar o acto administrativo durante a pendência do recurso (vd. art. 128/1 CPTA).».

Igualmente, é afirmado no Ac. do STA n.º 1353/12, de 14.02.2013, o seguinte: «O artigo 143º, n.º 2, do CPTA estabelece que os recursos respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo.

Este Supremo Tribunal tem interpretado reiteradamente que o preceito se refere quer às decisões deferindo providências cautelares quer às decisões indeferindo providências cautelares - por ex., acs. de 24.5.2011, proc. 1047/10, de 24.5.2012, proc. 225/12, de 8.11.2012, proc. 849/12, de 31.10.2012, proc. 850/12, de 31.10.2012, proc. 793/12. E é essa também a interpretação de doutrina autorizada por ex., M. Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Liv. Almedina 2005, 347 e M. Aroso de Almeida/A. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Liv. Almedina, 3ª ed, em anotação ao dito preceito. Não há razão para modificar esse entendimento.»

Aliás, ainda muito recentemente o STA reiterou no acórdão de 30.10.2014, proc. n.º 681/14, que de acordo com o disposto no artigo 143.º, n.º 2, do CPTA, os recursos interpostos das decisões que concedam ou recusem a adopção das providências cautelares requeridas têm efeito meramente devolutivo. Com efeito, poder-se-á acrescentar em abono da interpretação que temos vindo de efectuar (por apelo à jurisprudência citada), verificando-se a existência de periculum in mora, em que a providência deve ser deferida, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso desta decisão poderia culminar na sua inutilidade; caso aquele perigo não se verifique então o recurso de decisões de indeferimento revestido de efeito suspensivo carece de justificação processual (neste sentido, i.a. o ac. do TCAN de 25.09.2014, proc. n.º 363/14.0BECBR; e, na doutrina, também Teresa Violante, Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, O Direito, Ano 139.º, 2007, IV, pp. 841 a 877).

Em suma, face à jurisprudência firmada sobre a questão objecto da presente reclamação, tem que concluir-se que nestes casos o recurso tem efeitos meramente devolutivos, como determinado no despacho reclamado. Efeito esse, portanto, que é de manter.

Assim, terá que improceder a reclamação.




3. Face ao exposto, acorda-se em indeferir a reclamação, confirmando-se o despacho do relator, na parte em que nele se julgou improcedente o pedido de alteração do efeito do recurso, mantendo o despacho de fls. 1933, que fixou efeito meramente devolutivo ao recurso da sentença proferida nos autos.

Custas a cargo da Reclamante, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 UC (art. 7.º e Tabela II, A, do RCP).

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015

Pedro Marchão Marques
Conceição Silvestre

Cristina Santos