Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03383/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/27/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
RELAÇÕES ESPECIAIS
FUNDAMENTAÇÃO
VIOLAÇÃO DE LEI
Sumário:1. Para que a AT possa corrigir o lucro tributável ao abrigo do disposto no art.º 57.º do CIRC, em virtude de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, necessário se torna que tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes e que o lucro apurado na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações;
2. Tais pressupostos são de verificação cumulativa, cabendo à Administração Fiscal fundamentar em que consistem tais relações especiais, como deveriam normalmente ocorrer tais operações entre sujeitos independentes em circunstâncias semelhantes e descrever e quantificar o montante que serviu de base à correcção desse lucro tributável;
3. Mostra-se formalmente fundamentado, por remissão, o despacho do Director de Finanças proferido ao abrigo do disposto no art.º 92.º, n.º6 da LGT, na falta de acordo dos vogais, que expressamente remete para o relatório do exame à escrita, no qual permite ao administrado conhecer e compreender o «iter» cognoscitivo, valorativo e volitivo do respectivo autor e, consequentemente, de se poder determinar pela aceitação ou pela impugnação do acto;
4. A fundamentação da existência de relações especiais relativas ao IRC de 1998, é aferida pela norma do n.º3 do art.º 77.º da LGT, na sua redacção original, que não na introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, sendo esta apenas aplicável a períodos de tributação iniciados de 1 de Janeiro de 2001, em diante;
5. É de julgar não verificado o vício de lei por errados pressupostos de facto do acto de liquidação, quando a impugnante não logra infirmar e nem sequer colocar em dúvida séria, fundada, a matéria recolhida pela AT em sede de exame à escrita e que a levou a concluir que a venda das fracções e moradias, no mesmo período de tempo, a duas empresas que com ela se encontrava no domínio de relações especiais, a preços muito inferiores aos praticados nas vendas aos demais, nalguns casos a cerca de metade do preço, não correspondiam a vendas operadas em situação de livre concorrência de mercado, operadas entre entidades independentes, colocadas nas mesmas circunstâncias.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A...– Emprendimentos Turísticos, SA, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) A douta sentença de que se recorre faz errada interpretação da alínea b) do n.º 3 do artigo 77° da LGT e lavra em erro de julgamento no tocante à apreciação e valoração dos elementos factuais - teor do relatório de inspecção- que levaram a considerar como não fundamentado o acto tributário impugnado.
B) No caso das correcções operadas ao aqui impugnante, a Administração Fiscal (adiante AF) lançou mão do mecanismo previsto no artigo 57° do CIRC, o qual permite ao sujeito activo da relação tributária proceder a correcções sempre que se verifiquem os pressupostos elencados no já citado artigo 57°, ou seja sempre que se esteja perante uma situação tipificada como de "relações especiais".
C) E não questiona a douta sentença que tais pressupostos não se mostrem sequer verificados e que assim não se esteja perante relações especiais, antes considerando aprioristicamente que a fundamentação de tal correcção não se mostra de molde adequada à expressão legislativa contida na alínea b) do n.º 3 do artigo 77° da LGT, na redacção conferida pelo DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro.
D) Não é legítimo, no entanto, no entendimento da Fazenda Pública aplicar-­se ao caso vertente (e a todos os outros de relações especiais) uma interpretação e leitura do preceito de forma absolutamente estanque e espartilhada da citada alínea b) do n.º 3 do artigo 77° da LGT.
E) Ora, no caso vertente, efectuada a leitura do relatório inspectivo que deu lugar à tributação via "relações especiais", verifica-se que a AF cumpriu efectivamente os requisitos constantes do citado n.º 3 do artigo 77° da LGT.
F) Expondo de forma expressa os três requisitos a que aí se alude.
G) É certo e aqui acompanhamos a douta sentença de que se recorre, que o relatório em causa não concedeu do ponto de vista sistemático a um capítulo, sub-capítulo, título, ponto ou alínea específica para dar lastro à expressão formalizada da alínea b) do n. ° 3 do artigo 77° da LGT.
H) Tal omissão de expressão individualizada não pode ser interpretada, no entanto, e desde logo, como a verificação da existência de um vício de forma ao nível da fundamentação.
I) Até porque, como à saciedade se verifica, não exige o legislador que tal expressão formalizada no relatório inspectivo seja efectuada de forma estanque ou individualizada, alínea a alínea de cada um dos requisitos do artigo 77° da LGT.
J) E é aqui - nesta interpretação que muito vai para além da letra e do espírito da norma - que se inicia a equívoca "viagem" que a douta sentença prosseguiu em direcção à procedência da impugnação.
K) No caso sub judicio, aceita e assume a Fazenda Pública que o relatório inspectivo não exterioriza de forma estanque e individualizada a "Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo", mas tal opção na redacção do relatório não conduz à violação da citada alínea b) ao nível da fundamentação, quando, na verdade e pelo contrário, o relatório suscita de forma expressa as obrigações incumpridas pelo sujeito passivo, e fá-lo desde logo e essencialmente quando descreve e contextualiza as ilegítimas vantagens fiscais que a situação de relações especiais gerou para o sujeito passivo.
L) Em suma, a descrição da matéria que levou a que o sujeito passivo se afastasse de suportar os impostos legalmente devidos e assim se afastasse artificiosamente da sua real capacidade contributiva, importando, a este respeito notar, que a alínea b) não se refere às normas legais incumpridas, mas antes às obrigações.
M) E essas obrigações não poderão deixar de ser lidas e assimiladas pelo intérprete como se referindo, no caso vertente, ao afastamento da obrigação que impende sobre o sujeito passivo impugnante de ser tributado pela sua real capacidade contributiva.
N) Este incumprimento exterioriza-se no caso sub judice através da explanação pela AF do incumprimento da tributação real em que incorreu o impugnante em virtude das relações especiais fiscalmente verificadas, pelo que nada há a censurar em matéria de violação do preceituado na alínea b do n.º 3 do artigo 77° da LGT.
O) Importa salientar, porque igualmente pertinente, que o requisito em causa constante da Lei Geral Tributária, viu a sua redacção aprovada através do DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro, veio, pouco tempo depois da sua entrada em vigor, a ser suprimido.
P) A versada supressão do teor da alínea b) do n.º 3 do artigo 77° da LGT veio a ter lugar pela redacção conferida aos n.ºs 3 e 4 pelo n.º 1 do art.º 13.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Q) E bem se percebe que tal requisito tenha vindo a ser retirado, porquanto o requisito em apreço era, na sua essência, verdadeiramente la palissiano, na medida em que a explanação sobre quais as obrigações incumpridas não podiam deixar de estar exteriorizadas sempre que se explicitassem os contornos - causas e efeitos - que a existência de relações especiais propiciaram em matéria fiscal.
R) Independentemente da objectiva constatação da redundância que tal requisito constituía e que veio a ser relevada pelo legislador através da sua supressão cerca de dois anos após a sua entrada em vigor (sem qualquer reintrodução até ao presente), certo é que no caso dos autos a AF deu pleno cumprimento a tal requisito legal, permitindo ao destinatário impugnante perceber o iter cognoscitivo em que se baseou a decisão da administração.
S) Destarte, encontra-se plenamente efectuada a expressão formal exigida pelo legislador no artigo 77°, n.º 3 da LGT, bastando para tal atentar-se no teor do relatório inspectivo em que se alicerçam as correcções levadas a efeito.
T) Nestes moldes, a fundamentação do acto tributário é perfeitamente cumpridora do legalmente estatuído nas três alíneas constantes do artigo 77° da LGT.
U) Não podendo deixar de se constatar pela errada interpretação e erro de julgamento na apreciação factual conferida pelo Tribunal a quo a respeito da conformidade da fundamentação do acto tributário com o preceito em causa.
V) Interpretação e apreciação essa que não encontram qualquer âncora legal para o exacerbamento formalístico que preside ao raciocínio lógico da sentença de que se recorre.
W) A respeito da adequação legal da formulação exterior conferida ao acto tributário, não se pode deixar de igualmente trazer à colação o entendimento jurisprudencial unívoco segundo o qual a fundamentação se tem e deve entender como um conceito variável em função da complexidade e natureza do acto a sustentar pela Administração, e dúvidas não subsistem neste caso sobre a correcta adequação da explanação efectuada em sustento das correcções tributárias levadas a efeito, mormente no que respeita à explanação da obrigação incumprida pelo legislador.
X) Razão pela qual também, não pode a douta sentença deixar de ser anulada e substituída por Acórdão que reconheça a conformidade do acto tributário relativamente ao requisito constante da alínea b do n.º 3 do artigo 77° da LGT.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por legalmente fundamentado o acta tributário e, em consequência, anular-se a decisão de que aqui se recorre e ordenar a concomitante baixa dos autos à primeira instância para prolação de sentença, desta feita expurgada dos vícios ora assacados.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


Também a recorrida veio a produzir as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


A. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios, referente ao exercício de 1998.
B. Aquela liquidação teve origem numa acção inspectiva que culminou com significativas correcções à matéria colectável declarada pela empresa naquele exercício, designadamente por aplicação do então vigente art. 57.º do Código do IRC, mobilizado em face de supostas deturpações de preço nas operações comerciais realizadas entre a impugnante e entidades consigo relacionadas.
C. Não se conformando com a liquidação, em face da sua ilegalidade, a recorrida impugnou-a, pugnando pela sua anulação, invocando para o efeito vício de violação de lei, preterição de formalidades essenciais e vícios de fundamentação.
D. O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre o pedido da impugnante e, analisados os argumentos das partes e a prova produzida, concluiu que " . . o acto impugnado não contém os requisitos de fundamentação legalmente exigidos...".
E. Concluiu o Tribunal a quo que a Administração fiscal ". . . não logrou provar que se verificavam os pressupostos legais que permitiam a correcção do lucro efectuada" e, por consequência, julgou procedente a impugnação anulando a liquidação.
F. Porém, entende a FP que a sentença em causa padece de erro de julgamento, porquanto, na sua tese, faz uma errada interpretação e aplicação da alínea b) do n.º 3 do art. 77.º da LGT.
G. Entende a FP que a sentença recorrida ". . . lavra em erro de julgamento no tocante à apreciação e valoração dos elementos factuais - teor do relatório de inspecção - que levaram a considerar como não fundamentado o acto tributário impugnado.”.
H. Defende a recorrente que a sentença recorrida acolhe uma leitura radical da exigência imposta pela alínea b) do n.º 3 do art. 77.º da LGT e que dos elementos constantes do relatório de inspecção decorre evidente a indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo.
I. A FP argumenta que ". . .o relatório suscita de forma expressa as obrigações incumpridas pelo sujeito passivo, e fá-lo desde logo e essencialmente quando descreve e contextualiza as ilegítimas vantagens fiscais que a situação de relações especiais gerou para o sujeito passivo".
J. A recorrente reitera que o incumprimento da recorrida ". . .exterioriza-se no caso sub judice através da explanação pela AF do incumprimento da tributação real em que incorreu o impugnante em virtude das relações especiais fiscalmente verificadas, pelo que nada há a censurar em matéria de violação do preceituado na alínea b do n.º 3 do artigo 77.º da LGT”.
K. Ora, a recorrente refere mesmo que "aceita e assume (. . . ) que o relatório inspectivo não exterioriza de forma estanque e individualizada a "indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo", mas [que] tal opção na redacção do relatório não conduz à violação da citada aliena b) ao nível da fundamentação".
L. Desconsiderando que este é, justamente, o cerne da questão, numa lógica paradoxal, a recorrente prossegue afiirmando que ". . . o relatório suscita de forma expressa as obrigações incumpridas pelo sujeito passivo", para a final concluir que essa indicação decorria apenas do contexto geral da argumentação aduzida no relatório e que não poderia deixar de ser lida e assimilada como tal pelo intérprete.
M. Na prática, a recorrente entendeu aligeirar os termos da lei, concluindo assim que a mesma havia aqui sido plenamente cumprida, mormente no que concerne ao correcto preenchimento da alínea b) do n.º 3 do art. 77.º da LGT.
N. Contudo, falece qualquer razão (ou sequer fundamento) ao recurso da FP, nos exactos termos em que na sede própria recorrida se decidiu que lhe falecia razão.
O. Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece qualquer censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de facto ou de direito, por esta se encontrar conforme às exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123° do CPPT e pelos n° 2 e 3 do artigo 659° do CPC.
P. A motivação da decisão proferida pelo tribunal a quo existe e é suficiente, na medida em que através dela é possível conhecer em rigor as razões do decisor.
Q. Indo de encontro ao decidido, a recorrente alega que, apesar de assumir ". . .que o relatório inspectivo não exterioriza de forma estanque e individualizada a "indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo”, tal decorre do contexto geral do relatório.
R. Ignorado por absoluto a mens legis que sustenta a exigência acrescida de fundamentação ínsita no n.º 3 do art. 77.º da LGT - em face, naturalmente, na violência garantística das correcções efectuadas ao abrigo do art. 57.º do CIRC -, a recorrida limita-se a invocar em sua defesa que, não obstante não ter cumprido a imposição de fundamentação expressa consignada na lei, a mesma decorreria devidamente preenchida do contexto geral do relatório inspectivo.
S. O legislador contemplou este vício de fundamentação, justamente, com o propósito de garantir aos contribuintes, em prol da tutela e garantia dos seus direitos fundamentais, que a fundamentação de um acto há-de conter a menção clara e concisa dos elementos principais da obrigação tributária e não uma mera referência genérica aos mesmos que eventualmente se descortina nas entrelinhas.
T. Dispõe o n° 1 do art. 57° do CIRC que "A Direcção Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam
normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que o que se apuraria na ausência dessas relações”.
U. Quanto à fundamentação, nestas circunstâncias, o n.º 3 do art. 77.º da LGT expressa que ". . .a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
e) Descrição das relações especiais
f) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
g) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;
h) Quantificação dos respectivos efeitos."
V. Como se demonstra na sentença, sem prejuízo dos demais vícios invocados ab initio pela recorrida, o Tribunal a quo conclui pelo não preenchimento do requisito da alínea b) do n.º 3 do art. 77.º, entendendo aqui que o acto impugnado ". . .não contém os requisitos de fundamentação legalmente exigidos, pelo que a AT não logrou provar que se verificavam os pressupostos legais que permitiam a correcção do lucro efectuado, devendo por isso ser anulado o acto de liquidação".
W. É inegável a omissão de fundamentação que o relatório não patenteia quer em termos gerais, quer ainda, especificamente, quanto à indicação das obrigações alegadamente incumpridas pelo sujeito passivo, nos termos da alínea b) do n.º 3 do art. 77.º da LGT, artigo este, cujos requisitos elencados são cumulativos.
X. Ora, após cinco pontos atinentes à fundamentação das "relações especiais", o relatório de inspecção, no ponto 6 do Capítulo III limita-se a concluir que, pelo facto de " . . . não serem praticados preços iguais na venda de fracções semelhantes origina o apuramento de um lucro tributável inferior do que se apuraria se não existissem relações especiais entre as empresas, o que no caso em análise acontece, uma vez que os valores de venda das fracções alienadas às empresas B...e C..., são bastante inferiores aos praticados por aquela empresa nas venda efectuadas a outros clientes. . .".
Y. Desta conclusão relâmpago o relatório salta para a aplicação concreta do art. 57.º do CIRC decidindo no imediato ponto 7 daquele capítulo, acto contínuo, ". . .proceder ao apuramento dos valores, pelos quais as fracções vendidas à firma B...e à firma C..., deveriam ter sido valorizados, caso se tratasse de duas empresas independentes”.
Z. Em nenhum momento a Administração fiscal procurou demonstrar quais as obrigações incumpridas pelo sujeito passivo, não relevando deste modo o preenchimento do segundo requisito imposto por lei.
AA. Portanto, o acto tributário ficou irreversivelmente prejudicado na sua essência, porquanto, avançou-se na sua concretização sem se concretizarem devidamente todos os seus requisitos prévios, designadamente os do n.º 3 do art. 77.º da LGT.
BB. Esta norma encerra uma especial exigência de fundamentação que não se pode negligenciar, porquanto para mitigar a aparente violência que tal instrumento pode acarretar para os direitos fundamentais dos contribuintes o legislador cercou a mobilização deste instrumento de um conjunto de mecanismos de garantia que passam, obviamente, por um conjunto apertado de requisitos e, por maioria de razão, uma maior exigência na sua fundamentação, por forma a reduzir ao mínimo a possibilidade de, a coberto do art. 57.º do CIRC, se operar um excesso de poder discricionário da Administração fiscal (cfr. Sá Gomes, As garantias dos contribuintes, CTF, n.º 371, pp. 127 e ss.).
CC. É este, portanto, o núcleo teleológico do n.º 3 do art. 77.º da LGT. Neste caso, ­porque as invasão do núcleo duro dos direitos fundamentais dos contribuintes pode ser mais sentida com a aplicação do mecanismo previsto no art. 57.º do CIRC, além da necessária obrigação geral de fundamentação prevista no n.º 1 do art. 77.º da LGT, o legislador reforçou claramente as exigências de garantia e fundamentação através da previsão contida no n.º 3 daquele art. 77.º.
DD. Assim, em face do exposto e da manifesta insuficiência da sua fundamentação ­a vários níveis - o acto impugnado, só podia (como se decidiu), ser anulado.
EE. O acto deve ser anulado como propugna a sentença, quer porque não se preenchem objectivamente os requisitos impostos por lei, quer ainda, porque uma eventual dúvida no preenchimento dos mesmos sempre importaria a nulidade do acto à luz do disposto no actual art. 100.º da LGT.
A recorrida pode invocar em prol da sua tese vastíssima jurisprudência dos Tribunais Superiores da qual resulta clara e inequívoca a conformação do entendimento por si perfilhado. Vejam-se, a título de exemplo, os seguintes Acórdãos: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, tirado no processo 72/03, em 15/02/2005; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, tirado no processo 278/04, em 04/10/2005; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, tirado no processo 401/06, em 29/11/2006; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, tirado no processo 1114/03, em 16/01/2007; e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, tirado no processo 915/04, em 17/11/2004 (todos disponíveis para consulta no sítio electrónico do Ministério da Justiça - www.dgsi.pt.
GG. Ao longo do citados arestos fica claro que a falta ou insuficiência dos actos administrativos constitui preterição de formalidade legal, e que, neste caso em concreto da aplicação do art. 57.º do CIRC, essa exigência é reforçada.
HH. A fundamentação dos actos tributários ou «praticados em matéria tributária» que «afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes» (arts. 19°, al. b), 21°, 81° e 82° do CPT e art. 125° do CPA), deve ser expressa, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam a motivação do acto.
II. Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do art. 1°, nº1, als. a) e c) do DL n° 256-A/77, de 17 de Junho, quer da própria Constituição (art. 268°, nº3 da CRP), na actual redacção introduzida pela Lei Constitucional n° 1/89 (vejam-se a muita jurisprudência do STA atinente a esta matéria, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e ss. e Vieira de Andrade, «o Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss.).
JJ. A prova dos requisitos previstos no n.º 3 do art. 77.º da LGT, cabia à AT, sabido que a esta cabe provar os pressupostos em que assentam tais correcções, nos termos do disposto nos art°s. 74° e 75° da LGT e, anteriormente, também no art. 80º do CPT (cfr. neste sentido, o Acórdão do Pleno do STA, de 16/12/1998, rec. n° 20.188, in Apêndice ao DR, de 18/5/2001, pp. 206 e 55.).
KK. No caso de correcções operadas nos termos do art. 57° do CIRC, cabe à AT o ónus de demonstrar os requisitos previstos no n.º 3 do art. 77.º da LGT, ónus este que mais não é do que a emanação do corolário geral previsto no art. 342° do Código Civil, de que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (cfr. o citado nº1 do art. 74° da LGT).
LL. Cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos que justificam as correcções e neste caso, nos termos expostos, tal exigência (acrescida) de fundamentação ficou claramente por cumprir, ferindo em absoluto a validade do acto em apreço.
MM. A jurisprudência é unânime (diríamos mesmo, nas palavras da recorrente, unívoca), ao sancionar a correcta leitura a fazer da exigência legal imposta pela alínea b) do n.º 3 do art. 77.º da LGT.
NN. A sentença decidiu correctamente ao anular o acto de liquidação impugnado, devendo portanto ser mantida e acatada na sua totalidade.

TERMOS EM QUE
O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, E A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA INTEGRALMENTE MANTIDA.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por o relatório da fiscalização tributária indicar de forma expressa as obrigações incumpridas pelo sujeito passivo, designadamente, quando descreve e contextualiza as ilegítimas vantagens fiscais que a situação de relações especiais gerou à recorrida, o que permitiu à ora recorrida apreender o iter valorativo e cognoscitivo que levou a AT a decidir neste sentido e não noutro, devendo este Tribunal, em substituição conhecer do outro vício articulado de violação de lei e julgar a impugnação improcedente.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se no caso a AT fundamentou formalmente a existência das relações especiais invocadas existirem entre a impugnante e as empresas B...– Sociedade Imobiliária, Lda (adiante apenas B...) e C...– Empreendimentos Turísticos e Urbanos, SA, (adiante apenas C...), ao abrigo da lei então aplicável; E respondendo-se afirmativamente e revogando-se a sentença recorrida e conhecendo-se em substituição, quer do preenchimento do remanescente desses requisitos, quer do outro fundamento articulado na petição inicial de impugnação, se a mesma logrou infirmar a matéria recolhida pela fiscalização tributária em sede de exame à escrita e que levava a concluir que as declaradas vendas das fracções e moradias a estas duas empresas, por valores muito abaixo dos praticados para prédios semelhantes vendidos a terceiros no mesmo período, constituem valores reais de mercado de molde a puderem ser celebrados por entidades independentes colocadas nas mesmas circunstâncias.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do tribunal “a quo” fixou a factualidade que entendeu provada, relevante sob as várias soluções plausíveis do ponto de vista do direito aplicável, por referência aos documentos e demais elementos constantes dos autos, a qual não foi expressamente colocada em causa no presente recurso [(cfr. art.º 690.º-A do Código de Processo Civil(1) (CPC) e respectivas conclusões do recurso] e nem se vê necessidade de, oficiosamente, proceder à sua alteração, pelo que nos termos do disposto no art.º 713.º, n.º6 do mesmo CPC, para a mesma se remete, constante nas suas alíneas A) a F), tendo em conta também, a sua enorme extensão.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a AT embora tenha demonstrado a existência de relações especiais por um lado, entre a ora recorrida e a B..., e por outro, entre a mesma e a C..., não demonstrou quais as obrigações incumpridas pela mesma ora recorrida, não contendo esta fundamentação os requisitos legalmente exigidos o que inquina de ilegalidade a respectiva liquidação em causa, não tendo conhecido dos demais fundamentos articulados, a não ser do vício de preterição de formalidades legais no procedimento, que julgou improcedente, parte esta em que a sentença recorrida logra trânsito em julgado, por a ora recorrida, nesta parte em que ficou vencida, não ter vindo colocar em causa este julgamento, como bem invoca o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, ao abrigo do disposto nos art.ºs 684.º, n.º4 e 684.º-A do mesmo CPC.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta falta de fundamentação dessas relações especiais que vem esgrimir os argumentos tendentes à reapreciação do assim decidido, designadamente que no acto que levou à liquidação, não foram apuradas e nem descritas as obrigações incumpridas pela ora recorrida, ao que a mesma contrapõe que, ainda que no relatório da fiscalização tributária não tenha sido de forma expressa e autónoma individualizada os requisitos exigidos na alínea b) do n.º3 do art.º 77.º da LGT, sempre os mesmos constam como expressos nesse relatório, ainda que de forma esparsa, conjuntamente com os demais, pelo que se mostra cumprido o que a lei exige nessa norma, demonstrando a forma como a ora recorrida, artificiosamente se afastou de ser tributada pelos seus rendimentos reais, pelo que a fundamentação expendida satisfaz os requisitos legais, não se podendo manter a sentença recorrida que em contrário decidiu.


Vejamos então se no caso se encontram preenchidos os exigentíssimos critérios legais que a lei então fazia depender para a tributação poder ter lugar ao abrigo da norma do art.º 57.º do CIRC (na sua redacção original então vigente em 1998, antes da entrada em vigor da introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, a qual só foi de aplicação aos períodos de tributação iniciados depois de 1.1.2001, por força do seu art.º 21.º, n.º1, como nesta parte bem se fundamenta na sentença recorrida).

Nos termos do disposto no art.º 16.º n.º1 do CIRC - Métodos de determinação da matéria colectável - a matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela administração fiscal.
2 -
3 - A determinação do lucro tributável por métodos indiciários só pode verificar-se nos termos e condições previstos na secção V.
Nos termos do disposto no art.º 17.º do CIRC - Determinação do lucro tributável - O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º1 do art.º 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas ou negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
...
Nos termos do art.º 23.º do CIRC - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
...
Nos termos do disposto no art.º 51.º do CIRC - Aplicação de métodos indiciários:
1 - A determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a)inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;
b)...
c)...
d)Erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
2 - A aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo.
3 - ...
4 - ...
E a do art.º 98.º n.º3 a) do mesmo Código - Na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte: Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.
E a do art.º 29.º do Código Comercial - Todo o comerciante é obrigado a ter livros que dêem a conhecer, fácil, clara e precisamente, as suas operações comerciais e fortuna.

Como se pode ler do preâmbulo do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas...Em qualquer caso, procura-se sempre tributar o rendimento real efectivo, que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional. Como corolário desse princípio, é a declaração do contribuinte, controlada pela administração fiscal, que constitui a base da determinação da matéria colectável.
A determinação do lucro tributável por métodos indiciários é, consequentemente, circunscrita aos casos expressamente enumerados na lei, que são reduzidos ao mínimo possível, apenas se verificando quando tenha lugar em resultado de anomalias e incorrecções da contabilidade, se não for de todo possível efectuar esse cálculo com base nesta. Por outro lado, enunciam-se os critérios técnicos que a administração deve, em princípio, seguir para efectuar a determinação do lucro tributável por métodos indiciários, garantindo-se ao contribuinte os adequados meios de defesa...
Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.
...
Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como diz a norma do art.º 51.º n.º2 do CIRC.
Por outro lado, o apuramento do lucro tributável com o recurso a métodos indiciários não se encontra estabelecido em benefício do sujeito passivo do imposto, e para colmatar eventual resultado injusto para este se tal lucro fosse apurado com o recurso aos elementos da sua contabilidade, ainda que eventualmente corrigidos.

Mas desde que se verifiquem os requisitos de tal norma, não sendo possível apurar, directamente, através da contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal o lançar mão dos métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, para determinação desse lucro, em que a AF se poderá basear em todos os elementos de que disponha, nos termos do disposto no art.º 52.º do CIRC, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, quer relativos a esse exercício, quer relativos a qualquer um outro, para os extrapolar e valorar para o exercício em causa.

E o apuramento do lucro tributável com o recurso à norma do art.º 57.º do CIRC, como no caso ocorreu, constitui, também, ele próprio, uma forma de apuramento do mesmo com o recurso a métodos indiciários, ou a métodos indirectos, como hoje é consagrado no estalão legal, em que o lucro tributável apurado pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos, é desconsiderado pela AT, por não expressar a exacta quantificação que poderia ter alcançado, em condições normais de mercado, mercê dessas tais relações especiais com aqueles concretos operadores.

Que assim é resulta desde logo da inserção sistemática de tal norma, ao lado das demais formas de apuramento da matéria colectável, todas elas pertencentes ao Capítulo III do Código, sob a epígrafe, Determinação da Matéria Colectável, em que a Secção V tem por epígrafe, Determinação do Lucro Tributável por Métodos Indirectos (redacção actual) - art.º 51.º e segs - e a Secção VI, tem por epígrafe, Disposições Comuns, Subsecção I, Correcções Para Efeitos da Determinação da Matéria Colectável - art.º 57.º - em que se afasta o lucro tributável resultante da sua escrita comercial, apurado pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos, e se apura um outro, por presunções ou estimativas, tomando por modelo ou padrão, o que seria obtido em condições normais de mercado, entre dois operadores independentes.

Por isso, os pressupostos para a correcção do lucro tributável através desta norma legal, são específicos para as situações que lhe sejam subsumíveis, não fazendo sentido que a aferição da correcta quantificação do lucro tributável assim apurado seja feita por outras normas relativas a outras formas de apuramento em que ocorram outras situações aqui não enquadráveis ou subsumidas.

Dispõe a norma do art.º 57.º do CIRC:
1 - A Direcção Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que o que se apuraria na ausência dessas relações.
...
E a do art.º 112.º do mesmo Código:
1 - Sempre que, nos termos deste Código, sejam efectuadas correcções de natureza quantitativa nos valores constantes das declarações de rendimento do contribuinte com reflexos na determinação do lucro tributável, será aquele notificado, pela forma estabelecida no n.º2 do art.º 53.º, das alterações efectuadas, com indicação dos respectivos fundamentos.
2 - Dessas alterações poderá o contribuinte, no prazo de 30 dias contados da notificação, interpor recurso hierárquico para o Ministro das Finanças e da decisão deste para os tribunais, nos termos da legislação aplicável.
3 - ...
4 - ...
5 - Sempre que o contribuinte utilize o recurso previsto neste artigo, não poderá, em relação à matéria recorrida, socorrer-se dos meios de defesa previstos no artigo anterior.

E havendo de trazer também à colação a norma do art.º 77.º, n.º3 da LGT(2), que veio substituir a norma do art.º 80.º do CPT, encontrando-se aquela então vigente à data a que se reporta o lucro tributável corrigido (1998(3)), a qual reza assim:
Sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributável seja corrigida com base nas relações entre o contribuinte e terceiras pessoas e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência de tais relações, a fundamentação das correcções obedecerá aos seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias;
c) Descrição e quantificação do montante efectivo que serviu de base à correcção.
4 - ...
5 - ...
6 - ...

Que são cumulativos os requisitos previstos naquele art.º 57.º do CIRC, para poderem ser desencadeadas tais correcções ao lucro tributável declarado, não oferece dúvidas, como logo ressalta do simples teor literal de tal norma.
Tal norma tem um campo de aplicação semelhante ao então previsto no art.º 138.º do Código da Contribuição Industrial, em que terá em vista aqueles casos em que a lei atribua ao Fisco um poder discricionário, ainda que de ordem técnica, de mensuração reflexiva no apuramento do lucro tributável dos factos declarados pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos.
Só nestes casos se justifica - e isto encarna a teleologia da norma - o apelo ao poder de controlo da actividade dos agentes intermédios da administração fiscal radicado no seu superior hierárquico(4).

O exercício do poder discricionário, ainda que de ordem técnica, faculta diferentes leituras da realidade económico-fiscal pela ausência de uma pré-definição dos critérios legais de avaliação.
O agente é remetido para regras extra-jurídicas, no sentido da sua definição não constar do direito legislado, mas jurídicas enquanto o sistema reconhece os resultados da sua adopção, que sejam aptas para satisfazer as necessidades apontadas pela lei fiscal.
Dito de uma forma mais sintética: o agente é remetido para regras de boa administração.
Impõe-se por isso, aqui, que o resultado do uso dessas regras seja controlado pelo órgão máximo da administração fiscal que é o Ministro das Finanças(5).

No caso, a existência das relações especiais entre a ora recorrida e a empresa B..., por um lado, e entre aquela e a empresa C..., por outro, que a sentença recorrida deu por verificadas, tendo em conta que a impugnante era detida em 31.12.1998, em 99,6% pela B...e que a C..., entre 1996 a 1998, teve um seu administrador em comum com a impugnante, e sobre o que a ora recorrida nem dissente, como poderia/deveria ao abrigo do disposto no art.º 684.º-A do CPC, nas suas contra-alegações, pelo que o preenchimento desse pressuposto da alínea a) do n.º3 do art.º 77.º da LGT, não pode deixar de dar por verificado, de resto, nem as partes dissentem sobre tal preenchimento, desta forma não se podendo deixar de concluir que as transacções estabelecidas e ocorridas ente a ora recorrida e aquelas duas outras empresas são diferentes das que seriam normalmente efectuadas entre pessoas independentes colocadas nas mesmas circunstâncias.

Como constitui jurisprudência corrente(6), cabe à AT o ónus da prova dessas relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, que mais não é do que a emanação do corolário geral previsto no art.º 342.º do Código Civil, de que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, hoje também com assento expresso na norma do art.º 74.º n.º1 da LGT. Ora, se a AT desconsidera a declaração de rendimentos do contribuinte, por haver apurado que a dimensão do lucro tributável declarado é inferior à que poderia ser obtida em condições normais de mercado entre dois sujeitos independentes, em idênticos negócios, onde alicerça os pressupostos para a correcção do lucro tributável e consequente liquidação, é natural que seja ela a efectuar a prova desses pressupostos constitutivos do direito invocado que é a existência desse concreto facto tributário.

Quanto ao preenchimento do requisito então constante na alínea b) do n.º3 do citado art.º 77.º da LGT, que a fundamentação dessas correcções deve exprimir e que a sentença recorrida considerou não preenchido por o haver subsumido à nova redacção introduzida pela citada Lei n.º 30-G/2000, de 29.12 – indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo – a mesma sentença não se pode manter ao ter considerado não fundamentada tal correcção por referência a um quadro legal que não tinha aplicação no caso, quando o aplicável era o vigente na sua anterior redacção(7), acima transcrita, que não foi o interpretado e aplicado pelo M. Juiz do Tribunal “a quo”, pelo que o presente recurso não pode deixar de lograr provimento, ainda que por fundamento diverso do alegado pela recorrente, aliás, aquele entendimento do M. Juiz do Tribunal “a quo”, secundou a mesma linha de entendimento da ora recorrida no que a tal questão diz respeito – cfr. art.ºs 27.º e segs da sua petição inicial de impugnação – já que na indagação, interpretação e aplicação das regras do direito, o juiz não se encontra sujeito às respectivas subsunções efectuadas pelas partes – cfr. art.º 664.º do CPC.


4.1. Revogada a sentença recorrida pelo fundamento de não preenchimento daquele requisito contido na lei nova e que não tem aplicação no presente caso como se viu, cabe a este Tribunal, em substituição, ao abrigo do disposto no art.º 715.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, conhecer se se mostram verificados os restantes requisitos dessa fundamentação exigível na citada norma do art.º 77.º, n.º3 da LGT, bem como conhecer do outro fundamento de impugnação judicial articulado pela ora recorrida na sua petição inicial e cujo conhecimento ficara prejudicado pela procedência da impugnação quanto ao fundamento em que assentou, já que os autos fornecem os necessários elementos para o efeito e as partes foram para tal notificadas, ambas se tendo vindo a pronunciar, defendendo as suas teses já vertidas nas suas peças processuais anteriormente apresentadas.

A exigência legal da fundamentação tem em vista colocar o administrado em condições de conhecer e compreender o "iter" cognoscitivo, valorativo e volitivo do respectivo autor e, consequentemente, de se poder determinar pela aceitação ou pela impugnação do acto.
É sabido que a administração tem o dever de fundamentar os actos administrativos em geral, de modo claro, suficiente e congruente - cfr. os artigos 268.º n.º3 da Constituição, 1.º do Dec.Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo - bem como os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes, especialmente daqueles que não pertençam ao tipo de actos "em série" ou "em massa", como hoje acontece, por força daquelas normas e das dos art.ºs 19.º alínea b), 21.º e 82.º do CPT.

Esta obrigação não tem por objectivo único a "protecção por essa via dos direitos e interesses dos administrados mas inclui, em primeira linha, a garantia de um procedimento decisório correcto" - José Carlos Vieira de Andrade, O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, pág. 43. Não se visa, pois, e apenas, que o particular fique ciente das razões por que a Administração decidiu de uma e não de outra maneira; quer-se, também, impor à Administração, por, esta via, uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razões e argumentos em confronto, que a fundamentação do acto deve patentear, assim tornando transparente a actividade administrativa.
Daí que não baste dizer, em demonstração do cumprimento do dever de fundamentar, que o administrado reagiu contra o acto administrativo, revelando, com essa reacção, ter atingido o alcance e razões do acto. Por um lado, não é seguro que o administrado não tenha apenas "adivinhado" os fundamentos ocultos do acto administrativo, que dele mesmo, acto, devem transparecer. Por outro lado, o legislador quis que a administração não decidisse imponderadamente, obrigando-a a plasmar na fundamentação as razões da sua opção, de tal modo que a própria administração se aperceba, ao fundamentar, do bem ou mal fundado da sua escolha, a tempo de emendar a mão, se disso for caso, e que o acto se apresente transparente.
Isto para concluir que não é decisivo o argumento, aliàs, frequente, de acordo com o qual só o facto de o acto ter sido contenciosamente recorrido, com a decorrente imputação de vícios, já demonstra que ele estava devidamente fundamentado.

A fundamentação consiste em deduzir a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra, in Marcello Caetano, "Manual de Direito Administrativo", Vol. I, pág. 477.

Numa fórmula abrangente será de considerar como fundamentação a exteriorização das razões de facto e de direito, que servem de suporte a uma decisão, esclarecedoras dos necessários e legais pressupostos e da motivação do agente.
Assim "o dever de fundamentação expressa apresenta-se como «um instituto» tendo como centro de referência uma declaração que reúne todas e quaisquer razões que o autor assuma como determinantes da decisão, sejam as que exprimam uma intenção de agir, demonstrando a ocorrência concreta dos pressupostos legais, sejam as que visam explicar o conteúdo escolhido a partir dessa adesão ao fim, manifestando a composição de interesses considerados para adoptar a medida adequada à satisfação do interesse público no caso", obra citada pág. 22.
Concretizando aquela noção de fundamentação diremos que a declaração em que se consubstancia há-de ser necessariamente justificante do acto que suporta, pela enunciação dos pressupostos possíveis e dos motivos coerentes e credíveis aptos à pertinência material do acto; isto é, as razões de facto e de direito invocadas hão-de traduzir-se num discurso que justifique, como possível e credível, o acto.
Nesta medida tal discurso há-de ser claro, congruente ou racional e suficiente por..."conter os elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão", ou por outras palavras, "os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente".

Esta, pois, a noção de fundamentação formal, imposta pelo nosso ordenamento jurídico, distinta da fundamentação substancial caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo (cfr. obra citada 231)(8).

A este respeito e finalmente cabe, apenas, referir a possibilidade da fundamentação por remissão, situação em que "quaisquer invocações de factos ou de avaliações só pertencem à fundamentação se forem assumidos pelo decisor ou se este para elas remeter, por força da lei, esses fundamentos são, como as respectivas documentações, «integrados» no acto" (cfr. obra citada, 228).
...

No caso, o acto final cuja fundamentação releva é o despacho do Director de Finanças, proferido ao abrigo do disposto no n.º6 do art.º 92.º da LGT, na falta de acordo dos vogais em sede de comissão de revisão, cuja cópia consta a fls 73 (para além de constar no Processo administrativo apenso), onde expressamente remete para o relatório da fiscalização tributária, designadamente para o seu capítulo III, onde entende encontrarem-se demonstradas a descrição dos termos como ocorreriam os preços praticados em situação de livre concorrência e entre entidades independentes colocadas nas mesmas circunstâncias, que não foram os praticados com as citadas empresas com as quais existiam as apontadas condições especiais, mercê das quais os preços foram muito mais baixos, pelo que é patente a fundamentação aduzida, por remissão para a informação onde o mesmo despacho foi proferido - cfr. matéria das alíneas A) e E) do probatório fixado - e esta permite de uma forma clara atingir aquele desiderato, constituindo aliás, o esteio em que o mesmo repousa.

Na verdade, lendo e analisando o citado relatório da fiscalização tributária, expressamente aportado como fundamentação para o referido despacho final, designadamente a matéria do seu capítulo III, na sua generalidade transcrita na matéria da alínea A) do probatório fixado na sentença recorrida, especialmente os dez quadros onde são enumerados as vendas de fracções iguais ou moradias, nesse período de 1998, onde a venda declarada, para prédios iguais, pode variar para mais do dobro, em alguns casos, quando se tratam de particulares do que os vendidos para essas duas empresas, representando as vendas aos particulares as que normalmente ocorreriam entre pessoas independentes em idênticas circunstâncias, fácil e inelutavelmente se tem de concluir, que as ditas vendas a estas duas empresas foram por montante inferior aos preços de mercado como ocorreriam entre operadores independentes, desta forma também, não poderá deixar de se encontrar preenchido o requisito da alínea b) do citado art.º 77.º da LGT e bem assim o da sua alínea c), já que igualmente foi descrito e qualificado o montante das correcções que por esta via foram apuradas.

Não restam pois dúvidas, que a Administração Fiscal esclareceu em concreto a contribuinte, dos motivos da sua decisão, em termos claros e congruentes(9), sendo o mesmo de dizer que tal correcção ao lucro tributável do exercício de 1998, fundada em relações especiais, se encontra abrigada em fundamentação clara, congruente e suficiente, não enfermando pois do invocado vício da sua falta, que claramente também permitia à impugnante contradizer e infirmar se com a mesma não concordasse, como veio a acontecer.


4.2. Na matéria da sua petição inicial de impugnação judicial, designadamente nos seus art.ºs 88.º e segs e 123.º e segs, veio a ora recorrida articular um conjunto de circunstâncias que em seu entender justificariam que no caso as vendas das fracções e moradias às citadas empresas B...e C..., por tais montantes abaixo dos montantes vendidos aos particulares, representavam o preço de mercado no caso de cada uma dessas transacções, quer porque a impugnante, então, se encontrava numa situação económica-financeira de extrema dificuldade, quer porque quanto à empresa B...houve uma venda de 45 fracções e em que suportou os custos de publicidade e de angariação de clientes, que lhe permitiu encaixar meios financeiros e obter empréstimos bancários indispensáveis à continuação desse projecto, e quanto à empresa C..., para além do habitual desconto de quantidade na compra de doze moradias, não foi tido em conta a desvalorização entretanto ocorrida entre 1996 e 1998, matéria que se prende com a efectiva ou real ocorrência dos pressupostos de facto em que se fundam tais correcções e que como bem invoca o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, integra o vício de violação de lei, e que este Tribunal, em substituição, não poderá deixar de conhecer.

Certamente também para provar esta factualidade articulada, veio a impugnante juntar 21 documentos (de fls 22 a 296 dos autos) e arrolar dez testemunhas, tendo sido cinco delas inquiridas, cujos depoimentos se mostram transcritos de fls 716 a 728, para além de também a Exma RFP, ter vindo juntar com a sua “contestação” os documentos de fls 308 a 704, consistentes designadamente em cópias de algumas escrituras públicas de compra e venda, de contratos promessa de compra e venda e de declarações prestadas por alguns dos compradores de algumas dessas fracções.

Quanto aos depoimentos das testemunhas inquiridas, ressalta o prestado por Paulo Manuel Quintão Guedes de Carvalho, que se mostrou conhecedor da matéria de facto articulada pela impugnante no que a esta matéria diz respeito, ainda que tal como esta, o seu depoimento confirmativo daquela enferma do vício a que aquela também não é alheia, o de se mostrar excessivamente genérica quanto aos aspectos fundamentais que terão ocorrido e que terão estado por detrás da venda dessas fracções e moradias a preços inferiores aos vendidos aos particulares, de molde a demonstrar tais vendas em perfeitas condições de concorrência como se tivessem sido efectuadas a qualquer um outro ente económico independente.

Por outro lado, tal testemunha como afirmou, era então gerente da sociedade B...e administrador, quer da impugnante, quer da referida C..., pelo que mesmo que se admita que o mesmo possa depor como testemunha, tendo em conta o disposto nos art.ºs 553.º, n.º2 e 617.º do CPC, o seu testemunho, no âmbito da sua livre apreciação (art.º 396.º do Código Civil), tem de ser apreciado com sérias reservas dado o manifesto interesse no desfecho da causa, o que igualmente acontece com o depoimento prestado pela testemunha Luís Miguel de Sousa Quitério Chaves Gomes, que igualmente foi administrador executivo e não executivo da citada C..., ao que declarou.

E quanto às restantes três testemunhas inquiridas, pouco ou mesmo nada nos podem adiantar quanto àquela factualidade articulada pela impugnante no sentido de tais preços menores corresponderem aos preços de mercado nas circunstâncias concretas de então, quer de tempo, quer de quantidade.

Resta-nos a prova documental, composta pelos documentos de fls 22 a 296 dos autos, a qual, de seguida, passaremos a analisar cada um dos documentos de per si, daqueles que algum relevo possam ter para a prova daquela factualidade articulada.

E dentro desses documentos avulta o de fls 111 e 112 dos autos, onde a ora impugnante e a B...declararam vender e comprar respectivamente, 45 fracções autónomas que enumeram pelos preços que no mesmo discriminam, só que tal documento, para além da quantidade de fracções prometidas comprar e vender, pouco ou nada vai no sentido da tese defendida pela impugnante – como também observa a RFP na matéria do art.º 22.º da sua contestação -, ou seja que tais preços mais baixos para além da quantidade em causa, mas que não se prova que por força de tal contrato promessa tenha havido qualquer encaixe financeiro para a promitente vendedora, para colmatar a sua situação financeira de periclitante (como afirma e que desencadeara tal opção de gestão), foi outorgado em 31.4.1996 (SIC) – só que a impugnante se “esqueceu” de mencionar qual o calendário utilizado para que o mês de Abril de 1996 tivesse 31 dias, como a Exma RFP bem assinala na matéria dos art.ºs 23.º e 25.º da sua contestação e pugnando que o mesmo nem seja verdadeiro - ou seja, esta data era aquela em que a impugnante afirma que tais fracções tinham imensa procura, ao contrário dos vendidos em 1998, em que a mesma era bastante baixa, que justificava a venda por preços mais inferiores.

De resto, do lote dessas 45, as fracções “GD” e “GG”, tinham contratos promessa de compra e venda firmados com os particulares a quem vieram a ser vendidas, outorgados em Maio de 1996 e Junho de 1997, respectivamente, tendo como promitente vendedora a ora impugnante que não cada uma das empresas a quem as mesmas teriam sido prometidas vender, como consta de fls 246 e segs e 255 e segs, respectivamente, pelo que também nada nos adiantam no sentido da tese defendida pela impugnante.

E o mesmo acontecia com a generalidade das restantes fracções e moradias constantes nos quadros já referidos da matéria fixada no probatório da sentença recorrida num total de 24, como tendo sido vendidas às citadas duas empresas pelos preços contabilizados, em que também os respectivos contratos promessa de compra e venda foram outorgados em 1996 e 1997 (na sua esmagadora maioria), sendo que do total apenas vimos um celebrado em 1998 (o relativo à fracção “CB”), e em que todos eles foram, igualmente, tendo por promitente vendedora, a ora impugnante, que não cada uma das empresas a quem teriam sido prometidos vender – a B...e a C...– como se demonstra pelos documentos de fls 365 e segs dos autos, juntos pela Exma RFP, com a sua contestação, o que igualmente em nada vai no sentido da tese defendida pela impugnante, como acima se fundamentou.

E os invocados gastos pela B...na comercialização de tais fracções que teria prometido comprar à impugnante (publicidade, angariação de clientes, comissões, etc.) que teriam ascendido a cerca de 50 mil contos – cfr. matéria do art.º 96.º e segs da sua petição de impugnação judicial – o que não acontecia com os particulares que semelhantes fracções adquiriram, junta a mesma os documentos de fls 116 a 209 dos autos, constituídos por cópias de facturas passadas por uma tal Comavel – Sociedade de Imediação Imobiliária, Lda, à referida B....

Contudo, analisando as mesmas, para além de algumas se reportarem não ao ano de 1998 e anteriores aqui em causa (cfr. as de fls 116 e 117 que se referem ao ano de 1999), na sua generalidade, têm os dizeres, N/comissão por intervenção na venda, indicando depois a que fracção se reportam, e o nome de uma pessoa que se supõe seja o beneficiário dessa quantia, não se percebendo assim, se tal quantia era devida e foi paga a essa empresa ou à pessoa que nele figura como suposta beneficiária, para além de, se tal quantia representava uma comissão por intervenção na venda dessa fracção, então não se percebe como é que tais comissões por venda aparecem facturadas por duas e mais vezes, como acontece com a fracção “CD”, facturada por duas vezes, assim como a fracção “BD” e mesmo três vezes, como a fracção “GF”, anomalias que as restantes fracções também apresentavam, já que o seu total é de cerca de 87, quando as fracções aqui em causa quanto a esta B..., são de 26 (cfr. quadros fixados na alínea A) do probatório fixado na sentença recorrida), o que a impugnante, nos seus articulados não explica e nem demonstra, como é que podiam existir duas e mais comissões de venda, em facturas passadas pela mesma empresa, para a venda de um mesmo bem, pelo que as mesmas não podem deixar de se revelar como não aptas para demonstrar esses invocados custos no âmbito da presente impugnação judicial (cfr. art.º 376.º do Código Civil).

Por outro lado, como bem invoca a Exma RFP, a impugnante ao tempo fez publicitar na imprensa as vendas das moradias em causa não pelo preço que diz ser de mercado e que com esta empresa terá contratado (a C...), mas sim mesmo, por montantes acima do declarado nas vendas com os particulares – cfr. doc. de fls 348 dos autos – que nalguns casos, como em algumas moradias T3, foi mesmo mais do dobro entre o anunciado e o declarado nas vendas com a C..., como se pode ver do mesmo e dos três quadros atinentes, constantes da matéria provada e apurada em sede de exame à escrita.

Também em declarações prestadas em 7.1.2002, perante um funcionário do quadro da Direcção de Finanças de Santarém, dois dos adquirentes das fracções em causa (“HB” e “FL”), ali afirmaram que os contratos de promessa de compra e venda de cada uma dessas fracções, foi firmado com a ora impugnante e que até à data da realização da escritura pública de compra e venda, nunca tinham ouvido falar da empresa B...e nem com ela tinham contactado de qualquer forma, sempre tendo tratado dos assuntos relacionados com tais contratos de promessa, única e exclusivamente, com a mesma ora impugnante, como se pode ver de fls 700 a 704 dos autos.

Como também bem invoca a Exma RFP, na sua contestação, tais vendas das fracções e moradias tiveram por efeito “comer” os proveitos da impugnante, desta forma transferidos como custos para essas duas empresas, que apresentavam então resultados negativos, como consta das declarações modelo 22 do exercício de 1998 pelas mesmas entregues, cujas cópias constam de fls 317 e segs dos autos, desta forma deixando de gerar matéria colectável positiva, quer na impugnante, quer nas empresas em causa aquando das respectivas vendas.

Em suma, não logrou a impugnante infirmar a precisa factualidade recolhida pela fiscalização tributária em sede de exame à sua escrita, que levam a considerar preenchido o estalão legal que tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, em tais vendas a estas duas empresas, cujo ónus lhe cabia nos termos do disposto no art.º 74.º, n.º1 da LGT, de a escrituração dos preços das fracções e moradias declaradas vender às citadas empresas B...e C..., ou seja que estas correspondessem aos seus reais valores de mercado, perante as mesmas circunstâncias, se ocorridas entre entidades independentes, nem tendo chegado sequer a colocar em dúvida, séria, fundada, tal factualidade, a impugnação não pode deixar de improceder também por este fundamento, desta forma não podendo também a mesma beneficiar do regime do então art.º 121.º do CPT, então aplicável a facto tributário ocorrido na sua vigência, como norma de direito substantivo que é(10), ainda que o resultado pudesse ser o mesmo por aplicação do regime sucedâneo e hoje consagrado no art.º 100.º do CPPT, como pretendia a impugnante.


É assim de julgar procedente o recurso ainda que por fundamentação jurídica distinta da invocada pela recorrente e de revogar a sentença recorrida, e conhecendo em substituição, do preenchimento, quer dos restantes requisitos das relações especiais, quer do outro fundamento articulado, de violação de lei, não conhecido pelo Tribunal “a quo”, por prejudicado, de julgar improcedente a impugnação judicial deduzida, como também se pronuncia o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida e conhecendo em substituição, em julgar improcedente a impugnação, mantendo-se a liquidação adicional efectuada.


Custas pela impugnante em ambas as instâncias, fixando-se nesta a taxa de justiça em dez UCs.


Lisboa, 27/04/2010

Eugénio Sequeira
Rogério Martins
Lucas Martins


1- Notas as referências a este Código se reportam à sua redacção anterior à introduzida pelo Dec-Lei n.º 303/2007, de 25 de Agosto, tendo em conta que estas só entraram em vigor muito após a dedução da presente impugnação judicial e não são de aplicação retroactiva.
2- Na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, já que esta nova redacção apenas é aplicável a períodos de tributação posteriores a 1.1.2001, ao contrário do que foi entendido na sentença recorrida (seu art.º 21.º).
3- No que as partes nem dissentem, mas mal, como se verá.
4- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 5.2.1997, recurso n.º 21 176.
5- Trata-se da transcrição de trechos do acórdão supra citado.
6- Cfr. entre muitos outros, os recentes acórdãos do STA de 21.1.2003 e de 12.3.2003, recursos n.ºs 21 240 e 1.508/02-30, respectivamente.
7- Cfr. no mesmo sentido, em casos paralelos, os acórdãos do STA de 12.10.2005 e de 29.11.2006, recursos n.ºs 90/05-30 e 401/06, respectivamente.
8- Cfr. em sentido semelhante o acórdão do STA de 25.9.1996, recurso n.º 20 396.
9- Cfr. neste sentido o acórdão deste Tribunal de 10.11.98, recurso n.º 64 000.
10- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 14.4.1999, recurso 23.351.