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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04870/11
Secção:CT-2º JUIZO
Data do Acordão:10/25/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ARTº.668, Nº.1, AL.C), DO C. P. CIVIL.
NULIDADE DA SENTENÇA QUANDO OS SEUS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
FACTUALIDADE QUE DEVE SER CONSIDERADA PROVADA EM PROCESSO DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO.
NOTIFICAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO.
DOMICÍLIO FISCAL.
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTº.39, NºS.5 E 6, DO C. P. P. TRIBUTÁRIO.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.158, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário.

2. Quanto à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário.

3. A factualidade que o recorrente pretende levar ao probatório não tem relevo para a decisão da causa. Assim é, porquanto, tal factualidade (prova dos sucessivos prejuízos da sociedade recorrente e da falta de pressupostos para a estruturação de liquidação com recurso a métodos indirectos) tem a ver com a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, matéria que não constitui fundamento de oposição por a lei assegurar meio judicial de impugnação contra tal acto de liquidação no caso concreto (cfr.artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P. Tributário). Não integrando tal matéria fundamento possível de oposição à execução torna-se inútil levá-la ao probatório, sendo que só se deve seleccionar a matéria relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

4. A notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).

5. Nos termos do artº.19, nº.3, da L.G.Tributária, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto a mesma não for comunicada à A. Fiscal. Em consonância com o preceituado no citado artº.19, nº.3, da L.G.T., surge-nos o artº.43, nº.2, do C.P.P.T., norma que consagra a regra da inoponibilidade à Administração Tributária da mudança de domicílio que não lhe tiver sido declarada, dispondo o nº.3, deste último preceito, que a comunicação só produz efeitos se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a actualização do domicílio ou sede no número seu fiscal do contribuinte. Por outras palavras, a cominação para a falta de cumprimento desta obrigação é a inoponibilidade à A. Fiscal da falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas.

6. A presunção de notificação prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C. P. P. Tributário, funciona em duas situações, a saber:
a-recusa do destinatário a receber a notificação;
b-não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se provar que, entretanto, o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal.

7. Verificados estes requisitos formais, mesmo que esta segunda carta não seja recebida ou levantada, presume-se efectuada a notificação, apenas podendo ser ilidida a presunção se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de domicílio no prazo legal. Não tendo sido feita esta prova por parte do destinatário, verifica-se a presunção da sua notificação no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte, quando esse primeiro dia não seja útil, conforme se retira do citado artº.39, nº.6, do C. P. P. Tributário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“C…….. - COMÉRCIO DE …………………, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do TAF de Leiria, exarada a fls.165 a 169 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a oposição pela recorrente intentada visando a execução fiscal nº……………, a qual corre termos no 1º. Serviço de Finanças de ……….. propondo-se a cobrança de dívida de I.R.C., relativa ao ano de 2003 e no montante total de € 7.136,35.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.179 a 187 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Os elementos fornecidos pelo processo, impõem claramente decisão diversa, impossível de ser destruída por quaisquer outras provas, uma vez que foram dados como provados factos que deveriam levar à absolvição da ré do pedido;
2-Acresce que a douta decisão é nula nos termos do artº.668, nº.1, al.c), do C.P.C., porque os fundamentos de facto apresentados pela Meritíssima Juiz “a quo” como provados, se encontram em oposição com a decisão por aquela proferida;
3-Conforme ficou provado nos autos, a executada não recebeu qualquer comunicação proveniente da Administração Fiscal, a este facto acresce que a executada, ora recorrente, cessou a sua actividade em Dezembro de 2003;
4-Sucede, porém, que a dissolução da sociedade executada nos autos apenas veio a suceder em 17 de Junho de 2005;
5-Em conformidade com o que foi alegado pela executada, pese embora tardiamente, em 29 de Julho de 2005 esta entregou a sua declaração de I.R.C. mediante transmissão electrónica;
6-O que, de “per si”, deveria servir de prova bastante para demonstrar que desde o exercício de 2003 esta sempre apresentou prejuízos;
7-Assim, deveria ter sido dado como provado os sucessivos prejuízos de que a recorrente vinha padecendo;
8-Salvo melhor opinião, nenhum motivo existia para se proceder à liquidação oficiosa, com recurso a métodos indirectos;
9-Ao que acima ficou exposto, acresce que não foi dada qualquer relevância ao facto de a executada, ora recorrente, não ter recebido qualquer comunicação dessa liquidação oficiosa, desde logo porque desde o ano de 1998 que não laborava nas instalações para onde foram endereçadas a comunicação/notificação;
10-Pois caso tivesse tido conhecimento dos factos, certamente ter-se-ia insurgido quanto à aplicação de métodos indirectos que desconsideraram por completo a realidade contabilística;
11-Em face do que antecede, salvo o devido respeito, deveria ter sido levado em devida consideração o facto de a recorrente não ter conhecimento das comunicações que lhe foram efectuadas;
12-Razão pela qual não se concebe como possa a Administração Fiscal ter recebido a informação de que a recorrente era desconhecida na sua morada;
13- Outrossim, poderia a Administração Fiscal, ter procedido à notificação na pessoa dos seus legais representantes, cujas moradas são conhecidas;
14-Com efeito, “tout court”, deverá proceder o argumento de que a recorrente alterou o seu domicílio fiscal, porquanto não mudou de instalações, pelo contrário encerrou por completo os serviços, isto é, a sua sede social;
15-Com efeito, atenta a factualidade vertida nos autos, deveria ter sido atendida, primacialmente, à declaração apresentada, tardiamente, pela recorrente, desconsiderando-se a aplicação de métodos indirectos;
16-Aliás, salvo o devido respeito, que é muito, deveria ter sido igualmente considerado o documento junto a fls..., de onde resulta claro que já no ano 1996 a recorrente apresenta prejuízo, que há data se contabilizava em € 8.475,86 (cfr.requerimento e doc. que o acompanha junto a fls..., datado de 17 de Maio de 2006), porquanto na senda da reclamação graciosa apresentada pela ora recorrente, teve esta total provimento na sua pretensão;
17-Termina, pugnando pelo provimento do recurso e revogação da decisão recorrida com as legais consequências.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do presente recurso, sustentando, em síntese (cfr.fls.198 e 199 dos autos):
1-Que a sentença recorrida não padece do vício de nulidade, dado que os seus fundamentos não estão em oposição com a decisão;
2-Igualmente não sofrendo do vício de omissão de pronúncia, contrariamente ao defendido pela recorrente;
3-Que a decisão recorrida efectuou uma correcta e bem fundamentada análise da matéria de facto e consequente subsunção jurídica da mesma;
4-Pelo que deve ser mantida na ordem jurídica e negado provimento ao recurso.
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.200 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.167 dos presentes autos):
1-Em 22/07/2005, foi emitida em nome da oponente a liquidação de I.R.C. nº……………….., respeitante a rendimentos do ano de 2003, de fls.19 a 20 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzida;
2-Para notificação daquela liquidação, foi remetida à oponente a carta registada cuja cópia se encontra a fls.108 do processo, que foi devolvida à A. Fiscal em 4/8/2005, com a indicação “desconhecido” (cfr.documento junto a fls.109 dos presentes autos);
3-Para notificação da liquidação supra identificada, foi remetida nova carta registada que foi devolvida à A. Fiscal em 23/8/2005, com a indicação “desconhecido” (cfr.documentos juntos a fls.111 a 114 dos presentes autos);
4-A oponente abandonou as suas instalações em 1998, alterou o seu domicílio fiscal e não deu conhecimento desse facto à Fazenda Pública (cfr.factualidade admitida pela opoente na p.i.).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…Com interesse para a decisão não se provaram outros factos…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
5-As cartas identificadas nos nºs.2 e 3 supra foram registadas com aviso de recepção, tendo o registo da referida no nº.2 sido efectuado em 25/7/2005, e o registo da referida no nº.3 em 22/8/2005 (cfr.documentos juntos a fls.110 e 112 dos presentes autos);
6-As cartas identificadas nos nºs.2 e 3 acima foram enviadas para a morada da sociedade opoente que consistia no seu domicílio fiscal conhecido da Fazenda Pública, sito na Urbanização …………, Lote H, nº.2 D/E, R/ch., ………….. (cfr. documentos juntos a fls.108 a 114 dos presentes autos; factualidade admitida pela opoente na p.i.).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do oponente, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a oposição que originou o presente processo, mais devendo prosseguir a execução fiscal instaurada contra a sociedade opoente, tudo em virtude de não ser efectuada prova da alegada inexigibilidade da dívida exequenda.
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Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
A recorrente dissente do julgado alegando antes de mais, como supra se alude, que a decisão recorrida é nula nos termos do artº.668, nº.1, al.c), do C.P.C., porque os fundamentos de facto apresentados pela Meritíssima Juiz “a quo” como provados, se encontram em oposição com a decisão por aquela proferida (cfr.conclusões 1 e 2 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar uma nulidade de que enferma a sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.158, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.910 e 911; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11).
No caso “sub judice”, não vislumbramos que a sentença recorrida sofra da nulidade em análise. A recorrente ao invocar tal nulidade aduz que os fundamentos de facto apresentados na sentença como provados se encontram em oposição com a decisão proferida. Ora, da materialidade fáctica constante da sentença não decorre, necessariamente, decisão oposta ou, pelo menos, diversa da proferida. Pelo contrário, da fundamentação fáctico-jurídica da sentença (segundo cremos a recorrente discorda, essencialmente, da fundamentação jurídica) a consequência lógica é a decisão nos termos em que foi proferida. Por outras palavras, atenta a materialidade fáctica provada, entendeu-se que ocorria a presunção de notificação da liquidação à recorrente, em virtude do que se conclui não se verificar a inexigibilidade da dívida, sendo, pois, a decisão o corolário lógico da fundamentação.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Mais alega a apelante que a sentença recorrida deveria ter dado como provados os sucessivos prejuízos de que a recorrente vinha padecendo, pelo que, salvo melhor opinião, nenhum motivo existia para se proceder à liquidação oficiosa, com recurso a métodos indirectos (cfr.conclusões 6 a 8 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento da matéria de facto.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Desde logo, se dirá que quanto à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A. Sul, 17/5/2011, proc.4745/11).
“In casu”, não podem deixar de estar votadas ao insucesso as conclusões do recurso em análise, desde logo, devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra.
Por outro lado, haverá que referir que a factualidade supra exposta não tem relevo para a decisão da causa. Assim é, porquanto, tal factualidade (prova dos sucessivos prejuízos da sociedade recorrente e da falta de pressupostos para a estruturação de liquidação com recurso a métodos indirectos) tem a ver com a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, matéria que não constitui fundamento de oposição por a lei assegurar meio judicial de impugnação contra tal acto de liquidação no caso concreto (cfr.artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P. Tributário). Não integrando tal matéria fundamento possível de oposição à execução torna-se inútil levá-la ao probatório, sendo que só se deve seleccionar a matéria relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente também este fundamento do recurso.
Por último, aduz o recorrente que não teve conhecimento da liquidação de I.R.C., do ano de 2003, a qual constitui a dívida exequenda, dado que desde o ano de 1998 que não laborava nas instalações para onde foram endereçadas a comunicação/notificação do referido acto tributário, pelo que é inexigível a mesma dívida (cfr.conclusões 9 a 14 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal vício.
Desde logo, se dirá que a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).
É sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.36, nº.1, do CPPT).
Por outro lado, refira-se que o domicílio fiscal dos sujeitos passivos pessoas colectivas é o local da sede ou direcção efectiva destes (cfr.artº.19, nº.1, al.b), da L.G.Tributária). O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (cfr.António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, 2000, Rei dos Livros, pág.119; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.124).
Nos termos do artº.19, nº.3, da L.G.Tributária, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto a mesma não for comunicada à A. Fiscal. Em consonância com o preceituado no citado artº.19, nº.3, da L.G.T., surge-nos o artº.43, nº.2, do C.P.P.T., norma que consagra a regra da inoponibilidade à Administração Tributária da mudança de domicílio que não lhe tiver sido declarada, dispondo o nº.3, deste último preceito, que a comunicação só produz efeitos se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a actualização do domicílio ou sede no número seu fiscal do contribuinte. Por outras palavras, a cominação para a falta de cumprimento desta obrigação é a inoponibilidade à A. Fiscal da falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas. Segundo essa doutrina, deve ter-se por regularmente efectuada a notificação por carta registada com aviso de recepção quando a mesma tenha sido devolvida, só porque o contribuinte procedera à alteração do seu domicílio sem que tenha oportunamente cumprido o dever de actualização citado (cfr.António Lima Guerreiro, ob.cit., pág.120; Diogo Leite de Campos e outros, ob.cit., pág.124; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/4/1995, rec.18445, Ap.DR, 14/8/1997, pág.1015 e seg.).
“In casu”, conforme se entendeu na sentença recorrida, o que está em causa reside em saber se operou, ou não, a presunção de notificação da liquidação de I.R.C., relativa ao ano de 2003, prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C. P. P. Tributário.
A presunção de notificação prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C. P. P. Tributário, funciona em duas situações, a saber:
1-recusa do destinatário a receber a notificação;
2-não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se provar que, entretanto, o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal.
A presunção de notificação sob exame fundamenta-se no envio de segunda carta registada com a.r. para o domicílio fiscal do sujeito passivo nos quinze dias posteriores à devolução, tudo pressupondo a devolução do a.r. da primeira carta remetida.
Ora, verificados estes requisitos formais, mesmo que esta segunda carta não seja recebida ou levantada, presume-se efectuada a notificação, apenas podendo ser ilidida a presunção se o notificando provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de domicílio no prazo legal. Não tendo sido feita esta prova por parte do destinatário, verifica-se a presunção da sua notificação no terceiro dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte, quando esse terceiro dia não seja útil, conforme se retira do citado artº.39, nº.6, do C. P. P. Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.355 e seg.).
No caso “sub judice”, conforme resulta da matéria de facto provada (cfr.nºs.2, 3, 5 e 6 da matéria de facto provada), deve concluir-se que a A. Fiscal procedeu à correcta notificação da recorrente, e para o seu domicílio fiscal conhecido, da liquidação de I.R.C., relativa ao ano de 2003, mais não fazendo a sociedade opoente/recorrente prova do citado justo impedimento ou da impossibilidade de comunicação da mudança de domicílio no prazo legal à Fazenda Pública.
Ao acabado de referir, deve acrescentar-se a inoponibilidade à A. Fiscal da mudança de domicílio da recorrente e consequente não recebimento da notificação da liquidação em causa, atento o mencionado supra e o disposto nos artºs.19, nº.3, da L.G.Tributária, e 43, nº.2, do C.P.P.Tributário.
Face ao exposto, deve ter-se por válida a presunção de notificação prevista no artº.39, nºs.5 e 6, do C.P.P.Tributário, no caso concreto, pelo que se considera exigível a mesma liquidação no âmbito do processo de execução fiscal nº……………. o qual corre termos no 1º. Serviço de Finanças ………….., assim improcedendo também este fundamento do recurso.
Em conclusão, deve este Tribunal confirmar a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso deduzido, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 25 de Outubro de 2011

(Joaquim Condesso - Relator por vencimento)
(Eugénio Sequeira - 2º. Adjunto)

(Pereira Gameiro - Vencido) (Vencido no tocante à questão da notificação que entendo não se ter verificado nos termos do que expus no projecto vencido e que aqui transcrevo como fundamentação:
“……”
Resta apreciar, como questão decidenda, a invocada falta de notificação da liquidação de IRC do ano de 2003 que na decisão se entendeu notificada, dívida esta que se encontra em cobrança coerciva.

Para tal há que atentar na factualidade que os autos nos fornecem (cfr. al. B), C) e E) do probatório), donde resulta que para notificação de liquidação em causa foram expedidas para o domicílio da ora recorrente as cartas registadas com aviso de recepção referidas em B) e C) do probatório e que as mesmas foram devolvidas à AF com a indicação "desconhecido".

Sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr. art. 36 n° l do CPPT), dispõe-se no art. 38 do mesmo diploma da forma como devem ser feitas as notificações, devendo ser feitas por carta registada com aviso de recepção, entre outras e em princípio, as notificações de actos de liquidação de tributos que concretizem uma alteração da situação tributária (n°l do art 38). No entanto, as notificações não abrangidas pelo n°l, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição são efectuadas por carta registada como resulta do n°3 do art. 38 do CPPT na redacção dada pela Lei n°55-B/2004, de 30.12, com efeitos a partir de l. l .2005.

Na situação em apreço, não se põe em causa a forma utilizada para a notificação (carta registada com aviso de recepção), só questiona a recorrente que, por essa forma, se tenha levado ao seu conhecimento a liquidação.

E ter-se-á como validamente notificada a recorrente através dessas cartas registadas com aviso de recepção que foram devolvidas à AF com a indicação "desconhecido"?

Afigura-se-nos que não.

Vejamos.

Com o envio da carta registada com aviso de recepção para notificação da liquidação, o regime legal é o que decorre dos n°s 3 a 6 do art. 39 de CPPT, sendo que a regra é a de que a notificação se considera efectuada rã data em que o aviso for assinado. No caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução, por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação de mudança de residência no prazo legal, no 3° dia útil posterior ao do registo, tal como resulta dos n°s 5 e 6 do artigo 39° do CPPT. A este propósito, a jurisprudência do STA vem entendendo que a presunção legal de notificação nos casos em que ocorre a devolução de carta registada com aviso de recepção e em que este não se mostre assinado, só funciona em duas situações:

- Recusa do destinatário em receber a carta;

- Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais sem que se comprove que, entretanto, o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal - assim, acórdão STA 21 Mai. 2008, recurso 01031/07; acórdão STA 8 Jul. 2009, recurso 0460/09; acórdão STA 27 Jan. 2010,recurso 807/09, disponíveis em www.dgsi.pt.

A propósito da segunda situação (não levantamento da carta), Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Volume I, 2011, pág. 386, expende o seguinte: " pressupõe-se que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontra depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar. Nesta perspectiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente, de:

- Ter sido deixado aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta com a notificação podia ser levantada;

- Não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência.

Assim, conjugando estas situações com as formas admitidas de ilidir a presunção constata-se que a presunção de notificação deixa de valer quando se demonstrar: - que não foi deixado aviso para levantamento da carta;..."

Está evidenciado no probatório que as cartas registadas com aviso de recepção para notificação da liquidação foram todas devolvidas com a indicação de "desconhecido". Do motivo da devolução da carta "desconhecido" se retira que não houve recusa de recebimento da carta. Nas mesmas cartas ou em qualquer outro documento dos autos não conste qualquer menção de ter sido deixado ou enviado aviso para levantamento das mesmas. Não se demonstra nos autos que a destinatária das cartas possa ter tido conhecimento da existência das mesmas nos serviços dos correios. Assim, nesta situação, em que a carta registada com aviso de recepção foi devolvida com a indicação de "desconhecido", em que não houve recusa de recebimento da carta e em que não se demonstra nos autos que a destinatária possa ter tido conhecimento da existência da carta nos correios, não se configura a presunção de notificação da liquidação com previsão no n°6 do art. 39 do CPPT, donde se conclui que a ora recorrente não foi notificada da liquidação.

A falta de notificação da liquidação provocando a ineficácia do acto tributário de liquidação torna a dívida em causa inexigível. A este propósito sumariou-se no Ac. do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 20.1.2010, Rec. 832/08, o seguinte: I- Nos casos em que não efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do nº1 do art. 204.°do CPPT.

II - Quando foi efectuada uma notificação de um acto de liquidação, mas a notificação foi efectuada depois de ter decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidarão, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea e) do nºl do art. 204ºdo CPPT.

Seguindo a posição ora acabada de referir do Pleno, temos que a inexigibilidade da dívida, por falta de notificação da liquidação, constitui fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea i) do n°1 do art. 204° do CPPT, se bem que também haja jurisprudência defendendo que a falta de notificação da liquidação constitui fundamento de oposição enquadrável na al. e) do n°1 do art. 204 do CPPT.

Não se pode, assim, manter a decisão recorrida que considerou notificada a liquidação em causa e que, por isso, julgou improcedente a oposição, sendo de se conceder provimento ao recurso e julgar-se procedente a oposição por inexigibilidade da dívida.Pereira Gameiro (fundamentação da posição que foi vencida).