Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1205/06.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO,
VALORAÇÃO DA PROVA
Sumário:A certidão de acórdão proferido em processo crime instaurado contra o Impugnante constitui um meio de prova que deve ser valorado no processo judicial tributário de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, podendo o juiz, com base nesse meio de prova, concluir pela inexistência de facto tributário.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

M..., veio deduzir impugnação judicial contra o despacho que indeferiu a reclamação graciosa, referente às liquidações de IVA dos anos de 2000 e 2001, no valor global de 20.011,38€.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 22 de abril de 2015, julgou improcedente a impugnação.

Inconformados, o Ministério Público e o impugnante vieram recorrer contra a referida sentença.

O Ministério Público, veio aos autos oferecer as suas alegações, formulou as seguintes conclusões:

«1° O Mmº Juiz "a quo" não se pronunciou sobre matéria alegada no parecer do Ministério Público no âmbito da defesa da legalidade;

2º Violou, pois, as disposições conjugadas dos arts. 125º do CPPT, e 608º e 615º nº 1 al. d) do C.P. Civil;

3° Deve, pois, ser declarada a nulidade da sentença em causa, com as legais consequências.»
***
O impugnante veio igualmente oferecer as suas alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«A) – Discorda o recorrente da douta sentença recorrida, na parte em que considera que não foi feita prova da inexistência de facto tributário.
B) – Com efeito, e partindo da factualidade dada como provada na alínea J) do probatório da douta sentença recorrida, e que remete para o teor integral do Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Ansião em 19/10/2004 (documento junto aos autos a fls. 23 a 88), extraem-se elementos de prova quanto à inexistência de facto tributário.
C) – Para além da prova de que “o Impugnante em data não concretamente apurada do ano de 2000, situada no mês de Março ou Abril, acordou ceder a exploração de um bar (S...) a um terceiro, recebendo deste, uma contrapartida de 200.000$00 mensais”, devem considerar-se também provados outros factos, dados como provados na referida decisão judicial.
D) – Designadamente, nos presentes autos, devem ser dados como provados os factos:
“2.1. No seguimento, a partir dessa altura, passou o arguido F... a gerir tal estabelecimento (o “S...”).
(…)
2.5. (…) Enquanto o arguido F... esteve a explorar o “S...”, continuou a usar o sistema de Multibanco que tinha sido instalado pelo arguido C..., recebendo através dele os pagamentos de muitos dos clientes (…) os montantes eram creditados na conta à ordem n.º 311 400 ..., titulada pelo arguido C... na C... (C...) e este, depois de descontar os montantes a que tinha direito, designadamente os 1000€ que lhe eram devidos mensalmente pelo aluguer da boite, entregava ao F... o que lhe era devido.”
2.6. Dos valores em dinheiro derivado de tais actividades e destinados ao arguido F... (…)
2.7. A exploração do “S...” por parte do arguido F... perdurou até ao momento não concretamente apurado situado entre Março e Maio de 2001.
3. A partir desse momento (não concretamente apurado situado entre Março e Maio de 2001) e até 5 de Dezembro do mesmo ano, altura em que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras/SEF e a Polícia Judiciária procederam a buscas e apreensões no “S...”, o arguido M... retomou a exploração do mesmo estabelecimento S...).
(…)
3.6. Com excepção do período de tempo em que cedeu a exploração ao arguido F..., entre 1997 e até 5.12.2001 que o arguido C... explorou tão somente o estabelecimento “o S...” (…)”
E) – Efectivamente, embora na douta sentença recorrida tenha sido considerado reproduzido todo o teor do acórdão do Tribunal de Ansião, apenas se deu como facto provado o ponto 2. do probatório deste (fls. 33 dos presentes autos).
F) – Ora, há mais factos aí provados que, pela relevância na apreciação da inexistência do facto tributário, é mister considerar provados também na douta decisão recorrida.
G) – Os factos supra descritos, na conclusão D), foram dados como provados, em sede de audiência e julgamento num processo judicial, que obedeceu aos formalismos legais, nomeadamente quanto à obtenção e produção de prova.
H) – Donde, os factos elencados na conclusão D), deveriam também integral os factos provados na douta sentença recorrida.
I) – Aliás, não se concebe, como se pode cindir do aludido Acórdão do Tribunal de Ansião apenas um facto (ponto 2. dos factos provados no acórdão) e desconsiderar os restantes, que se reputam essenciais para a boa decisão da causa.
J) – Assim, considerando todos os factos provados no acórdão do Tribunal de Ansião, fica provado não só a existência da cedência da exploração do estabelecimento do “S...” pelo Impugnante a um terceiro, mas também o período em que ocorreu essa cedência, assim como os termos e condições (que se reportam ao aluguer mensal, seu montante, e a forma como ele era pago ao impugnante).
L) – Pelo que, o M.mo. Juiz “ a quo” entra em contradição ao admitir como prova o teor integral do acórdão do Tribunal de Ansião, e dar como não provados os termos e condições do acordo de cedência de exploração (que ficaram plenamente provados no mencionado acórdão).
M) – De igual modo, contradiz o teor da prova documental (o mencionado acórdão, designadamente no ponto 3.6.), a conclusão do M.mo Juiz “a quo” quando diz que “nenhuma prova foi feita dos contornos do aludido “acordo” ou negócio”, não se sabendo também se, pelo facto de o ter celebrado deixou de exercer a actividade para a qual esteve colectado”.
N) – Daí que, se conclua que a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, ao dar como não provado a inexistência de facto tributário nos 2º, 3º e 4º trimestres do ano 2000 e 1º trimestre do ano 2001 e entre 5/12/2001 a 31/12/2001.
O) – A douta sentença recorrida ao improceder a impugnação, manteve na ordem jurídica as liquidações de IVA, relativas aos 2º, 3º e 4º trimestres do ano 2000 e 1º trimestre do ano 2001, assentes em factos tributários inexistentes, o que é ilegal por não ter existido operações descritas no n.º 1 do art.º 1º do CIVA.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogada a sentença recorrida e em julgar totalmente procedente a impugnação, anulando as liquidações relativamente aos segundo, terceiro e quarto trimestre de 2000 e do primeiro trimestre de 2001, respetivamente nos montantes de € 2.092,65 e juros de € 497,48, € 2092,65 e juros de € 460,96, € 2.092,64 e juros de € 424,03 e € 2.097,31 e respetivos juros, tudo no montante global de € 10.101,69.»
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência de ambos os recursos.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pelos Recorrentes nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Recorrente Ministério Público: nulidade da sentença, nos termos do art. 125.º do CPPT, artigos 608.º e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, porquanto o Juiz a quo não se pronunciou sobre a matéria alegada no seu parecer emitido em 1.ª instância;

_ Recorrente Impugnante: erro de julgamento de facto, porquanto na sentença recorrida não se considerou os factos provados no acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Ansião, que fazem prova da inexistência do facto tributário relativo ao IVA liquidado pela atividade de exploração de estabelecimento comercial, na parte referente ao 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2000 e 1.º trimestre de 2001.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) O Impugnante é uma pessoa singular que exerceu a actividade de "Bares", inscrito com o CAE 055403, estando enquadrado em sede de IVA no regime normal com periodicidade trimestral – cfr. fls. 4 do Processo Administrativo apenso (PA), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) Em 11/05/2004, e em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 70173, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, desencadearam ao Impugnante a acção de inspecção aos exercício de 2000 e 2001, em sede de IVA, no âmbito da qual apurou-se IVA em falta no montante de 8.370,59€ e 8.389,23€, respectivamente - cfr. fls. 2 do PA apenso aos Autos;

C) No âmbito da inspecção, foi remetido ao Impugnante ofício, datado de 13/05/2004, do qual consta: «Em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 65.º do Código do IRS, (…) para no prazo de 15 dias apresentar a declaração de rendimentos modelo 3 relativa ao exercício de 2000 (…)” e “(…) para no próximo dia 27 de Maio de 2004, pelas dez horas, apresentar no Serviço de Inspecção da Direcção de Finanças de Leiria, os elementos de escrituração relativos aos anos exercícios de 2000/2001, nomeadamente os livros referidos no artigo 50.º do Código do IVA e documentos de suporte dos registos efectuados (Vendas a dinheiro, talões, cartões, recibos, facturas ou documentos equivalentes) (…)», – cfr. fls. não numeradas do PA apenso aos Autos;

D) A notificação referida na alínea antecedente foi enviada, por correio registado, com aviso de recepção, com a referência RS37…PT, para a morada do Impugnante sita na T..., 3100 Vermoil, tendo sido devolvida com a menção “Não atendeu”, em 18/05/2004, e “Não reclamado”, em 27/05/2004 – cfr. fls. não numeradas do PA apenso, morada igualmente indicada pelo Impugnante na p.i.;

E) Em 24/06/2004, foi remetido pelos Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, para o Impugnante, por correio registado, o instrumento constante a fls. 11 do Processo Administrativo apenso aos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, através do qual notificou o Impugnante para no prazo de 10 dias exercer, querendo, o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do Relatório da Inspecção;

F) A carta referida na alínea anterior veio devolvida com a menção “ Não atendeu às 9.50h, dia 29.06.04. Avisado.” – cfr. fls. 14 do PA apenso aos Autos;

G) Em 15/07/2004, foi elaborado o relatório de fiscalização junto aos Autos a fls. 9 a fls. 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções técnicas de 2000 e 2001 com recurso a métodos indirectos, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes: « (…)

Relatório de Inspecção Tributária - D. F. Leiria
II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal
Motivo - A acção de inspecção teve por base a requisição n.º 14/2004, de 24.03.2004, do NAC - Núcleo de Averiguações Criminais, a fim de se verificar os factos descritos no processo n.º 9/00AZRCBR-300, remetido pelo Procurador Adjunto do Ministério Público - Departamento de Investigação e Acção Penal, do Distrito Judicial de Coimbra.
Âmbito - Trata-se de uma acção de natureza parcial, abrangendo o IRS e IVA. Incidência Temporal- 2000 e 2001.
II.3. Outras situações
1 - Caracterização do Sujeito Passivo
Trata-se de um empresário em nome individual que esteve registado, pelo Serviço de Finanças de Pombal 2, por exercer a actividade de: "Bares - C.A.E. 055403", no período que decorreu entre 21.02.2001 (data em que declarou o inicio de actividade) e 30.11.2001 (data da cessação). Ficou enquadrado para efeitos de IRS, na categoria B, regime simplificado e em IVA no regime normal de periodicidade trimestral.
Segundo informações apuradas no local do estabelecimento e junto das autoridades policiais (P.S.P e G.N.R), bem como dos factos descritos no processo antes referido, o sujeito passivo já vinha a exercendo esta actividade e a de: "Boite" desde 1997, com apoio e colaboração de S..., contribuinte n.º 2..., cidadã brasileira, com quem vivia maritalmente, mas que presentemente já se ausentou (fugiu) para o seu país Natal, embora não tivessem sido encontradas quaisquer provas documentais em como esta exercia uma actividade comercial/industrial, ou auferisse outro rendimento sujeito às diversas categorias de IRS.
Este estabelecimento, conhecido por "S...", funcionava numa moradia situada na T..., Vermoil, área fiscal do Serviço de Finanças de Pombal 2.
Ainda pelo que foi apurado, tal moradia era, e é, constituída por r/c e 1.° andar, sendo que no rés do chão funcionava um bar/boite, com balcão e pequenas mesas, e uma pista de dança.
Dos elementos constantes do seu registo de início de actividade, constata-se que não possuía contabilidade organizada e o volume de negócios declarado como previsão da sua actividade de 21.02.2001 a 31.12.2001 seria de € 27209,00.
As instalações onde eram exercidas estas actividades, foram seladas pelo SEF em 16.01.2002, situação que ainda se mantém nesta data.
No exercício em que esteve colectado (2001), apresentou o anexo B da declaração de rendimentos referida no artigo 57.0 do Código de LR.S., com serviços prestados no montante de € 16441.43.
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Não aplicável ao caso em apreciação.
IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
4.1 - Não comparência no dia e hora marcada para exibir os elementos de escrita

Apesar das diligências efectuadas com vista à sua notificação, para nos serem exibidos os elementos de escrita e entrega da declaração em falta, relativa ao exercício de 2000, através de carta registada com aviso de recepção, enviada para o seu domicilio fiscal, que se junta por cópia e fica a constituir o anexo 1, bem como da visita ao local do estabelecimento e recolha de dados sobre o seu paradeiro junto das autoridades policiais, não foi possível concretizar esse objectivo (não atendeu e apesar de avisado, não reclamou).
4.2 - Exercer uma actividade comercial com fins lucrativos e não se encontrar colectado para o efeito - Falta declaração de registo.
Face aos factos descritos no processo elaborado pelo Ministério Público, confirmados quer pelas autoridades policiais, quer por informações colhidas junto da população, o sujeito passivo exerceu no período que decorreu entre 1997 e Dezembro de 2001, as actividades de bares C.A.E. 055403 e a de: "Boite".
4.3 - Falta de declarações de rendimentos e valores insignificantes declarados. Apesar de notificado para apresentar a declaração de rendimentos com referência ao ano/exercício de 2000, não o fez dentro do prazo estipulado para o efeito, nem até à presente data.
Os valores declarados como serviços prestados, com referência ao ano de 2001, na importância de € 16 441.43, não corresponde com o bom nível de vida, sem dificuldades económicas ou financeiras e aquisição em Novembro de 2001 de um veículo automóvel por cerca de € 40 000.00, vide fls. 1943, do citado processo elaborado pelo Ministério Público.
4.4 - Omissão de proveitos
Da análise ao processo remetido pelo Procurador Adjunto do Ministério Público - Departamento de Investigação e Acção Penal, Distrito Judicial de Coimbra, facilmente se depreende que as receitas provenientes das referidas actividades, não eram declaras na sua totalidade para efeitos fiscais, como se pode comprovar pelos depósitos bancários efectuados e descritos a fls. 1 238 a 1240 do aludido processo, bem como da recebidas pela cedência de exploração que este aceitou pela proposta que o Sr. F..., contribuinte 2..., para este assegurar a gestão do "S...", contra o pagamento de uma renda de € 1 .000,00 mensais, que terá ocorrido no período de Março de 2000 a Fevereiro de 2001.
Assim, toma-se impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, pelo que se encontram reunidos os pressupostos contemplados nos art°s 87.° a 89.° da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Dec.Lei n.º 398/98 de 17/12, e artigo 39.° do Código do IRS, para aplicação de métodos indirectos.
V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
A determinação da matéria tributável por métodos indirectos, nos termos do art.º 90.° da Lei Geral Tributária, teve em conta os seguintes elementos:
a) - Os elementos e informações declaradas à administração tributária.
b) - A localização e dimensão da actividade exercida, e
c) - Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.
Logo, partindo do princípio que no citado processo consta que sujeito passivo, nos anos objecto de inspecção, para além da renda recebida pela cedência de exploração, efectuou diversos depósitos bancários, sendo:

No ano de 2000
- Renda pela cedência de exploração de Março a Dezembro € 10 .000,00
- Banco B…, conta n.º 21… € 2513.94
- C…, conta n. ° 31104006… € 37 884.70 de pagamentos de clientes por multibanco, e € 15 924.51 de cheques e numerário.
- Banco …, conta n.º 2… (saldo a 03.01.2000) € 3431.79 Soma € 69 754.94

No ano de 2001
- Renda pela cedência de exploração de Janeiro e Fevereiro € 2000.0
- Banco B…, conta n.º 21… € 4887.92
- C…, conta n.º 311 040… € 79463.76 Sendo € 39735.74 de pagamentos por multibanco e € 39728.02 de cheques Soma - € 86 351.68

No exercício em que esteve colectado (2001), apresentou o anexo B da declaração de rendimentos referida no artigo 57.° do Código de LR.S., com serviços prestados no montante de € 16441.43.
Como critério válido para apuramento dos proveitos estimados em cada exercício, vamos apenas em conta as rendas recebidas, o saldo da conta do Banco … em 03.01.2000 e o valor dos depósitos efectuados.
Deste modo e tendo em atenção que a partir de 01.01.2001, a determinação do rendimento colectável, resulta da aplicação do regime simplificado, apenas consideramos como custos, 35% dos proveitos no exercício de 2000.
5.1 - Apuramento do resultado em I.R.S.

Verifica-se ainda que até esta data, não procedeu à entrega da declaração anual, referida no artigo 113.° do Código de I.R.S., com referência ao ano de 2000. (…)»;

H) Em 10/08/2004, a Direcção de Finanças de Leiria remeteu para o Impugnante, por carta registada e com aviso de recepção, o Relatório da Inspecção Tributária referente ao ano de 2000 e 2001 – cfr. fls. 15 do PA apenso ao Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

I) O “Aviso de recepção” referido na alínea anterior foi assinado a 12/08/2004 – cfr. fls. 17 do PA apenso aos Autos;

J) Em 19/10/2004, foi proferido pelo Tribunal Judicial de Ansião, o Acórdão junto aos Autos a fls. 23 a fls. 88, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde que ficou provado que o Impugnante em data não concretamente apurada do ano de 2000, situada no mês de Março ou Abril, acordou ceder a exploração de um bar (S...) a um terceiro, recebendo deste, uma contrapartida de 200.000$00 mensais;

K) Em 21/11/2005, o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Pombal 2 a Reclamação Graciosa das liquidações de IVA referentes a 2000 e 2001, a qual correu termos sob o número 43/05 – cfr. fls. 1 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

L) Em 04/10/2006, a Direcção de Finanças de Leiria, remeteu para o Impugnante, por correio registado e com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 112 do Processo de Reclamação apenso aos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, referindo o seguinte: «
(…) Assunto: Processo de Reclamação Graciosa n.º 342
Fica V.Exª notificado, de que, por despacho do Sr. Director de Finanças, de 4 de Outubro de 2006, foi a reclamação acima mencionada INDEFERIDA, podendo do mesmo reagir no prazo e nos termos que a seguir se indicam(…)»;

M) Em 9/11/2004, foi remetida pela Administração Fiscal para o Impugnante, por correio registado, a liquidação adicional de IVA n.º 04332849, referente a 2000, no valor de 8.370,59€ - cfr. fls. 205 dos Autos;

N) Em 9/11/2004, foi remetida pela Administração Fiscal para o Impugnante, por correio registado, a liquidação de juros compensatórios n.º 04332845, referente ao 1º trimestre de 2000, no valor de 534,80€ - cfr. fls. 206 dos Autos

O) Em 9/11/2004, foi remetida pela Administração Fiscal para o Impugnante, por correio registado, a liquidação de juros compensatórios n.º 04332846, referente ao 2º trimestre de 2000, no valor de 497,48€ - cfr. fls. 207 dos Autos

P) Em 9/11/2004, foi remetida pela Administração Fiscal para o Impugnante, por correio registado, a liquidação de juros compensatórios n.º 04332847, referente ao 3º trimestre de 2000, no valor de 460,96€ - cfr. fls. 208 dos Autos;

Q) Em 9/11/2004, foi remetida pela Administração Fiscal para o Impugnante, por correio registado, a liquidação de juros compensatórios n.º 04332848, referente ao 4º trimestre de 2000, no valor de 424,03€ - cfr. fls. 209 dos Autos;

R) Em 9/11/2004, foi remetida pela Administração Fiscal para o Impugnante, por correio registado, a liquidação de juros compensatórios n.º 04332848, referente ao 4º trimestre de 2000, no valor de 424,03€ - cfr. fls. 209 dos Autos;

S) As liquidações referidas nas alíneas M) a R) não foram reclamadas – cfr. fls. 205 a 209, verso dos Autos;

T) Em 06/12/2004, o Serviço de Finanças de Pombal 2 remeteu para o Impugnante, por carta regista com aviso de recepção, as cópias das liquidações referidas em M) a R) – cfr. fls. 203 dos Autos;

U) Foi aposto na notificação referida na alínea anterior a menção de “Não atendeu – avisado – em 22/11/2004” – cfr. fls. 204 dos Autos;

V) A presente Impugnação deu entrada no TAF de Leiria em 17/10/2006 – cfr. fls. 1 dos Autos.
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3.2 Factos Não Provados

Todos os restantes, nomeadamente os alegados em contrário do que se deu como provado supra, e ainda, com interesse, os seguintes:

1) Os termos e condições do acordo de “cedência de exploração” a que alude a alínea J) dos factos provados (por falta de junção da pertinente prova documental);

2) Que as receitas descritas a fls. 6 do RIT apenas poderão ser consideradas em 50% - (facto alegado no art. 23.º da p.i., uma vez que este valor não foi confirmado pelas testemunhas inquiridas, nem sequer se pode extrair essa conclusão do constante no art. 22.º da respectiva p.i.);

3) Que o IVA devido seja, no ano de 2000, de € 3.138,99 e em 2001, €3.145,98 (conforme alegado nos arts. 25.º a 27.º da p.i., por falta de demonstração dos referidos valores, designadamente pela falta de apresentação dos documentos contabilísticos e bancários que permitam suportar o alegado);
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Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos Autos, no Processo Administrativo e Reclamação Graciosa apensos aos mesmos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes.

Em relação à prova testemunhal produzida em audiência, o depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante, C... e M..., não foi suficientemente credível para o Tribunal, quanto à actividade do Impugnante e volume das suas prestações de serviços, nos anos a que se reportam as liquidações impugnadas. As testemunhas não revelaram um conhecimento directo dos factos, responderam com base em suposições e de forma pouco clara às questões que lhes foram colocadas.

A testemunha arrolada pela Fazenda Pública limitou-se a confirmar o teor do RIT.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»


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Com base na matéria supra, o Meritíssimo Juiz do TAF de Leiria julgou improcedente a impugnação judicial.

O Recorrente Ministério Público vem invocar a nulidade da sentença, nos termos do art. 125.º do CPPT, artigos 608.º e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, porquanto o Juiz a quo não se pronunciou sobre a matéria alegada no seu parecer emitido em 1.ª instância.

Entente o Recorrente que “suscitou” a ilegalidade das liquidações de IVA dos três últimos trimestres do ano de 2000, e o primeiro trimestre do ano de 2001, questão relativamente a qual o Juiz a quo não se pronunciou. Entende que existe uma contradição entre a matéria de facto provada com a dada como não provada.

Nos termos do disposto no art. 125.º do CPPT, constitui nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”.

Sucede que, manifestamente, não se verifica a omissão de pronúncia invocada.

Desde logo cumpre precisar que o Magistrado do Ministério Público não “suscitou” questão que cumprisse conhecer, mas tão-somente emitiu parecer sobre questão que o Impugnante suscitou na p.i., nomeadamente a inexistência do facto tributário. Efetivamente, no ponto “B)” da p.i. intitulado “Da inexistência de facto tributário durante os segundos, terceiro e quarto trimestre do exercício de 2000, e no primeiro trimestre de 2001” o Impugnante vem alegar de facto e de direito sobre este vício invocado (cf. artigos 7.º a 16.º da p.i.).

Ora, sucede que o Meritíssimo Juiz a quo apreciou a questão em causa, a inexistência do facto tributário, conforme resulta de fls. 18 e 19 da sentença recorrida, no sentido de que o Impugnante não fez prova suficiente para que se concluísse pela inexistência de facto tributário: “Não tendo o Impugnante logrado fazer tal alegação e prova, quer por falta de alegação de factos que permitam, indiscutivelmente, concluir pela inexistência de facto tributário nos anos em causa, quer por falta de junção da prova documental pertinente, quer por inconsistência da prova testemunhal arrolada, ao abrigo do disposto nos arts. 74.º, n.º 3 da LGT e 100.º, n.º 3 do CPPT, ter-se-á de concluir pela improcedência da sua alegação.”

Pelo exposto, não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia porque tal vício só se verifica “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas” (cf. Ac. do STA de 28/05/2014, proc. 0514/14), o que não sucedeu no caso dos autos em que a questão suscitada pelo Impugnante na p.i. e sobre a qual o Magistrado do Ministério Público tomou posição no seu parecer, foram efetivamente apreciadas.

Na verdade, o que parece resultar das alegações de recurso do Magistrado do Ministério Público, que complementam as respetivas conclusões, é que este discorda do sentido da decisão do Meritíssimo Juiz a quo, contudo, tal alegação poderá consubstanciar erro de julgamento (que de resto infra se conhecerá), mas não nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Pelo exposto, não se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Prosseguindo.

Como já referimos, do recurso do Magistrado do Ministério Público decorre que este vem sindicar o erro de julgamento de facto quanto à questão da inexistência do facto tributário que o Impugnante invocou na p.i.

De igual modo, o recorrente Impugnante vem sindicar no seu recurso da sentença recorrida o erro de julgamento de facto quanto à questão da inexistência de facto tributário que foi decidida na sentença recorrida desfavoravelmente. Sublinhe-se que, apesar de o Impugnante ter invocado vários vícios da liquidação impugnada na p.i., que foram todos julgados improcedentes na sentença recorrida, vem restringir o âmbito do seu recurso à questão da inexistência de facto tributário.

Assim sendo, conheceremos em simultâneo os fundamentos de ambos os recursos que se alicerçam no erro de julgamento de facto.

Vejamos.

Como já referimos, e quanto a esta questão, o Meritíssimo Juiz do TAF de Leiria entendeu que o Impugnante não fez prova suficiente para que se concluísse pela inexistência de facto tributário: “Não tendo o Impugnante logrado fazer tal alegação e prova, quer por falta de alegação de factos que permitam, indiscutivelmente, concluir pela inexistência de facto tributário nos anos em causa, quer por falta de junção da prova documental pertinente, quer por inconsistência da prova testemunhal arrolada, ao abrigo do disposto nos arts. 74.º, n.º 3 da LGT e 100.º, n.º 3 do CPPT, ter-se-á de concluir pela improcedência da sua alegação.”

Contudo, verifica-se que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, tal como invocam ambas as Recorrentes.

Na verdade, resultou provado nessa alínea dos factos assentes o seguinte:

“J) Em 19/10/2004, foi proferido pelo Tribunal Judicial de Ansião, o Acórdão junto aos Autos a fls. 23 a fls. 88, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e onde que ficou provado que o Impugnante em data não concretamente apurada do ano de 2000, situada no mês de Março ou Abril, acordou ceder a exploração de um bar (S...) a um terceiro, recebendo deste, uma contrapartida de 200.000$00 mensais;”

Ou seja, nesse acórdão proferido em processo crime instaurado contra o Impugnante ficou provado que o Impugnante em data não concretamente apurada do ano de 2000, situada no mês de março ou abril, acordou ceder a exploração de um bar (S...) a um terceiro, recebendo deste, uma contrapartida de 200.000$00 mensais.

Ora, como se escreve no acórdão do STA de 08/10/2014, proc. n.º 01930/13 “I - A lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal. II - Apenas se consubstancia num elemento de prova, que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 655.º, n.º 1 do CPC (velho).” – destaque nosso.

Sucede que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por errónea valoração do acórdão enquanto meio de prova, na medida e que o mesmo, nas circusntâncias concretas dos autos, é suficiente para que se possa dar como provado o facto alegado pelo Impugnante de que não exerceu qualquer atividade durante um determinado período, e que conduz à conclusão de inexistência do facto do facto tributário nessa parte.

Na verdade, a tese da Impugnante, que constitui causa de pedir vertida na p.i., é que não é devido o IVA liquidado pela atividade de exploração de estabelecimento comercial, na parte referente ao 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2000 e 1.º trimestre de 2001, porquanto nesse período não exerceu qualquer atividade, face à cedência de exploração do seu estabelecimento comercial a um terceiro em abril de 2000 e que perdurou até março de 2001 (cf. artigos 7.º a 16.º da p.i.).

Ora, os factos assentes nos pontos 2, 2.1. e 2.7. do acórdão foram apurados no âmbito de uma investigação criminal, e dados como provados pelo juiz do processo na respetiva sentença, e nessa medida, razões não há para os desconsiderar no presente processo judicial tributário.

Pelo exposto, ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se à matéria de facto assento a seguinte alínea:

X) Em data não concretamente apurada do ano de 2000, situada no mês de março ou abril, até pelo menos março de 2001, o Impugnante acordou ceder a exploração de um bar (S...) a um terceiro, que passou a gerir o estabelecimento, recebendo deste, uma contrapartida de 200.000$00 mensais (cf. documento a fls. 23 e ss dos autos).

Ora, face à matéria de facto aditada, importa concluir que o Impugnante não exerceu a atividade no seu estabelecimento comercial no 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2000 e 1.º trimestre de 2001, tal como alegou.

Assim sendo, a liquidação de IVA na parte respeitante aos proveitos presumidos no 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2000 e 1.º trimestre de 2001, pela exploração de estabelecimento comercial não se poderá manter (mantém-se na parte relativa aos proveitos provenientes das rendas recebidas pelo Impugnante pela cedência de exploração, considerando que estes proveitos corrigidos são aceites pelo Impugnante – cf. art. 15.º da p.i.), pois fundou-se no pressuposto de facto erróneo de que o Impugnante exercia nesse período a atividade de exploração de estabelecimento comercial.

Em suma, a liquidação de IVA na parte respeitante aos proveitos presumidos no 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 2000 e 1.º trimestre de 2001, e respetivos juros liquidados, enferma de erro sobre os pressupostos de facto, e nessa medida deve ser anulada.

Pelo exposto, merecem provimento os recursos do Magistrado do Ministério Público e do Recorrente Impugnante, uma vez que a sentença recorrida na parte recorrida enferma de erro de julgamento de facto, e nessa medida, deve ser revogada, e consequentemente, julgada procedente a Impugnação judicial nessa parte, concedendo-se provimento a ambos os recursos.

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Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Face ao provimento do Recurso do Magistrado do Ministério Público e do Recurso do Impugnante é vencida nesta instância a Recorrida Fazenda Pública, que deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Contudo, nesta instância de recurso, a Recorrida não tendo apresentado contra-alegações não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça – cf. acórdão do STA de 13/12/2017: “I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP). II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

A certidão de acórdão proferido em processo crime instaurado contra o Impugnante constitui um meio de prova que deve ser valorado no processo judicial tributário de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, podendo o juiz, com base nesse meio de prova, concluir pela inexistência de facto tributário.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso do Magistrado do Ministério Público e ao Recurso do Impugnante, revogando-se a sentença na parte recorrida, julgando-se, também nessa parte, a impugnação judicial procedente.
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Custas pela Recorrida Fazenda Pública, que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça no recurso, porque não contra-alegou.

D.n.

Lisboa, 24 de junho de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora
A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy