Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1915/17.2BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/28/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:DIREITO DE ASILO E DE PROTECÇÃO SUBSIDIÁRIA
VENEZUELA
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DO BENEFÍCIO DA DÚVIDA
PRINCÍPIOS DA OFICIOSIDADE E DO INQUISITÓRIO
PERSEGUIÇÃO POR AGENTES PRIVADOS
RECEIO
ART.º 19.º DA LEI DE ASILO
TRAMITAÇÃO ACELERADA
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO.
Sumário:I - Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega;

II - O art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, é um corolário do princípio do benefício da dúvida, que exige que frente a um relato consistente, congruente e credível do requerente de asilo, o ónus da prova se reparta com o respectivo decisor;

III – A invocação do princípio do benefício da dúvida não faz sentido quando, no caso, falta cumprir um ónus inicial e básico: a de fazer um relato sem contradições, circunstanciado, coerente e credível;

IV – Em sede de direito de asilo e protecção subsidiária, o ónus de alegação e prova da A. quanto à situação vivida no seu país de origem deve ser atenuado, ou não poderá ser tido como preclusivo do direito da A. a ver essa mesma realidade apurada para além dos seus esforços, primeiro pela Administração e depois, pelo próprio Tribunal;

V- Conforme os art.ºs. 18.º, n.ºs. 1 e 2, da Lei de Asilo e art.º 46.º, n.º 3, da Directiva Procedimentos, nestas matérias prevalecem os princípios da oficiosidade e do inquisitório, pelo que se exige à primeiro à Administração – ao SEF - e depois, se necessário, ao juiz, que investiguem acerca de toda a informação disponível sobre a situação político-económica-social do país de origem, devendo fazê-lo “junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de asilo, o ACNUR, e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido“;

VI- A perseguição por agentes privados pressupõe que o respectivo Estado ou as autoridades do Estado se mostrem incapazes de proporcionar a protecção aos seus nacionais contra tais perseguições;

VII – Para efeitos de protecção internacional, o “recear com razão” pressupõe a verificação de um elemento subjectivo – um estado de espirito do requerente – a que se associa necessariamente uma condição objectiva, relativa à situação actual do país de origem;

VIII- Do acervo de informação que tem vindo a público sobre a Venezuela, sobre a falta de comida e medicamentos, sobre a difícil situação político-económica e social e a crescente violência que ali se vive - que serão factos que a generalidade das pessoas, regularmente informadas, têm conhecimento, podendo, nessa medida, rotular-se de factos notórios e do conhecimento geral (cf. art.º 412.º do CPC) – a decisão do SEF que subsumiu o pedido da A. e ora Recorrente, para ser atribuída a protecção subsidiária, a si e ao seu filho nascido em 13-03-2015, no procedimento abreviado do art.º 19.º,n. º 1, als. e) e h), da Lei n.º 27/2008, de 30.06, está manifestamente errada:

IX – A existência de relatórios sobre a Venezuela, que são indicados na Informação do SEF e o respectivo conteúdo, quando associados ao relato da A. e ora Recorrente e à circunstância de a A. ter um filho de tenra idade, para quem também pediu protecção subsidiária, são seguramente razões pertinentes e relevantes para o mencionado pedido de protecção;

X - No caso, exigia-se ao SEF a apreciação do pedido da A. e Recorrente ao abrigo do procedimento “normal” do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, procedendo a maiores averiguações acerca da actual situação político-económica e social da Venezuela. Caberia ao SEF, fazendo-se valer dos seus poderes oficiosos e inquisitórios, investigar acerca de toda a informação disponível sobre a situação político-económica-social da Venezuela e depois apreciar essa mesma situação considerando as circunstâncias concretas da A. e ora Recorrente e do seu filho, para então integrar o conceito de protecção por “razões humanitárias”
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Sílvia ……………………………
Recorrido: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

Sílvia …………. interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a presente acção onde a A. e ora Recorrente pedia a anulação da decisão da Directora Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 21-08-2017, que indeferiu o pedido de asilo formulado para si e para o seu filho ou, subsidiariamente, o correspondente pedido de protecção subsidiária.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “I- Não se conforma a aqui Recorrente com a douta Sentença de 20/11/2017 do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, que julgou a acção improcedente decidindo-se pela manutenção do despacho da Sra. Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 21 de Agosto de 2017 que considerou o pedido de asilo e o de autorização de residência por protecção subsidiária apresentado pela aqui Recorrente/Autora infundado.
II- O douto Tribunal a quo entendeu que "a motivação essencial e determinante da autora, a prática de actividade ilícita, não comprova qualquer tipo de perseguição política " e, "por conseguinte, o acto impugnado é legal ao julgar o pedido de asilo da autora infundado, em conformidade com o previsto no art.º 19º, n.º 1, al. e) da Lei do Asilo".
III- Assim como entendeu infundado o pedido de protecção subsidiária (art.º 7º da Lei do Asilo) requerido pela Recorrente/ Autora, pelo facto de "as declarações da autora não permitem dizer que caso a mesma regresse ao seu país corra o risco depena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante, nem que o seu regresso implique ameaça grave contra a vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos, de acordo com o pressuposto no art. 7°da Lei do Asilo".
IV- Contudo, os factos relatos pela Recorrente/Autora enquadram-se numa das situações contempladas no art. 7º da referida Lei do Asilo - sistemática violação dos direitos humanos verificada no país da nacionalidade ou risco do requerente sofrer ofensa grave- o que permite à ora Recorrente/Autora obter uma autorização de residência por protecção subsidiária para si e para o seu filho Cristian, neste momento com 2 anos de idade, pelo facto de se sentirem impossibilitados de regressar ao seu país de origem por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
V- O próprio Serviço de Estrangeiros e Fronteiras reconhece no seu despacho de fls. que "de facto, a situação dos direitos humanos na Venezuela continua a ser uma preocupação em torno dos contínuos problemas socio económicos e dos altos níveis de violência. A. escassez de alimentos e medicamentos continuaram ao longo de 2016, assim com os altos níveis de protesto e saque".
VI- Acontece que o relato da Recorrente/Autora sobre as situações difíceis e desumanas que viveu conjuntamente com o seu filho Cristian na Venezuela correspondem precisamente à descrição apresentada pelo SEF sobre a situação que se vivia e ainda se vive neste país.
VII- É manifesto que a escassez de alimentos e medicamentos, bem como os elevados níveis de violência e a sistemática e generalizada violação dos direitos humanos na Venezuela, impedem a Recorrente/Autora e o seu filho menor de dois anos e meio regressar ao seu país de origem e aí viverem em segurança a todos os níveis.
VIII- A Recorrente/Autora receia ainda regressar à Venezuela por temer pela sua segurança e de seu filho, pois como a droga que era suposto ter sido entregue não o foi pelo facto de ter sido detida no aeroporto, sabe que assim que chegar à Venezuela irá ser procurada por essas pessoas que a aliciaram a transportar a droga para lhe pedirem contas e, não tendo o correspondente dinheiro para lhes entregar, será agredida e até morta, bem como o seu filho, pois é esse o procedimento em situações semelhantes.
IX- Contrariamente ao referido no despacho do SEF, caso regresse a território venezuelano, em caso de qualquer perseguição, não seria possível à aqui Recorrente/Autora recorrer à protecção das autoridades venezuelanas dada a situação caótica que se vive no seu país de origem e que afecta o normal funcionamento dos serviços do estado.
X- É, pois, evidente o receio de perseguição e perigo de vida manifestado pela Recorrente/Autora nas suas declarações.
XI- O n.º1 do art.º 7° da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, estabelece que "É concedida autorização de residência aos estrangeiros (...) se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrerem ofensa grave".
XII- É do conhecimento geral que devido à profunda crise social e económica que aflige a Venezuela morre-se à fome e por falta de medicamentos.
XIII- Os noticiários e jornais relatam que "Todos os dias na Venezuela morrem crianças, faltam medicamentos e alimentos".
XIV- Tais factos são do conhecimento geral, não carecendo, como tal, de prova nem de alegação nos termos do art.º 412.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.0 do CPTA.
XV- No entanto, o entendimento da Sra. Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é de que "(...) não se extrai dos factos provado s a existência de qualquer situação actual e demonstrativa que a sua esfera pessoal poderá vir a ser afetada por uma situação violadora dos direitos fundamentais, de modo a impossibilitá-la de regressar ao seu país de origem na companhia do filho menor".
XVI- Posição esta corroborado pelo douto Tribunal a quo que conclui que "de facto, não resulta em concreto, das suas declarações, nada que permita aferir, fundamentadamente, do invocado risco de sofrer ofensa grave à sua integridade fisica , ou mesmo risco de sofrer ofensa grave à sua integridade fisica, ou mesmo risco de morte, caso volte ao seu país de origem, a Venezuela".
XVII- O pedido de protecção internacional é infundado quando se verifique que "Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária" .
XVIII - Mas, in casu, a Recorrente/Autora apresentou um relato credível e detalhado da sua pessoa e do seu filho menor correrem o risco de sofrer ofensa grave à sua integridade física e até risco de vida caso regressem ao seu país de origem, face à falta de alimentos e medicamentos, bem como ao clima de violência e à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifica na Venezuela, bem como às ameaças e perseguições a que estará, por certo, sujeita por aqueles que lhe ofereceram dinheiro em troca do transporte de droga, único meio que encontrou para fugir à fome, à violência, à miséria e salvaguardar a sua vida e do seu filho, factos previstos no art. 5°, nº 2, als. a), b) c) e f) da Lei nº 27/2008.
XIX- Ainda que não se entenda que a Recorrente/Autora não reúne as condições de elegibilidade para protecção internacional, existe o risco evidente de quer esta, quer o seu filho menor, virem a sofrer uma ofensa grave à sua integridade física caso sejam forçados a retomar à Venezuela, cuja situação interna, aliás, se tem vindo a agravar de dia para dia nos últimos tempos, a ponto de, como supra se disse, haver gente a morrer todos os dias à fome e por falta de medicamentos.
XVI- Posição esta corroborado pelo douto Tribunal a quo que conclui que "de facto, não resulta em concreto, das suas declarações, nada que permita aferir, fundamentadamente, do invocado risco de sofrer ofensa grave à sua integridade física, ou mesmo risco de sofrer ofensa grave à sua integridade física , ou mesmo risco de morte, caso volte ao seu país de origem, a Venezuela".
XVII- O pedido de protecção internacional é infundado quando se verifique que "Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária".
XVIII- Mas, in casu, a Recorrente/ Autora apresentou um relato credível e detalhado da sua pessoa e do seu filho menor correrem o risco de sofrer ofensa grave à sua integridade física e até risco de vida caso regressem ao seu país de origem, face à falta de alimentos e medicamentos, bem como ao clima de violência e à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifica na Venezuela, bem corno às ameaças e perseguições a que estará, por certo, sujeita por aqueles que lhe ofereceram dinheiro em troca do transporte de droga, único meio que encontrou para fugir à fome, à violência, à miséria e salvaguardar a sua vida e do seu filho, factos previstos no art.0 5°, nº 2, ais. a), b) c) e f) da Lei nº 27/2008.
XIX- Ainda que não se entenda que a Recorrente/Autora não reúne as condições de elegibilidade para protecção internacional , existe o risco evidente de quer esta, quer o seu filho menor, virem a sofrer uma ofensa grave à sua integridade física caso sejam forçados a retomar à Venezuela, cuja situação interna, aliás, se tem vindo a agravar de dia para dia nos últimos tempos, a ponto de, como supra se disse, haver gente a morrer todos os dias à fome e por falta de medicamentos
XX- Por todas as razões supra expostas, não se pode garantir que a ora Recorrente/Autora e o seu filho de 2 anos venham a ter uma vivência tranquila e normal ao regressarem ao seu país de origem, a Venezuela.
XXI- Face ao relato apresentado pela Recorrente/ Autora, plausível e não contraditório com a realidade do contexto social, económico e político existente na Venezuela quer à data em que de lá fugiu, quer à data de hoje, que evidencia factos que demonstram o direito de protecção a que se arroga, deve ser-lhe aplicado o Princípio do Benefício da Dúvida.
XXII-Verificados que estão os pressuposto s da Protecção Subsidiária, pennite que lhe seja concedido e ao seu filho Cristian o Direito de Residência por razões humanitárias, ao abrigo do disposto no art.º 7° n.º1 e n.º2 al. b) da referida Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.
XXIII-Acresce dizer que, a aqui Recorrente/Autora evidencia um uma construção positiva de laços com Portugal, tendo aprendido a língua portuguesa nestes 21 meses de estadia em Portugal.
XXIV-0 seu filho Cristian frequenta um infantário em Lisboa.
XXV- Nestes 21 meses a viver em Portugal a Recorrente/Autora criou uma ligação efetiva à comunidade portuguesa, e vislumbra, para si, um futuro em Portugal.
XXVI- Demonstra, por estas razões uma forte inclusão na sociedade portuguesa, com grande interesse e vontade em se aproximar afetiva, cultural e economicamente a Portugal.
XXVII- O discurso da Recorrente /Autora permite estabelecer a necessária relação causa- efeito entre os factos e o receio de sofrer ofensa grave à sua integridade física ou até a morte se regressar ao seu país de origem, a Venezuela, o que permite a possibilidade de lhe ser concedido o benefício da dúvida, sendo de lhe aplicar, bem como ao seu filho Cristian , a concessão de protecção, prevista n o regime subsidiário na Lei de Asilo.
XXVIII- Salvo o devido respeito, que é muito, a douta sentença recorrida errou quanto à solução jurídica, incorrendo em erro de julgamento, de direito, ao decidir pela improcedência da acção, por ter considerado que o acto administrativo impugnado não padece de violação da lei, pelo menos, na parte em que não considerou aplicável o regime de proteção subsidiária, contante do art.º7°, n.0 1 e n.02 al. b) da Lei 27/2008, de 30 de Junho, por errónea interpretação da mesma, pois não foi tido em conta o Principio do beneficio da dúvida e o Principio "non-refoulement'' , consagrado no art.º33º, n.º1 da Convenção de Genebra de 1951, conjugado com os preceitos do art.03° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
XXIX-Deste modo, a douta sentença recorrida violou, os art.ºs 3º e 7° da Lei n.0 27/2008 de 30 de Junho.
XXX-Assim, a decisão ora recorrida é anulável, nos termos do disposto no artigo 165° do CPA, por não ter aplicado o nº l e n.º2 al. d) do artigo 7º da Lei do Asilo.
XXXl- Alega ainda o douto Tribunal a quo que o preenchimento do conceito "razões humanitárias constante do do art."7" da Lei do Asilo encerra competências discricionárias, que só á Administração compete formular.
XXXII-Também aqui, com o devido respeito, se discorda de ta l interpretação, sendo incontroverso que qualquer cidadão - nacional ou estrangeiro - é sempre titular de direitos que encontram o seu fundamento na própria condição de "ser humano" e, como tal, não podem ser negados a ninguém, nem sequer ao abrigo do poder discricionário da administração, que nunca é total.
XXXIII-E nem se diga que vale aqui a regra de exclusão do controlo jurisdicional relativamente ao acto administrativo discricionário, tendo em conta que, in casu, se verificou a violação dos chamados limites internos da discricionariedade, dos princípios, como o da justiça que, segundo o art.º 266º da CRP sempre devem nortear a actividade da Administração.
XXXIV- A recusa do pedido de protecção que a aqui Recorrente/Autora solicitou para si e para o seu filho menor junto das Autoridades Portuguesas viola o disposto nos artigos 4°, 6º, 7°, 8°, 9° e 10º, todos do CPA, razão pela qual mal andou o tribunal a quo ao ter decidido não ser possível concluir pela violação dos princípios da actuação administrativa.
XXXV- A douta sentença recorrida violou o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva consagrado no art.º 20º da CRP e no art.°2°, n.°2 als. a), b), c) e d) do CPTA, o Princípio do Estado de Direito Democrático previsto no art.0 2º da CRP e os Princípios Gerais Inerentes à Função Jurisdicional consagrados no art.0 202.º, n.ºs 1 e 2 da CRP.
XXXVI- Pelo que, o entendimento do douto Tribunal a quo não poderá proceder, o que aqui se requer.”

O Recorrido não contra-alegou.
A DMMP apresentou pronúncia no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.




II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório, por se entender não aplicável ao caso da A. e ora Recorrente e seu filho a protecção subsidiária prevista no art.º 7.º da Lei de Asilo, por serem Venezuelanos e nesse país, onde residiam, se viver numa situação difícil e desumana.

A A. e Recorrente veio impugnar a decisão da DN do SEF, de 21-08-2017, que indeferiu o pedido de asilo formulado para si e para o seu filho ou, subsidiariamente, o correspondente pedido de protecção subsidiária.
Em recurso, a A. e Recorrente vem dizer que teme pela sua segurança e do seu filho, frente a um regresso à Venezuela, pois foi detida no aeroporto na posse de droga, que não foi entregue aos destinatários, pelo que, uma vez chegada novamente à Venezuela, aquelas pessoas que lhe encomendaram a entrega irão exigir-lhe o correspondente dinheiro, ou não o tendo, agredi-la-ão ou matá-la-ão. Mais invoca, que não será possível pedir protecção às autoridades nacionais venuzuelanas, dada a situação caótica que se vive no seu país, que afecta os serviços do Estado.
Ademais, diz a Recorrente, que na Venezuela escasseiam os alimentos, os medicamentos, assim como, existe uma violência de nível elevado, sistemático e generalizado, com a violação dos direitos humanos.

Determina o art.º 3º, da Lei n.º 27/2008, de 30.06 (Lei de Asilo), que “1 – É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 – Tem ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões politicas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual”.
Quanto aos actos de perseguição, terão de constituir, pela sua natureza e reiteração, uma grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais – cf. art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.
Como refere Andreia Sofia de Oliveira, para aferir-se do preenchimento do conceito de perseguição para efeitos de atribuição do direito de asilo, haverá que fazer-se uma abordagem “holística”, ou seja, há que olhar a situação como um todo, admitindo-se que as motivações económicas, relacionadas com a pobreza ou a falta de oportunidades, também concorram para a motivação do requerente, o que não afastará a existência de actos de perseguição se existirem motivações fortes do ponto de vista da ofensa grave, intencional e discriminatória aos direitos fundamentais do requerente que justificam a necessidade de protecção internacional (cf. da Autora, “Introdução ao Direito de Asilo”, in CEJ - O contencioso do direito de asilo e proteção subsidiária [Em linha]. 2.º ed. Obra colectiva. Coleção Formação Inicial. Lisboa: CEJ, Setembro de 2016 [Consult. em 26-02-2018]. Disponível em <URL: http://bit.ly/2fZ7eCU, pp. 51-53).
Da aplicação conjugada dos art.ºs 15.º, 15.º-A, 16.º e 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, compete ao Requerente de asilo o ónus da prova dos factos que alega, admitindo-se, no entanto, nos termos do n.º 4 do art.º 18.º da citada lei, que tal ónus seja repartido quando se reúnam, em termos cumulativos, as seguintes condições: (1) o requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido; (2) o requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes; (3) as declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis e a credibilidade geral do requerente; (4) o pedido tenha sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido; (5) tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.
Mais se refira, que o indicado art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, é um corolário do princípio do benefício da dúvida, que exige que frente a um relato consistente, congruente e credível do requerente de asilo, o ónus da prova se reparta com o respectivo decisor.
Neste sentido, conforme o Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, da ACNUR “205. O processo de constatação e avaliação dos fatos pode, portanto, ser resumido da seguinte forma: (a) O solicitante deverá:
(i) Dizer a verdade e apoiar integralmente o examinador no estabelecimento dos fatos referentes ao seu caso.
(ii) Esforçar-se para sustentar suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova. Se necessário, ele deve esforçar-se para obter evidências adicionais.
(iii) Fornecer todas as informações pertinentes sobre a sua pessoa e a sua experiência pretérita com o máximo de detalhes possíveis para permitir que o examinador conheça os fatos relevantes. É preciso pedir ao solicitante que explique de maneira coerente todas as razões invocadas como fundamentos do seu pedido de refúgio e responda a todas as questões que lhe são colocadas.
(b) O examinador deverá:
(i) Assegurar que o solicitante apresente o seu caso de forma tão completa quanto possível e com todos os elementos de provas disponíveis.
(ii) Apreciar a credibilidade do solicitante e avaliar os elementos de prova (se necessário, dando ao requerente o benefício da dúvida) a fi m de estabelecer os elementos objetivos e subjetivos do caso.
(iii) Relacionar estes elementos com os critérios relevantes da Convenção de 1951, de modo a obter uma conclusão correta sobre a concessão da condição de refugiado ao solicitante” (in ACNUR, Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado [Em linha] ACNUR [Consult. em 26-02-2018] Disponível em http://bit.ly/2g8z4jY).
Portanto, em sede de direito de asilo imputa-se ao requerente o ónus da prova dos factos que alega, mas exige-se, também, ao Estado que aprecia o pedido de asilo, que coopere activamente com o requerente, havendo que recolher junto de diversas fontes não estatais – como o ACNUR, a EASO ou outras organizações de defesa de direitos humanos - as informações mais actuais e necessárias para apreciar aquele pedido (cf. neste sentido – Ana Rita Gil – “ A garantia de um procedimento justo no Direito Europeu de Asilo”, in CEJ - O contencioso…, ob. cit., pp. 242-243).
Determina o princípio do “non-refoulement”, ou da não repulsão, consagrado no art.º 33.º da Convenção de Genebra, que o requerente de asilo, ou de protecção internacional, não pode ser expulso ou reenviado para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas.
Feito este enquadramento, vejamos o caso em recurso nos autos.
Como decorre dos factos provados e do preceituado nos art.ºs 2.º, n.º 1, ac), 3.º, 5.º, 6.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, a Requerente do pedido de asilo e ora Recorrente não preenche os requisitos exigidos para lhe ser atribuído o estatuto de asilada.
De facto, por um lado, a Recorrente não alegou que tenha exercido alguma das actividades indicadas no art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, ou que tenha sido perseguida em função desse exercício. Por outro lado, a Recorrente apesar de dizer no relato que fez junto ao SEF que era opositora do regime, apenas faz essa invocação em termos genéricos e não a concretiza minimamente, ficando patente frente ao seu relato que não tinha actividade política, ou razões para ser perseguida.
Aliás, conforme decorre do relato da A. e Recorrente, a razão pela qual viajou para Portugal, não se prenderá com nenhuma perseguição que tivesse ocorrido no seu pais de origem, mas tão-somente com a vontade de sair, por razões económicas, da Venezuela e poder auferir rendimentos com a prática – que sabia ilegal – de transporte de estupefacientes.
Igualmente, a A. e Recorrente diz que na Venezuela estava socialmente integrada, tinha apoio económico e social da família, que viajava em férias para fora do país, que a Mãe, residente em Miami a apoiava economicamente e que queria que fosse viver para Miami. A requerente de asilo diz também que em Setembro e em Dezembro de 2015 viajou até Portugal, onde tem amigos e voltou a viajar em 27-03-2016, tendo sido detida nesta altura.
Apesar de a Recorrente saber que desde a condenação por crime de tráfico de produtos estupefacientes, pelo Ac. de 23-2-2017, lhe foi aplicada a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos – pena mantida pelo Ac. do TRL - só em 13-07-2017, após a notificação para abandonar o território, requereu o procedimento de asilo.
Assim, no caso sub judice, sem dúvida que terá de ficar arredada a aplicação do artigo 3º, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, à situação da Recorrente.
Nos termos art.º 7º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, “É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”.
Neste autos e no recurso a A. e Recorrente vem dizer que teme pela sua segurança e do seu filho, frente a um regresso à Venezuela, pois receia ser perseguida pelas pessoas que lhe encomendaram a entrega dos estupefacientes que transportava e que não será possível pedir protecção às autoridades nacionais dada a situação caótica que se vive no seu país, que afecta os serviços do Estado.
Assim, a Recorrente vem pedir a protecção subsidiária invocando uma perseguição por razões pessoais, perpetradas por agentes privados, ou seja, por quem lhe encomendou o trabalho de transporte de estupefacientes e pelo marido da pessoa com quem viajava.
No entanto, quer no relato que fez junto ao SEF, quer nestes autos e correspondente recurso, a A. e Recorrente não concretiza ou fundamenta de forma consistente o correspondente receio de perseguição. Diversamente, a A. e Recorrente limitou-se a dizer, vagamente, que supõe que possa ser perseguida por aquelas pessoas, ou pelo referido marido da sua companheira de transporte. Todavia, a A. e Recorrente não indica de forma mais certa quem são essas pessoas, referindo o seu nome, onde vivem, como acederiam a si e à sua família, ou porque é que não poderá afastar-se das mesmas, uma vez regressada ao seu país. Por exemplo, com relação ao invocado receio de retaliações a praticar pelo marido da sua companheira de viagem, que ficou igualmente detida, a Recorrente expressa o seu receio, mas, em simultâneo, incongruentemente, afirma que desconhecia essa pessoa, que desconhece o seu marido, que não sabe onde viviam ou que nada mais sabe sobre os mesmos.
Ademais, frente à prova feita nos autos, também não é certo que as autoridades venezuelanas não consigam, de todo, proporcionar protecção aos seus nacionais contra perseguições de agentes privados.
Da mesma forma, a Recorrente não apresentou quaisquer elementos adicionais de prova, quando face ao seu relato lhe era possível apresentar.
A jurisprudência do STA é unânime a defender que o receio de perseguição, pressuposto essencial do direito de asilo ou da protecção subsidiária, tem de ser avaliado objectivamente, a partir de factos invocados, não bastando um receio subjectivo, um estado pessoal de inquietação ou medo (cf., entre muitos, os Acs. do STA de 07-05-1998, Proc. n.º 42793, de 02-02-1999 e Proc. n.º 43838, publicados em http://www.dgsi.pt/jsta).
Para efeitos de protecção internacional, o “recear com razão”, pressupõe a verificação de um elemento subjectivo – um estado de espirito do Requerente – a que se associa necessariamente uma condição objectiva, relativa à situação actual do país de origem (cf. a expressão e neste sentido Andreia Sofia Pinto de Oliveira – Introdução…., op. cit., p. 55).
Portanto, ainda que o Recorrente expresse algum receito, subjectivamente sentido, porque tal receio não foi suportado em alegações circunstanciadas, certas, que apresentem um mínimo de credibilidade, não se pode considerar nestes autos que a A. e Recorrente possa vir a ser efectivamente perseguida e não possa regressar à Venezuela, ou aí regressando corra o risco de sofrer ofensa grave.
No caso dos autos, como se disse, o relato do Requerente com relação a receios de perseguição foi ab initio inconsistente e incongruente e não veio alicerçado de quaisquer provas, quando tal seria possível face à situação relatada.
Logo, a invocação do princípio do benefício da dúvida quanto à alegada perseguição, por quem lhe encomendou o trabalho de transporte de estupefacientes, não faz sentido no seu caso, porque lhe faltou cumprir um ónus inicial e básico: a de fazer um relato sem contradições, circunstanciado, coerente e credível.
De referir, ainda, que não se verificam indicações nos relatórios produzidos pelas organizações internacionais como a Human Rights Watch ou a UNHCR, de relatos de perseguições individuais na Venezuela, por agentes privados, relativamente a cidadãos que tenham sido detidos fora do seu pais por posse de estupfacientes e que posteriormente aí tenham retornado (“As asylum applications by Venezuelans soar, UNHCR steps up response”, consultável em http://www.refworld.org/country,,UNHCR,,VEN,,596c669e4,0.html; “Human Rights and Democracy Report 2016 - CHAPTER VI: Human Rights Priority Countries – Venezuela”, consultável em https://www.ecoi.net/en/document/1404967.html, relatórios cujos links vêm indicados nas notas de rodapé 5 e 6 da INF 876/GAR/17, do SEF, constante dos autos).
Vem também a Recorrente pedir para que lhe seja autorizada a protecção subsidiária, conforme regime previsto no art.º 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, porque na Venezuela escasseiam os alimentos e medicamentos e existe uma violência de nível elevado, sistemático e generalizado, com a violação dos direitos humanos.
No caso em apreço, o pedido da A. e ora Recorrente teve uma tramitação acelerada e foi indeferido com base no art.º 19º, n.º 1, als. e) e h), da Lei n.º 27/2008, de 30.06, por se entender que ao “apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária” e que o “requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento “.
Portanto, a apreciação do pedido da A. e Recorrente não seguiu a tramitação do art.º 18.º Lei n.º 27/2008, de 30.06.
Estipula o art.º 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, que “1 - Na apreciação de cada pedido de protecção internacional, compete ao SEF analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2 - Na apreciação do pedido, o SEF tem em conta especialmente:
a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respectiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as actividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer protecção internacional, por forma a apreciar se essas actividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da protecção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de protecção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a protecção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou directamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido directamente ameaçado de ofensa grave, excepto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.”
Sobre a situação político-económico e social da Venezuela e as concretas circunstâncias da Recorrente, em caso de retorno ao seu país de origem, à data da apreciação do pedido, isto é, à data 09-08-2017, foi indicado na Informação do SEF n.º 876/GAR, nomeadamente o seguinte: “De facto, a situação dos direitos humanos na Venezuela continua a ser uma preocupação, em particular em torno dos contínuos problemas socioeconómicos e dos altos níveis de violência. A inflação e a escassez de alimentos e medicamentos continuaram ao longo de 2016, assim como altos níveis de protesto e saque. Em 2016, houve relatos de deterioração da liberdade de meios de comunicação social e de acesso à informação, bem como intimidação e assédio de defensores de direitos humanos. A oposição venezuelana e várias organizações da sociedade civil acusam o governo da Venezuela de prender mais de 100 presos políticos, incluindo lideres de oposição.
(…) Não se pode assim falar em violação, sistemática, generalizada e indiscriminada dos direitos humanos, mas antes num declínio dos direitos económicos e sociais associado aos elevados níveis de violência e da repressão a que a oposição ao governo do presidente Maduro está sujeita.
No caso concreto, consideramos que a requerente não demonstra ter sido sujeita a uma violação sistemática, generalizada e indiscriminada dos seus direitos ou sequer que a alegada falta de segurança a impedia ou a impossibilitava de regressar ao seu país.
A própria declarou que a situação de carência de bens, inflacionamento dos preços e o clima de insegurança e violência existia naquele país há já cerca de três anos e aquele contexto nacional não a impediu de, após se ter ausentado do país em duas ocasiões (primeiro em turismo e depois para procurar trabalho) retornar a ele, e retornar com bens, produtos que lhe faziam falta.
O facto de a requerente não ter solicitado proteção nas duas deslocações que efetuou para Portugal no ano de 2015 e nem o ter efetuado após aqui ter chegado em 27.3.2016 ou durante o período em que permaneceu detida, demonstra que a necessidade de proteção não era nem é imperiosa no seu caso.”
Estas mesmas indicações que figuravam na Informação do SEF n.º 876/GAR, de 09-08-2017, foram as únicas que foram consideradas na decisão recorrida.
Como se disse anteriormente, o pedido da A. e ora Recorrente seguiu o regime de tramitação acelerada do art.º 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, porque o SEF entendeu que a mesma invocou “apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária”, assim como que “apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento “.
Contudo, conforme a averiguação sumária que foi feita pelo SEF, em sede de tramitação acelerada, que ficou vertida na indicada INF 876/GAR/17, do SEF, sobre a situação político-económica-social da Venezuela existem relatórios, da UNHCR e da Human Rights Watch (a saber os relatórios “As asylum applications by Venezuelans soar, UNHCR steps up response”, consultável em http://www.refworld.org/country,,UNHCR,,VEN,,596c669e4,0.html e “Human Rights and Democracy Report 2016 - CHAPTER VI: Human Rights Priority Countries – Venezuela”, consultável em https://www.ecoi.net/en/document/1404967.html), que uma vez lidos na sua integralidade, nos indicam que a situação de vida na Venezuela tem vindo a deteriorar-se e que em 2017 já existiam mais 27000 pedidos de asilos feitos por venezuelanos em todo o mundo.
Dos autos resulta também como certo, que a A. e Recorrente nasceu em 04-10-1991 e que tem um filho que nasceu em 13-03-2015. A A. reside em Portugal com o seu filho desde a data em que entrou no país, tendo ficado com a pena de prisão com execução suspensa por decisão do TRL.
A A., em sede de recurso, alega que se encontra integrada em Portugal, que o seu filho frequenta um infantário e que nestes 21 meses aprendeu a falar o português. Quanto a outros elementos que indiciassem a sua integração efectiva em Portugal – como a indicação de estar a trabalhar, de ter alojamento e autonomia financeira – nada é dito.
De referir, ainda, a existência de outros relatórios, que são públicos e portanto facilmente acessíveis, sobre a Venezuela, quer da Amnistia Internacional - vg. os relatórios da Amnistia “Amnesty International Report 2016/17- The State of the World's Human Rights – Venezuela”, consultável em https://www.ecoi.net/en/document/1394323.html ou “VENEZUELA 2017/2018”, consultável em https://www.amnesty.org/en/countries/americas/venezuela/report-venezuela - que indicam a falta de comida e medicamentos e a violência crescente na Venezuela como uma situação real e de grande gravidade.
As informações constantes naqueles relatórios são igualmente confirmadas pelas notícias dadas pela comunicação social, que vão indicando que a má situação social e económica da Venezuela tem vindo a agravar-se de dia para dia - cf. neste sentido, “Crise humanitária na Venezuela assusta os países vizinhos”, consultável em https://www.tsf.pt/internacional/interior/crise-humanitaria-na-venezuela-assusta-os-paises-vizinhos-9107845.html; “Venezuela: 89,5% da população sem rendimento para necessidades básicas”, consultável em http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/venezuela-895-da-populacao-sem-rendimento-para-necessidades-basicas-270975; “Organização de direitos humanos pede a Maduro que proteja país da fome”, consultável emhttps://www.dn.pt/mundo/interior/organizacao-de-direitos-humanos-pede-a-maduro-que-proteja-a-venezuela-da-fome-9091928.html; “Maduro tornou Venezuela num dos países mais pobres do mundo”, consultável em http://www.dnoticias.pt/mundo/maduro-tornou-venezuela-num-dos-paises-mais-pobres-do-mundo-XF2698426; “Fome está a fazer os venezuelanos perder peso de forma preocupante” consultável em https://www.publico.pt/2018/02/21/mundo/noticia/crise-economica-e-fome-causa-perda-de-peso-preocupante-a-venezuelanos-1804040; “Desnutrição mata 18 crianças num hospital venezuelano”, consultável em http://www.tvi24.iol.pt/internacional/fome/desnutricao-mata-18-criancas-num-hospital-venezuelano; “A Venezuelan Refugee Crisis”, consultável em https://www.cfr.org/report/venezuelan-refugee-crisis; “Venezuela: Dire living conditions worsening by the day, UN human rights experts warn”, consultável em https://reliefweb.int/report/venezuela-bolivarian-republic/venezuela-dire-living-conditions-worsening-day-un-human-rights; ou “Venezuela's refugee crisis will exceed Syria's; we must help”, consultável em http://thehill.com/opinion/international/373132-venezuelas-refugee-crisis-will-exceed-syrias-we-must-help.
É jurisprudência pacífica que o ónus da prova dos pedidos de asilo e protecção subsidiária compete ao respectivo requerente (cf. Acs. do STA n.º 01395/02, de 17-06-2004 n.º 01680/02, de 21-05-2003, n.º 047969, de 04-06-2002 ou n.º 044462 de 05-06-2000).
Apreciados os autos, é flagrante que a A. e ora Recorrente cumpriu deficientemente os seus ónus de prova relativamente à indicação da concreta situação político-económico e social da Venezuela. Quer na PI, quer neste recurso, a A. e ora Recorrente limitou-se a invocar a sua situação pessoal e a fazer alegações um tanto abstractas, desprovidas de concretização e de suporte quanto àquela situação político-económico e social, nada referindo quanto à existência de outros relatórios elaborados por organizações internacionais que pudessem atestar a realidade que se vive na Venezuela, ou sem indicar a existência de outros relatos e notícias oriundos da comunicação social. Basicamente, a A. e Recorrente bastou-se com as investigações feitas pelo SEF e remete para as mesmas, discordando que dos relatórios indicados pelo SEF não se deva concluir pela existência de uma situação que clame pela atribuição da protecção subsidiária, para si e para o seu filho.
No entanto, não obstante a prova da realidade vivida na Venezuela não ter sido feita cabalmente pela A. e ora Recorrente, como era seu ónus, porque aqui se está frente a um direito de asilo e de protecção subsidiária, o indicado ónus terá de ser atenuado, ou não poderá ser tido como preclusivo do direito da A. a ver essa mesma realidade apurada para além dos seus esforços, primeiro pela Administração e depois, pelo próprio Tribunal. Ou seja, nestes processos, ainda que a A. e Recorrente seja deficiente no cumprimento do ónus do dispositivo e de apresentação de prova, porque estão em causa direitos fundamentais, de asilo e protecção subsidiária, aquela deficiência processual não deve fazer precludir o direito da A. de ver a sua pretensão apurada de acordo com as informações que se tenham por possíveis de alcançar pelo Tribunal no uso dos seus poderes oficiosos e inquisitórios. Exigir-se-á ao Tribunal, aquando da tramitação em 1.º instância, na fase de instrução, não só que se guie por um princípio de verdade material, mas, ainda, que faça uso dos supra-citados poderes para apurar a situação existente no país de retorno, para assim enquadrar o pedido de protecção subsidiária.
Conforme os art.ºs. 18.º, n.ºs. 1 e 2, da Lei de Asilo e art.º 46.º, n.º 3, da Directiva Procedimentos, nestas matérias prevalecem os princípios da oficiosidade e do inquisitório, pelo que se exige à primeiro à Administração – ao SEF - e depois, se necessário, ao juiz, que investiguem acerca de toda a informação disponível sobre a situação político-económica-social do país de origem, devendo fazê-lo “junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de asilo, o ACNUR, e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido “.
Nos termos do art.º 41.º, n.º 2, da Lei de Asilo, existindo uma mudança das circunstâncias inicialmente apuradas tais informações devem também serem consideradas supervenientemente.
Como acima se indicou, no caso sub judice, no correspondente procedimento administrativo, o apuramento da concreta situação político-económica-social da Venezuela foi feito muito superficialmente, porquanto o pedido da A. foi tramitado de forma acelerada, ao abrigo do art.º 19.º da Lei de Asilo. Por seu turno, interposta a presente acção, a A. não cuidou de juntar aos autos mais prova para atestar a actual situação da Venezuela, limitando-se a transcrever o que já advinha da prova junta pelo SEF. Tomando por base apenas os dados que já constavam dos autos, na decisão recorrida considerou-se não estarem preenchidos os requisitos exigidos pelo art.º 7º da Lei n.º 27/2008, de 30.06.
A concessão de autorização de residência por razões humanitárias, nos termos do citado art.º 7.º implica a integração do conceito “razões humanitárias”, que fora dos casos de erro manifesto, grosseiro ou de facto, remete para competências discricionárias, que só à Administração competem formular (cf. neste sentido, entre muitos, os Acs. do STA de 14-06-2000, Proc. n.º 45635, de 26-10-2002, Proc. n.º 44848, de 07-02-2001, Proc. nº 44852, em http://www.dgsi.pt/jsta).
No caso em apreço nos autos, da prova junta, não se pode concluir pela existência de um erro manifesto, grosseiro ou de facto, na não integração do pedido da A. e ora Recorrente na situação do art.º 7º da Lei n.º 27/2008, de 30.06.
Para proceder a tal integração, como a ora Recorrente pretende neste recurso, teria que resultar provado nestes autos, de forma inequívoca, manifesta, que ocorria aqui uma “razão humanitária” que exigiria a concessão da autorização de residência em seu favor, porque uma vez regressada à Venezuela, a requerente e o seu filho, deparariam com uma situação de “sistemática violação dos direitos humanos”, ou ficariam em risco de “sofrer ofensa grave”.
Como já se disse, a A. e Recorrente não cuidou de fazer tal prova, nem procedimentalmente, nem agora em sede de recurso, tal como era seu ónus. Por seu turno, o SEF apreciou a situação em termos procedimentais de forma um tanto superficial, porque a considerou no âmbito do procedimento abreviado do art.º 19.º da Lei de Asilo e a decisão recorrida foi proferida sem mais aprofundamentos instrutórios.
Portanto, ainda que nas alegações de recurso a A. e Recorrente venha dizer que a decisão do SEF foi errada, por estarem verificadas as circunstâncias factuais para lhe ser atribuída a protecção humanitária, assim arguindo, ainda que implicitamente, um erro nos pressupostos de facto relativamente a esta parte da decisão sindicada, a verdade é que da arguição da A. e Recorrente e da prova que juntou aos autos não é possível concluir pela existência de tal erro com relação a essa decisão.
Quanto ao julgamento da matéria de facto, a Recorrente não o impugna.
No entanto, tal como já se expendeu anteriormente, com base na factualidade apurada nos autos e do acervo de informação que tem vindo a público sobre a Venezuela, sobre a falta de comida e medicamentos, sobre a difícil situação político-económica e social e a crescente violência que ali se vive - que serão factos que a generalidade das pessoas, regularmente informadas, têm conhecimento, podendo, nessa medida, rotular-se de factos notórios e do conhecimento geral (cf. art.º 412.º do CPC) – é manifesto que a decisão do SEF que subsumiu o pedido da A. e ora Recorrente no art.º 19.º,n. º 1, als. e) e h), da Lei n.º 27/2008, de 30.06, está errada.
A simples existência dos supra-mencionados relatórios e respectivo conteúdo, associada ao relato da A. e ora Recorrente e à circunstância de a A. ter um filho de tenra idade, para quem também pediu protecção subsidiária, são seguramente razões pertinentes e relevantes para o mencionado pedido de protecção.
O relato inicial da A. e ora Recorrente quanto à situação político-social e económica da Venezuela foi sendo também corroborado nas notícias veiculadas nos órgãos de comunicação social, que de dia para dia vão apontando a situação daquele país como mais gravosa.
Ou seja, atendendo ao concreto pedido da A. e ora Recorrente, à sua situação familiar, ao conteúdo integral dos relatórios da UNHCR e da Human Rights Watch, indicados na INF 876/GAR/17, do SEF, e ainda, às demais informações, que são públicas, sobre a Venezuela, haverá um erro manifesto na decisão do SEF de fazer subsumir o pedido da A. e ora Recorrente na tramitação acelerada do art.º 19.º da Lei do Asilo.
No caso, exigia-se ao SEF a apreciação do pedido da A. e Recorrente ao abrigo do procedimento “normal” do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, procedendo a maiores averiguações acerca da actual situação político-económica e social da Venezuela. Caberia ao SEF, fazendo-se valer dos seus poderes oficiosos e inquisitórios, investigar acerca de toda a informação disponível sobre a situação político-económica-social da Venezuela e depois apreciar essa mesma situação considerando as circunstâncias concretas da A. e ora Recorrente e do seu filho, para então integrar o conceito de protecção por “razões humanitárias”.
Em sentido semelhante, também com relação à situação vivida na Venezuela, já decidiu este TCAS no Ac. n.º 409/17.0BELSB, de 30-08-2017, ai se julgando, nomeadamente, que a informação que estava disponível ao SEF sobre a Venezuela abonava em favor da credibilidade e consistência dos factos relatados pelo requerente da protecção, considerando-se ilegal a decisão do SEF que fez tramitar o correspondente pedido de protecção internacional nos termos abreviados do art.º 19.º da Lei de Asilo.
Em suma, no caso ora em apreço, frente ao relato da A. e ora Recorrente, às informações juntas aos autos e aos relatórios internacionais para os quais se remete, considerando ainda as demais informações que são públicas sobre a situação político-económica-social na Venezuela, ter-se-á de entender que a decisão do SEF, que enquadrou o pedido da A. e ora Recorrente na als. e) e h) do n.º 1 do art.º 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, está manifestamente errada nos seus pressupostos de facto, padecendo de um vício de violação de lei, pois, no caso, as razões que são invocadas para o pedido de protecção subsidiária, para a requerente e seu filho, são pertinentes e relevantes, pelo que não visam, também, unicamente, atrasar ou impedir a sua extradição.
Ou seja, a decisão recorrida terá de ser anulada porque aplicou ao pedido da requerente, erradamente, o rito procedimental do art.º 19.º da Lei de Asilo, fazendo-o tramitar de forma acelerada, quando o mesmo havia de ter sido tramitado nos termos do art.º 18.º da referida Lei.
No caso, exigir-se-ia ao SEF que procedesse a maiores investigações acerca da actual situação da Venezuela junto “de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes”, para, depois, ponderar o caso concreto – as circunstâncias pessoais da requerente e do seu filho – à luz das informações que tenha obtido, cumprindo o exigido no citado art.º 18.º da Lei de Asilo.
Há, portanto, que revogar a decisão recorrida e anular o acto da DN do SEF, de 21-08-2017, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária formulado pela A. e ora Recorrente, para si e para o seu filho, e determinar ao SEF a retoma do indicado procedimento, que deve ser tramitado nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, averiguando-se sobre a situação político-económica-social na Venezuela e ponderando-se a concreta situação da requerente do pedido de protecção subsidiária e do seu filho.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e em substituição,
- anula-se o acto da DN do SEF, de 21-08-2017, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária formulado pela A. e ora Recorrente, para si e para o seu filho, por padecer de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, por ter aplicado erradamente o art.º 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, tramitando abreviadamente tal pedido, assim como, determina-se, que o SEF retome o indicado procedimento, fazendo-o tramitar nos termos do art.º 18.º da referida lei, averiguando-se sobre a situação político-económica-social na Venezuela e ponderando-se, a essa luz, a concreta situação da requerente do pedido de protecção subsidiária e do seu filho;
- sem custas por isenção objectiva (cf. art.º 84.º da Lei nº 27/2008, de 30-06).

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018.

(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)