Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:376/18.3BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:04/08/2021
Relator:LINA COSTA
Descritores:RESPONSABILIDADE
COMPETÊNCIA MATERIAL
MAU FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA
ERRO JUDICIÁRIO
Sumário:A alegação pelo autor da falta de notificação do depósito a si ou à sua mandatária, no arquivamento do processo judicial, em referência nos autos, sem conhecimento das excepções que entende serem de conhecimento oficioso, emerge do invocado mau funcionamento da administração da justiça pelo tribunal onde o mesmo tramitou, enquadrável no disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 4º do ETAF e não em erro judiciário;
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

A....., autor nos autos de acção administrativa de responsabilidade civil instaurada contra o Estado Português, inconformado veio interpor recurso jurisdicional do despacho que dispensou a audiência prévia e do saneador-sentença, de 15.12.2020, que julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [doravante apenas TAF de Loulé] materialmente incompetente e, em consequência absolveu o demandado da instância.

O Ministério Público, em representação do Recorrido, apresentou contra-alegações.

Foi proferida decisão sumária pelo relator que concedeu provimento ao recurso interposto, revogou o despacho saneador sentença recorrido por o TAF de Loulé ser materialmente competente para conhecer da acção, e ordenou a baixa dos autos para prosseguir os seus termos, reiniciados com a prolação de despacho sobre a audiência prévia, se a tal nada obstar.

O Ministério Público, em representação do Recorrido, reclamou para a conferência, requerendo que seja proferido Acórdão em Conferência, após prévio cumprimento do disposto no artigo 652º, nº 3 in fine, do Código de Processo Civil.

Notificado para o efeito, o Recorrente não apresentou resposta.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636º, nº 1 do mesmo Código, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. Ou pode apenas requerer que sobre a matéria recaia acórdão, ao abrigo do mencionado nº 3 do artigo 652º, como se verifica no presente caso.
A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo Recorrente, agora reclamado, em sede de conclusões do recurso, fazendo retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior à decisão sumária proferida porque são as conclusões da alegação de recurso que fixam o thema decidendum.

Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «
«1. O Autor, ora Recorrente apresentou a presente acção administrativa comum emergente de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado Português peticionando o pagamento de 200,00€/mês desde o momento do arquivamento da ação judicial n.º 1437/04.1TBFAR acrescidos de juros a contar da citação até efetivo e integral pagamento e a condenação do Réu no pagamento de indemnização ao Autor por danos morais a liquidar em execução de sentença.
2. O Réu Estado Português representado pelo Ministério Público apresentou contestação, tendo deduzido defesa por exceção e por impugnação.
3. E o Autor, ora Recorrente deduziu réplica às exceções invocadas.
4. Notificado do despacho datado de 03-11-2020 que dispensou a audiência prévia e para querendo alegar por escrito nos termos do disposto no artigo 91.º-A do CPTA, o Autor apresentou recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora e apresentou alegações por escrito.
5. Por despacho datado de datado 15-12-2020 foi dispensada a audiência prévia e foi julgado o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé materialmente incompetente para a apreciação do presente litígio e, consequentemente, absolveu o Demandado, o Estado, da instância.
6. O Autor ora Recorrente não se conforma com o despacho recorrido em primeiro lugar porquanto somos do entendimento que se afigura essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a produção de prova, nomeadamente da prova testemunhal indicada.
7. Os factos carreados para os autos carecem de produção de prova, não se encontrando os presentes autos em condições para serem decididos sem que seja produzida qualquer diligência probatória.
8. Assim como não pode ser dispensada a realização de audiência prévia ao arrepio do disposto nos artigos 87.º-A e 87.º-B do CPTA.
9. O despacho recorrido é nulo viola o disposto no artigo 87.º-A do CPTA, a nossa jurisprudência dominante e bem assim as finalidades da audiência prévia.
10. Termos em que e atento o supra exposto deverá o despacho recorrido ser declarado nulo e consequentemente deverá ser proferido outro que ordene a realização de audiência prévia em obediência ao disposto no artigo 87.º-A do CPTA.
11. Sem prescindir, o ora recorrente não se conforma com o despacho-saneador que julgou que estamos perante matéria cuja competência pertence aos tribunais comuns dirimirem, sendo certo que é à jurisdição administrativa que incumbe julgar os presentes autos.
12. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que o pedido efectuado pelo Autor é um pedido de condenação do Estado Português por erro judiciário ocorrido no processo n.º 1437/04.1TBFAR, resultando expressamente da petição inicial e da causa de pedir que o Autor visa responsabilizar o Estado Português por acto praticados pelos seus agentes, in casu por omissão.
13. Sendo certo que no presente caso concreto o Autor não pretende responsabilizar Juízes e magistrados por erro judiciário, uma vez que a causa de pedir e os factos que originaram a responsabilidade do Réu Estado Português assentam em factos ilícitos imputados a um órgão da administração no exercício da actividade estranha à função de julgar.
14. E repare-se que a competência dos tribunais administrativos só está excluída quando esteja em causa acções de responsabilidade contra magistrados que envolvem erro judiciário e que se reportem a juízes de outra jurisdição que não a administrativa.
15. Pelo que se conclui que no presente caso concreto são os Tribunais Administrativos a jurisdição materialmente competente.
16. A sentença recorrida viola assim o disposto no artigo 1.º, n.º 1 e o artigo 4.º, n.º 1, alínea g) ambos do ETAF e bem assim os preceitos constitucionais vertidos nos artigos 211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3 da nossa Constituição.
17. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser declarado materialmente competente a jurisdição administrativa para conhecer do pedido do Autor, seguindo os presentes autos os seus ulteriores termos.».
Requerendo a final:
«Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e ser o despacho recorrido declarado nulo consequentemente deverá ser proferido outro que ordene a realização de audiência prévia em obediência ao disposto no artigo 87.º- A do CPTA e deverá ser declarado materialmente competente a jurisdição administrativa para conhecer do pedido do Autor, seguindo os presentes autos os seus ulteriores termos, assim se fazendo justiça!.».

O Ministério Público, em representação do Recorrido, apresentou as seguintes conclusões:
«1. O Autor demandou o Estado Português alegando que, acção n.º 1437/04.1TBFAR, que correu os seus termos no segundo juízo cível do tribunal de Faro, não foi notificado das decisões proferidas e que o deveria ter sido, e que por isso lhe é devida uma indemnização;
2. Na referida acção o Autor apresentou requerimentos a alegar isso mesmo, o que foi indeferido por despacho do Mm. Juiz.
3. O que está em causa, portanto, é a prática de actos jurisdicionais no âmbito de um processo cível que correu termos num Tribunal Judicial;
4. Nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 3, al. b), o ETAF, o TAF não tem competência para conhecer e apreciar “decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal”;
5. A incompetência material do Tribunal constitui uma excepção dilatória, nos termos do disposto no art.º 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. a), do CPTA, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância;
6. Nos termos do disposto no art.º 87.º-B, n.º 1, do CPTA, a audiência prévia não deve (rectius, não pode) ser realizada quando seja notória a procedência de uma excepção dilatória;
7. Assim, não haveria que realizar audiência prévia, devendo antes ser proferido despacho saneador – sentença a determinar a absolvição do Estado do pedido, o que foi feito.
8. Não foi violado, por isso, qualquer preceito legal, devendo a decisão ora em crise ser mantida nos seus precisos termos, assim se fazendo a acostumada Justiça!».

A decisão do relator foi a que se segue:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se o tribunal recorrido errou:
i) ao dispensar a audiência prévia e se o correspondente despacho deve ser declarado nulo por violar o disposto no artigo 87º-A do CPTA,
ii) ao declarar o TAF de Loulé materialmente incompetente por considerar que o litígio a dirimir respeita a erro judiciário de tribunal judicial.

Começando a apreciação pela questão referente à incompetência material, por preceder a de quaisquer outras (cfr. o artigo 13º do CPTA), da fundamentação de direito da decisão recorrida extrai-se o seguinte:
«(…)
Pelos presentes autos pretendo o Autor a condenação do Estado “no pagamento ao Autor de 200,00€/mês desde o momento do arquivamento da ação judicial n°. 1437/04.1TBFAR até à presente data, acrescido de juros à taxa legal a contar da citação até efetivo e integral pagamento, e ser ainda o Réu condenado a pagar ao Autor indemnização por danos morais a liquidar em execução de sentença”.
Examinando a causa de pedir, verifica-se, em suma, a seguinte alegação:
- O Autor adquiriu um terreno, tendo disso dado conhecimento ao seu partilheiro;
- O referido partilheiro apresentou acção judicial – no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, e que recebeu o número 1437/04.1TBFAR – tendo depositado o valor do terreno à ordem do tribunal;
- Tal depósito não foi notificado ao Autor ou ao seu mandatário;
- O processo foi arquivado, sem ter sido notificado ao Autor;
- “17) Com a atuação descrita o Tribunal e os seus funcionários não cumpriram a lei, não notificando o Autor. 18) Nem vieram a conhecer das excepções que se impunham e que são do conhecimento oficioso do Tribunal concedendo ao Autor o reconhecimento da propriedade”;
- As faltas de notificação e o arquivamento são da responsabilidade do Tribunal e dos seus agentes, logo do Estado;
- “26) O Autor tem assim em termos de prejuízos não tendo a posse do bem nem a compensação pelo mesmo no valor de 5.000,00€. 27) Por danos morais a ser estabelecido no valor de 200.00€ por cada mês de atraso do Tribunal
Em resumo, o Autor alega que a decisão de arquivamento, sem apreciação das excepções de conhecimento oficioso, e a omissão de notificação dos trâmites processuais, ocorridos no sobredito processo 1437/04.1TBFAR, lhe impuseram prejuízos, dos quais pretende ressarcimento.
A questão material controvertida, tal como apresentada na petição inicial, é, então, a responsabilidade civil extracontratual do Estado, por erro judiciário ocorrido no processo 1437/04.1TBFAR, designadamente a decisão de arquivamento dos autos, a não apreciação de excepções de conhecimento oficioso e a omissão de notificação das decisões tomadas no processo.
Ora, tal matéria encontra-se excluída da competência dos tribunais administrativos e judiciais, uma vez que, em face da forma concreta como é configurada a acção na petição inicial, estamos perante matéria cuja competência pertence aos tribunais comuns dirimirem.
Isto porque “Os tribunais administrativos são os tribunais competentes para o conhecimento de litígios emergentes de relações jurídico-administrativas e fiscais, nomeadamente para o conhecimento dos litígios elencados no art.º 4.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF (cf. art.ºs. 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 1.º do ETAF). Mas a competência dos tribunais administrativos está também delimitada pelas exclusões previstas nos nº 3 e 4 daquele art.º 4.º do ETAF. Assim, no art.º 4.º, n.º 3, al. b), do ETAF, determina-se que está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal. Consequentemente, por força da indicada exclusão, esta jurisdição é materialmente incompetente para conhecer de um pedido de indemnização por erro judiciário cometido pelos TL, TRL e STJ. [in casu, o Tribunal Judicial da Comarca de Faro] […] Em suma, a decisão recorrida está totalmente certa pelo que se acompanha a mesma quer na sua fundamentação, quer no seu sentido decisório e designadamente quando ali se refere o seguinte: ”Para saber se uma ação fundada em erro judiciário está, ou não, na esfera da competência material dos tribunais administrativos o que é determinante é aferir se a concreta ação judicial, à qual é imputada o erro judiciário, se insere no âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, único caso em que será da competência dos tribunais administrativos. Caso contrário, e tendo a ação judicial em causa sido julgada nos tribunais comuns, a competência do tribunal para apreciar a responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro judiciário, no exercício da função jurisdicional, também será desses tribunais comuns e não dos tribunais administrativos, atenta a norma de exclusão supra referida e a competência residual da jurisdição administrativa prevista no n.º 1 do art.º 40º da Lei nº 62/2013, de 26/8 – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ). Esta posição está sufragada pela nossa jurisprudência, de modo pacífico (Vd., entre outros, Ac. TCAS de 24/10/2013, proc. n.º 09574/12, Ac. TCAN de 04/03/2016, proc. n.º 01379/14.2BEBRG). Assim, conclui-se que, no caso vertente, estamos, em parte, perante ação de responsabilidade civil fundada em erro judiciário, alegadamente cometido em processo que correu os seus termos nos tribunais comuns, e não num tribunal administrativo. Em consequência, verifica-se a previsão contida no artigo 4º, n.º 4, al. a) do ETAF, razão pela qual se conclui pela incompetência material do tribunal administrativo para conhecer e decidir parte do presente litígio, apenas quanto ao erro judiciário (e não no que respeita ao atraso na justiça, o qual é da competência deste Tribunal). A incompetência absoluta em razão da matéria configura uma excepção dilatória insuprível que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância (cfr. artigos 89º, nº 2 e nº 4, al. a) do CPTA). Contudo, “no caso sub judice”, a citada incompetência material é parcial, apenas quanto ao erro judiciário, prosseguindo os autos relativamente ao atraso na justiça (correspondente ao pedido e causa de pedir referido supra em 2.). Por esta razão e porque os presentes autos não são cindíveis, não se mostra possível a remessa ao tribunal competente, a que alude o artigo 14.º, n.º 2 do CPTA, sendo certo que o Autor tem o benefício da concessão do prazo, conforme expressamente previsto no artigo 14.º, n.º 3 do CPTA, o que significa que, para efeitos da propositura da nova ação nos tribunais comuns, “a petição considera-se apresentada na data do primeiro registo de entrada, para efeitos da tempestividade da sua apresentação” [Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Janeiro de 2019, processo 2798/16.5BELSB-S1].
Dito de outra forma, “dos factos elencados pela Seguradora, aqui Recorrente, como causa de pedir, extrai-se que o mesmo funda a sua pretensão indemnizatória na prática de atos consubstanciados e qualificados como erros judiciários da responsabilidade do juiz titular do processo em 1ª instância, no exercício da sua função jurisdicional, […] Do modo como a petição se mostra configurada e redigida, resulta que os erros invocados, independentemente da sua verificação, terão alegadamente resultado do exercício da função de julgar, por parte do juiz de 1ª instância do Tribunal de Viana do Castelo, sendo assim erros “in judicando”. De facto na al. a) daquele nº 3 expressamente se exclui a competência dos TAF para julgarem os casos, como os que na presente lide se configuram, quando dispõe que “Ficam igualmente excluídas do âmbito dada jurisdição administrativa e fiscal a apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, bem como das correspondentes ações de regresso.” Consideramos, assim, que, atenta a forma como a ação vem configurada e a factualidade descrita na PI, da qual faz derivar o seu pedido de indemnização contra o Estado, em sede de responsabilidade civil extracontratual, pedindo a sua condenação solidária numa indemnização, com fundamento em factos cometidos por juiz no exercício da sua função jurisdicional, os atos ou omissões, aos quais atribui efeitos danosos no seu património, são caracterizados como jurisdicionais, na medida em que derivam do exercício do poder decisório do juiz, quer por ação, quer por omissão e pela sua influência no desfecho do processo. Efetivamente, a responsabilidade que é assacada ao Estado, assenta predominantemente na verificação de um conjunto de atos e omissões do referido juiz, no âmbito da sua função de julgar, razão pela qual a competência para conhecer da presente ação será dos tribunais judiciais/comuns” [Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 04 de Março de 2016, tirado no processo 01379/14.2BEBRG]
Também os Tribunais Comuns se têm pronunciado sobre esta matéria, citando-se, entre muitos, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01 de Outubro de 2015, referente ao processo 6982/13.5TBBRG.G1, em cujo sumário se lê que “2 – Sendo a causa de pedir um facto ilícito imputado a um juiz no exercício da sua função jurisdicional (na sua função de julgar) serão competentes os tribunais judiciais, para o conhecimento de ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado. 3 – O pedido de indemnização por responsabilidade civil decorrente do erro judiciário, deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente – artigo 13.º, n.º 2 da Lei n.º 67/2007 de 31/12”.
Da leitura da petição inicial constata-se que o Autor pretende responsabilizar o Estado pela – no seu entendimento – má actuação do Juiz da causa, pretendendo ser indemnizado dos prejuízos daí decorrentes.
Está, portanto, em causa uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado, por erro judiciário.
Assim, o litígio em causa está excluído da competência dos tribunais administrativos, competindo aos tribunais judiciais a competência para o julgamento da causa, conforme esta vem delineada.
Conclui, assim, este Tribunal pela absolvição do Demandado da presente instância por verificação da incompetência absoluta em razão da matéria, nos termos do artigo 14º, número 2 do CPTA e artigos 96º, alínea a), 99º, e 278º, número 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA.».

Alega o Recorrente que o tribunal recorrido errou ao considerar que a sua pretensão consiste num pedido de condenação do Estado português por erro judiciário ocorrido no processo nº 1437/04.1TBFAR, quando resulta expressamente da petição inicial e da causa de pedir que visa responsabilizar o Estado por acto ou mais concretamente pela omissão ilícita que imputa aos seus agentes, a um órgão da administração no exercício da actividade estranha à função de julgar, e não responsabilizar juízes ou magistrados.

No que entendo que lhe assiste razão.
Resulta, efectivamente da petição inicial que o Recorrente fundamenta a sua pretensão na alegação de falta de notificação do depósito a si ou à sua mandatária, no arquivamento do processo nº 1437/04.1TBFAR sem conhecimento das excepções que entende serem de conhecimento oficioso, a saber, no invocado mau funcionamento da administração da justiça pelo tribunal onde o mesmo tramitou, o que se enquadra no disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 4º do ETAF.
A exclusão do âmbito da jurisdição administrativa, prevista nas mencionadas alínea b) do nº 3 e na alínea a) do nº 4, do mesmo artigo 4º, exige erro judiciário que é “o erro evidente na determinação, interpretação ou aplicação dos factos ou do direito cometido por um juiz no exercício da função de julgar, ou seja, é um erro evidente constante de uma decisão da autoria de um juiz destinada a resolver um litígio de interesses entre sujeitos (cfr. art. 202º, da CRP) – também neste sentido, João Aveiro Pereira, A Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, 2001, pág. 189 [“Ademais, o erro, sendo consequência de uma anomalia da percepção subjectiva do juiz, confina-se às decisões deste”], e Luís Guilherme Catarino, A Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça, 1999, pág. 233.”, e que o mesmo tenha sido cometido por juiz dos tribunais judiciais - v. o acórdão deste TCA de 23.10.2014, no proc. 08088/11, idem [sublinhados meus].
A jurisprudência do Tribunal dos Conflitos sobre a matéria é pacífica e reiterada no sentido de que: “(…) estando em causa a responsabilidade emergente da função de julgar, a competência cabe aos tribunais judiciais, pois os actos e actividades próprias dos juízes na sua função de julgar são praticados no exercício específico da função jurisdicional e não da função administrativa; todos os outros actos e omissões de juízes, bem como toda a actividade e actuação dos restantes magistrados, órgãos e agentes estaduais que intervenham na administração da justiça, em termos de relação com os particulares ou outros órgãos e agentes do Estado, e, portanto, sejam estranhos à específica função de julgar, inscrevem-se nos conceitos de actos e actividades administrativas ou de “gestão pública administrativa”, da competência da jurisdição administrativa (cfr. entre outros, além do supra transcrito aresto de 12-05-1994, os acórdãos deste Tribunal de Conflitos de 23-01-2001, Conflito n.º 294, e de 21-02-06, Conflito n.º 340, e, ainda, entre outros, os Acórdãos do STA de 13.02.1996, Proc. n.º 38.474, in AP DR de 31-8-98, 1095; de 15.10.98, Proc. n.º 36.811; de 12.10.2000, Proc. n.º 45.862, in AP DR de 12-2-2003, 7360; de 12.10.2000, Proc. 46.313, in AP DR de 12-2-2003, 7378; e de 22-05-2003, Proc. 532/03), cfr. acórdão, de 4/12, de 25.9.2012, disponível em www.dgsi.pt. [sublinhados meus].
No acórdão de 10.3.2011, no processo nº 13/10, o mesmo Tribunal dos Conflitos considerou respeitar “(…) à organização judiciária administrativa e não à especifica função de julgar a falta de realização de diligências de investigação sobre uma queixa crime que está na base de pedido de indemnização (…)” porque, concretamente, “(…) não se pretende sindicar nenhuma errada decisão de algum magistrado, mas sim, e efectivamente, o próprio funcionamento do sistema de justiça, enquanto lhe é imputada responsabilidade pela não actuação da acção penal, nos termos em que o autor o invocou, arquivando previamente a ter investigado, desobrigando-se de cumprir uma determinação anterior do próprio Ministério Público que determinava diligências de inquérito, pugnando por uma indemnização dos danos invocados, apenas e por causa de «omissão na investigação”.
Também na situação em apreciação o Recorrente não delimita a causa de pedir em função de uma errada decisão do juiz do processo nº 1437/04.1TBFAR [como sucede nos acórdãos indicados a título de exemplo na decisão recorrida], pedindo uma indemnização pelos danos que entende resultarem do deficiente funcionamento do tribunal, dos seus intervenientes (que, aliás, não especifica), onde o mesmo correu termos.
Em face do que procede este fundamento do recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida por o TAF de Loulé ser materialmente competente para conhecer da presente acção, atendendo aos termos em que o A./recorrente delimita a causa de pedir e o pedido.

Quanto ao despacho que dispensou a realização de audiência prévia, o mesmo foi proferido ao abrigo do nº 1 do artigo 87º-B do CPTA que dispõe: “A audiência prévia não se realiza quando seja claro que o processo deve findar pela procedência de exceção dilatória”.
A saber, a dispensa da audiência prévia teve subjacente o conhecimento pelo juiz a quo de que iria considerar o tribunal materialmente incompetente e absolver o Demandado da instância, não havendo, então e por isso, interesse processual na realização daquela diligência.
Considerando que a acção deverá prosseguir a sua tramitação no TAF de Loulé por não se verificar a referida excepção, deve ser reponderada a decisão relativamente à realização ou dispensa da audiência prévia e, consequentemente, ser proferido novo despacho que a expresse.
O que torna desnecessário prosseguir com a apreciação dos fundamentos do recurso a este propósito.

O assim decidido pelo relator é para manter.

Por tudo quanto vem exposto acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em confirmar a decisão sumária do relator [que concedeu provimento ao recurso interposto, revogou o despacho saneador sentença recorrido por o TAF de Loulé ser materialmente competente para conhecer da acção, e ordenou a baixa dos autos para prosseguir os seus termos, reiniciados com a prolação de despacho sobre a audiência prévia, se a tal nada obstar].

Custas pelo Recorrido.

Registe e Notifique.

Lisboa, 8 de Abril de 2021.

(Lina Costa – relatora que consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Carlos Araújo e Ana Paula Martins).