Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:511/13.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REVERSÃO.
GERÊNCIA EFECTIVA.
Sumário:A prova da gerência efectiva pressupõe a demonstração da prática pela revertida de actos concretos de gestão com carácter de vinculação externa da sociedade
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
Maria ………………….., na qualidade de responsável subsidiária da executada “D. ……………., Unipessoal, Lda.”, deduziu oposição à execução fiscal n.º …………..925 e apensos, instaurado pelo Serviço de Finanças de .........-1, tendo por objecto a cobrança coerciva de dívidas proveniente de IVA e IRS (retenção na fonte), do ano de 2011 e de IRC, dos anos de 2010 e 2011, no montante global de €16.623,96.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls.442 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 12 de Novembro de 2019, julgou procedente a oposição e, em consequência, determinou a extinção do processo executivo instaurado contra a Oponente.
Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 467 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), a recorrente, Fazenda Pública, alegou e formulou as conclusões seguintes:
«(…) B. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a Fazenda Pública entende, ao julgar provados os factos constantes como pontos E., F. e H. da matéria de facto provada e ao julgar que “não se provou que a Oponente contratou pessoal, contactou ou negociou com fornecedores, assinou ou emitiu facturas, efectuou pagamentos e recebimentos em nome e por conta da sociedade devedora originária”, o Ilustre Tribunal “a quo” julgou incorrectamente os pontos de facto que constam dos artigos 36.º, 37.º, 50.º e 51.º do articulado de contestação apresentado nos autos pela Fazenda Pública.
C. Em primeiro lugar, junta aos autos encontra-se a certidão permanente da sociedade denominadas “D. …………., Unipessoal Lda. – em liquidação”, obtida através do sítio na Internet com o endereço www.empresaonline.pt, mantido pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.
D. As certidões permanentes disponibilizadas electronicamente e obtidas a partir do sítio na Internet com o endereço www.empresaonline.pt, mantido pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, nos termos definidos pela Portaria n.º1416-A/2006, de 19 de dezembro, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 562/2007, de 30 de abril, pela Portaria nº 1256/2009, de 14 de outubro e pela Portaria nº 286/2012, de 20 de setembro, fazem prova para todos os efeitos legais e perante qualquer autoridade pública ou entidade privada, nos mesmos termos da correspondente versão em suporte de papel, de acordo com o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do art. 75.º do Código do Registo Comercial (vide artigo 23.º da Portaria n.º 1416-A/2006, de 19 de dezembro).
E. Assim sendo, e não tendo sido impugnada a exactidão da certidão permanente que se encontra junta aos autos, obtida Online e que atesta os factos nela inscritos, dever-se-ão os mesmos considerar provados, com força probatória plena (vide art. 368º do Código Civil), o seguinte facto, que passamos a enunciar: a) a Sociedade devedora originária obrigava-se, durante todo o período de existência que mediou entre a sua constituição e liquidação, com a assinatura de apenas um gerente, a ora Oponente.
F. Quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos), não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. artº. 607, nº5 do Código de Processo Civil.
G. Por outro lado, o teor dos artigos 49.º, 50.º e 61.º do libelo inicial, não obstante não possa valer como confissão, considerando que na procuração forense junta aos autos de primeira instância a Oponente e ora recorrida não atribui tal poder especial aos seus ilustres mandatários, não poderá, nos termos do disposto no art. 361.º do Código Civil, deixar de ser relevado como elemento probatório livremente apreciado pelo Tribunal.
H. Assim, com base no teor dos artigos 49.º, 50.º e 61.º do libelo inicial, deverão considerar-se demonstrados os seguintes factos: além dos elementos documentais que integram a cópia certificada do Processo de Execução Fiscal, a Oponente assinou outros documentos em nome e em representação da sociedade executada originária, na qualidade de gerente, vinculando-a.
I. Por outro lado, e sempre com a devida vénia, a valoração da prova testemunhal produzida nos autos de primeira instância impunha que o Ilustre Tribunal “a quo” alcançasse diferente conclusão relativamente à matéria de facto provada.
J. A testemunha D …………………… afirmou, a instâncias da Fazenda Pública, aos autos de primeira instância que era a Oponente quem assinava os cheques em nome da sociedade executada originária (inquirição de testemunhas aos 17 minutos e 40 segundos, aproximadamente).
K. Por outro lado, a testemunha F……………..afirmou aos autos de primeira instância que trabalhava na cozinha do restaurante “el .........” e nele estava presente todos os dias, identificando a Oponente como a sua “patroa”, sendo o seu testemunho revelador, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, de uma gestão exercida em conjunto pela Oponente e por D……………………., na medida em que afirma que as tarefas eram divididas entre ambos, ficando o D……………….. responsável por ir às compras, por transferir os ordenados, enquanto a Oponente era a relações públicas, atendia quem quisesse trabalhar no restaurante, estava presente à noite nos jantares e tratava de assuntos de escritório (inquirição de testemunhas aos 22 minutos e 38 segundos; aos 24 minutos e 50 segundos e a partir dos 25 minutos e 20 segundos até aos 28 minutos e 23 segundos, aproximadamente).
L. Com efeito, não obstante a testemunha F………………….não saber precisar quem tratava da contabilidade nem o que a Oponente fazia no escritório do restaurante, afirmou de forma credível e assertiva que qualquer questão de que necessitasse de reportar, reportava indistintamente a D………………….ou à Oponente, bem como se fosse preciso fazer pagamentos era qualquer um dos dois, D………………….e a Oponente, que os faziam, revelando que no dia-a-dia do restaurante estavam ambos presentes (inquirição de testemunhas, aos 27 minutos e 30 segundos; aos 27 minutos e 54 segundos; aos 26 minutos e 58 segundos; aos 27 minutos e 53 segundos; dos 31 minutos e 26 segundos até aos 31 minutos e 50 segundos e aos 33 minutos e dos 30 segundos aos 34 minutos e 6 segundos, aproximadamente).
M. Acresce ainda que, no que concerne ao testemunho de M…………………………..,
contabilista certificada da sociedade executada originária, o Ilustre Tribunal “a quo” considerou que a mesma “esclareceu também que não conhecia a Oponente e que os assuntos relacionados com a sociedade eram tratados como Sr. D…………………”.
N. Não obstante, com a devida vénia, o Ilustre Tribunal “a quo” desconsiderou por completo o facto de a testemunha não ter conhecimento directo dos factos, tendo afirmado que, no curto período de tempo em que prestou serviços de contabilidade para a sociedade executada originaria, nunca ter conhecido pessoalmente nem a Oponente nem D…………………, sendo que só contactava com a sociedade através de email, nunca tendo estado presente no restaurante, afirmando ainda que não se lembra se era D………………….. quem lhe enviava e-mails em nome da sociedade e que remeteu e-mails para a sociedade mas apenas relativamente a assuntos do IVA, sendo os restantes contactos efectuados pela sua chefe, afirmando que não recebia sequer qualquer documentação para o IVA (inquirição de testemunhas, à 1 hora, 09 minutos e 10 segundos; da 1 hora, 10 minutos e 12 segundos até à 1 hora, 11 minutos; 1 hora, 11 minutos e 15 segundos; da 1 hora, 15 minutos até à 1 hora e 18 minutos, aproximadamente).
O. Pelo supra exposto, considerando que a testemunha H……………………..não possui conhecimento directo de quem exercia efectivamente a gestão da sociedade executada originária, o seu testemunho não poderia ser valorado, como aconteceu.
P. Por este motivo, a Representação da Fazenda Pública partiu sempre do princípio de que o testemunho de Henriqueta Bernardino não iria ser relevante como motivação da decisão da matéria de facto, sendo que, apenas a decisão de primeira instância criou, pela primeira vez a necessidade de junção do documento que ora se junta às presentes alegações de recurso, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 651.º do CPC.
Q. Mais acresce que, não obstante considerar provados factos com base no testemunho de Vítor Sousa, da motivação da decisão de facto nada consta quanto à credibilidade da referida testemunha, sendo certo que não poderá deixar de relevar para a valoração da referida prova testemunhal o facto de a testemunha ter afirmado por várias vezes que tem muito fraca memória, nem sequer sabendo responder aos autos quais as funções que exercia no restaurante, factos que denotam falta de firmeza e assertividade do afirmado pela testemunha.
R. Pelo exposto, em nosso entendimento e salvo devido respeito, as provas produzidas nos autos de primeira instância a que supra aludimos são suficientes para infirmarem a conclusão de considerar como provados os factos supra enunciados, que deverão, salvo devido respeito por melhor opinião, ser aditados à matéria de facto julgada provada.
S. No que concerne concretamente à factualidade considerada não provada, discorda-se igualmente, com a devida vénia, da douta Sentença exarada que considerou, na motivação da decisão de facto que “em relação à matéria de facto não provada, a sua falta de prova deveu-se ao facto de não terem sido juntos quaisquer outros documentos demonstrativos de que a Oponente actuou, perante terceiros e AT, em actos ou contratos vinculativos para a sociedade”.
T. Com efeito, a testemunha D………………………..afirmou que era a Oponente quem assinava cheques em nome da sociedade executada originária (inquirição de testemunhas, aos 17 minutos e 36 segundos, aproximadamente).
U. Por outro lado, a testemunha F…………………..afirmou que os pagamentos que fossem necessários fazer no dia-a-dia do restaurante, nomeadamente a fornecedores, eram feitos quer por D………………..quer pela Oponente (inquirição de testemunhas, aos 27 minutos e 53 segundos, aproximadamente), mais afirmando que era a Oponente, ora recorrida, quem atendia as pessoas que quisessem trabalhar no restaurante (aos 27 minutos e 58 segundos, aproximadamente).
V. Por outro lado, com o devido respeito e salvo melhor opinião, a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” padece de erro de julgamento da matéria de direito, por violação das disposições legais dos artigos 346.º, 347.º, 361.º, 368.º e 396.º, todos do Código Civil, bem como o n.º 1 do art. 6.º, art. 411.º e n.º 5 do art. 607.º, todos do Código de Processo Civil, assim como a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da Lei Geral Tributária e o n.º 1 do art. 64.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do art. 252.º, art. 259.º e n.ºs 1 e 4 do art. 260.º, todos do Código das Sociedades Comerciais.
W. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo relações jurídicas com outros sujeitos de direito.
X. Não explicitando a lei no que consiste a gerência, vem a doutrina e a jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam actos de disposição ou de administração, de acordo com o objecto social da sociedade, em nome e representação desta, vinculando-a perante terceiros, atentos os contornos normativos que dela é feita nos arts. 252°, 259° e 260° do Código das Sociedades Comerciais.
Y. O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Acórdão do TCA Sul-2.ª Secção, 8/5/2012, proc. 5392/12; Acórdão do TCA Sul-2.ª Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Z. Pelo exposto, impõe-se, desde logo, a todo aquele que assuma uma tal qualidade, que assuma uma postura responsável e ponderada, no desempenho das suas funções, por forma a que aquela corresponda a uma actuação que, de acordo com o exigível a um administrador criterioso, colocado em idêntica situação e dentro da inerente discricionariedade técnica, se mostre, em princípio, como adequado ao alcance dos objectivos para que a sociedade se constituiu (vide artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais)
AA. A negação do exercício da gerência de facto por parte de um sujeito de direito que aceitou, de livre vontade, ser nomeado gerente de direito de uma sociedade consubstancia uma voluntária delegação de poderes, na pessoa de outro gerente, que não o exime da sua própria responsabilidade, pois que de harmonia com o estatuído no art.64.º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes devem observar especiais deveres de cuidado, de diligência e de lealdade.
BB. Com interesse para o alcance da solução de mérito mais acertada, trazemos à colação o Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 27/10/2016, no âmbito do processo n.º 08717/15, bem como o Aresto proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 10/11/2016, no âmbito do processo n.º 0013/1.6BEBRG, por remissão para o entendimento vertido no Acórdão do STA de 10/12/2008, proferido no processo n.º 861/08.
CC. Como bem reconhece o Ilustre Tribunal de primeira instância, o facto de não existir uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
DD. Assim, com base na prova de que a Oponente tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que essa gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido.
EE. Veja-se, meramente a título de exemplo, o Aresto proferido pelo STA em 11/03/2009, no âmbito do processo n.º 0709/08 e o Aresto proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 08/06/2017, no âmbito do processo n.º 07374/14, disponíveis em www.dgsi.pt.
FF. Ora, da prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos e conforme se demonstra nas presentes alegações de recurso da matéria de facto, resulta demonstrado que a Oponente, ora recorrida, praticou actos efectivos de gerência da sociedade executada originária.
GG. A nomeação no pacto social da Oponente e ora recorrida como gerente única da sociedade executada originária, aliada ao facto de a sociedade se obrigar apenas com a sua assinatura, bem como ao facto de não se encontrar registada na conservatória do registo comercial a cessação das funções de gerente, mais considerando que a Oponente praticou, efectivamente, vários actos de gestão conhecidos, ao exteriorizar a vontade da sociedade perante terceiros, impunha que, de acordo com as regras da experiência e juízos de probabilidade, se considerasse revelado o exercício da gerência efectiva da sociedade pelo Oponente.
HH. Do acervo documental que integra os autos de primeira instância resulta demonstrado, claramente, que a Oponente desempenhava um importante papel e que a sua vontade era determinante para os destinos da sociedade devedora originária, o que se coaduna, integralmente, com o exercício da gerência de facto.
II. Veja-se, a este propósito, o Aresto proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 18/06/2013, no âmbito do processo n.º 06565/13, que apreciou factualidade muito semelhante à dos presentes autos, cujo entendimento subscrevemos na íntegra.
JJ. Em sentido idêntico decidiu, em 08/06/2017, o Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo n.º 07374/14, em 19/02/2013, no âmbito do processo n.º06097/13, e em 09/10/2007, proferido no âmbito n.º 01953/07, pelo que existe todo o interesse para a solução de mérito trazer os mesmos à colação das presentes alegações de recurso.
KK. O Ilustre Tribunal “a quo” fundamenta-se no Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 20/09/2011, no âmbito do processo n.º 04404/10, para concluir que “a prática destes actos [por referência à prova documental que se encontra junta aos autos de primeira instância], desacompanhada de melhor prova, não permite, por si só, concluir que a Oponente exerceu, de facto, as funções de gerente da sociedade devedora originária”.
LL. Com efeito, e em nosso entendimento, esta é a conclusão fulcral que o Ilustre Tribunal a quo retira da matéria de facto para concluir por uma solução de mérito que, com a devida vénia, é desacertada.
MM. E por esse motivo relevante é denotar que, perscrutado o teor do supra identificado Aresto, flagrantes são as diferenças da situação factual com que aquele TCAS se deparou e aquela que se nos apresenta nos autos de primeira instância, pois que nos presentes autos existem vários documentos que demonstram a prática de actos concretos de gerência da sociedade executada originária pela Oponente, ora recorrida, provando-se, através dos mesmos, que a Oponente tinha uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade, ou seja, que a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção da Oponente, factualidade que foi completamente esquecida e desamparada pelo Ilustre Tribunal “a quo”, ao considerar que tal prova “não permite, por si só, concluir que a Oponente exerceu, de facto, as funções de gerente da sociedade devedora originária”.
NN. Por outro lado, se a Oponente é a única gerente de direito da sociedade, a eventual gerência exercida por terceiros, in casu, por D…………………., não poderia deixar de ser considerada como uma gerência consentida por aquela.
OO. Por outro lado, é importante denotar que, pelos factos provados na douta Sentença, não se retira que D…………….tivesse poderes de representação da devedora originária.
PP. O que, pelas regras da experiência comum, apenas poderá levar à conclusão de que a Oponente, ora recorrida, contrariamente ao que alega no libelo inicial, não assinava apenas “um ou outro documento” da sociedade, mas sim todos os documentos em que fosse necessária a sua assinatura para representar e vincular a sociedade.
QQ. Ademais, e sem prescindir, sempre se diga que não é pelo facto de as testemunhas inquiridas nos autos de primeira instância reconhecerem que D…………….exercia, efectivamente, algumas funções de gerente da sociedade executada originária que impedia a Oponente, ora recorrida, de tomar decisões, porventura até em conjunto com aquele, necessárias à gestão do estabelecimento.
RR. Com efeito, admitindo-se, como o faz o Ilustre Tribunal “a quo”, que, na prática, uma sociedade possa ser gerida por pessoa que não o gerente nomeado no pacto social, não se vislumbra por que motivo, atentos os factos supra expostos - uma vez demonstrado que a Oponente efectivamente assinava documentos necessários ao giro da sociedade, efectuava pagamentos em nome da sociedade, nomeadamente a fornecedores, assinava cheques na qualidade de gerente da sociedade, atendia quem manifestasse vontade de trabalhar no estabelecimento comercial e resolucionava as questões que se levantassem por trabalhadores, no dia-a-dia do estabelecimento -, não se poderá admitir que a sociedade executada originária fosse gerida pela Oponente e por ………………….
SS. Em nosso entendimento, é a apreciação de todo o circunstancialismo de como era ultrapassada na prática a vinculação jurídica da sociedade perante terceiros que é decisiva para se poder dar como provado o não exercício da gerência de facto.
TT. Com base nos factos supra expostos, atenta a prova documental e testemunhal produzida nos autos de primeira instância, impunha-se que a acertada solução de mérito para a situação concreta, fosse a de considerar que há necessariamente elementos que, à luz das regras da experiência comum, deveriam influir no juízo de facto acerca da verificação do do exercício efectivo da gerência da sociedade executada originária pela Oponente, ora recorrida, estando, portanto, a Fazenda Pública legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º1 do art. 24.º da L.G.T., não tendo a Oponente oposto contraprova acerca de tal facto nos autos de primeira instância, de forma a tornar o mesmo duvidoso, nos termos do disposto no art.346.º do Código Civil.
X
A recorrida apresentou contra-alegações, (cfr. fls. 514 e ss., numeração do processo em formato digital - sitaf), pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do julgado sem, no entanto, formular conclusões.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«A. A Oponente, Maria ……………………., foi sócia e única gerente da sociedade unipessoal “D …………, Unipessoal, Lda.”, desde a data da sua constituição, em 05.01.2006, até à declaração de insolvência, decretada por sentença proferida a 30.01.2012 (provado por documentos, a fls. 36 e 37 do PEF apenso e 81 dos autos);
B. A sociedade referida na alínea antecedente explorava um restaurante mexicano, na praia de Carcavelos, designado por “El .........” (provado por testemunhas – cfr. depoimento de D ……………., F……………..e V…………..);
C. A Oponente foi designada gerente da sociedade referida em A. porque, à data da constituição, o seu marido, D………………………, era Director-Geral do Grupo Vila ……………e não podia exercer uma actividade concorrencial (provado por testemunha – cfr. depoimento de D……………….);
D. A decisão de abertura do restaurante dedicado à cozinha mexicana surgiu porque era um negócio da família da Oponente, tendo o irmão desta transmitido o know how à Oponente e marido (provado por testemunhas – cfr. depoimento de D……………e A…… …………..);
E. A gestão da sociedade e restaurante ficou a cargo de D …………….., que tratava de todos os assuntos relacionados com a contabilidade, aprovisionamento, contratação de pessoal, movimentos bancários, pagamentos aos trabalhadores, à Segurança Social e Finanças (provado por testemunhas – cfr. depoimento de D ………………., V …………..e A ………………….);
F. Até finais de 2011/início de 2012, o marido da Oponente nunca a pôs a par da situação financeira da sociedade, nem a informou sobre a existência de dívidas fiscais ou a terceiros, o que levou a uma quebra de confiança e ao seu divórcio (provado por testemunhas, cfr. depoimento de D………………. e A ………………, e por documento, a fls. 80 dos autos);
G. A Oponente manteve-se como única gerente da sociedade, mesmo após cessação de funções do marido no Grupo ………, que ocorreu em Abril de 2006, pela relação conjugal e de confiança mútua, mas também por ser um negócio da sua família (provado por testemunhas– cfr. depoimento de D ……………… e A ………….);
H. A Oponente era dona de casa e, esporadicamente, ia ao restaurante, onde desempenhava funções de relações públicas (provado por testemunhas– cfr. depoimento de D........ …………., V……………….e A ………..);
I. A Oponente assinou, na qualidade de gerente da sociedade referida em A., a declaração de início de actividade da sociedade, o documento particular de constituição da sociedade e, em 17.12.2009, a citação da sociedade no âmbito do PEF …………..246 e apensos, e as declarações modelo 22 de IRC, dos exercícios de 2006, 2010 e 2011 (provado por documentos, a fls. 43 a 63 do PEF apenso);
J. A Oponente, na qualidade de representante legal da sociedade devedora originária, apresentou a mesma à insolvência (provado por documento – cfr. fls. 153 a 159 dos autos);
K. Em 12.04.2011, foi autuado no Serviço de Finanças de ......... – 1, em nome da sociedade referida em A., o processo de execução fiscal n.º……………925 e apensos, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRS, de 2011, IRC, de 2010 e 2011, e IVA de 2011, no valor total de € 16.623,96 (provado por documentos – cfr. fls. 1 a 7 do PEF apenso);
L. Em 16.01.2012, foi elaborada “Informação” no Serviço de Finanças de ......... – 1, dando conta que a sociedade devedora originária não era possuidora de imóveis, nem de contas bancárias (provado por documento, a fls. 3 do PEF apenso);
M. Em 18.01.2012, o Chefe do Serviço de Finanças de ......... – 1 proferiu despacho para efeitos de audição prévia sobre o projecto de decisão de reversão, contra a Oponente, com os seguintes fundamentos: “Insuficiência/inexistência património da executada para solver dívida. Pelo que nos termos do artº 23 n 2 da LGT e artº 153º CPPT. Assim termos al b) n 1 artº 24 LGT, fica identificado como gerente e responsável subsidiário pelo pagamento.” (provado por documento, a fls. 6 e 7 do PEF apenso);
N. Através do ofício n.º 342, da mesma data, foi a Oponente notificada para efeitos de audição prévia (provado por documento, a fls. 9 do PEF apenso);
O. Por requerimento datado de 02.02.2012, a Oponente exerceu o seu direito de audição prévia, alegando, no essencial, que nunca exerceu a gerência de facto e que a mesma era exercida pelo seu marido, e arrolou testemunhas, entre as quais o seu marido, D........ ……………. (provado por documento, a fls. 13 a 19 do PEF apenso);
P. Em 11.06.2011, foi elaborada “Informação” no Serviço de Finanças de ......... – 1, na qual se afirma, na parte relevante, o seguinte:
“(…) Ora, apesar de a auditada alegar que não exerceu qualquer tipo de gerência, não produz a prova necessária, nem demonstra que a gerência foi de facto exercida pelo seu marido, o que levaria a que a reversão prosseguisse também contra ele, visto que quanto ao facto de não ter exercido ela própria a gerência, como já se defendeu, não produz qualquer prova, apenas invoca testemunhas (que serão ouvidas apenas em Tribunal e não em sede de reversão).
Pelo contrário, a AT tem fortes provas do exercício da sua gerência. As declarações foram submetidas usando a sua qualidade de gerente única e representante legal. Assim conta na Conservatória do Registo Comercial. Consta a sua assinatura na Declaração de Início de Actividade (…). O Certificado de Admissibilidade da Firma ou denominação (…) conta também (…)”. (provado por documento, a fls. 31 a 35 do PEF apenso);
Q. Em 12.06.2012, o Chefe do Serviço de Finanças de ......... – 1 proferiu despacho de reversão contra a Oponente, ao abrigo do art. 153.º, n.º 2, b) do CPPT e da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT (provado por documento, a fls. 66 do PEF apenso);
R. Através do Ofício n.º 4942, da mesma data, recebido a 03.10.2012, foi a Oponente citada por reversão, no âmbito do PEF referido na alínea K. supra (provado por documentos, a fls. 69 e 143 verso do PEF apenso).
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que://-A Oponente contratou pessoal, contactou ou negociou com fornecedores, assinou ou emitiu facturas, efectuou pagamentos e recebimentos em nome e por conta da sociedade devedora originária.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos não impugnados, bem como do depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.//O Tribunal baseou a sua convicção no facto de os únicos elementos documentais carreados para os autos pela AT, em que interveio a Oponente na qualidade de representante legal da sociedade, ser o acto de constituição da sociedade, a declaração de início de actividade e uma citação recebida a 17.12.2009, sendo o seu NIF igualmente indicado nas declarações modelo 22 de IRC apresentada, relativa ao exercício de 2006, e submetidas, informaticamente, em 2010 e 2011.//As testemunhas arroladas pela Oponente corroboraram as suas alegações e, não obstante a anterior relação conjugal com a testemunha D........ ……………, o mesmo depôs com convicção, imparcialidade e firmeza, merecendo o seu depoimento credibilidade. O mesmo sucedeu relativamente ao depoimento de M ………………….. filha da Oponente, que revelou ter um conhecimento directo dos factos, até porque chegou a trabalhar no restaurante. // Em relação à matéria de facto não provada, a sua falta de prova deveu-se ao facto de não terem sido juntos quaisquer outros documentos demonstrativos de que a Oponente actuou, perante terceiros e AT, em actos ou contratos vinculativos para a sociedade. A este respeito, a testemunha arrolada pela Fazenda Pública, D........ ………………, afirmou categoricamente que foi o próprio, pela sua experiência na área de negócio, que assumiu a gestão corrente da sociedade devedora originária, tratando de todos os assuntos relacionados com pessoal, pagamentos a fornecedores e preparação da contabilidade. Disse também que decidia a quem pagar e se eram efectuados os pagamentos às Finanças, tendo esclarecido que, perante as dificuldades, optou por pagar aos funcionários, para assegurar o funcionamento do restaurante. M ……………………, contabilista certificada da sociedade no período de 2010 e 2011, esclareceu também que não conhecia a Oponente e que os assuntos relacionados com a sociedade eram tratados com o Sr. D........ …………..//Muito embora a testemunha arrolada pela Oponente, F ……………….., tenha afirmado que a Oponente era a sua “patroa” e que, se necessitava de alguma coisa, se dirigia indistintamente à Oponente ou ao Sr. D........, a mesma esclareceu que a Oponente apenas dava assistência às pessoas durante os jantares e que atendia as pessoas que iam para lá trabalhar, não identificando quaisquer outras funções relativas à representação ou vinculação da sociedade.»
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento na determinação da matéria de facto em que terá incorrido a sentença recorrida, ao considerar não demonstrado o pressuposto do exercício da gerência efectiva da sociedade devedora originária por parte da recorrida.
A sentença julgou procedente a oposição, determinando a extinção da execução quanto à oponente. Considerou, em síntese, que, «[c]omo resulta da matéria de facto provada nos autos, a Oponente era sócia-gerente da devedora originária, que era uma sociedade unipessoal (cfr. alínea A. dos factos provados). // Decorre ainda da prova constante dos autos que a Oponente, na qualidade de representante legal da devedora originária, assinou a declaração de início de actividade da sociedade, o documento particular de constituição da sociedade, em 17.12.2009, a citação da sociedade no âmbito do PEF …………………..246 e apensos, e apresentou as declarações modelo 22 de IRC, dos exercícios de 2006, 2010 e 2011 (cfr. alínea I. dos factos provados). Por outro lado, a Oponente, nessa mesma qualidade, apresentou a sociedade à insolvência (cfr. alínea J. dos factos assentes). // No entanto, a prática destes actos, desacompanhada de melhor prova, não permite, por si só, concluir que a Oponente exerceu, de facto, as funções de gerente da sociedade devedora originária (…). // Na verdade, estes actos teriam de necessariamente de ser por si subscritos e assinados, por ser a mesma quem tinha poderes para o efeito, por ser a única gerente da sociedade. (…) // Neste caso concreto, a Oponente afirmou, claramente, que todos esses actos de vinculação e representação da sociedade eram praticados pelo, à data, seu marido, tendo logo em sede de audição prévia sustentado essa posição e, para tanto, arrolou testemunhas, entre as quais, o próprio marido (cfr. alínea O. dos factos provados)».

2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Imputa-lhe erro na determinação da matéria de facto, porquanto existem elementos nos autos que suportam a asserção do exercício efectivo da gerência, por parte da recorrida, no período relevante.
Apreciação. Está em causa a cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRS, de 2011, IRC, de 2010 e 2011, e IVA, de 2011 (alínea K). A reversão foi determinada ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT (alínea Q).
Dispõe o artigo 24.º, n.º1, da LGT, que «[o]s administradores, directores e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: // a) Pelas dívidas tributárias cujo facto se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação».
A este propósito cumpre referir que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência de gestão de facto. Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)» (1). O que importa não é a relação jurídico-civil entre o oponente e a sociedade, mas antes a relação entre ele e a vida da sociedade, a ponto de se poder comprovar a imediação entre a vontade por si externada e a vontade imputável à sociedade e, como consequência, aferir do grau de censurabilidade que a sua actuação implicou para a garantia patrimonial dos credores da mesma. Por outras palavras, o que releva é o exercício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado. Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade; // Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados» (2).
«Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. // A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. // Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. // Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal» (3).
A demonstração do exercício efectivo da gerência extrai-se de um conjunto de elementos que comprovem a prática de actos de vinculação da sociedade por parte do revertido. «[O] exercício efectivo das funções de administração ou gestão pode ser comprovado] com base em indícios como a contratação de pessoal, a assinatura de cheques e documentação fiscalmente relevante» (4). «O gestor de facto pode ser alguém com nomeação irregular; o que continuou a exercer funções apesar de já formalmente destituído, ou então aquele mesmo sem aquelas circunstâncias que exerce efectivamente os actos caracterizadores das funções de administração da empresa («administrador aparente»)» (5). Sublinha a necessidade do exercício permanente das funções de gestão da sociedade: «[n]ão basta que se desempenhe ou influencie o desempenho de um ou mais actos próprios da gestão das sociedades para se ser administrador de facto jussocietariamente relevante. Para este efeito (…) só a prova em concreto desse conjunto de pressupostos de legitimação material (…) o faz dispor de um título executivo-funcional que, uma vez atribuído, permite (também) a constituição de uma relação orgânica com a sociedade e a sua equiparação tendencial ao administrador de direito, com a consequente aplicação a esse administrador de facto legitimado do regime legal societário ou insolvencial» (6).
A recorrente não impugna a matéria de facto assente, nem a sua fundamentação. Não indica os concretos pontos da mesma que pretende reverter e qual os meios de suporte da referida reversão (artigo 640.º do CPC). Ouvida a inquirição de testemunhas, verifica-se que as testemunhas arroladas, quer pela oponente, quer pela oponida confirmam que a primeira não tomava decisões sobre o destino da sociedade, não assumindo a vinculação externa da mesma, dado que essa era a função de D........ ……….., seu marido. Este não podia assumir, formalmente, a gerência da sociedade, dado ser trabalhador de empresa hoteleira e, por isso, concorrente da sociedade devedora originária. As testemunhas, D........ …………., F ……………., M ………………… tinham conhecimento directo do funcionamento do restaurante, dado que aí trabalharam, confirmando que a recorrida exercia no mesmo funções de relações públicas.
Do probatório resultam os elementos seguintes:
i) A Oponente foi designada gerente da sociedade referida em A. porque, à data da constituição, o seu marido, D........ ………………, era Director-Geral do Grupo …………. e não podia exercer uma actividade concorrencial (provado por testemunha – (alínea C).
ii) A decisão de abertura do restaurante dedicado à cozinha mexicana surgiu porque era um negócio da família da Oponente, tendo o irmão desta transmitido o know how à Oponente e marido (provado por testemunhas – alínea D).
iii) A gestão da sociedade e restaurante ficou a cargo de D........ ………., que tratava de todos os assuntos relacionados com a contabilidade, aprovisionamento, contratação de pessoal, movimentos bancários, pagamentos aos trabalhadores, à Segurança Social e Finanças (alínea E).
iv) Até finais de 2011/início de 2012, o marido da Oponente nunca a pôs a par da situação financeira da sociedade, nem a informou sobre a existência de dívidas fiscais ou a terceiros, o que levou a uma quebra de confiança e ao seu divórcio (alínea F).
v) A Oponente manteve-se como única gerente da sociedade, mesmo após cessação de funções do marido no Grupo ……………, que ocorreu em Abril de 2006, pela relação conjugal e de confiança mútua, mas também por ser um negócio da sua família (alínea G).
vi) A Oponente era dona de casa e, esporadicamente, ia ao restaurante, onde desempenhava funções de relações públicas (alínea H).
vii) A Oponente assinou, na qualidade de gerente da sociedade referida em A., a declaração de início de actividade da sociedade, o documento particular de constituição da sociedade e, em 17.12.2009, a citação da sociedade no âmbito do PEF ………………..246 e apensos, e as declarações modelo 22 de IRC, dos exercícios de 2006, 2010 e 2011 (alínea I).
viii) A Oponente, na qualidade de representante legal da sociedade devedora originária, apresentou a mesma à insolvência (alínea J).
ix) Não se provou que a Oponente contratou pessoal, contactou ou negociou com fornecedores, assinou ou emitiu facturas, efectuou pagamentos e recebimentos em nome e por conta da sociedade devedora originária.
Em face dos elementos coligidos nos autos, verifica-se que a recorrente não logrou demonstrar, através da prova da prática de actos concretos, de vinculação externa, por parte da oponente, que a mesma exerceu a gerência da sociedade devedora originaria. Não basta para este efeito, a invocação da inscrição no registo comercial como única gerente ou a assinatura, pela mesma, de declarações em nome da sociedade perante o Fisco. Importaria, para este efeito, a demonstração de que a recorrida interveio no “giro” da sociedade, através da prática de actos concretos de vinculação externa da sociedade perante terceiros. Tais actos devem corresponder a decisões gestionárias que vinculem a sociedade perante terceiros. Tal prova no caso não logrou ser feita.
A falta de comprovação do exercício efectivo da gerência por parte da revertida, determina a sua ilegitimidade material, com a consequente extinção da execução, na parte que lhe diz respeito. Como se decidiu na instância. A sentença recorrida não enferma de qualquer erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta –Ana Cristina Carvalho)

(1) Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente, I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pp. 45/64, maxime, p. 53/54.
(2) Acórdão do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10.
(3) Acórdão do Pleno da Secção Tributária do STA, de 28.02.2007, P. 01132/06
(4) Paulo Marques, Responsabilidade tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, Coimbra Editora, 2011, p. 179.
(5) Paulo Marques, Responsabilidade tributária dos gestores, cit., … p. 179.
(6) Ricardo Costa apud Paulo Marques, Pedro Correia Gonçalves, Rui Marques, Responsabilidade Tributária e Penal dos Gestores, Advogados, Contabilistas e Auditores, Almedina, pp. 55/56.