Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:529/14.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA;
GERÊNCIA DE FACTO;
PRESUNÇÃO JUDICIAL.
Sumário:I. Por força do artigo 24.º da LGT só o exercício efectivo da gerência constitui requisito constitutivo do direito à reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, sendo à exequente (Fazenda Pública) que compete provar a sua verificação.

II. Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida em 27.09.2018, que julgou procedente a oposição que J........., deduziu à execução fiscal contra si revertida por dívidas de Imposto de Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de 7/2009 a 9/2009 e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2008, instaurada inicialmente contra a sociedade «J........., SA» tendo, nas suas alegações, apresentado as seguintes conclusões:

«1 - A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no seio do comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas e compreendem tantas quantas abranjam a capacidade da sociedade (objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos - tal como tem vindo a ser entendimento da jurisprudência.
2 - Resulta dos autos, que o oponente aceitou ser gerente de facto e de direito da sociedade, na medida em que admitiu preencher o lugar de responsável nos quadros da direcção da empresa, por tal ser essencial à prossecução do objecto da sociedade, à qual seria imprescindível um elemento com certificado de capacidade profissional.
3 - Como se sabe, sem este elemento a sociedade encontrar-se-ia impedia de laborar.
Com efeito também se verifica que além do mais, a própria firma da sociedade, devedora originária se serve do nome do próprio oponente, o que não faria sentido se o mesmo não fosse efectivamente sócio e gerente ou "dono” da mesma.
4 - Ora declarar que o era, na aparência de um direito, seria lograr os credores, inclusive o Estado que se veria defraudado no erário público.
5 - Assim como fica devidamente demonstrado, não seria possível, in casu, o oponente exercer apenas a função de gerente de direito, sendo inerente ao cargo incorporado, a exteriorização da vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, de acordo com o poder habilitante de que de que se encontrava investido, na qualidade de representante da sociedade, que lhe exigia uma actuação determinante na condução do exercício de direitos e deveres dessa sociedade e no giro societário.
6 - Neste âmbito, a lei consagra uma presunção legal de que o compromisso da responsabilidade inerente, carece do efectivo exercício da gerência de facto, motivo pelo qual haveria no mínimo que inverter-se o ónus da prova.
Contrariamente ao sucedido deveria antes a douta sentença ter-se pronunciado sobre o desconto feito para a segurança social, nessa qualidade que de que o oponente se investia, já que as taxas relativas aos órgãos sociais e aos demais trabalhadores, essas sim, são diferenciadas se estiver em causa um órgão da administração, como é o caso dos presentes autos.
7 - Resulta dos autos ter o oponente aceite ser gerente de facto e de direito da sociedade, na medida em que admitiu preencher o lugar de responsável nos quadros da direcção da empresa, por ser essencial a prossecução do objecto social da sociedade, um elemento com certificado de capacidade profissional.
8 - O facto de o oponente dizer que as suas funções eram de gestor de tráfego, nunca tendo exercido a gerência da empresa porque quem exerceria esta gerência de facto seria J........., contraria a prova documental constante nos autos, onde se constata precisamente o contrário.
9 - E, pelo facto do oponente alegar nunca ter participado em reuniões, não ter tomado decisões, nunca ter tido conhecimento da situação administrativa-financeira da empresa, não ter contactado com o TOC, nunca ter tido acesso às declarações fiscais, deve concluir-se que o seu comportamento foi negligente e portanto, contrário ao do bom pater famílias, o gerente diligente e cuidadoso.
Ademais, o facto de ter confessado que assinava os documentos, embora dizendo ser a pedido do J........., sem sequer receber explicações de para que serviam os documentos que assinava, tal apenas prova a sua culpa e (i)responsabilidade na condução dos destinos societários, o que deve ser penalizado nos termos da lei.
10 - Ou seja, dos elementos reunidos nos autos, inclusivamente da prova testemunhal produzida, resulta que o oponente efectivamente praticava actos de gerência, os únicos capazes de permitir o giro da sociedade.
Até porque, como tal, emprestava o seu nome à firma.
11 - Como se conclui, a decisão de reversão, face a estarmos perante parte legítima na execução, o devedor subsidiário, contra quem deve prosseguir a execução - o Oponente - gestor de facto da devedora originária, deve manter-se na ordem jurídica.
12 - E nessa conformidade, a decisão recorrida deve ser banida da ordem jurídica porque errou de direito e de facto e, substituída por douto acórdão que conclua pela verificação dos pressupostos que fundaram a reversão das dívidas fiscais contra o ora oponente, assim se fazendo JUSTIÇA.

Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

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O recorrido J......... apresentou contra-alegações, concluindo do modo que segue:

«1. Decorre do disposto no art.° 74.°, n.°1 da LGT que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

2. No processo de execução fiscal, o Oponente foi citado para se pronunciar no âmbito do despacho de reversão de dívida fiscal, tendo apresentado prova documental e testemunhal para sua defesa.

3. Após a pronúncia do Oponente, a Recorrente decidiu pela reversão da dívida contra o mesmo, considerando preenchidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária sem atender às provas carreadas para os autos, e sem ter em consideração a prova apresentada pelo Oponente.

4. Em sede de produção de prova testemunhal, provou-se que quem tomava as decisões sobre os pagamentos a fornecedores e lhes pagava era J........., conforme facto provado sob o ponto “L” do acórdão recorrido.

5. No que respeita a presumir-se a gerência de facto da titularidade da gerência de direito, é pacífico na jurisprudência que essa presunção não se encontra prevista no nosso sistema jurídico.

6. Da prova documental apresentada e da prova testemunhal produzida, foram considerados como provados os factos que permitem concluir que o Oponente não exerceu a gerência de facto da devedora originária, nomeadamente, o facto de que a pessoa que pagava aos funcionários e fornecedores era o Sr. J......... e que o Oponente exercia apenas as funções de chefe de tráfego, distribuía trabalho aos motoristas e controlava a saída dos carros.

7. A Recorrente não refuta a prova dos factos acima referidos, os quais demonstram a inexistência da gerência de facto por parte do Oponente.

8. Em sentido oposto, a Recorrente defende a posição de que o que releva para efeitos de preenchimento da responsabilidade subsidiária prevista na al. b) do art.° 24.° da LGT, é a prática de atos jurídicos no âmbito do objeto social da sociedade.

9. E que, o gerente de direito é, por inerência, gerente de facto, o que não tem qualquer acolhimento na lei.

10. Mais acrescenta a Recorrente que está consagrada na lei uma presunção legal no sentido de que a gerência de facto se presume da gerência de direito mas não cita o preceito legal que a consagra, a qual se desconhece.

11. É contrária à posição da Recorrente o entendimento propugnado pela mais elevada instância judicial administrativa de que “não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto” - citação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.° 0709/08.

12. O que é aliás entendimento pacífico uma vez que foi também proferido no mesmo sentido o acórdão do processo n.° 0944/10, segundo o qual “não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário”.

13. Os actos de gerência de facto não se presumem, têm que ser provados pelos meios legais tal como plasmado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.° 282/11.2BEALM: “o exercício da gerência de facto desdobra-se em concretos actos (...) São estes concretos actos, de representação ou administração (v.g. contacto com os fornecedores; pagamento do salário aos empregados), que devem ser levados ao probatório, que não o conceito de natureza conclusiva “gerência de facto” (matéria de carácter conclusivo que não pode ser dada como provada)”.

14. Segundo a Recorrente caberia, assim, ao devedor subsidiário, neste caso, ao Oponente, alegar e provar que não exerce a gerência de facto como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária, o que não tem qualquer sustento na lei.

15. Pelo contrário, é à Administração Tributária que incumbe alegar e demonstrar a verificação desses pressupostos.

16. Nomeadamente, contrariar os factos que constam da prova documental apresentada e da prova testemunhal produzida nomeadamente, o facto de que a pessoa que pagava aos funcionários e fornecedores não era o Sr. J......... e sim o Oponente.

17. No que respeita aos descontos para a Segurança Social, era a Fazenda Pública quem tinha que alegar e juntar como meio de prova, preenchendo o ónus de prova que lhe incumbia nos termos do art.° 74.° da LGT, pelo que não são os mesmos objeto do presente recurso jurisdicional.

18. Atento o exposto, a Fazenda Pública não logrou preencher o ónus de provar a prática de atos de gerência de facto pelo oponente, sem que tenha sido demonstrado o pressuposto para que se pudesse ter operado a reversão e consequente verificação da legitimidade do Oponente, nos termos do art.° 74.°, n.° 1 da LGT e da al. b) do n.°1 do art.° 204.° do CPPT.

19º. Deve ser declarado improcedente o recurso apresentado pela Recorrente e ordenar-se a revogação do despacho de reversão da dívida fiscal contra o Oponente.»


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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Com este pano de fundo a questão a decidir é a de saber se o Tribunal «a quo» incorreu em erro de julgamento ao considerar que o Oponente não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A-Em 15/12/2009, foi instaurado em nome de “J........., SA”, NIPC……….., no Serviço de Finanças de Lisboa 5, o processo de execução fiscal n.°……….., com base na certidão de dívida n.° 2009/311991, emitida em 12/12/2009, que atesta dívidas de IVA de 2009/07 a 2009/09, no montante de € 7.292,01, cujo prazo para pagamento voluntário terminou no dia 16/11/2009.
(Conforme fls. 90 e certidão de dívida a fls. 91 dos autos no sitaf) 
B-Em 04/01/2010, foi instaurado em nome de “J........., SA”, NIPC………, no Serviço de Finanças de Lisboa 5, o processo de execução fiscal n.°……….., com base na certidão de dívida n.° 2010/82, emitida em 04/01/2010, que atesta dívidas de IRC de 2008, no montante de € 3.294,09, cujo prazo para pagamento voluntário terminou no dia 14/12/2009. (Conforme fls. 106 a 108 dos autos no sitaf)
C-Em 11/11/2012, através do SIGER - Reversões automáticas - restantes procedimentos” foi desencadeado o procedimento de reversão da execução fiscal n.° ………. e apensos contra o Oponente, com base nos seguintes fundamentos:






(Conforme fls. 14 do PEF junto a fls. 90 a 108 dos autos no sitaf)
D-Em 10/12/2012 o Oponente apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia, que se dá por integralmente reproduzida e na qual alegou que, apesar de ter sido administrador até 30 de dezembro de 2009, nunca exerceu a administração efetiva da sociedade e que a sociedade foi declarada insolvente, importando esta declaração a suspensão das diligências executivas. Requereu a inquirição da testemunha J..........
(Conforme fls. 4 a 6 do PEF junto a fls. 90 a 108 dos autos no sitaf)
E-Na sequência da pronúncia do Oponente foi elaborada informação, que se dá por integralmente reproduzida e de que se destaca o seguinte:

«imagem no original»


(Conforme fls. 8 e 9 do PEF junto a fls. 90 a 108 dos autos no sitaf)
F- Em 3/1/2013, sobre a informação referida no ponto anterior foi proferido despacho, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 5, com o seguinte teor:

«imagem no original»


(Conforme fls. 9 do PEF junto a fls. 90 a 108 dos autos no sitaf)
G-Em 10/01/2014 o Oponente recebeu o ofício de citação do despacho de reversão.
(Conforme facto não controvertido entre as partes, como resulta do artigo 5.º da petição inicial e de fls. 14 do PEF junto a fls. 90 a 108 dos autos no sitaf)
H-Através da Ap. 2/20030620, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 2.a secção, a constituição da sociedade anónima denominada “J........., SA”, com o NIPC……….., com sede na rua………………., Lisboa, com objeto social de transporte rodoviário de mercadorias, capital social de € 160.000,00, dividido por 32.000 ações, com valor nominal de € 5,00, e cuja forma de obrigar se bastava com a assinatura de dois administradores ou do administrador único com capacidade profissional.
(Conforme cópia de certidão permanente a fls. 11 a 14 dos autos)
I-Do registo referido no ponto anterior decorre que foi designado administrador único J........., em 28/12/2005. (Conforme cópia de certidão permanente a fls. 11 a 14 dos autos)
J-Através da Ap. 36/20100203 foi registada a cessação de funções de J......... como administrador único, por renúncia datada de 30/12/2009.
(Conforme cópia de certidão permanente a fls. 11 a 14 dos autos)
K-O Oponente exercia, na devedora originária, as funções de chefe de tráfego, encarregado de distribuir trabalho aos motoristas e controlar os carros.
(Conforme depoimento da testemunha F.........)
L- Quem tomava as decisões sobre os pagamentos aos fornecedores e quem efetuava esses pagamentos era o J..........
M- No recibo de vencimento do Oponente datado de 31/07/2009, emitido pela devedora originária, consta o vencimento de € 1.250,00 e a categoria de “Administrador”.
(Conforme documento 5 da petição inicial)
N- No recibo de vencimento do Oponente datado de 30/04/2010, emitido pela devedora originária, consta o vencimento de € 1.250,00 e a categoria de “Gestor de Tráfego”.
(Conforme documento 4 da petição inicial)


Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa.

MOTIVAÇÃO
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.
Os factos provados nas alíneas K e L resultaram do depoimento da testemunha F........., que depôs de forma clara e coerente, que logrou convencer o tribunal.
A testemunha prestou serviços de transporte à devedora originária e conhece o Oponente há muitos anos do negócio dos transportes de mercadorias. Afirmou que se deslocou por muitas vezes à empresa o que lhe permitiu ter uma perceção das funções que o Oponente aí exercia, que apontou como sendo de gestor de tráfego.
Mais afirmou que sempre que se dirigia à empresa para receber o preço dos seus serviços, procurava o J........., pessoa que decidia os pagamentos e os efetuava. Também outros fornecedores sempre procuravam o J......... para reclamar os pagamentos, donde retira a ideia que era aquele que tomava as decisões na empresa.
Para complementar este entendimento afirmou que o Oponente figurava como administrador apenas por ter a capacidade profissional necessária ao objeto social da empresa.»

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B. DO DIREITO

A sentença sob recurso julgou procedente a oposição que originou os presentes autos, no entendimento de que a Fazenda Pública (doravante recorrente) não lograra demonstrar a legitimidade substantiva do Oponente (doravante recorrido) para a execução que contra si revertera para cobrança de dívidas relativas a IVA dos períodos de 7/2009 a 9/2009 e IRC de 2008, no montante total de 10.586,10€, e originariamente instaurada contra a sociedade «J........., SA».

Decorre, de forma evidente das conclusões do recurso que a recorrente pretende extrair da matéria assente as seguintes ilações:

- que o Oponente aceitou ser gerente de facto e de direito da sociedade, na medida em que admitiu preencher o lugar de responsável nos quadros da direcção da empresa, por tal ser essencial à prossecução do objecto da sociedade, à qual seria imprescindível um elemento com certificado de capacidade profissional.

- O facto de o Oponente dizer que as suas funções eram de gestor de tráfego, nunca tendo exercido a gerência da empresa porque quem exerceria esta gerência de facto seria J........., contraria a prova documental constante nos autos, onde se constata precisamente o contrário.

- E, pelo facto do Oponente alegar nunca ter participado em reuniões, não ter tomado decisões, nunca ter tido conhecimento da situação administrativa-financeira da empresa, não ter contactado com o TOC, nunca ter tido acesso às declarações fiscais, deve concluir-se que o seu comportamento foi negligente e portanto, contrário ao do bom pater famílias, o gerente diligente e cuidadoso.

- O facto de ter confessado que assinava os documentos, embora dizendo ser a pedido do J........., sem sequer receber explicações de para que serviam os documentos que assinava, tal apenas prova a sua culpa e (i)responsabilidade na condução dos destinos societários, o que deve ser penalizado nos termos da lei.

- Que a prática de tais atos a qualificam, consequentemente, como gerente de facto.

Neste contexto, a questão objecto do presente recurso, como já o dissemos antes, consiste em saber se o recorrido pode ou não ser subsidiariamente responsabilizado pelo pagamento das dívidas exequendas com referência ao quadro factual inscrito pelo Tribunal «a quo».

Vejamos, então.

O regime legal da responsabilidade subsidiária aplicável ao caso em presença é, o que decorre do artigo 24.º da LGT, nos termos do qual:

« a)Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b)Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.».

À luz do regime legal descrito em qualquer uma das suas alíneas a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência (Vide nesse sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Deve ainda sublinhar-se que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que compete fazer a prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária. Afirmando, nesta matéria o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.02.2007, proferido no processo n.º 1132/06, que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência. (No mesmo sentido ver também o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 21.11.2012, proferido no processo n.º 0474/12, disponível em texto integrar em www.dgsi.pt).

Sabido que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade da sociedade nos respectivos negócios jurídicos, que são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, quem toma decisões sobre o destino das suas receitas e quem dá ordens de pagamento em nome e no interesse dela, exteriorizando, por essa via, a vontade da sociedade e vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros (conforme estipula o artigo 260.º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais -CSC-).

No caso vertente, a gerência nominal (de direito) do recorrido quer no período em que as dívidas exequendas se constituíram, quer no período em que se venceram não vem questionada, contudo, como já afirmamos, não há uma disposição legal que estabeleça que a titularidade da qualidade de gerente faz presumir o exercício efectivo do respectivo cargo. Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (cfr. artigos 350º e 351º do Cód. Civil).

Neste plano, diz-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.12.2008, proferido no processo n.º 861/08, que «[o] facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.). Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Ora, no caso dos autos, tendo em conta a factualidade provada, não se pode concluir que assista razão à recorrente, na medida em que os elementos factuais são, em nosso entender, insuficientes para a decisão, relativamente ao pressuposto da gerência de facto.

Efectivamente, analisada a matéria de facto provada, constata-se que pese embora, resulte provada a qualidade de gerente único do recorrido, quem tomava as decisões sobre os pagamentos aos fornecedores e quem efetuava esses pagamentos era o Senhor J..........

Por outro lado, a argumentação apresentada pela recorrente consubstanciada na circunstância no facto de se tratar de uma gerência singular e constar do recibo de vencimento do recorrido datado de 31/07/2009, emitido pela devedora originária, a categoria de “Administrador” não traduz qualquer acto de gerência efectivo donde decorre que deles também não se pode extrair a legitimidade do recorrido para a execução revertida.

Na verdade, atento o conceito de gerência que supra deixamos traçado, a conjugação de todos os factos apurados não revela inequivocamente a gerência de facto exercida pelo recorrido. Resulta, isso sim, da compaginação da matéria de facto que a relação do recorrido para com a devedora originária aponta para ter sido meramente nominal, dado não se ter demonstrado de forma clara e inequívoca que o recorrido se tenha pronunciado, sobre os negócios a celebrar, empréstimos a contrair, política de vendas a prosseguir ou clientes a quem contactar. Ou sequer que tenha contraído obrigações em nome da sociedade ou celebrado qualquer contrato em representação e no interesse da executada, ou vendido os seus produtos, ou, ainda, celebrado qualquer prestação de serviços.

Note-se aliás, a materialidade fáctica apurada é suficiente para concluir que o recorrido figura no registo comercial da devedora originária, como administrador apenas por ter a capacidade profissional necessária ao objecto social da devedora originária.

Em consequência, ficou por provar uma realidade susceptível de evidenciar um tal exercício efectivo dos poderes de gerência por parte do recorrido, sendo que, repete-se, quem estava onerado com o peso da prova era a recorrente, por isso que, como já referimos, o exercício efectivo da administração é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova.

Neste quadro, tendo em conta a factualidade assente e o regime da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.º da LGT, os elementos presentes nos autos não permitem a conclusão de que o recorrido foi administrador de facto, apesar de ser titular do cargo de administrador único, da devedora originária, isto é, que praticou atos, quer interna quer externamente, animada de um espírito de gestão e de administração própria de um responsável por uma sociedade e titulada pelas deliberações da mesma, sendo de manter a sentença recorrida que, julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204.º, nº1, alínea b), do CPPT.

Por isso, conclui-se pela improcedência das conclusões da alegação de recurso.

IV.CONCLUSÕES

I. Por força do artigo 24.º da LGT só o exercício efectivo da gerência constitui requisito constitutivo do direito à reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, sendo à exequente (Fazenda Pública) que compete provar a sua verificação.

II. Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.

V.DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 15 de Abril de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]


(Ana Pinhol)