Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05688/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/05/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRS. PREÇO DECLARADO. SIMULAÇÃO. CIMT. ÓNUS DA PROVA.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. O CIMT entrou em vigor em 1-1-2004 e apenas se aplica a factos tributários ocorridos depois da sua entrada em vigor, não sendo aplicável ao IRS do ano de 2002, relativamente ao valor de realização da venda de imóvel;
2. O montante declarado como preço de compra/venda constante em escritura pública de compra e venda de imóvel, pode ser afastado pela AT no âmbito do seu poder de correcção das declarações dos contribuintes, desde que existam indícios certos e seguros, que o mesmo não corresponde à realidade, sem necessidade de decisão judicial de nulidade desse negócio;
3. O ónus da prova para afastar esse preço declarado é da AT, enquanto facto constitutivo do seu direito à liquidação por montante diverso/superior ao declarado, tendo a liquidação de ser anulada quando esta o não logre alcançar.


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. Visa o presente recurso reagir contra a mui douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A..., relativamente ao IRS do ano de 2002.
II. Considera a Douta Sentença que a AT não fez prova da legalidade da sua atuação, isto é, dos pressupostos legais que legitimam a correção e subsequente liquidação impugnada, porquanto se fundamentou em meras suspeitas e não em factos concretos, nomeadamente, no que concerne à existência de dois contratos promessa de compra e venda tendo por objeto o mesmo imóvel e os mesmos intervenientes, estes celebrados por valores diferentes, sendo que, se impunha à AT demonstrar por que motivo é dada maior credibilidade ao contrato promessa de € 1.159.750,00, em detrimento do contrato promessa de € 461.384,00, que serviu de base à escritura pública, já que lhe assiste o ónus da prova.
III. Por enquadramento legislativo, o valor tributável dos imóveis, será sempre o maior daqueles que se apresentem a concurso, e desde que haja conhecimento do mesmo, quer se trate de valor resultante de ato, de contrato, ou mesmo o valor Patrimonial.
IV. A Douta Sentença dá como fato provado a existência de mais de um contrato promessa de compra e venda, tendo por objeto o mesmo imóvel, artigos 1080.º e 1081.º da matriz predial urbana da freguesia de Lordelo do Douro no concelho do Porto, com os mesmos intervenientes, sendo que um dos contratos consta na Divisão de Processos Criminais Fiscais e foi extraído dos autos de regulação do poder paternal n.º 663/03.5TMPRT ­mediante a devida autorização do Ministério Público do DIAP, através do ofício n.º 2491GM, alíneas A} e L} ponto 2.
V. Trata-se de um documento idóneo constante doutro processo, cuja legalidade, legitimidade e validade, nunca foi posta em causa, quer pelas partes, quer pelo Douto Tribunal.
VI. Neste sentido basta á Administração Tributária o conhecimento e a simples prova da materialidade documental no caso a existência de dois contratos promessa de compra e venda sobre o mesmo bem, ambos celebrados entre a promitente vendedora A... e a promitente compradora B..., estes celebrados respetivamente em 2001.05.04, pelo preço contratado de € 1.159.750,00, e em 2001.09.13 pelo preço contratado de € 461.388,00, para que se mostre completa a prova a produzir por parte da AT sem necessidade de qualquer outra prova adicional.
VII. Depois da demonstração material da existência paralela de dois contratos promessa de compra e venda, a AT só tem, no uso dos seus poderes vinculados, de aplicar a lei e determinar o valor tributável na base do artigo 12.º do CIMT, reiteramos, aquele que for maior dos que se apresentam a concurso, quer se trate de valor resultante de ato, contrato ou patrimonial.
VIII. Ou seja, nem sequer se 1rata duma escolha que a AT tenha de fazer entre dois contratos, trata-se duma aplicação direta da lei, sem qualquer possibilidade de escolha ou intervenção por parte da desta.
IX. A Douta Sentença erra, quando inverte o ónus probatório, porquanto, a AT ao provar a materialidade do fato, remete o ónus probatório para a impugnante, cabendo a esta, não só explicar a razão da existência de dois contratos promessa de compra e venda com valores tão distintos, como ainda provar de que foi o de valor menor, que foi o real.
X. No entanto, e ainda que hipoteticamente conseguisse provar tal facto, de nada lhe serviria, já que a lei continua a definir o valor tributável, como o maior de todos a concurso, ou seja, prevaleceria sempre o valor constante do contrato inicial celebrado em 2001.05.04.
XI. Ainda sem conceder, face à constatação da existência de dois contratos promessa de compra e venda, seria sempre ónus da Impugnante, e não da AT, provar porque é que alienava um imóvel abaixo do preço de custo, ou seja, porque é que o valor de alienação, € 461.388,00, era sobejamente inferior ao valor de custo do bem, sendo este de € 359.134,49 mais € 357.852,36, o que perfaz um total de € 716959,85.
XII. Estes factos não foram objeto de prova por parte da Impugnante.
XIII. Acresce a falta de credibilidade das declarações da Impugnante em todo o procedimento, e aqui referimo-nos precisamente ao processo de inquérito n.º 7086/04.7TDPRT da Divisão de Processos Criminais Fiscais em que a aqui impugnante admitiu como preço de aquisição do referido bem o valor de € 359.134, 49, ao invés dos inicialmente declarados € 54.368,97, cfr. factos provados na Douta Sentença, alínea L).
XIV. Salvo o devido respeito que a Douta Sentença nos merece, torna-se claro que não se verificou qualquer vício ou erro na atuação da Administração Tributária, porquanto, esta se remeteu no uso de poderes vinculados, à estrita aplicação e observância da lei fiscal, nomeadamente, o artigo 12.º n.º 1 do CIMT.
XV. Mais fica provado que a prova produzida pela AT se mostrou materialmente suficiente, sendo que a partir da demonstração da existência de dois contratos promessa, o ónus probatório dos factos alegados se situa na esfera jurídico tributária da Impugnante, e que a AT, reiteramos, no uso de poderes vinculados fez uma aplicação direta da lei, situação esta, à qual está obrigada

Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a Douta Sentença recorrida como é de Direito e Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


1. É inequívoco, na perspectiva da impugnante, ora recorrida, que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser mantida, pelo que a liquidação em juízo deverá ser anulada, tal como decidido;
2. Não podem subsistir quaisquer dúvidas no plano dos factos, tal como os circunscreveu o Tribunal a quo de que o preço que presidiu à transmissão da casa da Rua de Tânger foi de € 461.384,00;
3. Com efeito ficou provado nos autos da presente Impugnação Judicial que:
a. Em 15 de Março de 1999, a ora Impugnante adquiriu, pelo valor de € 359.134,49, o imóvel designado de casada Rua de Tânger;
b. Em 12 de Setembro de 2001 a ora Impugnante era a legítima proprietária e detentora da casa da Rua de Tânger.
c. Em 12 de Setembro de 2001, a casa da Rua de Tânger era a casa de morada de família da Sra. D. Paula Amorim.
d. No dia 13 de Setembro de 2001 foi celebrado entre a Impugnante, ora recorrida, e a Sra. D. Filomena da Costa um contrato-promessa de compra e venda da casa da Rua de Tânger (doravante, simplesmente "Contrato-Promessa") (cfr. Doc. n.º 4 da petição inicial).
e. Na mesma data a promitente compradora emitiu em nome da recorrida um cheque no montante de 2.500.000$00.
f. Nos termos do Contrato-Promessa, a Impugnante prometeu vender, e a Sra. D. Filomena da Costa prometeu comprar, o imóvel em causa pelo preço de € 461.384,00 (quatrocentos e sessenta e um mil trezentos e oitenta e quatro Euros).
g. A celebração do contrato prometido - a escritura pública de compra e venda da casa da Rua de Tânger - teve lugar no dia 23 de Setembro de 2002.
h. A contrapartida pela venda da casa da Rua de Tânger - o preço ­expressamente contratada pela ora Impugnante foi a mesma que já constava do Contrato-Promessa: € 461.384,00 (quatrocentos e sessenta e um mil trezentos e oitenta e quatro Euros).
4. Perante este quadro factual - aqui resumido (cfr. capítulo II «Dos factos» constante das alegações apresentadas pela impugnante, ora recorrida, nos termos do art.º 120.º do CPPT e que aqui se reitera integralmente, dando-se por reproduzido) - o Tribunal a quo foi peremptório, claro e eloquente na douta decisão que proferiu.
5. A contrapartida pela venda da casa da Rua de Tânger - o preço - expressamente contratada pela ora Impugnante foi a mesma que já constava do Contrato-Promessa de Setembro de 2001: € 461.384,00.
6. Não se demonstrou que o preço tenha sido de € 1.159.750,00 (o montante mencionado no documento a que a Administração fiscal chamou de contrato-promessa).
7. Não houve simulação do preço na compra e venda da casa da Rua de Tânger.
8. Nem o negócio jurídico real - que no caso, consta de documento autêntico ­mereceu a exigida declaração judicial de nulidade.
9. Ao contrário do que afirma a Representante da Fazenda Pública, não basta à Administração Tributária «O conhecimento e a simples prova da materialidade documental».
10. Como sustenta o Tribunal a quo, a Administração Fiscal limitou-se «a presumir que o contrato-promessa celebrado por valor superior ao constante da escritura pública era aquele que correspondia ao valor real da transacção, sem qualquer outro suporte probatório».
11. Ora, como expressamente afirmou o Tribunal a quo, «à Administração Tributária não basta a enunciação, alegação ou suspeita para fundamentar a correcção efectuada. Antes se impõe que demonstre, com recurso a meios gerais de prova legalmente admitidos, que o valor real da transacção efectuada foi superior ao declarado».

NESTES TERMOS:
12. Se outros argumentos não assistissem à ora recorrida, o douto aresto proferido pelo Tribunal a quo deverá ser mantido e a liquidação anulada por falta de prova da existência dos pressupostos de facto em que a Administração fiscal se fundou para promover o acto de liquidação adicional impugnado (a existência de simulação do preço), improcedendo, assim, o recurso interposto.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, E A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA INTEGRALMENTE MANTIDA.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por a venda do prédio não dever ter sido por preço inferior ao da compra, e a acontecer, a recorrida não deixaria de ter vindo explicitar as razões para o efeito, o que não fez, sendo tal dedução legítima que o preço declarado foi simulado.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a norma do art.º 12.º do CIMT é de aplicação directa no caso, em que perante a existência de dois contratos promessa de compra e venda, impõe que se dê relevo ao de maior valor indicado; E se era à ora recorrida que lhe cabia o ónus de provar o preço da venda do imóvel por montante inferior ao da sua aquisição e ao das obras nele efectuadas.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 15/03/99 a 1mpugnante adquiriu o imóvel sito na Rua de Tânger, nºs 1443 a 1449, freguesia do ..., concelho do Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n° 7318 e inscrito na matriz urbana sob os artigos 1080º e 1081°, pelo valor de €359.134,49 (cfr. art. 9.º da p.i.).
B) Em 13/09/2001 a impugnante celebrou um contrato-promessa de compra e venda, pelo valor de € 461.388,00 relativo ao imóvel supra identificado, em que foi promitente-compradora B..., residente na Rua ..., n° 445, habitação 46, Porto (cfr. fls. 47a 49 dos autos).
C) Na mesma data, B... emitiu em nome de Paula Amorim o cheque do Crédito Predial Português, n° 1175575499, no montante de 2.500.000$00 (cfr. doc. 5 junto com a p.i.).
D) Em 23/09/2002 foi celebrada a escritura pública de compra e venda do imóvel identificado na al. A), pelo valor de € 461.388.00, entre a ora impugnante e B..., residente na Rua ..., n° 445, habitação 46, Porto (cfr. fls. 43 a 46 dos autos).
E) Na escritura identificada na alínea anterior consta que fica em arquivo o conhecimento n° 1269, emitido pelo 6° Bairro Fiscal do Porto em 19-09-2002, comprovativo do pagamento da sisa devida (cfr. fls. 43 a 46 dos autos).
F) Em 23/10/2000 a Impugnante tinha como domicílio fiscal a Rua de Tânger, 1447, Lordelo Douro, 4150 Porto (cfr. fls. 113 a 117 do PAT).
G) Em 07/03/2002 a Impugnante tinha como domicílio fiscal a Rua Senhora da Luz, nº 157-1, 4150 Porto (cfr. fls. 118 a 122 do PAT).
H) Em 29/06/2004 a Impugnante tinha como domicílio fiscal a Av. Faial, N4 BL A, 1° Esq. Monte Estoril, 2765-411 Estoril (cfr. fls. 123 a 127 do PAT).
I) Em 08/02/2007 a Impugnante tinha como domicílio fiscal a Rua Senhora da Luz, n° 157 -1, 4150-696 Porto (cfr. fls. 128 a 132 do PAT).
J) A Impugnante, relativamente ao ano de 2002, entregou uma declaração de rendimentos, da qual fazia parte um anexo G (rendimentos de categoria G), e no qual declarou a venda de um imóvel pelo valor de € 461.384,00, declarando ainda que o
valor de aquisição havia sido de € 54.368,97 e manifestando a intenção de proceder ao reinvestimento do valor da realização (Cfr. fls. 145 e 146 do PAT).
L) A Direcção de Finanças do Porto efectuou uma acção de inspecção interna aos elementos patrimoniais - alienação de bens imóveis - da ora Impugnante e marido, que incidiu sobre o IRS de 2002, tendo sido elaborado o relatório constante de fls. 84 a 92 do PAT, cujas conclusões foram as seguintes:
"1 – Conclusões da Acção - Correcções aos valores mencionados na declaração de rendimentos referente ao exercício de 2002
Exercício Valor de Venda Declarado Valor de Venda Corrigido Correcção
a efectuar
461.384.00 1.159.705.00 698.321,00
Valor de Aquisição Declarado Valor de Aquisição
Corrigido
54.368,97 359.134,49 304.765,52
Valor de Reinvestimento Declarado Valor de Reinvestimento
em 2003 Corrigido Corrigido
473.858,00 394.863,71 -78.994,29
2 - Motivo da Acção
Foram remetidos a estes Serviços de Inspecção, pela Divisão de Processos Criminais Fiscais, elementos extraídos dos autos de regulação de poder paternal n° 663/03.5 TMPRT, conforme autorização concedida pelos serviços do Ministério Público do DIAP, através do ofício 249/GM.
Desses elementos consta o contrato promessa compra e venda, celebrado em 04-05-2001, em que A..., casada no regime de separação com C..., promete vender a B..., contribuinte n° ..., e D..., contribuinte n° ..., ou a quem estes indicarem
até à data de realização de escritura pública, o prédio urbano sito na Rua de Tânger nºs 1443 a 1449 freguesia do ..., Concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 7.318 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob os artigos 1080° (imôvel destinado a estacionamento) e 1081 ° (imóvel destinado a habitação).
Nesse contrato, o preço estabelecido de compra/venda foi de 1.159.750,00 €.
Contudo, os sujeitos passivos vendedores mencionaram na declaração de rendimentos de 2002 a alienação dos referidos imóveis pelo valor de 461.384,00€, em sintonia com a escritura de compra e venda celebrada em 20-09-2002 e constante das folhas 128 e 129 do livro 204-I do 1° Cartório Notarial de Santa Maria da Feira.
Em resultado desta divergência, foi emitida a presente Ordem de serviço para efeitos das liquidações que se mostrem devidas.
3 – Descrição dos factos
3.1- Declaração de Rendimentos
Os contribuintes em análise mencionaram na declaração de rendimentos referente exercício de 2002 a alienação dos imóveis em questão pelo montante de 461.384,00€; declarando como valor de aquisição 54.368,97€ e mencionando intenção de reinvestir o valor de realização.
(...)
3.2- Preço de Aquisição declarado/simulado
No âmbito do inquérito n° 7086/04.7TDPRT instaurado pela Divisão de Processos Criminais Fiscais, a contribuinte A... admitiu que o preço de aquisição dos
imóveis em questão foi simulado, sendo o valor real da transacção: 359.134,49€.
Em resultado desta acção, a contribuinte regularizou os impostos devidos (Sisa e Imposto de Selo), além das coimas e juros compensatórios liquidados.
Assim, nos termos do art. 46° do código do IRS, o valor de aquisição a considerar para efeitos de determinação de mais-valia é de 359.134,49€.
3.3- Obras de Remodelação.
O imóvel em questão, adquirido em 15-03-1999, sofreu obras de remodelação realizadas pela empresa E...- Engenharia e Construções, S.A. (contribuinte nº 502007200), que motivaram a emissão de facturas no montante total de 357. 852,36€ (...)
As facturas indicadas foram sido emitidas às seguintes empresas:
-Sociedade Agrícola de F...S.A., identificação fiscal nº ...(a);
- Sociedade Agrícola de F..., S.A., identificação fiscal n° 500412855 (b);
E não à proprietária do imóvel,
Apesar de os imóveis terem sofrido obras de valorização, não podem o montante das mesmas acrescer ao valor de aquisição, conforme exposto no art. 51° do código do IRS, uma vez que o custo das obras não foi suportado pela alienante.
3.4- Valor de realização declarado/simulado
Confrontando o valor de realização mencionado na declaração de rendimentos de 2002, 461.384,00€, (de acordo coma escritura de compra e venda celebrada em 20-09-2002), com o
valor indicado no contrato promessa celebrado em 04-05-2001, 1.159.750,00€, resulta uma divergência de 698.366,00€.
Tendo em conta que:
- o valor real de aquisição do imóvel foi de 359.134,49€ e não os 54,368,97€ indicados pelos contribuintes em fiscalização na sua declaração de rendimentos.
- o imóvel foi valorizado pelas obras de remodelação que sofreu, no valor de 357.825,36€
- Somando o valor de aquisição ao custo das obras, resulta o montante de 716.959,85€ despendidos no imóvel desde a sua aquisição em 1999, valor superior ao preço de venda
declarado pelos contribuintes:
- O valor de venda estabelecido no contrato-promessa foi de 1.159.750,00€.
Por tudo isto se conclui que o valor de alienação do imóvel foi de 1.159.750,00€ e não os 461.384,00€ mencionados pelos contribuintes alienantes.
(...)
4 – Conclusão
Em virtude de o valor de realização do imóvel ter ascendido a 1.159.750,00€ conforme exposto no ponto 3.3), o valor de aquisição foi de 359.134,49€, conforme descrito no ponto 3.2) e as despesas e encargos suportados pelos contribuintes foram de 985,14€ (artº 51° do código do IRS), conclui-se que o ganho líquido obtido pelos sujeitos passivos foi de 799.585,37€ (1.159.750,00€-359.134,49€-985,14€).
Nos termos do artº 50° do código do IRS e Portaria 533/2002, de 03-06-2002, o valor de aquisição do imóvel é actualizada pelo coeficiente de desvalorização monetária. Entre a data de aquisição do imóvel (1999) e a data da sua venda (2002) o coeficiente de desvalorizaç40 da moeda é de 1,07.
Por outro lado, em sintonia com o n° 2 do artº 43° do Código do IRS, a mais-valia apurada é apenas considerada em 50% do seu valor e, em virtude de os contribuintes em análise terem reinvestido parcialmente o valor de realização do imóvel alienado, no montante de 394.863,71 €, são sujeitos a tributação os ganhos respeitantes apenas à parte proporcional do valor não reinvestido (65,95%), conforme descrito no ponto 3.5.
Face ao exposto, a Mais Valia a apurar ascende a 510.747,11€, da qual apenas vai ser englobada 50%, 255.373,55, (...)”
M) Na sequência da análise interna efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (cfr. fls. 84 a 92 do PAT), foi aberta, em 13 de Setembro de 2006, a ordem de serviço no 200605372, pela Direcção de Finanças de Lisboa (em virtude do domicílio fiscal dos sujeitos passivos pertencer da Direcção de Finanças de Lisboa, art. 16° do RCPIT) relativa ao exercício de 2002, cujo relatório assumiu a informação prestada por aqueles serviços (cfr. fls. 96 a 99 do PAT).
N) A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição relativamente ao projecto de correcções do relatório da inspecção, não se tendo pronunciado (cfr. fls. 94/95 do PAT).
O) Na sequência das correcções referidas na alínea L), foram emitidas a nota de demonstração de liquidação de IRS e de juros, bem como da demonstração de acerto ­de contas relativa à compensação n° 200600009741619, enviadas através do registo postal n° RY384944668PT, nº RY384901424PT e RY384949223PT - cfr. documentos de fls. 104 a 106 dos autos e artº 38º da p.i.).
P) Em nome da impugnante foram emitidas facturas em Julho (fls. 55), Setembro (fls. 54, 56), Outubro (fls.51, 52) e Novembro de 2001 (fls. 53), pelos S.M.A.S do Porto, PORTGÁS, EDP e PT, indicando como morada a Rua Sra. da Luz, 157, 1°, 4150 Porto e TV Cabo, indicando como morada a Rua Sra. da Luz, 161, r/c, 4150 Porto (cfr. doc. 6 junto com a petição inicial).

Factos não provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não ocorrera o prazo de caducidade do direito à liquidação mas que a AT não fundara em elementos concretos e precisos, que o valor de venda do imóvel tenha sido o constante no contrato promessa de compra e venda celebrado em 4-5-2001 (€ 1.159.750,00), de valor mais elevado, desprezando por completo o valor constante no contrato promessa de 13-9-2001, igual ao valor que veio a figurar como preço de venda na escritura pública de compra e venda (€ 461.388,00), não explicando e nem demonstrando por que aquele valor mais alto é que correspondia ao preço real, pelo que não cumpriu com o ónus probatório atinente à desconsideração do preço declarado nessa mesma escritura pública, pelo que a liquidação atinente não se poderia manter.

Para a Fazenda Pública (FP), ora recorrente é, essencialmente, contra esta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre a sentença recorrida conducente à sua revogação, pugnando que perante a concorrência de diversos instrumentos com preços diversos como correspondendo ao preço de compra/venda, a AT, não pode deixar de escolher o maior, por mera decorrência do disposto no art.º 12.º do CIMT, sem qualquer possibilidade de escolha até, e que em todo o caso, sempre o ónus da prova caberia à ora recorrida por que vendeu um imóvel por um preço abaixo do preço de compra, tendo em conta as quantias despendidas nas obras nele realizadas que, adicionadas ao preço de aquisição, perfazem um montante acima do valor declarado como de venda do mesmo prédio.

Vejamos então.
Desde logo convém frisar, que no período de tempo a que se reporta o imposto impugnado - IRS de 2002 – ainda se não encontrava em vigor o CIMT, o qual como se sabe foi aprovado pelo art.º 2.º do Dec-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que só entrou em vigor em 1-1-2004 – cfr. seu art.º 32.º n.º3 – e que, expressamente, a norma do seu art.º 31.º, n.º5, dispõe que aos factos tributários ocorridos até à data da sua entrada em vigor se continuam a aplicar os anteriores Códigos que este veio revogar, como sempre decorreria das normas gerais sobre a aplicação da lei tributária no tempo, nos termos do disposto no art.º 12.º, n.º1 da LGT.

E isto sem entrar em linha de conta se tal regra contida no n.º1 do art.º 12.º do CIMT, para efeitos de IMT, de consideração do maior valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, também teria directa aplicação no âmbito do IRS em que nos encontramos, o que se torna desnecessário face a tal pretendida aplicação retroactiva de tal diploma e logo da citada norma, cuja esteio legal não pode ter aqui directa aplicação por ainda se não encontrar em vigor.

E no âmbito do anterior CIMSISD, as normas do art.º 19.º, nas suas várias alíneas e números, apenas mandava atender ao maior dos valores entre o preço convencionado e o resultante do rendimento colectável, havendo-o, não se prevendo sequer, que pudesse existir mais de um preço convencionado, em que houvesse lugar à aplicação daquele de valor mais elevado, nem mesmo para efeitos de sisa, desta forma não podendo deixar de improceder a matéria destas conclusões das alegações recursivas.

Porém, nos termos do disposto nos art.ºs 58.º e 63.º da LGT, à AT são conferidos poderes de descoberta da verdade material da situação tributária dos contribuintes, podendo proceder à correcção das declarações de rendimentos dos contribuintes bem como, nos termos do disposto no art.º 39.º da LGT, proceder à desconsideração do valor indicado como preço de compra/venda de certo imóvel constante em escritura pública, por esse facto não ser da directa percepção da entidade que procedeu à feitura dessa escritura, resultando das declarações dos outorgantes que a mesma não pode controlar, sem necessidade de, previamente, haver decisão judicial que declare a nulidade de tal acto ou contrato (aqui, ao contrário do invocado pela recorrida na matéria da sua conclusão 8.ª), como de resto constitui jurisprudência corrente, quer deste TCAS(1), quer do STA(2).

Contudo, para tal desconsideração do preço declarado em certa escritura pública de compra/venda, carece a AT de carrear elementos certos e seguros que demonstrem com um elevado grau de certeza que o montante do preço declarado não teve aquela dimensão quantitativa mas sim uma outra superior, o que pode ser efectuado através de indícios, desde que certos e seguros, donde deles se possa extrair, tal simulação no preço, facto que é constitutivo do direito à liquidação por banda da AT por tal preço superior e cujo ónus da prova não pode deixar de recair sobre a mesma, nos termos do n.º1 do art.º 74.º da mesma LGT, como bem se decidiu na sentença recorrida, o que de resto constitui jurisprudência pacífica, designadamente do STA(3).

No caso, como da matéria do probatório flui, a única prova que a AT carreou para os autos, foi a existência de tal contrato promessa de compra e venda outorgado em 4-5-2001, onde foi mencionado tal preço de compra/venda de € 1.159.705,00, bem como que a promitente vendedora, quanto à aquisição do mesmo imóvel, simulou o respectivo preço, tendo indicado o de € 54.368,97, que depois veio a admitir ter sido o de € 359.134,49, tendo vindo a regularizar os impostos em conformidade. Mas isto quanto à aquisição, nada mais tendo sido provado ou sequer indiciado, quanto à venda.

É certo que muitas dúvidas (legítimas, aliás, como igualmente invoca a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer), se podem levantar, de como é que um prédio urbano adquirido em 1999 por € 359.134,49, vem a ser vendido em 2002, por apenas € 461.384,00, para mais quando para ele haviam sido declaradas como realizadas obras de beneficiação do montante de € 357.852,36, bem como no mesmo ano se realizam dois contratos promessa de compra e venda por aqueles dois montantes diversos, com a diferença de cerca de 4 meses entre eles – um igual ao valor declarado na escritura pública de compra e venda e o outro, mais elevado, o indicado no citado contrato promessa de 4-5-2001.

Dúvidas que caberia à AT ter removido, pelos seus serviços competentes, designadamente através dos meios de pagamento utilizados e/ou junto da compradora, como bem se fundamentou na sentença recorrida, bem podendo nenhum desses escritos ter qualquer aderência com a realidade quanto a tal real preço de compra/venda, bem podendo ter sido qualquer um outro, dúvidas que não favorecem a recorrente mas sim a parte contrária, nos termos do disposto no art.º 100.º do CPPT, levando, também, à anulação da liquidação.

Na realidade, como a AT procedeu, considerando que o contrato promessa de compra e venda em que foi indicado o valor mais alto, é que correspondia à realidade desse preço, sem quaisquer indícios seguros nesse sentido, que não seja o de um pretenso conhecimento do funcionamento geral do mercado dos imóveis em tal data, constitui pouco mais do que um exercício puramente aleatório, muitas podendo ser as razões para tal valor elevado ter sido mencionado nesse contrato promessa de compra e venda, junto em autos de acção de regulação do poder paternal, em suma, como bem se fundamenta na sentença recorrida, à Administração Tributária não basta a enunciação, alegação ou suspeita para fundamentar a correcção efectuada, antes tem de carrear as provas nesse sentido, nos termos acima explanados o que, não o tendo feito, não pode a liquidação deixar de se manter anulada.


Nestes termos, improcede na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,05/03/2013

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS





1- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o recurso n.º 587/93, que igualmente teve por Relator o do presente.
2- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 15-12-2004, recurso n.º 1083/04, bem como os demais nele citados.
3- Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 16-1-2008, recurso n.º 381/07.