Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07951/14
Secção:CT
Data do Acordão:06/08/2017
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS/PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL/OPOSIÇÃO/PRESCRIÇÃO/INTERRUPÇÃO
Sumário:I - Só a falta absoluta de indicação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impondo-se, nesse caso, que seja decretada a nulidade da sentença
II - A prescrição do procedimento de contra-ordenação não constitui fundamento legal de oposição à execução mas vício do procedimento sancionatório a alegar no próprio processo de contra-ordenação ou em recurso judicial da decisão de aplicação da coima nos prazos legalmente previstos.
III – Terminada aquela fase processual e decorrido o prazo para interposição de recurso sem que o mesmo seja apresentado, a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima, torna-se insindicável.
IV - A dívida tributária decorrente de decisão de aplicação de coima pela transposição da barreira de portagem reservada a aderentes do sistema electrónico de cobrança de portagem “...”, sem que o veículo utilizado esteja associado a esse sistema por meio de contrato de adesão válido, transitada em julgado a 30-1-2011, prescreve no prazo de dois anos nos termos do artigo 16.º - B, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.
V – A mera instauração de processo executivo não determina, à luz do artigo 30.º-A n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações, a interrupção do prazo prescricional em curso e referido em III.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – Relatório

M... intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a presente Oposição Judicial à execução fiscal n.º ... e apensos, instaurada pelo Serviço de Finanças de ..., para cobrança coerciva da quantia 1526,41€, pedindo a extinção do procedimento executivo contra si instaurado.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na sentença com que encerrou o processo em 1ª instância, decidiu julgar totalmente improcedente a oposição deduzida «atenta a exigibilidade da dívida exequenda.».

Inconformada, a Oponente, doravante recorrente, interpôs o presente recurso, aí concluindo nos seguintes termos:

«A) O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo TAF de Sintra, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal por via da qual se pugnou pela extinção do Processo de Execução Fiscal n.º ... e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de ..., para cobrança coerciva de dívidas ao IniR, cuja quantia exequenda ascendia a € 1.526,41;

B) A oposição deduzida assentou em dois argumentos base: a falta de ilegitimidade da Recorrente no processo de execução fiscal, por um lado, e a prescrição das coimas aplicadas, por outro;

C) A sentença recorrida tão-pouco se pronuncia sobre a questão da ilegitimidade da Recorrente no processo de execução fiscal, não obstante tratar-se de um facto devidamente alegado em sede de oposição à execução fiscal e relativamente ao qual foi produzida prova;

D) Por esse motivo, a sentença encontra-se ferida de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 125.º, do CPPT e da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC aplicável ex vi alínea e), do artigo 2.º, do CPPT;

E) Do probatório consta um facto dado como provado;

F) O Tribunal a quo não especificou a matéria dada como não provada, a qual contém apenas uma remissão genérica para a oposição à execução fiscal;

G) Há factos alegados pela Recorrente na oposição à execução fiscal que não constam nem da matéria provada, nem da matéria dada como não provada;

H) O Tribunal a quo absteve-se de examinar criticamente a prova documental produzida pela Recorrente primeira instância, sobre a qual simplesmente não se pronuncia ao longo da sentença;

I) A sentença padece, por isso, de vício de falta de especificação dos fundamentos de facto, por não ter especificado a matéria dada como não provada e, também, por não ter apreciado a prova produzida pela Recorrente, encontrando-se ferida de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 125.º, e do n.º 2, do artigo 123.º, todos do CPPT e da alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC aplicável ex vi alínea e), do artigo 2.º, do CPPT;

J) O Tribunal a quo laborou, ainda, em erro de julgamento por errada aplicação do direito, ao considerar não se verificar a prescrição das coimas;

K) A prescrição das coimas é, neste caso, de um ano, por aplicação retroactiva, à luz do n.º 4, do artigo 29.º da CRP, do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 29.º, do RGCO, a qual é mais favorável ao arguido, aqui Recorrente, do que o disposto no artigo 16.º-B, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho;

L) Tendo sido as coimas aplicadas em 02.11.2009 e o processo de execução instaurado em 02.11.2011, já havia decorrido a prescrição das coimas;

M) De acordo com o entendimento jurisprudencial maioritário, que a Recorrente subscreve – e contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo –, a cobrança coerciva das coimas não interrompe a prescrição ao abrigo do n.º 1, do artigo 30.º-A, do RGCO;

N) Sem prejuízo e, caso se entenda que a sentença recorrida não é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e que o Tribunal a quo valorou efectivamente a prova produzida pela Recorrente, o que não se concede, foi errada a valoração feita, tendo aquele, também por este motivo, laborado em erro de julgamento;

O) Das provas apresentadas resulta que a Recorrente deixou de ser proprietária do veículo em causa em 29.10.2007;

P) À data das infracções a Recorrente já não era proprietária do veículo em causa, pelo que resulta afastada, ao abrigo do artigo 73.º, da LGT, a presunção de que, estando o registo efectuado em nome da Recorrente, esta seria necessariamente a proprietária do veículo utilizado na prática das infracções;

Q) À matéria dada como provada, nos termos e para os efeitos do disposto pela alínea a), do n.º 1, do artigo 662.º, do CPC aplicável ex vi alínea e), do artigo 2.º, do CPPT, devem ser aditados os seguintes factos:

a) Em 29.10.2007, a Recorrente alienou o veículo da marca Peugeot, modelo 406, com a matrícula ..., de que era proprietária, à sociedade “G... Comércio Geral de Automóveis, Lda.” (cfr. Documento n.º 4 junto à oposição);

b) As infracções que levaram a que o IniR aplicasse as coimas cuja falta de pagamento está em causa no processo de execução fiscal n.º ... e apensos, foram praticadas em 20.02.2008 e 21.02.2008 (cfr. decisões condenatórias juntas à oposição como Documentos n.ºs 6, 7 e 8);

R) Em face do exposto, a Recorrente é parte ilegítima no processo de execução fiscal.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE DECLARE A OPOSIÇÃO PROCEDENTE, DECLARANDO A PRESCRIÇÃO INVOCADA VERIFICADA E, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DECLARANDO A RECORRENTE COMO PARTE ILEGÍTIMA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.».

O Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., ora recorrido, notificado do despacho que admitiu o recurso jurisdicional optou por não contra-alegar.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os «Vistos» das Exmas. Juízas Desembargadoras Adjuntas, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para esse efeito os autos à Conferência.

II - Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir as seguintes questões:

- É nula a sentença recorrida por nesta não ter sido apreciada uma das questões suscitadas pela Oponente?

- É nula a sentença recorrida por da mesma não constarem de forma discriminada os factos que o Tribunal entendeu não estarem provados e a respectiva fundamentação?

- Deve a sentença ser revogada por o Tribunal a quo não ter valorado devidamente a prova documental junta aos autos que deveria ter conduzido a acrescida fixação de factos?

- Errou o Tribunal ao julgar a questão da prescrição por, face aos factos apurados ou passiveis de serem apurados, à mesma só podia ter sido dada resposta afirmativa?

III - Fundamentação de Facto

O julgamento de facto em 1ª instância ficou sedimentado na sentença recorrida nos seguintes termos:

«Factos provados

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:

A) Foi instaurado em 02.11.2011 processo de execução contra a executada M..., por dívida proveniente do Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., com base na certidão emitida em 22.10.2011, da decisão proferida em 02.11.2009 em diversos processos de aplicação de coimas e relativa a contra-ordenações por infracções verificadas em 2008 - cfr citação de fls 14 a 16, notificação de fls 22 a 28, dos autos.

Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da oposição, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.»

Motivação da decisão de facto

«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

III – Fundamentação de Direito

Exposta a pretensão vertida pela recorrente nas suas alegações e revelado o julgamento de facto realizado pelo Tribunal a quo, importaria, agora, proceder à apreciação das diversas questões suscitadas neste recurso e que deixámos enunciadas no ponto II supra.

Acontece porém que a apreciação e decisão dessas questões exigem, antes de mais, que se compreenda porque é que aquelas surgem, objectivo que só logramos alcançar se analisarmos os fundamentos do pedido de extinção formulado na petição inicial e a forma como sobre o alegado se pronunciou a sentença recorrida.

4.1. Nesse sentido, começamos por salientar que petição inicial desta Oposição, a recorrente, afirmando reagir à citação que lhe foi dirigida para os termos da execução, adianta, desde logo um conjunto de factos que dão nota de que esta não era a primeira vez que se pronunciava sobre a dívida que lhe está a ser exigida, alegando:

- Ter em tempos (ano de 2008) recebido umas notificações por parte da “... – Gestão de Sistemas Electrónicos de cobrança, S.A.» tendo, então comunicado à ... e ao InIR que «o veículo já não era seu, já que o tinha vendido», aí referindo expressamente que até tinha «alterado o identificador antes pertencente ao veículo com a matrícula ..., para o veículo de marca Mercedes, com a matrícula ...»;

- Que com as referidas cartas tinha remetido um «Termo de Responsabilidade» emitido a «29 de Outubro de 2007» pelo Stand a quem tinha sido entregue a viatura, no qual este declarava «assumir toda a responsabilidade por quaisquer danos, multas ou acidentes, provocados pela viatura bem como o pagamento do imposto anula de circulação, a partir desta data assim como o garantir registo da mesma»;

- Que tais alegações tinham sido absolutamente desconsideradas por todas as entidades, incluindo o InIR e o Serviço de Finanças, sendo que nessa data bem sabiam que desde Junho de 2008 o veículo pertencia a C... e que esta tinha já nesse ano procedido ao pagamento do Imposto Único de Circulação (IUC).

É, assim, com base neste conjunto de factos que vem a concluir, desde logo, que é «patente que a presente execução não pode proceder quanto à Oponente» [cfr. artigos 1º a 12.º da petição de Oposição]

De seguida adianta um outro conjunto de factos que em seu entender são igualmente suficientes para que seja extinto o processo de execução e que tem a ver com a prescrição cujo reconhecimento requer: estão em causa procedimentos de contra-ordenação referentes a factos datados de Fevereiro de 2008 e- as notificações das decisões condenatórias datam de 2 e 5 de Novembro de 2011.

Tudo para concluir que, considerando o disposto nos artigos 16.º - A da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 67.º-A/2007, de 31 de Dezembro, 18.º, da mesma Lei e 28.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, e não havendo qualquer causa de suspensão, é forçoso concluir que os procedimentos e as coimas aplicadas já prescreveram.

Perante o que vimos expondo, o Tribunal a quo começou por seleccionar a factualidade relevante e que, atenta a sua singela enunciação, recordamos: “Foi instaurado em 02.11.2011 processo de execução contra a executada M..., por dívida proveniente do Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., com base na certidão emitida em 22.10.2011, da decisão proferida em 02.11.2009 por infracções verificadas em 2008”.

Depois, fixou a factualidade relevante e partindo dela enunciou as questões a decidir: «Questões que cumpre solucionar: Em face da matéria dada como provada as questões que importa solucionar prende-se com a análise da exigibilidade da dívida exequenda».

E, de seguida, tendo por referência essa questão, o Tribunal a quo vem a decidir a mesma no seguinte «Enquadramento Jurídico:

«Importa agora proceder à subsunção jurídica da matéria de facto provada em ordem a posterior decisão da causa

Em 1º lugar importa sublinhar que como bem aponta o INIR e o D.M.M.P., a matéria relativa à prescrição do procedimento e da responsabilidade pela infracção não constituem causas de pedir do presente meio processual, antes constituem fundamento de recurso da decisão de aplicação das coimas, nos termos do disposto no artº 80º e segs, do RGIT. – cfr artº 204º, nº 1, do CPPT

Quanto ao mais, i.e. quanto à prescrição das sanções aplicadas, cabe apreciar da sua invocação para efeitos de aferição da exigibilidade da dívida exequenda. Ora,

Como bem aponta o INIR, I.P., a matéria relativa ao prazo de prescrição das infracções ás normas rodoviárias em causa, não se aplica o regime geral das contra-ordenações, antes o regime instituído pelo artº 16º-B, introduzido pela Lei nº 67-A/ 2007, aditado à Lei nº 25/2006, de 30.06., relativo às infracções em matéria de infra-estruturas rodoviárias e aplicável às infracções verificadas após o dia 1.01.2008. Mas quanto ao termo inicial e às causas de suspensão e de interrupção da prescrição funcionam as regras gerais. Assim,

Atento a data de aplicação da coima e do respectivo trânsito em julgado e a data de instauração da execução fiscal ora controvertida ainda não havia decorrido aquele prazo de dois anos, sendo que com a instauração da execução interrompeu-se a prescrição das coimas aplicadas nos referidos processos de contra-ordenação, nos termos do disposto nos artºs 29º, nº2 e artº 30º-A, do R.G.C.O.»

É, pois, no contexto que vimos descrevendo relativamente ao que ocorreu desde a petição inicial (com a remessa aí realizada para os factos que antes da sua apresentação tinham ocorrido, nomeadamente das exposições realizadas, dos documentos juntos e da resposta recebida pelas entidades envolvidas) e perante a sentença recebida que se percebe porque é que a recorrente invoca a nulidade desta por omissão de pronúncia, por falta de especificação da matéria de facto não provada e por falta absoluta de análise crítica da prova e questiona a bondade do julgamento de facto e de direito.

Diga-se, desde já, que embora se compreenda bem a insatisfação da recorrente e que a forma sumária com que viu apreciada a sua posição em juízo lhe tenha suscitado dúvidas de interpretação, não cremos que nesta parte lhe assista razão.

4.2.2. Não lhe assiste razão quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia fundada numa não apreciação da questão de ilegitimidade suscitada na petição inicial porquanto se mostra claro que o Tribunal a quo, ainda que de forma célere, deixou expresso porque a não iria conhecer, adiantando, aliás, a mesma fundamentação quanto a essa questão e à questão da prescrição do procedimento: «a matéria relativa à prescrição do procedimento e da responsabilidade pela infracção não constituem causas de pedir do presente meio processual, antes constituem fundamento de recurso da decisão de aplicação das coimas, nos termos do disposto no artº 80º e segs, do RGIT. – cfr artº 204º, nº 1, do CPPT».

Ou seja, o Tribunal a quo rejeitou apreciar o pedido formulado com aquela concreta causa de pedir por, como disse, a questão de saber quem é ou não responsável pelo pagamento da coima e a questão da eventual prescrição do procedimento contra-ordenacional constituírem matérias, questões que a recorrente deveria ter aduzido no âmbito do procedimento e, posteriormente, se insatisfeita, recorrer da decisão de aplicação de coima.

E, não deixamos de o dizer, pese embora a este Tribunal Central custe muito compreender e aceitar de que forma o procedimento em questão decorreu, sobretudo tendo em atenção o teor dos requerimentos aí apresentados e os documentos juntos, e nessa medida seja sensível à revolta da recorrente, o certo é que há muito está firmado o entendimento de que a Oposição não é o meio (o momento) processual próprio para suscitar tais questões e ao Tribunal está absolutamente vedada, nesta sede, a sua apreciação.

Aliás, a questão da prescrição do procedimento e a sua susceptibilidade para constituir fundamento de Oposição tem sido matéria recorrentemente objecto de apreciação pelo nosso Supremo Tribunal que, de forma unânime e sistemática há muito tempo o entendimento de que só a prescrição da dívida exequenda é que constitui fundamento legal de Oposição à execução fiscal, por força do preceituado no artigo 204.º n.º 1 al. d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Isto é, é jurisprudência pacífica que a prescrição do procedimento contra-ordenacional não é fundamento legal de oposição à execução, constituindo vício do procedimento sancionatório a invocar em processo de contra-ordenação sob pena de, não sendo impugnada, ficar coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação de coima.

Neste sentido vai, como dissemos, a doutrina veiculada em diversos arestos, deixando-se aqui parcialmente transcrito, porque mais pertinente e actual, o exarado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Maio de 2011 (proferido no processo n.º 409/11, disponível, na integra, em www.dgsi.pt): «A alegada prescrição do procedimento de contra-ordenação - invocada pela ora recorrente como fundamento do requerimento oportunamente dirigido ao Serviço de Finanças que está na origem do despacho de indeferimento reclamado – constitui vício do procedimento sancionatório a alegar no próprio processo de contra-ordenação (na fase de defesa do arguido – artigos 70.º e 71.º do RGIT) ou em recurso judicial da decisão de aplicação da coima, a deduzir no prazo de 20 dias após a notificação desta, nos termos dos artigos 79.º n.º 2 e 80.º e ss. do RGIT.

Ultrapassada aquela fase processual e esgotado o prazo para o recurso da decisão sem que este seja deduzido, a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional fica coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima (…) tornando-se insindicável pelo arguido.».

No mesmo sentido ficou decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de 1 de Outubro de 2008, processo n.º 408/08, cujo sumário aqui igualmente se transcreve: «I- A questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional está coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação de coima. II - E, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, só a «prescrição da dívida exequenda» da obrigação de coima é fundamento legal de oposição à execução fiscal, e não a prescrição do procedimento contra-ordenacional.».

É verdade que da matéria de facto fixada na sentença nada consta quanto ao que eventualmente terá ocorrido no procedimento, mas isso, sublinhe-se, é absolutamente indiferente para efeitos de apreciação da invocada nulidade que, face à posição assumida pelo Tribunal, mais ou menos acertada agora não importa, se tem que ter, manifestamente, por afastada.

4.3. Não tem razão quanto à nulidade da sentença por falta de especificação dos factos não provados porque essa especificação, embora formulada de forma pouco assertiva, existe.

Recordemos que no âmbito do processo civil, por força do que aí se consagra no artigo 607., n.º 3º (e que não difere, pelo menos relevantemente, da exigência legal que desde 1939 temos consagrado) o juiz tem o dever de especificar, isto é, discriminar, expondo autonomamente, os factos que julga provados, tomando em consideração os factos provados na audiência de julgamento e os demais que hajam sido invocados e cuja prova tenha resultado de documentos que tenham sido juntos ao processo, efectuando, para tanto, uma análise critica da prova.

Porém, no que respeita aos factos não provados, as exigências hoje impostas na elaboração da sentença ao Tribunal são bem distintas das que tradicionalmente regiam a sua elaboração, já que, por força do n.º 4 do citado normativo, aquela enunciação se estendeu aos factos não provados. Subsiste, porém, mesmo assim, uma diferença ao nível do dever comum do juiz declarar “os factos que julga provados e quais os que julga não provados”, qual seja, a de que só em relação aos provados é que exige que o juiz os discrimine. Como se disse em acórdão por nós subscrito na qualidade de adjunta «É evidente, pois, que a lei se basta com a mera referência aos factos não provados, já que a menção de que tal e tal facto não se encontra provado preenche o conceito de declaração na economia do art.º 607.º, n.º 4, do CPC.»

No âmbito do Código de Procedimento e Processo Tributário, todavia, a exigência é mais forte, na medida em que aí se impõe que o juiz discrimine “a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.

Comentando este preceito escreve JORGE LOPES DE SOUSA:

«A razão da exigência de indicação da matéria de facto não provada, além da provada, que não aparece no art. 659.º, n.º 2, do CPC, «está em que, no contencioso tributário, não há lugar à decisão da matéria de facto, por meio de acórdão ou despacho, próprios e autónomos, como acontece no processo civil - artº 653º nº 2 -, em que se exige a indicação dos "factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados". No contencioso tributário, é na própria sentença que se opera tal julgamento.

Aí, pois, a exigida discriminação dos factos provados e não provados é absolutamente essencial pois que não existe outra peça processual que concretize tal julgamento da matéria de facto. Compreende-se assim a não referência, no art.º 659.º do CPCivil, aos factos não provados pois que, aí, na sentença, não resta se não aplicar o direito aos factos provados, já que, como é óbvio, os não provados não interessam para o efeito.

É, pois, a necessidade absoluta de julgamento da matéria de facto efectuada, no contencioso tributário, na própria sentença, que leva directamente à exigência da predita discriminação entre "a matéria provada da não provada"

Em suma; é hoje indiscutível, quer face ao regime consagrado na legislação processual geral, quer na legislação processual especial ou privativa dos processos regulados pelo Código de Procedimento e Processo Tributário, que o juiz deve declarar quais os factos que julga não provados.

Do que vimos dizendo não se deve, porém, extrair a conclusão de que face ao preceituado no artigo 123.º do CPPT, será nula toda a sentença em que se não realize uma enunciação exaustiva, uma enunciação, ponto por ponto, da matéria de facto que se deve julgar como não provada, sendo suficiente que os termos em que a mesma é feita permitam concluir, sem margem para dúvidas, pelo juízo negativo esperado. Ou seja, a sentença não é nula se da sua leitura é possível a qualquer destinatário perceber quais os factos que o Tribunal julgou como não provados.

Ora, no caso concreto, não cremos que qualquer destinatário possa ter dúvidas quanto aos factos que o Tribunal a quo deu como não provados: todos os que o Tribunal não deu como provados. E como os que o Tribunal deu como provados estão contemplados na única alínea do probatório, fácil é concluir, através dessa remissão, que os demais alegados não se provaram.

Tal como não podem existir dúvidas quanto aos concretos fundamentos, isto é, quanto aos concretos meios de prova ou quanto às razões em que a descriminação dos factos provados e não provados assentou: os factos provados, nos documentos para os quais se remete na única alínea em que se substanciam, como expressamente se afirmou [«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»]. Os factos não provados, na sua expressa impertinência, dizemos nós, compreensível à luz da única questão que o Tribunal a quo entendeu conhecer.

Questão distinta, mas que a recorrente não deixa de também suscitar, é a de saber se nessa apreciação dos factos provados ou dos que entendeu como não provados, o Tribunal errou, apreciação que, naturalmente, apenas em sede de sindicância dos erros de julgamento imputados ao julgado será apreciada.

4.4. Afastada a censura à sentença fundada na sua nulidade, as questões que ficam para analisar são, agora, as saber se o Tribunal a quo errou no julgamento de facto ou no julgamento de direito.

Nesse sentido, e começando pelo invocado erro de julgamento de facto, podemos afirmar que, embora de forma muito condensada, a única alínea [A)] da matéria de facto contém todos os elementos necessários à análise da única questão que o Tribunal elegeu como a única a ser apreciada (após ter rejeitado os demais fundamentos invocados). Isto é, partindo da delimitação do objecto legalmente admissível – prescrição da coima, que, como deixámos assente, no essencial e com a fundamentação que aduzimos, subscrevemos, nada há a censurar aos factos que foram seleccionados como relevantes.

Efectivamente, em bom rigor, embora substanciada num único ponto, a referida alínea contêm vários factos:

- data da instauração do processo de execução [Foi instaurado em 02.11.2011 processo de execução contra a executada M...];

- natureza da dívida [ por dívida proveniente do Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P.,];

- data de emissão da certidão [ com base na certidão emitida em 22.10.2011];

- data da decisão de aplicação da coima [“da decisão proferida em 02.11.2009 em diversos processos de aplicação de coimas e relativa a contra-ordenações por infracções verificadas em 2008];

- data de citação para os termos da execução e data a partir da qual, pelo menos, essa decisão de aplicação da coima transitou em julgado, isto é, 30-1-2011, por ser a última das datas fixadas pela Administração Fiscal como sendo aquela a partir da qual a dívida passaria a vencer juros [colhida de “fls do 14 a 16, notificação de fls 22 a 28, dos autos”].

E tais factos são, como já o afirmámos, suficientes para decidir da questão da prescrição.

Porém, e contrariamente ao que julgou o Tribunal a quo, de tal factualidade não resulta que a dívida não se encontra prescrita, sendo a única conclusão possível face aos factos apurados precisamente a oposta

De facto, e se bem interpretamos o julgado, para sustentar a conclusão de não prescrição o Tribunal a quo efectuou o seguinte raciocínio: tendo a recorrente sido notificada das decisões de aplicação da coima em 2-11-2009, considerando a data do trânsito em julgado daquela e a data de instauração do processo de execução, em 2-11-2011 e os efeitos desta instauração decorrentes – interrupção do curso do prazo prescricional - deve concluir-se que o prazo de dois anos previstos no artigo 16-B, da Lei n.º 25/2006, de 30-6 (na redacção que lhe foi atribuída pela Lei n.º 64-B/2007) não se mostrava, na data de prolação da decisão recorrida, decorrido.

Não é, porém, repita-se, correcta a subsunção jurídica efectuada pelo Tribunal a quo.

Na verdade, não sendo merecedor de censura o quadro jurídico aplicável – artigo 16-B, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho - porque era o regime regulador vigente à data do trânsito em julgado da decisão de aplicação da coima - e, consequentemente, sendo correcto o prazo prescricional de 2 anos eleito [o artigo 16.º-B da referida Lei, sob a epígrafe de “Prescrição das coimas e das sanções acessórias», prescrevia, á data, que as coimas e sanções acessórias previstas nessa Lei prescrevem no prazo de dois anos], errou o Tribunal ao entender que do mero facto de ter sido instaurado o processo de execução resulta a interrupção do prazo prescricional.

Senão, vejamos:

Dispõem, respectivamente, os artigos 30.º e 30-A, n.º 1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações (subsidiariamente aplicável, conforme doutrina e jurisprudência uniformes), que «A prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que: a) Por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar;b) A execução foi interrompida;c) Foram concedidas facilidades de pagamento e se interrompe «(…) com a sua execução(negrito de nossa autoria).

Da leitura dos preceitos transcritos temos, desde logo, que o artigo 30.º do RGCO indica como causas de suspensão da prescrição da coima a impossibilidade legal de a sua execução começar ou continuar, a interrupção da execução e a concessão de facilidades de pagamento.

Tudo, sem prejuízo de, como se mostra determinado no n.º 2 do artigo 30.º-A do RGCO, à semelhança, de resto, com o que está estabelecido no artigo 126.º n.º 3 do Código Penal, existir um termo absoluto para a prescrição, determinando-se que a prescrição ocorre sempre que, ressalvado o período de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.

Subjacentes a essa estipulação estão várias razões, centradas, no essencial, na necessidade ou exigência impostas por um Estado de Direito de limitação do tempo de perseguição e de prossecução do procedimento criminal.

Efectivamente, e como é sabido, a interrupção da prescrição, ao contrário do que sucede com a suspensão, tem como consequência que o tempo decorrido antes da causa de interrupção fique sem efeito, devendo, portanto reiniciar-se novo prazo logo que desapareça essa mesma causa, tal como resulta da norma contida no artigo 121º nº 2 do Código Penal.

No entanto, como bem se compreende, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, indesejavelmente, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra o arguido.

Foi precisamente em ordem a evitar essa situação que se estabeleceu no RGCO o referido limite à admissão de um número infinito de interrupções e à ideia de que cada interrupção da prescrição implica um novo decurso da totalidade do prazo, através da norma transcrita, na qual expressamente se consagra que “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”. Ou seja, resulta claramente da norma em questão que o prazo máximo de prescrição em procedimento contra-ordenacional tributário é de sete anos e meio.

Por último, importa ainda salientar que sobre a interpretação da norma contida no n.º 1 daquele artigo 30.º-A foi já proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 8 de Março de 2012 (processo n.º 204/05.0GBFND.C1-AS1), acórdão de fixação de jurisprudência aí se expendendo a seguinte doutrina:

«Não é, pois, por um determinado acto estar sistematicamente inserido na fase processual da execução de uma espécie de pena que constitui acto de execução dessa pena. Valendo a norma do artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal tanto para a pena de prisão como para a pena de multa, a instauração da execução patrimonial contra o condenado em pena de multa está, para este efeito, no mesmo plano que os procedimentos previstos no artº 477º do Código de Processo Penal, os quais, não obstante o preceito estar integrado na fase da execução da pena de prisão (Título II do Livro X), ninguém considerará como actos de execução dessa pena, sendo até que o do nº 4 tem lugar antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, numa altura em que a pena nem pode ser executada, à luz do artigo 467º, nº 1, deste último diploma. Este mesmo entendimento foi já afirmado em acórdão da Relação de Lisboa de 09/10/1985: «A instauração da execução patrimonial não é execução ou cumprimento da pena, como não o é (no que se julga haver consenso unânime) a ordem para passar mandados de captura e as diligências para a execução destes, só o sendo o acto da prisão» (Colectânea de Jurisprudência, Ano X, Tomo IV, página 177).

Que execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas é ainda a conclusão imposta pela história do actual artigo 126º do Código Penal.

Esse preceito corresponde ao artigo 124º da versão inicial do Código Penal de 1982, de cujo texto, para o que ora releva, decorria, que «1. A prescrição da pena interrompe-se: a) Com a sua execução; b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado.».

Previam-se aqui como causas de interrupção da prescrição da pena «a sua execução» [alínea a) do nº 1] e «a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar», se a execução se tornasse «impossível» por o condenado se encontrar em local donde não pudesse «ser extraditado» ou onde não pudesse «ser alcançado» [alínea b)].

Nesta versão, não haverá dúvidas de que os actos destinados a fazer executar a pena não podiam ser vistos como execução da pena, pois aqueles e esta configuravam causas de interrupção da prescrição distintas. Se os actos destinados a fazer executar a pena se devessem já considerar como execução, a disposição da alínea b) seria totalmente inútil, por prever matéria já abarcada na previsão da alínea a), sendo de afastar uma tal conclusão em face da regra de interpretação estabelecida no artigo 9º, nº 3, do Código Civil: «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

Já no artigo 115º do Projecto de 1963, da autoria do Prof. Eduardo Correia, que está na génese do artigo 124º da versão originária do Código Penal de 1982, execução da pena e actos destinados a fazê-la executar eram colocados lado a lado, sem se confundirem: «A prescrição da pena interrompe-se pela sua execução, bem como por qualquer acto da autoridade competente que vise fazê-la executar» (BMJ 151º, páginas 53 e 54). A distinção veio a tornar-se mais nítida no texto da lei (esse artigo 124º), integrando, como se viu, a execução da pena e os actos destinados a fazê-la executar diferentes causas de interrupção da prescrição da pena, operando os últimos somente se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado.

E nesta matéria nada se alterou da versão inicial do Código Penal de 1982 para a versão introduzida pela reforma de 1995, visto o texto da alínea a) do nº 1 do anterior artigo 124º ter passado a constituir, sem qualquer alteração, o texto da alínea a) do nº 1 do actual artigo 126º: «A prescrição da pena (…) interrompe-se: Com a sua execução».

A alteração que houve foi da alínea b), sendo que, se na versão inicial do Código a prescrição da pena se interrompia com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazer executar a pena, se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado, com a reforma de 1995, essa causa de interrupção da prescrição foi substituída pela «declaração de contumácia», leitura que, segundo Figueiredo Dias, já devia fazer-se da anterior redacção, após a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987: «Fundamentos da interrupção são, por um lado, a execução da pena e, por outro, a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em lugar onde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado (…). Torna-se notório que este segundo fundamento deve ser lido, de acordo com o nosso novo sistema processual penal, como correspondendo às situações de contumácia» (ob. cit., § 1155).

Essa alteração teve consequências, pois restringiu a aplicação da causa de interrupção da prescrição da alínea b) à pena de prisão e à medida de internamento, as únicas reacções criminais que podem conduzir à situação de contumácia, mas não interferiu com o âmbito de previsão da disposição da alínea a), sendo-lhe alheia.

Acerca do paralelismo entre a norma penal e a norma contra-ordenacional, decidindo em sentido coincidente com o fixado no acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, concluiu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5-2-2013 (proferido no processo n.º 26/11.9TAELV.E1): “Ora, bem vistas as coisas, não se descortina razão alguma para, no que à prescrição da coima diz respeito, se decidir em sentido diverso. Mal se compreenderia que, em matéria de contra-ordenações, o legislador afirmasse uma vontade de perseguição sancionatória superior à que reserva para a pena de multa, sanção reservada à prática de crimes».

Conclui-se, pois, que a instauração de execução patrimonial pelo Ministério Público para obtenção do pagamento coercivo da multa não paga voluntariamente, sendo só um acto que visa a execução da pena de multa, não interrompe a prescrição dessa pena.

Se, como se disse, só se entra na execução da pena se houver um princípio de cumprimento (a questão que se debate só se coloca se houver pena para cumprir, ou seja, enquanto o cumprimento não for total), são actos de execução e, por isso, com efeito interruptivo da prescrição da pena de multa: a) o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída, mas não a decisão de substituição; b) o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada, mas não a notificação para pagamento nem a instauração da execução patrimonial; c) o cumprimento parcial da prisão subsidiária, mas não a decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.

E compreende-se que seja esta a solução legal. Na verdade, se a prescrição encontra fundamento no facto de a execução de uma pena muito tempo depois da sua aplicação não cumprir já as suas finalidades, tanto do ponto de vista da prevenção especial como da prevenção geral, então, para além da situação em que a execução da pena é impossível, por indisponibilidade do condenado (contumácia), a sua interrupção só deve ser activada por actos que não se limitem ao desenvolvimento de determinada actividade processual e tenham impacto fora do processo, junto da comunidade e do condenado, mantendo nos dois planos a actualidade da pena. Esses actos só podem ser de materialização da pena na esfera de interesses ou valores do condenado, ou seja, actos de cumprimento da pena, actos que podem ser múltiplos, visto o cumprimento nem sempre ser contínuo.

Na doutrina, pronuncia-se neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque: «(…) a instauração da acção de execução da pena de multa (…) não corresponde ainda à “execução” da pena de multa. (…) só com o início do pagamento da pena de multa, isto é, só com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena» (Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada, página 387).

Na jurisprudência das Relações, encontram-se decisões no sentido de ambos os acórdãos em conflito, sendo claramente maioritária a corrente em que se integra o acórdão recorrido. Assim, no sentido deste decidiram, no essencial com os mesmo fundamentos, os acórdãos da Relação do Porto de 04/02/2004, proferido no processo nº 0315181, de 28/04/2004, proferido no processo nº 0410042, de 22/09/2010, proferido no processo nº 245/03.ITASTS.P1, e de 21/09/2011, proferido no processo nº 70/06.2PBMAI.P1, da Relação de Évora de 07/10/2010, proferido no processo nº 394/03.6PCSTB.E1, da Relação de Lisboa de 25/03/2010, proferido no processo nº 347/04.7GEOER.L1 (www.dgsi.pt) e da Relação de Coimbra de 14/10/2009 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXIV, Tomo IV, página 51). Como o acórdão fundamento decidiram, coincidindo nos fundamentos, os acórdãos da Relação do Porto de 19/10/2005, proferido no processo nº 0411498, e de 17/01/2007, proferido no processo nº 0615889 (www.dgsi.pt).” (1)

Em suma, para a jurisprudência e doutrina dominantes, que aqui subscrevemos, a simples instauração do processo executivo visando a cobrança coerciva da coima não reveste virtualidade, por si só, para constituir uma causa de suspensão da prescrição, dado não constar do elenco das medidas suspensivas previstas no art. 30.º do RGCO [cfr. neste sentido, para alem do acórdão deste Tribunal Central já citado, os acórdãos de 27-9-2011 (proferido no processo n.º 2907/09); de 2-10-2012 (proferido no processo n.º 5436/12) e da Relação de Lisboa de 27-9-2006 (proferido no processo n.º 7034/2006-3), todos disponíveis em www.dgsi.pt ].

Transpondo a conclusão alcançada neste aresto para a questão vertente, temos, então, que a instauração do processo de execução não constitui uma “execução da coima”, consubstanciando apenas a prática de um acto inserido numa determinada actividade processual – a execução fiscal –, e, consequentemente, insusceptível de assumir relevância interruptiva para efeitos do art. 30.º-A, n.º 1, do RGCO.

E, sendo assim, há então que concluir que a instauração da execução por coima não teve, in casu, qualquer efeito interruptivo da prescrição sendo que não se verificou qualquer execução da coima.

Como se disse no Acórdão deste Tribunal Central de 16-10-2014, por nós já mencionado: «De igual modo, ainda que o sentido da referência efectuada não se apresente isento de dúvida, dado que os Autores referem que o acto de instauração da execução se deve considerar interruptivo da prescrição (cfr. Contra-Ordenações; Anotações ao Regime Geral, 2.ª ed., 2003, p. 241), na doutrina certo é que Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos não deixam de afirmar que: “O n.º 1 do art. 30.°-A do RGCO atribui efeito interruptivo da prescrição à «execução» da coima e não explicitamente à sua instauração, o que poderia sugerir que enquanto se mantivesse a execução se manteria o efeito interruptivo. Porém, o facto de a al. b) do art. 30.º atribuir efeito suspensivo à interrupção da execução, leva a concluir que o prazo de prescrição continua a correr na pendência da execução, pois só assim se compreende que se possa suspender» (in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª ed., 2008, p. 331; idem ob. cit. supra, p. 241).

Em síntese, no presente caso a instauração da execução por coima a 2-11-2011 não teve qualquer efeito interruptivo da prescrição.

E, sendo assim, considerando que as decisões de aplicação de coima foram proferidas a 2-11-2009 (2) e 5-11-2009 (1) e que, pelo menos, respectivamente, a 15-1-2010 e 29-1-2010 transitaram em julgado (note-se, como deixámos já assente, pelo menos a essa data já teriam transitado por nos dias imediatos se ter iniciado a contagem dos juros que, como se sabe, só são devidos se a coima não estiver paga e a decisão tiver transitado em julgado) impõe-se concluir que na data em que o Tribunal a quo apreciou da prescrição, há muito estavam decorridos os prazos prescricionais que, por inexistência de qualquer factor de suspensão ou interrupção, findaram, respectivamente, em 15-1-2012 e 29-1-2012.

Por tudo o que ficou dito é de julgar procedente o recurso jurisdicional e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e, reconhecendo a prescrição da dívida, julgar extinto o procedimento de execução.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, concedendo provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida, declarar a prescrição da dívida exequenda e, em consequência, extinto o processo executivo.

Custas pelo Recorrido.

Registe e notifique.

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Lisboa, 8 de Junho de 2017

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano)

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[Ana Pinhol]