Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:867/12.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:FALTA DE ATAQUE A UM DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO
INUTILIDADE DO RECURSO
Sumário:I - Se a sentença julgou procedente a pretensão dos oponentes com mais do que um fundamento, o recurso só terá utilidade se atacar todos esses fundamentos, sendo que se não o fizer em relação a um deles, sempre a decisão se manterá incólume com base neste, relativamente ao qual se verificou o trânsito em julgado.

II - Assim, a apreciação do recurso revela-se inútil, uma vez que, ainda que fosse provido, nunca a Recorrente obteria o efeito jurídico pretendido – a revogação da sentença –, uma vez que sempre se manteria o julgamento nela efectuado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o n.º 3, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a oposição deduzida por R..., NIF 1… e M..., NIF n.º 1…, ambos com domicílio fiscal na rua N…, em Lisboa, na qualidade de devedores subsidiários, ao processo de execução fiscal n.º 1520… e apensos, instaurado pelo serviço de finanças de Loures-1 contra a devedora originária sociedade B… Ld.ª, para cobrança coerciva de coimas, relativas ao ano de 2008 e dívidas relativas aos seguintes Impostos; IRS, IRC e Imposto de Selo relativos ao ano de 2008 e IVA referente ao 3.º trimestre de 2008, no valor global de € 7.671,82 (sete mil, seiscentos e setenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), as quais foram revertidas contra os ora Oponente, na qualidade de devedores subsidiários (sendo que, ao Oponente foi a dívida revertida na sua totalidade e à Oponente, no montante de € 4.640,86). Mais, aquela sentença, condenou a Fazenda Pública nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida em primeira instância, porquanto a mesma ter julgou procedente a oposição quanto ao Oponente R... sobre a dívidas revertida de IRS de 2008, no montante de €458,00 determinando a absolvição do Oponente da instância.
B. O Ilustre Tribunal “a quo” considera que, quanto a parte ora sobre recurso, que em suma, que a AT limitou-se a uma prova meramente formal da inscrição do Oponente como gerente de direito no registo comercial e, para além disso, apontou um único ato praticado pelo Oponente, em 2008/08/31.
C. No entanto, refere que “Efectivamente, tal com consta do probatório, apenas a liquidação de IRS no valor de €458,00 tinha como prazo de pagamento voluntário data anterior a Outubro de 2008, sendo que, o prazo de pagamento de todas as restantes dívidas exequendas se venceu após a data em que o Oponente renunciou à gerência.” (negrito nosso).
D. No entendimento da Representação da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” encontra-se inquinada parcialmente por vício formal consagrado no artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT) e na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil (doravante CPC) - aplicável ao processo tributário por força do disposto na alínea e) do art. 2.º do CPPT - denominado por oposição entre os fundamentos e a decisão.
E. Ora, no caso concreto, não só todos os fundamentos de facto, bem como os fundamentos de direito constantes da douta Sentença exarada, no que concerne à questão controvertida da ilegitimidade do Oponente quanto à dívida de IRS de 2008 no valor de €458,00, conduzem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório.
F. Com efeito, a conclusão pela ilegitimidade e a Ilegalidade do despacho de reversão deveriam ter conduzido à decisão de improcedência do pedido formulado pela ora recorrida em sede de oposição, por força de ter reconhecido que o prazo de limite de pagamento da dívida de IRS de 2008 é anterior à renúncia da gerência do Oponente, e por a referência ter sido efetuado à luz da al.b) do n.º1 do art.24.º da LGT.
G. Assim, estando a decisão proferida em contradição com os factos provados e argumentação expressa na sentença quanto à dívida de IRS de 2008, no montante de €458,00, o Ilustre Tribunal “a quo” deveria ter tomado outra decisão, em conformidade com o corpo da sentença.
H. O que redunda, necessariamente, na conclusão de que o conhecimento, pelo Ilustre Tribunal “a quo”, deveria ter conduzido, por si só, à improcedência da oposição judicial quando à dívida de IRS de 2008, no valor de €458,00.
I. Sem prescindir, no entendimento da Representação da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” também se encontra na inquinada, por erro de julgamento, quando ao entendimento perfilhado sobre o Oponente quando à sua gerência de facto e à inerente responsabilidade subsidiária pela dívida de IRS de 2008.
J. Conforme supra já salientamos, o Tribunal “a quo” entende que o requerimento apresentado pelo Oponente, na qualidade de gerente da sociedade, em 13/08/2008, terá que ser visto com um ato isolado, que não demonstra uma atividade continuada de gerência, e como tal, não é suficiente para provar a gerência de facto do Oponente.
K. Em 13-08-2008, o Oponente, ora recorrente, apresentou um requerimento a pedir o pagamento em prestações da sociedade devedora originária, na qualidade de gerente, e dessa forma, a sociedade devedora assumiu uma nova responsabilidade de pagamento com a sociedade, ou seja, o Oponente, usou dos seus poderes, para representar a sociedade, pedindo um pagamento faseado das responsabilidades de pagamento da sociedade.
L. Ao contrário do referido pelo Tribunal “a quo” , não se trata de um mero ato isolado, mas um ato que está em consonância com uma gestão e estratégia da sociedade, um opção de gestão, demonstrativo do conhecimento das dívidas da sociedade e da sua capacidade de pagamento, quer com a AT, quer com terceiros, que levou a que entendesse ser melhor para a sociedade, numa gestão ativa, pagar as dívidas em prestações, ao invés de uma vez só, como decorre no normal.
M. Sem prescindir que, mesmo que se entenda eu exista uma dúvida sobre o exercício da gestão de facto do Oponente, que não se concebe, sempre se deverá acalentar, que o dever fundamental de pagar impostos, consagrado constitucionalmente, impõe que na pendência de uma situação duvidosa, deve-se pender para legitimidade do Oponente, como gerente, ou seja, nada se provando, ou dúvidas permaneçam, deve-se manter a responsabilidade dos gerentes.
N. Assim sendo, é entendimento da Representação da Fazenda Pública, que o Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise, violou o art.125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT) e na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil (doravante CPC) - aplicável ao processo tributário por força do disposto na alínea e) do art. 2.º do CPPT, consubstanciado numa nulidade da sentença, e erro de julgamento.
O. Sem prescindir, que é entendimento da Representação da Fazenda Pública, que o Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise, violou o art.24.º n.º1 al.b) da LGT
P. Portanto, a Fazenda Pública entende que dever-se-á considerar que a solução mais acertada no caso concreto é a nulidade da sentença por violação do art.615 n.º1 al.c) do CPC, e caso assim não se entenda, por erro de julgamento por não se verificar a falta de demonstração da gerência de facto do Oponente, sendo patente a responsabilidade subsidiária do Oponente pela dívida tributária de IRS de 2008.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada, JUSTIÇA!.
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Os Oponentes, aqui Recorridos, notificados, não apresentaram contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito às questões de saber:
- se ocorre nulidade da sentença, nos termos previstos na al. c), do nº 1, do artigo 615º, do CPC;
- apreciar e decidir a utilidade do recurso, o que passa por indagar se a sentença transitou em julgado quanto a um dos fundamentos que determinaram a procedência da oposição à execução fiscal.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
“a) Em 09/05/2008, foi instaurado no serviço de finanças de Loures-1, o processo de execução fiscal n.º 1520… e apensos, contra a sociedade B… Ld.ª, para cobrança coerciva de uma coima relativa ao ano de 2008, no montante de € 2.029,13 (dois mil e vinte e nove euros e treze cêntimos) - autuação de fls.1 e certidão de dívida de fls. 2 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
b) Ao processo de execução fiscal, identificado na alínea antecedente, foram, sucessivamente, apensados outros processos de execução fiscal, instaurados contra a sociedade “B… Ld.ª”, para cobrança coerciva de coimas, relativas ao ano de 2008, bem como para cobrança de dívidas relativas aos seguintes Impostos; IRS, IRC e Imposto de Selo, relativos ao ano de 2008 e IVA referente ao 3.º trimestre de 2008, perfazendo a quantia exequenda em 22/03/2011 (data em que a dívida exequenda foi revertida contra os Oponentes, o valor global de € 7.671,82 (sete mil, seiscentos e setenta e um euros e oitenta e dois cêntimos) - análise do PEF, apenso aos autos, certidões de dívida juntas ao PEF e listagem anexa ao despacho de reversão do Oponente, juntos a fls. 261 e 262 do PEF, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos.
c) Por despacho, datado de 16/02/2011, o chefe do serviço de finanças de Loures-1, determinou a preparação dos processos de execução fiscal, identificados em a) para reversão dos respectivos créditos tributários contra o ora oponente R..., que são concretamente, os seguintes:
- quatro coimas, referentes ao período de tributação compreendido entre 01/01/2008 a 31/12/2008 e constantes das seguintes certidões: n.ºs 2008/…; 2008/…; 2008/…e 2008/…, nos valores, respectivamente, de € 634,87, € 1.380,25, € 22,85 e € 972,24, cujas datas limites de pagamento voluntário ocorreram em 08/04/2008 (as duas primeiras) e 19/05/2008 (as duas últimas) ;
- créditos de IRS, relativos ao período compreendido entre 01/01/2008 a 31/12/2008, constantes da certidão n.º 2008/…, no valor de € 458,00 e cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 20/09/2008;
- créditos de IRS, relativos ao período compreendido entre 01/01/2008 a 31/12/2008, constantes da certidão n.º 2008/…, no valor de € 331,32 e cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 20/11/2008;
- créditos de IVA, relativos ao período compreendido entre 01/01/2008 a 31/12/2008, constantes da certidão n.º 2008/…, no valor de € 2.241,64 e cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 17/11/2008;
- créditos de IRC, relativos ao período compreendido entre 01/01/2008 a 31/12/2008, constantes da certidão n.º 2009/…, nos valores de € 1.565,34 e € 31,31 e cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 02/09/2009;
- créditos de Imposto de Selo, relativos ao período compreendido entre 01/01/2008 a 31/12/2008, constantes da certidão n.º 2009/…, no valor de € 24,00 e cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 20/01/2009 - projecto de reversão e listagem de dívidas juntos a fls. 118 e 119 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
d) No citado projecto de reversão refere-se taxativamente o seguinte, quanto aos fundamentos da reversão:
Objecto e Função da Notificação:
(…) Pela presente fica ciente de que, por despacho de 16/02/2011, determinei a preparação do processo para efeitos de reversão das execuções fiscais infra identificadas (…) contra V. Exª, na qualidade de Responsável Subsidiário.
Face ao disposto nos normativos do n.º4 do artigo 23.º e do artigo 60.º da LGT, fica notificado para, no prazo de 10 dias, a contar da presente notificação, exercer o direito de audição prévia, para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Ex.ª.
O direito de audição tem por objecto as dívidas exigidas nos processos abaixo discriminados e deverá ser exercido no prazo acima indicado, e findo este ficará o respectivo direito precludido.
Projecto de reversão:
(…) Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (artigo 23.º, n.º2 da LGT):
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo (artigo 24.º, n.º1, alínea a) da LGT) e por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artigo 24.º, n.º1, alínea b) da LGT).
Situação Líquida da empresa Negativa, bens penhorados insuficientes para garantir a dívida, conforme Auto de Diligências.
Gerente conforme Certidão Permanente” - citado projecto de reversão, junto ao PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
e) Em 11/03/2011, o ora Oponente exerceu o seu direito de audição, tendo invocado, em síntese que, não exerceu, “de facto”, a gerência a partir de 03/04/2008 e que, em 02/10/2008 renunciou formalmente à gerência, conforme consta da certidão de registo comercial da sociedade, pelo que, as dívidas revertidas, cujo termo do prazo de pagamento ocorreu após o exercício nominal do cargo de gerente pelo Oponente, deveriam ter sido revertidas ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 24.º da LGT - articulado junto a fls. 121 e segs. do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
f) O OEF não se pronunciou sobre os factos invocados pelo Oponente e descritos em e) - facto admitido por acordo das partes e análise do despacho de reversão, junto a fls. 260 a 262 do PEF, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
g) Por despacho, proferido a 22/03/2011, foi ordenada a reversão das dívidas do processo de execução, ids. em c), contra o ora oponente R..., cuja fundamentação replicou, em síntese, os fundamentos constantes do projecto de reversão - citado despacho de reversão.
h) Por despacho, datado de 16/02/2011, o chefe do serviço de finanças de Loures-1, determinou a preparação de parte dos processos de execução fiscal, identificados em a), no valor global de € 4.640,86 (quatro mil, seiscentos e quarenta euros e oitenta e seis cêntimos), para reversão dos respectivos créditos tributários contra a ora oponente M..., que são concretamente, os seguintes:
- quatro coimas, referentes ao período de tributação compreendido entre 01/01/2008 a 31/12/2008 e constantes das seguintes certidões: n.ºs 2008/…; 2008/….; 2008/….e 2008/…, nos valores, respectivamente, de € 634,87, € 1.380,25, € 22,85 e € 972,24, cujas datas limites de pagamento voluntário ocorreram em 08/04/2008 (as duas primeiras) e 19/05/2008 (as duas últimas);
- créditos de IRC, relativos ao período compreendido entre 01/01/2008 a 31/12/2008, constantes da certidão n.º 2009/…, nos valores de € 1.565,34 e € 31,31 e cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 02/09/2009;
- créditos de Imposto de Selo, relativos ao período compreendido entre 01/01/2008 a 31/12/2008, constantes da certidão n.º 2009/…, no valor de € 24,00 e cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 20/01/2009 - projecto de reversão e listagem de dívidas juntos a fls. 118 e 119 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
- projecto de reversão e listagem de dívidas juntos a fls. 176 e 177 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
i) No citado projecto de reversão refere-se taxativamente o seguinte, quanto aos fundamentos da reversão:
Objecto e Função da Notificação:
(…) Face as diligências de fls… determino a preparação do processo para efeitos de reversão das execuções fiscais infra identificadas (…)
Face ao disposto nos normativos do n.º4 do artigo 23.º e do artigo 60.º da LGT, fica notificado para, no prazo de 10 dias, a contar da presente notificação, exercer o direito de audição prévia, para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Ex.ª.
O direito de audição tem por objecto as dívidas exigidas nos processos abaixo discriminados e deverá ser exercido no prazo acima indicado, e findo este ficará o respectivo direito precludido.
Projecto de reversão:
(…) Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (artigo 23.º, n.º2 da LGT):
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artigo 24.º, n.º1, alínea b) da LGT)” - citado projecto de reversão, junto ao PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
j) Em 11/03/2019, a ora Oponente exerceu o seu direito de audição, tendo invocado, em síntese que, nunca exerceu “de facto” a gerência, por trabalhar há mais de 25 anos, exclusivamente para uma companhia de seguros e que, renunciou formalmente à gerência em 03/04/2008, conforme consta da certidão de registo comercial da sociedade - articulado junto a fls. 181 e segs. do PEF, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
k) Em 22/03/2011, foi proferido despacho de reversão contra a ora Oponente, cuja fundamentação reproduz o supra transcrito projecto de reversão - despacho de reversão, junto a fls. 251e 252 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e citado projecto de reversão.
l) O oponente R... assumiu nominalmente as funções de gerente da sociedade devedora originária em 18/03/1998, tendo-se mantido nessas funções nominais até 02/10/2008, data em que renunciou formalmente às mesmas e a oponente M... assumiu nominalmente as funções de gerente da sociedade devedora originária em 18/03/1998, tendo-se mantido nessas funções nominais até 03/04/2008, data em que renunciou formalmente às mesmas - certidão de registo comercial, junta a fls. 158 e segs. do PEF, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
m) Em 13/08/2008, o oponente R..., na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, subscreveu um requerimento, entregue, na referida data, no serviço de finanças de Loures, em sede do qual, peticionou o pagamento em prestações de todas as dívidas fiscais da sociedade – requerimento junto a fls. 33 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
n) A presente oposição foi apresentada no respectivo serviço de finanças em 17/05/2011 - carimbo de recepção aposto a fls. 5 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
“1 - Que no período em que ocorreram os factos constitutivos dos créditos tributários ou, no período em que se verificou o prazo legal de pagamento dos tributos, ora cobrados coercivamente, os Oponentes praticaram reiterada e sucessivamente, actos de gestão em nome da sociedade, nomeadamente representando-a junto de entidades públicas ou/e privadas, preenchendo e assinando títulos de crédito, como seus representantes legais, contratando com fornecedores, clientes ou com funcionários da sociedade, de forma reiterada e pagando-lhes o respectivo salário ou ainda auferindo rendimentos, na qualidade de gerentes da sociedade ou ainda assinando declarações fiscais, para além do requerimento, subscrito pelo Oponente, junto da AT, identificados pelo OEF.
2- Não se provou a culpa dos Oponentes, na insuficiência do património da devedora originária, de molde a poder cumprir com as dívidas tributárias.”
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A convicção do Tribunal assentou, nos seus dizeres:
“Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.
Quanto ao facto não provado, identificado em 4.2.1., resultou a convicção do Tribunal de a AT, se ter limitado a fazer uma prova meramente formal, isto é, da inscrição dos oponentes como gerentes “de direito”, no registo comercial e no cadastro da AT.
Para além dessa prova formal, apontou o OEF, um único acto, praticado pelo Oponente e 31/08/2008.
Contudo e, conforme jurisprudência reiterada dos nossos tribunais superiores é necessário que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a gerência de facto da sociedade ser atestada pela prática de actos isolados.
Neste sentido leiam-se os seguintes arestos do STA: de 23/01/2013, proferido em sede do processo n.º 0953/12 e de 31/10/2012, proferido em sede do processo n.º 580/12.
No mesmo sentido o acórdão do TCAN de 02/02/2012, proc. n.º 00273/09 BEPNF), onde se escreve: “é pressuposto da responsabilidade subsidiária, prevista no artigo 24.º da LGT, que a AT demonstre que o gerente de direito da sociedade devedora originária, exerceu, igualmente, as funções de gerente “de facto”. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados praticados pelo Oponente”.
Votando agora aos autos, verifica-se que, salvo o devido respeito, não existe suporte documental donde se possa retirar a ilação da gerência “de facto”, por parte dos Oponentes, nomeadamente da representação da sociedade, em actos reiterados e sucessivos, junto de entidades públicas ou privadas, nos exercícios de 2008 e 2009 (períodos em que se verificaram os factos constitutivos dos créditos tributários, ora cobrados coercivamente, bem como os respectivos prazos voluntários de pagamento).
Sublinhe-se ainda que os Oponentes renunciaram formalmente ao exercício da gerência em Abril (a Oponente) e Outubro (o Oponente) de 2008.
E, relativamente à Oponente não consta dos autos a identificação de um único acto de gerência, por esta praticado. Já quanto ao Oponente, consta dos autos apenas a assinatura de um único requerimento, no qual peticiona, ao serviço de finanças, o pagamento de dívidas fiscais em prestações.
Não existem nos autos quaisquer outros documentos, nomeadamente contratos de trabalho, com fornecedores ou clientes, assinados pelos Oponentes, em representação da sociedade, não constam dos autos documentos relativos à gestão diária da sociedade como encomendas, facturas, ou outros, em que constem as assinaturas dos Oponentes, nem foram juntos aos autos títulos de crédito assinados pelos Oponentes ou quaisquer outras declarações fiscais assinadas pelos Oponentes, para além do requerimento, supra identificado.
E, sendo certo que, era à administração fiscal que competia reunir essa prova documental (prova que, de acordo com a jurisprudência pacífica existente nesta matéria, terá que ser contemporânea do despacho de reversão), resta concluir que, não tendo o OEF reunido e coligido documentos suficientes, que permitam fazer a prova da gerência de facto, por parte dos Oponentes, no período em apreço, o referido facto foi dado como não provado.
Quanto ao facto não provado, alinhado em 4.2.2., baseou-se a convicção do Tribunal, no facto do OEF não ter provado a culpa dos Oponentes, de acordo com o disposto no artigo 8.º do RGIT, nem o ter feito, de acordo com o disposto na alínea a), do n.º1, do artigo 24. º da LGT, relativamente às dívidas tributárias revertidas contra o Oponente, cujo prazo de pagamento voluntário ocorreu após a data da sua renúncia à gerência.”
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente a oposição, absolvendo os oponentes da instância executiva.
Para tanto, apresentou dois fundamentos para a sua decisão:
(i) Da ilegitimidade dos Oponentes;
(ii) Da ilegalidade do Despacho de Reversão, por o OEF se não ter pronunciado sobre os novos factos alegados pelos Oponentes, em sede de audição prévia.

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão por ter sido julgada procedente a oposição quanto ao Oponente R... sobre as dívidas revertidas de IRS de 2008, no montante de € 458,00, e sido determinado a absolvição do oponente da instância, cfr. conclusão A) de recurso.
Temos, assim, que o presente recurso foi apresentado somente quanto a uma parte da decisão, a saber, quanto ao oponente R… sobre as dívidas revertidas de IRS de 2008, pelo que a restante decisão transitou em julgado.

Aqui chegados, e quanto à decisão recorrida vem a recorrente invocar que a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” encontra-se inquinada parcialmente por vício formal consagrado no artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT) e na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil (doravante CPC) - aplicável ao processo tributário por força do disposto na alínea e) do art. 2.º do CPPT - denominado por oposição entre os fundamentos e a decisão. (conclusão de recurso D.)
Assim, julgamos que a recorrente vem invocar a nulidade da sentença, nos termos previstos na al. c), do nº 1, do artigo 615º, do CPC.
E para tal apresenta a seguinte argumentação (conclusões de recurso E. a H.):
Ora, no caso concreto, não só todos os fundamentos de facto, bem como os fundamentos de direito constantes da douta Sentença exarada, no que concerne à questão controvertida da ilegitimidade do Oponente quanto à dívida de IRS de 2008 no valor de €458,00, conduzem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório. Com efeito, a conclusão pela ilegitimidade e a Ilegalidade do despacho de reversão deveriam ter conduzido à decisão de improcedência do pedido formulado pela ora recorrida em sede de oposição, por força de ter reconhecido que o prazo de limite de pagamento da dívida de IRS de 2008 é anterior à renúncia da gerência do Oponente, e por a referência ter sido efetuado à luz da al.b) do n.º1 do art.24.º da LGT. Assim, estando a decisão proferida em contradição com os factos provados e argumentação expressa na sentença quanto à dívida de IRS de 2008, no montante de €458,00, o Ilustre Tribunal “a quo” deveria ter tomado outra decisão, em conformidade com o corpo da sentença. O que redunda, necessariamente, na conclusão de que o conhecimento, pelo Ilustre Tribunal “a quo”, deveria ter conduzido, por si só, à improcedência da oposição judicial quando à dívida de IRS de 2008, no valor de €458,00.

A recorrente não tem razão.
Nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne a decisão ininteligível.
Ora, compulsada a sentença recorrida não descortinamos nenhuma oposição da fundamentação com a decisão e/ou ambiguidade ou obscuridade, pois percebe-se com clareza o racíocinio seguido, bem como a decisão a que se chegou.
Questão diversa, será a de saber se a fundamentação da decisão foi acertada.
De qualquer modo, ainda que a fundamentação da decisão não fosse a mais correcta sempre estaríamos perante um erro de julgamento e não de nulidade.
Termos em que improcede a invocada nulidade da sentença recorrida.

Vem, também, a recorrente invocar erro de julgamento quanto ao entendimento perfilhado sobre o Oponente quanto à sua gerência de facto e à inerente responsabilidade subsidiária pela dívida de IRS de 2008 (conclusão de recurso I.).
No entanto, e como já referimos supra, a procedência da oposição, que conduziu à absolvição dos oponentes da instância executiva, teve por base dois fundamentos:
(i) Da ilegitimidade dos Oponentes;
(ii) Da ilegalidade do Despacho de Reversão, por o OEF se não ter pronunciado sobre os novos factos alegados pelos Oponentes, em sede de audição prévia.

Ora em sede de recurso, a recorrente Fazenda Pública só vem atacar (parcialmente) um dos fundamentos da decisão, a saber, a questão da ilegitimidade do oponente, em relação a uma dívida concreta, IRS de 2008, no valor de €458,00.
Sobre o outro fundamento da decisão, a recorrente não o ataca, nada alegando.
Assim, e como já sobejamente decidido na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, se a sentença julgou procedente a pretensão dos oponentes com mais do que um fundamento, o recurso só terá utilidade se atacar todos esses fundamentos, sendo que se não o fizer em relação a um deles, sempre a decisão se manterá incólume com base neste, relativamente ao qual se verificou o trânsito em julgado.
Assim, a apreciação do recurso revela-se inútil, uma vez que, ainda que fosse provido, nunca a Recorrente obteria o efeito jurídico pretendido – a revogação da sentença –, uma vez que sempre se manteria o julgamento nela efectuado, de absolvição do pedido com fundamento na ilegalidade do Despacho de Reversão, por o OEF se não ter pronunciado sobre os novos factos alegados pelos Oponentes, em sede de audição prévia.
A apreciação e decisão do recurso não teria qualquer interesse processual (revestindo mero interesse teórico ou académico, que aos tribunais não compete tutelar).
Neste sentido, veja-se a título de exemplo, o Sumário do Acórdão do STA de 14/01/2015, Proc. 0973/13, disponível em www.dgsi.pt, onde se escreveu:
«I – O recurso jurisdicional tem como objecto a sentença recorrida e destina-se a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afectá-la.
II – Se a sentença julgou improcedente a pretensão do impugnante com mais do que um fundamento, o recurso só terá utilidade (virtualidade de se repercutir na decisão recorrida) se atacar todos esses fundamentos, sendo que se o não fizer relativamente a um deles, sempre a decisão se manterá incólume com base neste (relativamente ao qual se verificou o trânsito em julgado).
III – Nesta circunstância, em que o efeito jurídico pretendido com o recurso não é juridicamente possível, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento do recurso, porque aos tribunais está vedada a prática de actos inúteis (cfr. art. 130.º do CPC).»


Deste modo, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso, por não se verificar a nulidade invocada e, no mais, por o ataque à sentença ser absolutamente ineficaz.

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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 14 de Outubro de 2021


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[Lurdes Toscano]

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[Ana Cristina Carvalho]

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[Catarina Almeida e Sousa]