Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:242/05.2BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRS;
AJUDAS DE CUSTO;
MAIS-VALIAS;
DESPESAS DE EDUCAÇÃO;
PENSÃO DE ALIMENTOS.
Sumário:I – Na circunstância de o sujeito passivo não cumprir a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no artigo 19.º da LGT, é passível de ser demonstrada a sua morada em determinado local através de “factos justificativos”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

R..., veio deduzir impugnação judicial da decisão de indeferimento parcial proferida nos autos de reclamação graciosa (RG) - Proc. n.° 4....0/03, relativamente a uma liquidação oficiosa de IRS do ano de 1999.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 30 de Novembro de 2019, julgou procedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, a FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A) Com a ressalva do sempre devido respeito, entende a Recorrente, Fazenda Pública, que a sentença ora recorrida padece de manifestos vícios consubstanciados numa errada aplicação do direito, maxime do regime geral do direito à dedução de encargos relativos à pensão de alimentos, de despesas de educação, juros e amortizações de habitação própria e permanente, do regime das mais valias, bem como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário, como também entende que a sentença padece de erro de julgamento, porquanto, no seu segmento decisório limita-se, na sua maioria, a reproduzir e dar como provado o alegado pelo Recorrido, Impugnante, sem que, para tanto, revele o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto de modo a conhecer as razões porque se decidiu num sentido e não noutro;

B) Entende o Tribunal a quo que as conclusões do Relatório Final de Inspeção (RIT), referente à ação de inspeção realizada ao Recorrido, Impugnante, não dão a conhecer os motivos porque é que em relação a este se entendeu que os rendimentos pagos pela Sociedade, S... - Engenharia, SA, sua entidade patronal, no valor global de €8.052,47, ao longo do ano de 1999, configuravam a natureza de remunerações acessórias, estando, por isso, sujeitos a tributação por enquadramento na categoria A de IRS, de acordo com a al. d) do n.° 3 do art. 2° do CIRS;

C) Em matéria tributária, o dever de fundamentação, embora nem sempre com o mesmo grau de exigência, deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e imposto;

D) Ainda que, se considere que na fundamentação do Relatório em apreço se admitam e vislumbrem algumas deficiências ou imprecisões, o que só por mero raciocínio se admite, esse facto e/ou vicissitude não é bastante para julgar-se a insuficiência ou falta de clareza da fundamentação, como, com o devido respeito, erradamente se decidiu a sentença recorrida;

E) Conforme se pode extrair do próprio RIT junto aos autos, na sequência da ação inspetiva realizada àquela entidade (S... - Engenharia, SA), foram detetados pagamentos certos e permanentes a diversos trabalhadores, onde se incluía o Recorrido, Impugnante, titulados com “Ajudas de Custo”, tendo-se verificado que, durante o exercício do ano de 1999, o Recorrido, Impugnante auferiu rendimentos, a título de “ajudas de custo”, o valor de €8.052,46;

F) O Recorrido, Impugnante, além de ter sido notificado para, em sede inspetiva, vir juntar elementos ou documentos que achasse por conveniente, a fim de aferir a sua real situação tributária, foi, igualmente, notificado para exercer o direito de audição, que optou, também, por não exercer;

G) Tal facto, a par da notificação efetuada e datada de 13/09/2002, deveria ter sido, igualmente, considerado pelo Tribunal a quo nos seus factos provados;

H) Com efeito, deveria ter o Tribunal a quo, considerado como provado o facto de “O impugnante foi notificado nos termos do art. 60° da LGT e do art. 60° do RCIPT para exercer o direito de audição prévia, o que não fez.”;

I) O Recorrido, Impugnante, voluntariamente abdicou de participar na formação da decisão dos SIT, a qual, atendendo à eventual defesa, a ser apresentada, poderia levar a que à projetada decisão inspetiva fossem efetuadas alterações em seu favor, ou, pelo menos, daquela forma, seria o itinerário certo para que fosse aberta a oportunidade de aquele vir a ser detalhadamente elucidado quanto à eventual falta de fundamentos da decisão em apreço;

J) Recorrido, Impugnante, poderia, igualmente, requerer a notificação ou a passagem de certidão com os elementos em falta, ou seja, a eventual falta de fundamentação, nos termos do art. 37° do CPPT, sendo que, não o tendo feito, revelou não ter tido dificuldade na apreensão dos fundamentos de facto e de direito que levaram à prática do ato de liquidação, tendo o mesmo sido perfeitamente compreendido;

K) O Tribunal recorrido, conclui, que a Recorrente, Fazenda Pública, terá de considerar o valor global de €9.848,31, pago a título de pensão de alimentos e despesas de educação, como abatimento ao rendimento líquido total de IRS, nos termos do art. 56° do CIRS (art. 55° do CIRS, na redação vigente em 1999);

L) A mera remissão para um documento tem apenas o alcance de dar como provada a existência desse documento, da existência de um meio de prova, e não o de dar como provada a existência de factos que com base neles se possam considerar como provados;

M) Dar por reproduzido o teor de um documento apenas prova a existência do mesmo e não o seu conteúdo;

N) Ainda que o Recorrido, Impugnante, tenha junto aos autos a decisão judicial quanto ao poder paternal, bem como os aludidos documentos referentes às despesas de educação, não é por se considerar os mesmos reproduzidos, que se poderá extrair o pagamento efetivo dos mesmos, como o Tribunal fez no seu segmento decisório;

O) É certo que o Recorrido, Impugnante, ficou, por decisão judicial, obrigado ao pagamento da pensão de alimentos, bem como ao pagamento das despesas de educação do seu filho menor, no entanto, tal constatação não é suficiente para que tais montantes sejam deduzidos ao rendimento líquido do IRS;

P) Para que haja lugar ao abatimento ao rendimento líquido total de IRS dos valores respeitantes às pensões de alimentos previsto naquele art. 56° do CIRS é necessário que as importâncias em causa tivessem sido comprovadamente suportadas e não reembolsadas, bem como que tais encargos com pensões decorressem de uma obrigação do sujeito passivo resultante de sentença judicial ou acordo homologado nos termos da lei civil;

Q) Quanto à pensão de alimentos, o Recorrido, Impugnante, não logrou provar de que, efetivamente, pagou, mensalmente e/ou ao longo do ano de 1999, a quantia de €299,28, mensal, em conformidade com o estabelecido no acordo de regulação do poder paternal;

R) O mesmo se diga relativamente às despesas de educação;

S) A repartição do ónus da prova no domínio do procedimento e do processo tributário assume a seguinte formulação: o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art.° 342.° n° 1 Código Civil e art.° 74.° n° 1 LGT);

T) Da sentença recorrida, não logrou o Tribunal quantificar o valor quer da pensão de alimentos, quer das despesas de educação que o Recorrido pagou no ano em causa, apenas concluindo que “(...) tanto a pensão de alimentos, como as despesas de educação referidas, no valor total de €9.848,31, são de ter em conta como abatimento (...)”;

U) Ainda que se admita que o Tribunal considerou, como despesas de educação, o valor de €3.256,95, a verdade é que este somado à pensão de alimentos anual de €3.591,36 (€299,28 *12), não dá o valor de €9.848,31, mas sim de €6.848,31 [€3.591,36 (pensão de alimentos) + €3.256,95 (despesas de educação);

V) Quanto à dedução de juros e amortização de dívidas contraídas com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis é necessário que os imóveis se destinem a habitação própria e permanente;

W) Para efeitos fiscais, o domicílio fiscal e a habitação própria e permanente, terão de obrigatoriamente coincidir, sendo que, a não revelação da mudança ou alteração do domicílio fiscal à AT determina a sua ineficácia perante esta, não sendo oponível à AT tal como resulta do art. 43° do CPPT;

X) Deste modo, a Recorrente, Fazenda Pública, não poderia aceitar os documentos bancários em causa para efeitos de dedução à coleta dos juros e amortizações efetuadas pelo Recorrido/Impugnante, no ano de 1999, relativamente à morada sita na Azóia;

Y) No que respeita às mais valias imobiliárias, o Recorrido, Impugnante, alienou, pelo valor de €234.435,01, um imóvel, adquirido em 06/01/1997, pelo valor de €86.252,13, tendo declarado na sua Declaração de Rendimentos, Modelo 3, a intenção de reinvestimento;

Z) Em 12/01/2001, o Recorrido, Impugnante celebrou um contrato de promessa de compra e venda da fração autónoma “que vier a corresponder ao Quarto andar duplex T4 tipo G do Edifício G...” do complexo denominado “J...”, pelo preço de €269.350,86, conforme decorre do doc. n.° 9, junto por aquele, com a sua PI.

AA) Como sinal e princípio de pagamento, o Recorrido/Impugnante, alega ter pago a quantia de €89.783,62, sendo que, o remanescente seria pago após a conclusão do imóvel prevista para dezembro de 2003, sendo que a obra em causa foi embargada;

BB) Nos termos do n.° 5 do art. 10° do CIRS, o imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente;

CC) O imóvel sito na Azoia não é, para tais efeitos, coincidente com o domicílio fiscal;

DD) Não está devidamente comprovado o valor alegadamente pago pelo Recorrido, Impugnante, de €89.783,13, a título de sinal, nem se apurou convenientemente qual o comportamento adotado pelo Recorrido/Impugnante, ao ter conhecimento do embargo da obra em causa, nomeadamente, se requereu a devolução do sinal em dobro ou em singelo;

EE) Por outro lado, do contrato promessa celebrado, igualmente, não resulta que o imóvel a construir se destinava a casa própria e permanente;

FF) O Tribunal considerou apenas como provado nas als. 21) e 22) do seu probatório que o recorrido, Impugnante, vivia na Azóia e que “No ano de 1999 vendeu a casa na Azóia e celebrou um contrato promessa para compra de habitação num empreendimento em “B..." - cf. depoimento das testemunhas J... e P....”, nunca se referindo ao facto do imóvel prometido comprar fosse destinado à habitação própria e perramente; assim, também não se mostra provado que o imóvel de “chegada” fosse, também ele, destinado à habitação própria e permanente, conforme impõe o n.° 5 do art. 10° do CIRS;

GG) Nos termos da al. a) do n.° 3 do art. 10° do CIRS, nos casos em que for celebrado contrato promessa de compra e venda, presume-se que o ganho apenas é obtido se o mesmo for acompanhado com a tradição do imóvel, o que, in casu, não ocorreu;

HH) Todas estas questões deveriam ter sido consideradas e valoradas pelo Tribunal a quo, o que não se verificou;

II) Quanto aos juros compensatórios, dúvidas houvesse quanto ao cálculo de tais juros, tal falta ficou sanada conforme decorre da contestação apresentada pela Recorrente, Fazenda Pública, sendo que, o Recorrido, Impugnante, poderia ter usado o expediente ínsito no art. 37° do CPPT;

JJ) Face ao exposto, e salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a impugnação judicial, não apreciou corretamente a prova produzida nos autos, tendo mesmo desconsiderado prova documental relevante, fazendo, por isso, errada aplicação, mormente do preceituado nos artigos, 268°, n.° 3 da CRP, arts. 123.° a 125.° do CPA; e arts. 19°, 60.°, 74° e 77.°, todos da LGT, n.° 3, 5 e 7 do art. 10° e arts. 56° e 80° -H, todos do CIRS e art. 43° do CPPT.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, para tanto, a douta sentença ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação Judicial improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1) Em sequência de diligências inspetivas efetuadas à sociedade S...- ENGENHARIA, S.A., possuidora do NIPC: 5... e, no âmbito da ação inspetiva realizada a sujeitos passivos (seus funcionários-caso do ora Impugnante) com irregularidades declarativas em sede de IRS, os serviços de inspeção tributária (SIT) da análise de importâncias certas e permanentes tituladas como “ajudas de custo”, entenderam que, consubstanciam pagamentos de autênticas remunerações de trabalho dependente e como tal sujeitas a IRS, nos termos da alínea d) do n.°3 do art.2.° do Código do IRS, enquadráveis na Categoria “A” - cf. doc. de fls.139 do processo físico, correspondente ao relatório de inspeção Tributária (RIT), cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

2) Os SIT consideraram que o ora Impugnante durante o exercício de 1999 auferiu rendimentos no montante de € 8.052,46 sujeitos a tributação em sede de IRS - cf. doc. de fls.139 do processo físico, correspondente ao RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

3) O ora Impugnante foi notificado, por carta registada de 2002.09.13, com A.R., rececionado em 2002.09.16, para prestar e apresentar nos SIT, no prazo de 10 (dez) dias os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração de rendimentos - cf. doc. de fls.140 do processo físico, correspondente ao RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

4) Não o tendo feito - cf. doc. de fls.140 do processo físico, correspondente ao RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

5) O ora Impugnante em 21.08.2003 deduziu reclamação graciosa (RG) contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 1999, n.°5... de 03/06/2003, no valor de €45.272,48, cuja data limite de pagamento ocorreu em 14.08.2003 - cf. teor da petição de RG ínsita no PRG apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

6) O Impugnante tem um filho menor, que ficou a cargo da mãe, nos termos do acordo de Regulação do Poder Paternal, que correu termos pelo 3.° Juízo do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, processo n.°4/1999 - o Impugnante ficou obrigado ao pagamento mensal de uma pensão no valor de € 299,28, bem como de todas as despesas de educação e de saúde do menor, cf. cópia de certidão do acordo de regulação do poder paternal - doc. n.°5, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

7) A AF considerou como não comprovadas ambas as despesas, pelo que, se recusou a incluir estas verbas para efeitos de determinação da dívida de imposto.

8) Relativamente às despesas de educação, no valor de € 3.256,95, entendeu a AF que aquelas não são de considerar “uma vez que ambos os recibos datam de 2000”.

9) O ora Impugnante teve no ano de 1999 com o seu filho menor, despesas de educação no valor de - cf. docs. 6 e 7 juntos com a douta petição inicial e doc. de fls.96 a 97 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos locais.

10) "o documento n.°248 (fls.24 e 48) identifica o reclamante e o imóvel sito na Rua C..., Viv. C…, 2710 Azóia, a qual diverge, quer da morada actual (“print” de fls.97) quer das anteriores, conforme fotocópias dos microfilmes das fichas de inscrição do número fiscal de contribuinte e respectivas alterações ocorridas ao longo dos anos, constatando-se deste modo, que os reclamantes nunca residiram na morada acima referida” - cf. teor do RIT.

11) O Impugnante nunca alterou a sua morada.

12) O imóvel identificado foi adquirido em 1997, tendo o Impugnante fixado aí a sua residência até finais de 1999, ano em que o vendeu.

13) Em 1999, o Impugnante vendeu um imóvel pelo preço de € 234.435,01, que havia adquirido em 1997, pelo preço de €86.252,13, cf. consta da declaração de rendimentos (Mod.3, Anexo G).

14) O ora Impugnante suportou juros do empréstimo no ano de 1999, no valor de € 3.109,86 - cf. doc. n.°8, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

15) O Impugnante declarou a intenção de reinvestir o produto da realização da venda efetuada.

16) Em janeiro de 2001, o ora Impugnante celebrou um contrato promessa de compra e venda de uma fração autónoma na urbanização denominada “J...”, pelo preço de €269.350,86 - cf. doc. n.°9, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

17) Com a assinatura do referido contrato promessa e no prazo previsto na cláusula terceira, n.°1, alínea a) do mesmo, o ora Impugnante efetuou um pagamento, a título de sinal e princípio de pagamento, no montante de €89.783,62.

18) O remanescente do preço seria pago na data da escritura de compra e venda - cf. teor do doc. n.°9, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

19) Por motivos e razões alheias ao ora Impugnante, a construção daquele complexo urbanístico foi embargada, razão pela qual ainda não foi celebrada a referida escritura pública de compre e venda.

20) A nota de liquidação encontra-se fundamentada de acordo com o teor do doc.1, junto com a douta petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

21) No ano de 1999 o ora Impugnante vivia na Azóia - cf. depoimento das testemunhas J... e P....

22) No ano de 1999 vendeu a casa na Azóia e celebrou um contrato promessa para compra de habitação num empreendimento em “B...” - cf. depoimento das testemunhas J... e P....

23) Nunca lá chegou a habitar, pois o empreendimento não chegou a ser construído - cf. depoimento das testemunhas J... e P....

Factos não provados:

Não existem factos não provados, face às possíveis soluções de direito com interesse para a decisão da causa.

Motivação da matéria de facto

A convicção deste Tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos e, aos processos a ele apensos (PA e PRG), conforme indicado em cada um dos factos e, no depoimento das duas testemunhas, J... e P..., que, se limitaram a depor sobre o local no qual residia o ora Impugnante no ano de 1999 e, quanto ao facto de este ter vendido a casa que tinha na Azóia e ter tentado comprar casa no empreendimento sito em “B...”.

Os seus depoimentos foram claros e objetivos.

Tanto mais, que, as testemunhas revelaram um conhecimento direto dos factos que revelaram, pela sua proximidade ao ora Impugnante.

A testemunha P..., afirmou ser amigo de infância do Impugnante. Sendo o Impugnante seu padrinho de casamento e este padrinho do filho do Impugnante.

A testemunha J..., foi vizinho do Impugnante na Azóia e, quando este vendeu a casa, chegou a viver em sua casa, por um período de seis meses.

De qualquer forma, relativamente à generalidade das questões suscitadas nos presentes autos, os factos estão provados documentalmente.»



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Por estar documentalmente provado, e dado por reproduzido no probatório, adita-se o seguinte facto, ao abrigo do artigo 662º do CPC:

24) Consta do RIT, relativamente às quantias auferidas a título de ajudas de custo, a seguinte fundamentação: “Verificou-se que, durante o exercício de 1999, o s.p. em epígrafe, auferiu rendimentos no montante de Euros: 8.052,46 sujeitos à tributação em sede de IRS, por força do disposto na alínea d) do nº3 do Artº. 2º do CIRS.” – cfr. documento a fls. 139;

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida errou na aplicação do direito ao considerar ilegal a liquidação de IRS impugnada, bem como se a sentença se encontra suficientemente fundamentada. Pretende também a Recorrente que seja aditado ao probatório um facto, relacionado com a notificação do Recorrido para audição prévia.

Nos presentes autos, vem sindicada a sentença proferida pelo TT de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por R..., contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 1999.

Comecemos por apreciar o pretendido aditamento ao probatório.

Entende a Recorrente que a sentença recorrida deveria ter considerado como facto provado a circunstância de o Recorrido ter sido notificado para exercer o direito de audição, nos termos dos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT.

Compulsados os autos, verifica-se que, independentemente da relevância que o aditamento do referido facto pudesse vir a ter para a decisão, o mesmo não foi alegado, pela FP, na contestação, nem em sede de alegações prévias à sentença, o que significa que não pode, agora, em sede de recurso, pretender o seu aditamento. É que ao tribunal superior não cabe apreciar questões novas, que não tenham sido submetidas à apreciação do tribunal “a quo”.

Nessa medida, improcede o pedido de aditamento ao probatório formulado pela Recorrente.


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Ao abrigo do preceituado no nº1 do artigo 662º do CPC, e por se considerar ter existido manifesto lapso na elaboração do facto correspondente ao ponto 9 do probatório (já que não foi aposto o valor considerado), sendo que resulta dos documentos para os quais remete, complementa-se o mesmo, por forma a que dele passe a constar a menção ao valor pago a título de despesas de educação da seguinte forma:

“9 - O ora Impugnante teve no ano de 1999 com o seu filho menor, despesas de educação no valor de € 3.156,93 - cf. docs. de fls. 96 a 97 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.”

Da falta de fundamentação do Relatório de Inspecção Tributária

A sentença recorrida concluiu, depois de enquadrar jurídica e jurisprudencialmente a questão, que a fundamentação constante do RIT que deu origem à liquidação adicional aqui impugnada era insuficiente, nos seguintes termos:

“(…)No caso dos autos, a liquidação impugnada contem fundamentação, conforme resulta do RIT.

Sucede, que, tal fundamentação não é suficiente, nem sequer clara. Não são suficientes, claras e facilmente apreensíveis as razões que levaram a AT a qualificar as verbas postas à disposição do Impugnante como ajudas de custo como rendimento de trabalho.

A AT aplicou as conclusões do RIT ao Impugnante sem discriminar o factos concretos que a ele individualmente respeitam, não dando a conhecer os motivos porque é que em relação ao Impugnante entendia que a quantia em causa foi paga a título de remuneração e não de ajudas de custo ou a qualquer outro título.

Pelo que, quanto a este argumento procede a presente impugnação judicial.(…)”

Dissente a Recorrente do assim decidido, embora reconheça algumas deficiências ou imprecisões na fundamentação do RIT, por entender que a fundamentação da correcção esclarece, de forma minimamente perceptível o itinerário cognoscível e valorativo adoptado pela AT na fundamentação do acto impugnado.

Entende que, pela circunstância de o Recorrido não ter respondido ao pedido de junção de elementos efectuado no âmbito da inspecção tributária, aliada ao facto de não se ter pronunciado em audição prévia, voluntariamente abdicou de participar na formação da decisão da AT.

Acrescenta, por outro lado, que, nos termos do preceituado no artigo 37º do CPPT, sempre poderia ter requerido a notificação dos elementos em falta, ou seja, a eventual falta de fundamentação, conclui que, por não o ter feito, revela ter compreendido o acto de liquidação.

A propósito da fundamentação do acto de liquidação, escreveu-se no Acórdão deste tribunal de 29/09/2017, proferido no âmbito do processo nº 578/13.9, o seguinte:

“(…) Importa não perder de vista, como a jurisprudência reiteradamente tem afirmado, que a elevação à categoria de garantia do contribuinte do dever de fundamentação facilmente se percebe quando atentamos nos objectivos deste instituto, quer se trate do propósito de pacificação das relações entre a Administração e o administrado, quer na perspectiva da defesa do contribuinte, quer, ainda, tendo em vista o próprio autocontrole da Administração.

Na verdade, um contribuinte conhecedor dos motivos do acto praticado pode convencer-se da sua justeza e aceitá-lo ou, conhecendo os motivos e deles discordando, pode atacar o acto pondo em crise os seus fundamentos e, ainda, tal dever funcionará como forma de a própria Administração se autofiscalizar em resultado da reflexão e ponderação sobre os motivos que estão na origem do acto (entre muitos arestos, veja-se o acórdão do TCAN de 17/05/12, proc. n.º 137/02-Porto).

É certo que, em muitos casos, a garantia de fundamentação fica cumprida ainda que seja efectuada de forma sumária, através de uma declaração de concordância com anteriores informações, pareceres ou propostas. Contudo, e em matéria tributária, tal dever de fundamentação (embora nem sempre com o mesmo grau de exigência) deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.

Efectivamente, a fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser clara (as razões de facto e de direito não podem ser confusas ou ambíguas, sob pena de não se dar a conhecer o que determinou o agente a praticar o acto ou a escolher o seu conteúdo), congruente (o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados) suficiente (por forma a tornar claros os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto) e tem que ser expressa (sob pena de pôr em causa a funcionalidade e objectivos do próprio instituto) - entre muitos outros, vejam-se os acórdãos de 12/03/13, processo nº 01674/13, do STA e o acórdão do TCAS de 26/06/14, processo nº 5778/12.(…)”

Atentemos na fundamentação constante do RIT, a que se refere o ponto 24 do probatório:

“Verificou-se que, durante o exercício de 1999, o s.p. em epígrafe, auferiu rendimentos no montante de Euros: 8.052,46 sujeitos à tributação em sede de IRS, por força do disposto na alínea d) do nº3 do Artº. 2º do CIRS.”

Entendemos, como a sentença, que a fundamentação do acto tributário é, claramente, insuficiente. Efectivamente, ela não esclarece, no que diz respeito ao Recorrido as razões concretas para sujeitar a tributação em sede de IRS daquele montante.

Não se pode considerar suficiente a constatação de que, por terem sido auferidas a título de ajudas de custo, as quantias estão sujeitas a tributação.

Acolhemos aqui, o que a este respeito se disse o no acórdão deste TCA Sul proferido em 08/05/2019 no processo n.º 581/13.9BEALM:

“(…) No citado artº.2, do C.I.R.S., o legislador teve a intenção de tipificar de forma muito ampla ou esgotante, a incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. É rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente exceptuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (v.g.concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de presta­ções feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do C.I.R.S., pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito (cfr.Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.52).

Constituem ajudas de custo os abonos auferidos pelos trabalhadores, referentes a deslocações (alimentação e alojamento) por si efectuadas em benefício da entidade patronal, desde que se destinem a compensar o trabalhador pelas despesas por si suportadas e relativas a essas mesmas deslocações (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2010, proc.3616/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/11/2017, proc.712/13.9BEALM; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.129 e seg.).

Concretamente, nos termos do artº.2, nº.3, al.d), do C.I.R.S. (na redacção em vigor no ano de 2008 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), o legislador considera rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo, bem como as importâncias auferidas pela uti­lização de automóvel próprio em proveito da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais, ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado. E recorde-se que as ajudas de custo são, pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas pelo trabalhador mas a favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função e passarem a constituir verdadeira "vantagem económica". Enquanto se limitarem a compensar o trabalhador por despesas efectivamente incorridas a favor da entidade patronal, as somas recebidas não são sequer rendimento líquido daquele. A lei presume que isso acontece quando as aju­das de custo e as importâncias recebidas pela utilização de viatura pró­pria se mantêm dentro dos limites legais previstos para os servidores do Estado, tal como quando sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado (cfr.dec.lei 106/98, de 24/4 - regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da administração pública). Quando extravasarem aqueles limites, tornam-se tributáveis em I.R.S., a cargo dos trabalhadores (o que implica, obviamente, também obrigações de retenção na fonte para o empregador). Trata-se de um expediente prático e simples de distinguir as duas situações (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/11/2017, proc.712/13.9BEALM; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.129).

Em conclusão, os pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajudas de custo e da sua não tributação que a lei fiscal elege são os seguintes:

1-A realização de uma efectiva deslocação por parte de trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal;

2-O pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/11/2017, proc. 712/13.9BEALM; João Ricardo Catarino, Ajudas de Custo-Algumas Notas sobre o regime substantivo e fiscal, Fisco, nºs.97/98, Setembro de 2001, pág.77 e seg.).(…)”

Ora, da fundamentação aqui em apreciação não se consegue descortinar as razões pelas quais foram os montantes pagos pela entidade patronal do Recorrido a título de ajudas de custo sujeitas a tributação em sede de IRS. É que nada foi dito, no RIT, que justificasse essa tributação.

Nem a argumentação da Recorrente, em sede recursiva permite concluir o contrário.

Por um lado, o exercício do direito de participação na decisão não constitui uma obrigação do sujeito passivo, nessa medida, não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade na eventual deficiente fundamentação do acto de liquidação pelo facto de ter escolhido não o exercer.

Por outro lado, o mecanismo previsto no artigo 37º do CPPT, destina-se a colmatar deficiências da comunicação da decisão em matéria tributária e não a alterar a fundamentação do acto tributário, pelo que não colhe tal argumentação da Recorrente.

Improcede, pois, este segmento do recurso.

Da pensão de alimentos e despesas com educação

A sentença recorrida entendeu considerar procedente a impugnação relativamente às despesas referentes a pensão de alimentos ao filho menor do Recorrido e educação.

Considerou a sentença resultar dos factos considerados provados que o ali Impugnante efectuou as despesas, de acordo com o que alega e resulta da sentença proferida no Tribunal Judicial da Comarca de Cascais e que ficou provado que os documentos juntos pelo Impugnante, referentes às despesas de educação efectuadas com o seu filho menor, correspondem efectivamente ao ano de 1999.

Afirma a Recorrente que a sentença se limitou a dar como reproduzido os documentos comprovativos das despesas em causa. Não é verdade que assim seja.

Se atentarmos nos factos constantes dos pontos 6) e 9) do probatório, verificamos que, respectivamente, foi considerado provado ter o Recorrido ficado obrigado a pagar, mensalmente, uma pensão de alimentos ao seu filho menor, no valor de € 299,28, nos termos do Acordo de Regulação do Poder Paternal, e que teve despesas com educação no ano de 1999.

Ou seja, não se limitou o tribunal a dar como reproduzidos determinados documentos, foi, sim, fixada matéria de facto com base nos mesmos.

Isto dito, verificamos que da leitura das conclusões recursivas em conjunto com as respectivas alegações resulta que a Recorrente não concorda com os factos dados como provados referentes ao pagamento de pensão de alimentos e despesas de educação com o filho menor do Recorrido. Ou seja, vem impugnada a matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, concretamente, os pontos 6) e 9) do probatório.

Comecemos por apreciar a questão da (não) aceitação dos valores pagos a título de pensão de alimentos pelo Recorrido.

Não vem posto em causa que a obrigação de pagamento de pensão de alimentos ao filho menor do Recorrido, resultou de Acordo de Regulação do Poder Paternal, homologado judicialmente.

A questão relativamente à qual se insurge a Recorrente respeita à prova do pagamento das quantias correspondentes àquela pensão de alimentos.

Ou seja, entende que a sentença recorrida não podia dar como provado o efectivo pagamento das mesmas, já que nem foram juntos pelo Recorrido documentos que suportassem tal conclusão, nem resulta da prova testemunhal que o tivesse efectuado.

Não oferece dúvida que o artigo 56º do CIRS, na redacção à data aplicável, impunha, como condições para o abatimento ao rendimento líquido total de IRS, dos valores respeitantes a pensões de alimentos, a comprovação de que as importâncias fossem efectivamente suportadas e que a respectiva obrigação de pagamento resultasse de decisão judicial ou de acordo judicialmente homologado.

Quanto ao segundo requisito, não oferece dúvida que se mostra cumprido. Já o mesmo não se passa relativamente ao primeiro, ou seja, a comprovação do efectivo pagamento das quantias relativas a pensão de alimentos.

A sentença recorrida deu como provado o facto de o Recorrido estar obrigado a pagar uma pensão de alimentos ao seu filho menor no montante de € 299,28, bem como todas as despesas de educação e saúde do mesmo (cfr. ponto 6) do probatório). Este facto foi provado com base no documento 5 junto com a p.i. que corresponde ao Acordo de Regulação do Poder Paternal homologado judicialmente.

E de facto assim é, circunstância que não vem posta em causa pela Recorrente.

Porém, e não perdendo de vista o que se deixou dito quanto à comprovação do pagamento da pensão de alimentos, a verdade é que não consta dos autos qualquer documento que comprove o efectivo pagamento das quantias devidas a esse título (por exemplo, extractos bancários comprovativos das transferências), nem a sentença recorrida o deu como provado.

Assim sendo, face à não comprovação dos pagamentos efectuados pelo Recorrido decorrentes da obrigação de prestar alimentos ao filho menor, a sentença recorrida, ao concluir pelo abatimento ao resultado líquido global desses montantes, não se pode manter, por incorrer em erro de julgamento traduzido numa errada interpretação do direito aplicável.

Vejamos, agora, as despesas de educação suportadas pelo Recorrido e cujo pagamento a sentença recorrida deu como provado.

Recorde-se que, supra, se procedeu à rectificação do ponto 9 do probatório, por forma a que dele passasse a constar o valor pago pelo Recorrido a título de despesas de educação do filho menor, no ano de 1999, a saber. € 3.156,93.

A sentença recorrida entendeu, relativamente a estas despesas, o seguinte:

“(…) Ora, ficou provado perante este Tribunal, que os documentos juntos pelo Impugnante, referentes às despesas de educação efetuadas com o seu filho menor, correspondem efetivamente ao ano e 1999.

Pelo que, terão de ser abatidas ao rendimento tributável, nos termos do art.56.° do CIRS (art.55.° do CIRS, em 1999).(…)”

A Recorrente discorda do decidido por entender que a mera remissão para os documentos para os quais remete a sentença recorrida para dar como provado o pagamento das despesas com educação do menor não tem a virtualidade de comprovar o pagamento de despesas a esse título.

Não tem razão.

Por um lado, como já dissemos, a sentença não se limitou a dar como reproduzidos os documentos, antes considerou provado o pagamento (embora, certamente por lapso, não tenha descrito o valor, entretanto por nós sanado).

Por outro lado, os documentos juntos são recibos de pagamentos efectuados à instituição de ensino frequentada pelo menor (que não vem posto em causa), pelo que se consideram aptos a tal prova, contrariamente ao entendimento da Recorrente.

Assim sendo, por se considerar que o Recorrido logrou comprovar os pagamentos realizados a título de despesas com educação do filho menor, embora com uma pequena rectificação do valor considerado na sentença (mencionou o valor de € 3.256,95, quando o valor por nós considerado, no ponto 9) do probatório é de € 3.156,93), improcede a argumentação da Recorrente.


*


Do empréstimo para habitação

Estão em causa despesas com crédito hipotecário (amortização e juros) relativas a um imóvel sito na Azóia, sendo que o Recorrido nunca declarou tal morada como seu domicílio fiscal.

A sentença recorrida, depois de dar como provado o facto de o recorrido ter fixado a sua residência no imóvel em causa entre 1997 e 1999, preconizou o seguinte entendimento:

“(…) O Impugnante confessa, que, nunca alterou a sua morada.

O imóvel identificado foi adquirido em 1997, tendo o Impugnante fixado aí a sua residência até finais de 1999, ano em que o vendeu, conforme este Tribunal considerou provado, com base no depoimento das testemunhas.

Deste modo, o empréstimo refere-se a aquisição da sua habitação própria e permanente.

O facto de o Impugnante não ter alterado o seu domicílio fiscal para a morada em causa não é obstáculo (à data dos factos) a que a dedução em causa possa ter lugar, podendo a demonstração de que o Impugnante residia efetivamente naquela morada, ser efetuada com recurso a outros meios de prova, tal como a testemunhal.

Pelo que, os encargos com tal empréstimo, como juros e amortizações têm de ser considerados para efeitos de dedução à coleta nos termos do art.80.°H, do referido diploma legal.(…)”

Dissente a Recorrente do decidido, invocando que, para efeitos fiscais e para que as deduções das despesas com crédito hipotecário sejam aceites, o domicílio fiscal e a habitação própria e permanente, terão que obrigatoriamente coincidir.

E que, in casu, o Recorrido nunca declarou essa morada como domicílio fiscal, concluindo que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, violando os artigos 80º h) do CIRS, 19º da LGT e 43º do CPPT.

Vejamos.

Pretende a Recorrente que não seja considerada a dedução com encargos de empréstimo bancário referentes à habitação própria e permanente do Recorrido, como entendeu a sentença recorrida.

A este propósito, embora referente a uma questão de mais-valias e sua não tributação, recuperamos o que a propósito dos conceitos de domicílio fiscal e de habitação própria e permanente se decidiu no Acórdão deste TCAS de 10/08/201, proferido no âmbito do processo nº 6685/13:

“(…) o conceito de domicílio fiscal vem definido na alínea a) do n.º 1 do art. 19.º, n.º 1 da LGT, e deste modo, salvo disposição em contrário, o domicílio fiscal do sujeito passivo, no caso das pessoas singulares, é o local da residência habitual.

Por outras palavras, o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local onde residem habitualmente.
Para além da definição de domicílio fiscal que consta do n.º 1 daquele preceito legal o legislador entendeu estabelecer uma obrigação comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária no n.º 2 [corresponde actualmente ao n.º 3], regulando as consequências jurídico-fiscais do incumprimento dessa obrigação: é ineficaz a mudança enquanto não for comunicada à administração tributária (cfr. n.º 3 a que corresponde o actual n.º 4).

Importa, então, distinguir por um lado, o conceito de domicílio fiscal (que depende única e exclusivamente do local da residência habitual), e por outro lado, a obrigação de comunicação da mudança de domicílio (cujo incumprimento acarreta a ineficácia da mudança).
A mudança da residência habitual do sujeito passivo (domicílio fiscal) deve ser obrigatoriamente comunicada à AT, mas se não o for, tal incumprimento tem consequências jurídicas apenas a nível da eficácia da mudança do domicílio, ou seja, dos seus efeitos jurídicos.
Aqui chegados importa então concluir que, se é legítimo à AT no procedimento tributário opor-se ao reconhecimento de determinado direito do contribuinte derivado de lei substantiva quando este se limita a invocar o seu domicílio fiscal, mas não tenha comunicado a sua alteração, já não é legítimo o não-reconhecimento desse direito quando para além da invocação do domicílio fiscal o sujeito passivo prove que à data dos factos constitutivos do seu direito substantivo tinha residência habitual no local em questão.
Ora, como vimos, o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal, pelo que nunca se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal, e de qualquer modo, seguindo a jurisprudência supra citada, sempre seria de entender que o Impugnante poderia fazer prova da sua residência habitual em certo lugar, pelo que importava, no caso dos autos, aferir se o Impugnante fez ou não essa prova.(…)”

Regressando ao caso dos autos, temos que a norma aqui relevante – o artigo 85º do CIRS -, na redacção aplicável, determinava o seguinte:

“1(*) - São dedutíveis à colecta 30% dos encargos a seguir mencionados relacionados com imóveis situados em território português:

a) (*)Juros e amortizações de dívidas contraídas com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente ou arrendamento devidamente comprovado para habitação permanente do arrendatário, com excepção das amortizações efectuadas por mobilização dos saldos das contas poupança-habitação, até ao limite de (euro) 538,55; (…)”

Ora, como se vê, também aqui a norma refere habitação própria e permanente e não domicílio fiscal, pelo que acolhendo o entendimento do Acórdão supra referido, concluímos que a sentença não merece censura, improcedendo a argumentação da Recorrente.

Da mais-valia imobiliária

São dois os argumentos da Recorrente para discordar do decidido relativamente à mais-valia com a alienação do imóvel:

· Um, por considerar que, por não coincidir com o domicílio fiscal não cumpre o requisito legal previsto no nº5 do artigo 10º do CIRS e

· outro, por entender que não se mostra cumprido o requisito de o imóvel de chegada se destinar a habitação própria e permanente, já que isso não ficou demonstrado, nem, por outro lado, que tenha havido tradição do bem, depois de pago o sinal com a celebração do contrato promessa de compra e venda do imóvel de chegada.

A sentença recorrida entendeu que o ora Impugnante fez um pagamento a título de sinal e adiantamento do preço, no valor de €89.783,62, correspondente a €38,30% do valor de realização, devendo este pagamento, de acordo com o exposto ser considerado como um reinvestimento parcial, para efeitos do n.°5 do art.10.° do CIRS (redação de 1999).

É facto que o ora Impugnante não fez prova de que o imóvel se destinava à sua habitação própria e permanente.

Considera no entanto este Tribunal, que, o Impugnante não pode ficar prejudicado pelo facto de a compra do imóvel que pretendia comprar para habitação própria e permanente não se ter concretizado, por motivo que não lhe é imputável.

Pelo que, não está correta a correção à matéria coletável pretendida pela AF, correspondente à contabilização integral da mais valia realizada pelo Impugnante com a venda do seu imóvel sito na Azóia.

Não podemos concordar com o assim decidido.

Antes de mais, referir que quanto ao primeiro argumento da Recorrente, ficou já resolvido com o que se disse supra relativamente ao conceito de habitação própria e permanente no que respeita ao imóvel de partida, pelo que nada mais há a acrescentar.

Já quanto ao segundo argumento, entendemos que tem razão a Recorrente já que, não tendo havido tradição do imóvel, nem celebração da escritura, não estão reunidos os pressupostos da exclusão da tributação quanto ao imóvel de chegada, como exigidos pelo nº5 do artigo 10º do CIRS.

Razão para que se considere procedente a argumentação da Recorrente.

Dos juros compensatórios

A Recorrente não concorda com o decidido quanto aos juros compensatórios, afirma que se dúvidas houvesse quanto ao cálculo de tais juros, tal falta ficou sanada conforme decorre da contestação apresentada pela Recorrente, Fazenda Pública, sendo que, o Recorrido, Impugnante, poderia ter usado o expediente ínsito no art. 37° do CPPT.

Não tem razão.

Como a sentença referiu, de acordo com o disposto no art.35.°, n.°9, da Lei Geral Tributária (LGT), a liquidação dos juros compensatórios deve evidenciar claramente o montante da prestação e os juros compensatórios devidos, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. Da análise da nota de liquidação junta como doc. n.°1, resulta não ter sido respeitada a exigência de fundamentação especial. Pois, não há qualquer indicação da taxa de juro aplicada, nem do período de cálculo. Concluindo que o ato em causa padece de um vício de forma, que acarreta a sua anulabilidade.

O entendimento seguido pela sentença é consentâneo com a jurisprudência, vasta, sobre esta matéria, de que é exemplo o Acórdão do STA de 07/03/2019, processo 37/16, do qual se extrai o seguinte:

“A fundamentação mínima exigível da liquidação de juros compensatórios passa pela menção da quantia sobre a qual os mesmos incidem, do período de tempo considerado, e da taxa ou taxas aplicadas, sendo que essa menção tem de constar do próprio acto de liquidação, atenta a necessidade de a fundamentação ser contemporânea ou contextual e integrada no próprio acto.”

Assim, nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida quanto à questão dos juros compensatórios.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte relativa à pensão de alimentos e à mais-valia imobiliária, e julgar a impugnação judicial improcedente nesta parte e manter a sentença no mais.

Custas pelo Recorrido.

Registe e Notifique.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2021


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)