Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:138/10.6BELLE
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:12/19/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
DOCUMENTOS CONFIDENCIAIS
IRREGULARIDADE FORMAL
Sumário:I - O nº 3 do artigo 66º do CCP/2008 (classificação de documentos da proposta) contém a cominação jurídica a aplicar, mecanicamente, aos casos em que são submetidos documentos como classificados (portanto, por causa de um alegado segredo do apresentante) quando não existe uma prévia autorização nesse sentido: o documento “torna-se” apresentado como não classificado, com as devidas e normais consequências. E o nº 4, bem como o nº 5, confirma-o: o órgão competente para a decisão de contratar deve promover, oficiosamente, a respetiva desclassificação, informando do facto todos os interessados.
II - A consequência prevista nos nºs 3 e 4 também se aplica, por haver evidente semelhança de situações, no caso em que o interessado junta eletronicamente um documento como sendo classificado quando nem o respetivo pedido de classificação foi feito ou nem é previsto no regulamento do procedimento pré-contratual.
III - É fundamento de exclusão das propostas a violação do previsto nos nºs 1, 2 e 5 do artigo 62º (modo de apresentação das propostas). É que os demais nºs do artigo 62º não se referem a formalidades do modo de apresentação das propostas. (i) Com efeito, o nº 3 cit. refere-se à plataforma e à entidade adjudicante. (ii) E o nº 4 do artigo 62º refere-se a meras questões não técnico-jurídicas, a aspetos meramente exequendos respeitantes à apresentação eletrónica e à receção eletrónica.
IV - Este enquadramento é confirmado plenamente pelo artigo 66º do CCP, o que afasta a aplicabilidade do artigo 146º-2-l) do CCP/2008 às situações irregulares referidas nos nºs 3 e 4 do artigo 62º do mesmo CCP. A irregularidade referente ao cit. nº 4 do artigo 62º é resolvida à luz dos cits. nºs 3, 4 e 5 do artigo 66º do CCP/2008.
V - Portanto, a consequência juridicamente correta da irregularidade formal consistente em juntar como sendo confidenciais documentos que o não são, imputável a um concorrente, é apenas desconsiderar essa classificação de confidencial dada ou requerida pelo concorrente perante a entidade adjudicante através da plataforma eletrónica.
VI - Se o documento não é confidencial, sendo, aliás, a confidencialidade prevista no interesse de quem apresenta o documento, mas foi junto como se fosse confidencial, trata-se de uma mera irregularidade formal que em nada prejudica ou pode prejudicar os concorrentes, nem nenhum princípio jurídico-administrativo. Basta, como é imposto pelo sistema jurídico, desclassificar o documento e depois tratá-lo como os demais documentos não confidenciais, sem prejuízo dos outros concorrentes e da própria justiça do procedimento pré-contratual.
VII - Mister é que o júri respeite atempadamente o que se retira dos cits. nºs 3, 4 e 5 do artigo 66º do CCP/2008, de modo a concretizar os princípios pré-contratuais da legalidade, da transparência e da igualdade de tratamento.


Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Processo nº 138/10…

**

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M…….. & J……. - CONSTRUÇÕES, SA, melhor identificada a fls. 2 dos autos, intentou ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual contra

MUNICÍPIO DE CASTRO VERDE,

sendo contra-interessada T……. - SOCIEDADE DE EMPREITADAS, S.A.

A pretensão formulada foi a seguinte:

- A exclusão da proposta da Contra-interessada do âmbito do concurso público, lançado pela Entidade Demandada, tendente à celebração de contrato de empreitada de execução do "Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A…..";

- A anulação da decisão da Entidade Demandada, adotada em 20 de janeiro de 2010, que aprovou a adjudicação - à Contra-interessada - da empreitada de execução do "Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A…." e, consequentemente, a adjudicação daquela à ora Autora;

- Em alternativa, caso se revele, em absoluto, impossível a adjudicação mencionada em B) à Autora, que seja reconhecido o seu direito à indemnização prevista e regulada nos artigos 45.° e 45.°-A ex vi n.º 6 do artigo 102.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

*

Após a discussão da causa, o T.A.C. decidiu assim:

“julgo a presente ação de contencioso pré-contratual parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente, determino ao abrigo do n.º 5 do artigo 102.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que, no prazo de 20 (vinte) dias, as Partes diligenciem no sentido de fixarem o montante da indemnização a que a Autora tem direito, seguindo-se os trâmites do artigo 45.° do CPTA caso se revele necessário”.

*

Inconformado com tal decisão, o MUNICIPIO interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

A. Julgou o tribunal a quo que não se verificavam quaisquer exceções dilatórias, nomeadamente, a exceção de "caducidade do direito de ação" (cfr. artigo 89.°, n.º 1, alínea h), do CPTA, na redação vigente à data);

B. Sucede, contudo, que o tribunal a quo errou ao julgar, como julgou, a inexistência de tal exceção dilatória;

C .O ato impugnado consubstancia um ato de adjudicação praticado no âmbito de um procedimento pré-contratual de formação de um contrato de empreitada, pelo que a forma de processo aplicável ao caso dos autos seria impreterivelmente a do "contencioso pré-contratual", razão pela qual oficiosamente o tribunal a quo diligenciou pela sua convolação;

D. Nos termos do disposto no artigo 101.° do CPTA: «os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do ato»;

E. A jurisprudência dos tribunais administrativos é unânime no entendimento de que «conforme o critério estabelecido no artigo 279°, alínea a), do Código Civil, um mês são trinta dias de calendário».

F. Os concorrentes foram notificados em 26.01.2010 do ato de adjudicação, pelo que, querendo, poderiam impugna-lo judicialmente, no limite, até ao dia 25.02.2010.

G. A ação foi proposta pela Requerida em data posterior a 25.02.2010, sendo, por essa razão, extemporânea.

H. Por julgar inexistirem quaisquer exceções que obstassem ao conhecimento do mérito da ação, incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento, devendo o despacho saneador sob recurso ser revogado e a caducidade do direito de ação ser conhecida, com todas as devidas consequências legais.

I. A sentença recorrida funda o sentido da sua decisão em dois pressupostos: (i) que a apresentação dos documentos que instruem a proposta como classificados quando não o deviam conduz à exclusão da mesma; e (ii) que a circunstância de os concorrentes não terem tido imediato conhecimento da proposta do adjudicatário viola irremediavelmente os princípios da confiança e da segurança jurídica de todos os operadores.

J. O entendimento do Júri e da entidade adjudicante — quer no que respeita à não exclusão da proposta, quer no que respeita ao aproveitamento do procedimento com a repetição de todas as fases procedimentais subsequentes ao momento de apresentação das propostas — teve como pressuposto «os princípios da proporcionalidade e do favor do procedimento, incompatíveis com a exclusão de propostas cuja valia não vem questionada, apenas como decorrência de meras irregularidades formais».

K. A situação dos autos — a circunstância de um concorrente, por lapso, ter submetido os documentos como classificados quando inexistia autorização nesse sentido — subsume-se integralmente à norma do n.º 3 do artigo 66.° do CCP. I.e., aos casos em que um documento é submetido como classificado quando não tenha sido expressamente autorizada essa classificação.

L. O legislador nacional foi muito claro ao determinar expressamente que a "sanção" associada à submissão indevida de documentos como classificados é a de se «considera[r] não escrita ou não declarada a classificação» do mesmo (cfr. artigo 66.°, n.º 3, do CCP). Afastando-se, em definitivo, a "sanção" de exclusão das propostas em situações idênticas.

M. O tribunal a quo entendeu (erradamente) que o concorrente, ao ter submetido na plataforma por lapso os documentos da sua proposta como classificados, teria violado necessariamente a norma do n.º 3 do artigo 7.° do Programa do Concurso e, por conseguinte, o artigo 62.° do CCP e que, apenas por essa razão, se justificava a sua exclusão nos termos do disposto na alínea l) do n.º 2 do artigo 146.° do CCP.

N. O artigo 7.0, n.º 3, do Programa do Concurso apenas pretendia definir os termos em que deve obedecer a apresentação da proposta e, em caso algum, o "modo de apresentação" - esse é imperativo: diretamente na plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 62.° do CCP.

O. Os termos a que deve obedecer a apresentação das propostas é uma matéria subtraída do âmbito de aplicação do CCP (e, portanto, da norma do artigo 62.° do citado diploma), aí se aplicando (à data) as normas da Portaria n.º 701-G/2009, de 29.07, e o Decreto-Lei n.º 143-A/2008, de 25.07.

P. Podendo estar em causa, no limite, o incumprimento "dos termos a que deve obedecer a apresentação das propostas", sempre seria, em primeiro lugar, de afastar a norma do artigo 62.° - que regula, em exclusivo, o modo de apresentação de propostas — e, consequentemente, a aplicação da causa de exclusão prevista na alínea l) do n.º 2 do artigo 146.° do CCP.

Q. O que se preceitua na Portaria n.º 701-G/2009 (diploma que, à data, regulava especificamente o regime de submissão de documentos classificados nas plataformas eletrónicas) para as situações do n.º 3 do artigo 66.° do CCP é, como só poderia ser, a tramitação técnica de desclassificação posterior das propostas quando são submetidas indevidamente como classificadas.

R. Em momento algum se disciplina ali, direta ou indiretamente, ou sequer se sugere, a possibilidade de exclusão de propostas com esse fundamento.

S. Perante factos idênticos, este Tribunal Central Administrativo Sul determinou, e bem, que «a apresentação dos documentos como classificados, por lapso do apresentante, não faz com que eles se tornem de imediato classificados, nem os torna secretos para os outros participantes. Exige é que o júri do concurso tome sobre essa qualificação uma decisão, que a aceite ou não. Se não a aceitar (como no caso destes autos) a mesma considera-se não escrita ou não declarada, ficando a partir desse momento disponível para consulta pelos outros candidatos, por força do art° 66.3 do CCP. Logo, a apresentação de um documento como classificado quando não o devia ser, não tem a virtualidade de excluir a proposta» (cfr. Acórdão datado de 26.05.2011, proferido no âmbito do processo n.º 07636/11).

T. Também a atuação da entidade adjudicante não fez incorrer os atos por si praticados, designadamente o ato impugnado, numa ilegalidade invalidante.

U. O artigo 12.°, n.º 2, da Portaria n.º 701-G/2009, de 29.07, determina que, após a abertura das propostas pelo Júri, as plataformas eletrónicas devem garantir o acesso exclusivo, por parte das entidades incluídas na lista dos concorrentes, a todas as propostas apresentadas.

V. Não se estabelece ali uma obrigação para o júri ou para a entidade adjudicante no modo de condução do procedimento ou dos princípios e regras que deve observar.

W. É ostensivo que, ao contrário do preceituado na sentença recorrida, a atuação da aqui Recorrente jamais poderia violar a norma do artigo 12.°, n.º 2, da Portaria n.º 701-G/2009, desde logo, porque ali não se prescreve qualquer obrigação, diretiva ou instrução para as entidades adjudicantes.

X. A disponibilização das propostas aos concorrentes visa a título principal garantir a possibilidade de estes, confrontados com a avaliação do júri no relatório preliminar, analisarem as restantes propostas e aferirem da oportunidade e justeza das pontuações atribuídas e, se for o caso, delas reclamar em sede de audiência prévia.

Y. No momento em que o júri foi confrontado com o facto de os documentos terem sido submetidos de forma irregular, diligenciou imediatamente no sentido de os tornar integralmente disponíveis, conceder prazo para todos os concorrentes analisarem a referida proposta e de conceder uma nova audiência prévia.

Z. Os concorrentes foram, por isso, colocados na situação que estariam se a referida irregularidade — a não desclassificação imediata dos documentos da referida proposta — nunca tivesse existido.

AA. A circunstância de ter sido garantido objetivamente aos concorrentes o acesso a referida proposta, permite concluir, com certeza, que a referida formalidade (a ser entendida como essencial) se degradou em não essencial, na medida em que, não obstante o desrespeito por aquela formalidade, as finalidades subjacentes à mesma foram integralmente satisfeitas.

BB. Nenhum direito dos concorrentes ficou prejudicado pela circunstância de se ter verificado a referida irregularidade. E o facto de, a final, o sentido da proposta do júri (depois homologada pela entidade adjudicante) não se ter alterado só veio evidenciar o que, de resto, nunca foi colocado em crise: a proposta adjudicada era objetivamente a melhor proposta.

CC. Tudo concorrendo para que a decisão proferida pelo tribunal a quo, que revela que o mesmo não foi capaz de entender e avaliar adequadamente a realidade jurídica sub judice e em clara violação e contradição com as normas legais aplicáveis, incorra em erro grosseiro de julgamento.

SEM CONCEDER,

DD. Em hipótese alguma poderia a Recorrida ser indemnizada, sem mais, pelos lucros que deixou de auferir com a execução do contrato, como adianta (erradamente) o tribunal a quo.

EE. Ao ajuizar-se sobre a oportunidade deste dever de indemnizar, designadamente da conduta assumida pelas partes, é ostensivo que a Recorrida poderia ter impedido ou minorado a produção dos danos sofridos.

FF. A Recorrida lançou mão de um meio processual impróprio — ação administrativa de impugnação de atos — o que implicou que ao presente processo não fosse atribuído entre 2010 e 2018 o efeito urgente que sempre teria resultado da aplicação correta do meio processual aplicável ("contencioso pré-contratual").

GG. A Recorrida, mesmo sabendo que a celebração do referido contrato era iminente e que a sua execução não tardaria, nunca requereu ao Tribunal a suspensão de eficácia do ato impugnado (com a consequência suspensão da execução do contrato celebrado na sequência do mesmo).

HH. Não se pode pretender por via da indemnização que a Recorrida obtenha o que teria conseguido se tivesse, ab initio, recorrido ao meio processual (urgente) aplicável e, bem assim, tivesse lançado mãos de todos os mecanismos legais que lhe visavam assegurar a não constituição de uma situação de facto que impede a condenação nos termos do peticionado, designadamente, uma tutela cautelar de suspensão dos efeitos do ato impugnado.

II. O comportamento da Recorrida concorreu diretamente para que se tenha constituído uma situação de impossibilidade de execução de sentença.

JJ. É de aplicar ao presente caso o princípio legal segundo o qual «quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do ato jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída» (cfr. artigo 570.° do Código Civil e artigo 4.° da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro).

KK. Deve a culpa da Recorrida ser devidamente ponderada para efeitos de afastamento do dever indemnizatório da Recorrente ou, no limite, à significativa diminuição do seu valor.

*

A recorrida AUTORA contra-alegou, concluindo assim:

I — Do objeto do recurso

A)No passado dia 26/02//2010, a ora Recorrida deu entrada de uma Petição Inicial, com a qual se pretendia i) a anulação do ato de adjudicação e do contrato, na eventualidade de este já ter sido celebrado, ii) a exclusão da proposta da Recorrente e iii) ainda a adjudicação à proposta da Recorrida, no âmbito do procedimento concursal dos autos.

B)Ora, o presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de dia 27/08/2018, a qual julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu Município de Castro Verde a anular a decisão de adjudicação, a excluir a proposta da aqui Recorrente e a indemnizar a aqui Recorrida.

II — Do Recurso

II.1 — Do capítulo "II Do objeto do recurso" do Recurso

C) Nesta sede, a Recorrente alega a caducidade do direito de ação com base na conversão do prazo de um mês, previsto no artigo 101.° do CPTA, em 30 dias.

D) no entanto, a regra da conversão do prazo de meses em dias apenas é aplicável à contagem de prazos que devam suspender-se nas férias judiciais.

E) Desta forma, deve entender-se que o prazo de um mês, previsto no artigo 101.° do CPTA, não deve ser convertido em dias.

F) Sendo de aplicar ao mesmo o disposto na alínea c) do artigo 279.° do CC.

G) Ora, se a decisão de adjudicação foi notificada no dia 26/01/2010, o prazo para a instauração da ação terminava no dia 26/02/2010 — dia em que, efetivamente, deu entrada, conforme resulta do sistema SITAF e reconhece a Recorrente.

H) Razão pela qual deve improceder a alegada exceção de caducidade do direito de ação.

II.2 - Do capítulo "i) Do erro de julgamento da sentença recorrida ao determinar que a proposta adjudicada deveria ter sido excluída por alegada violação do preceituado nos artigos 62.° e 146.0, n.º 2, alínea l) do CCP" do Recurso

I) Nesta sede, a Recorrente alega que andou mal o Tribunal a quo quando decidiu no sentido da exclusão da sua proposta.

J) No entanto, com tal entendimento não pode a Recorrida concordar.

K) Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 7.° do Programa de Concurso, era exigido que os concorrentes apresentassem os documentos das respetivas propostas "(...) na área Documentos Públicos disponível no portal http://compraspublicas.com".

L) Tendo a Recorrente incumprido essa mesma exigência procedimental ao apresentar os documentos da sua proposta na área "Documentos Privados" e não tendo, em momento algum, requerido a classificação dos documentos da sua proposta.

M) O que a Recorrente não nega, antes confirma.

N) Por um lado, porque, ao não ter apresentado os seus documentos na área "Documentos Públicos" deve-se entender que os mesmos devem ser desconsiderados para todos os efeitos.

O) O que resulta na exclusão da proposta da Recorrente por não ser constituída pelos documentos obrigatório e por, em consequência, não apresentar os atributos da proposta e bem assim impossibilitar a avaliação da mesma, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 146.° e alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 70.° ambos do CCP, respetivamente.

P) Por outro lado, ao ter violado a regra constante no n.º 2 do artigo 7.° do Programa de Concurso, deve também entender-se que a Recorrente violou o modo de apresentação de propostas exigido expressamente pelo Réu nas peças do procedimento dos autos.

Q) Devendo a sua proposta ser excluída ao abrigo do disposto na alínea l) do n.º 2 do artigo 146.° do CCP.

R) Sendo de recusar a alegação segundo a qual o facto de os documentos dessa proposta terem sido posteriormente inseridos na área "Documentos Públicos" sanaria a invalidade.

S) A violação da regra procedimental quanto ao modo de apresentação dos documentos da proposta já se verificou e não pode, naturalmente, ser sanada posteriormente à fase de apresentação de propostas.

T) Na verdade, admitir o contrário seria criar uma precedente perigoso que consistiria em aceitar que os concorrentes ignorassem ou ostensivamente violassem as normas que determinam o modo de apresentação das propostas dado que Júri ou a Entidade Adjudicante, fazendo tábua rasa do disposto na alínea l) do n.º 2 do artigo 146.° do CCP, poderiam sempre sanar a violação ....

U) Ainda por cima, num caso como o presente, em que o Júri chegou mesmo a elaborar o relatório preliminar sem ter dado aos restantes concorrentes acesso à proposta ordenada em 1.° lugar.

V) O que, consubstanciaria, uma violação das regras mais básica da contratação pública: a da disponibilização de todas as propostas apresentadas a todos os concorrentes aquando da sua abertura.

W) Pelo exposto, verificando-se diversas causas de exclusão da proposta da Recorrente, deve manter-se a decisão do Tribunal a quo a qual julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu Município de Castro Verde a anular a decisão de adjudicação, a excluir a proposta da aqui Recorrente e a indemnizar a aqui Recorrida.

X) Por último, e quanto à questão do montante indemnizatório, a Recorrente alega que a mesma deveria ser desconsiderada pelo Tribunal ou que, no limite, o respetivo valor deveria ser reduzido, na medida em que o dano havia sido produzido pela conduta processual da Recorrida.

Y) A ação deu entrada no dia 26/02/2010 e o contrato, celebrado em 02/03/2010, tinha uma duração de 360 dias.

Z) O que significa que, mesmo que a Recorrida tivesse instaurado uma ação de contencioso pré-contratual, tal só faria diferença se fosse possível obter uma decisão final transitada em julgado no prazo máximo de um ano.

AA) Com a possibilidade de recurso — que, no presente caso, seria certa, como veio a ocorrer —uma ação dessa natura, ainda que urgente, não teria uma decisão final no prazo máximo de um ano.

BB) Por outro lado, a suspensão de eficácia do ato impugnado, apesar de produzir um efeito suspensivo automático, cairia sempre face à apresentação da resolução fundamentada pelo Réu, nos termos do n.º 1 do artigo 128.° do CPTA, na versão vigente à data).

CC) Sendo que, mesmo que tal resolução não fosse apresentada, os danos que a Autora/Recorrida poderia querer acautelar (não execução do contrato enquanto não fosse proferida decisão final) seriam sucessiva e reiteradamente ignorados / desconsiderados no momento da ponderação dos interesses em presença.

DD) Pelo que nunca se pode afirmar um nexo de causalidade entre os danos e alguma conduta processual menos diligente por parte da Autora/Recorrida.

EE) Pelo exposto, também quanto a esta matéria, se deve manter a decisão ora recorrida.

*

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º-2 e 146º-4 do CPTA, artigos 5º, 608º-2, 635º-4-5 e 639º do CPC-2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. artigos 73º-4, 141º-2-3, 143º e 146º-1-3 do CPTA). Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.

Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido decidiu estar provada a seguinte factualidade:

A) Em 7 de Agosto de 2009, pela Entidade Demandada, foi aberto concurso público n.º GPI/CP/08/09 tendente à celebração de contrato para a realização da empreitada “Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A……”, em cujo Programa do Procedimento consta que:

“Texto integral com imagem”

_ cfr. Anúncio de Procedimento n.º 3873/2009, in Diário da República, II Série, n.º 152, Parte L - Contratos Públicos;

B) No âmbito do concurso público mencionado em A), para além da Autora, apresentaram proposta as seguintes concorrentes: “........…. – Sociedade de Construções, S.A.”; “............ – Sociedade de Empreitadas, S.A.”; “................., S.A.”; “..….. – ..............., Lda.” e “..…........ - Construções, S.A.” e “..…… - Sociedade de Empreitadas, SA (ora Contra-interessada) _ cfr. fls. 579 do processo administrativo;

C) A abertura das propostas, pelo Júri do Concurso, “teve lugar no dia 2 de outubro” de 2009 _ fls. 578 do processo administrativo;

D) A (ali) concorrente “..............................................., SA colocou “parte da sua proposta na área de Documentos Privados e, assim, (…) os documentos não [estiveram] acessíveis aos restantes concorrentes (…)” até ao dia 11 de Janeiro de 2010 _ cfr. Resposta do Júri do Concurso, datada de 05.01.2010, constante a fls. 593-595 do processo administrativo e, ainda, fls. 598 do processo administrativo;

E) Em 25 de Novembro de 2009, por unanimidade, o Júri do Concurso n.º GPI/CP/08/09 aprovou o respetivo Relatório Preliminar, no âmbito do qual ordenou a ora Contra-interessada em primeiro lugar _ cfr. fls. 578 a 585 do processo administrativo;

F) Em 5 de Janeiro de 2010, em sede de Audiência Prévia, a Autora pronunciou-se nos seguintes termos: “(…) 1. Consultando os elementos constantes na plataforma digital relativa ao procedimento do concurso (…) a concorrente .......... - Sociedade de Empreitadas, SA, apresentou a sua proposta, mas não publicitou os documentos que refere serem os aludidos no n.º 2 do artigo 7.º do programa do concurso (…) como sendo: Memória Descritiva; Lista de peças unitária final; Lista de preços unitária inicial; Alvarás ................; Anexos de Memória Descritiva 21p; Atributos de proposta não submetidos à concorrência; Declarações Subcategorias. 2. (…), tais documentos, se foram apresentados, não se encontram disponíveis para consulta pelo que não será possível sequer escrutinar a valorização que foi efetuada para cada um dos itens da grelha de classificação para efeitos do factos “Valia Técnica” do concorrente em causa. (…) 17. Assim, a exclusão da proposta da concorrente T…….., por não dar cumprimento às (…) disposições legais e regulamentares (cfr. artigo 66.º do CCP e artigo 7.º, n.º 3, do Programa do Concurso), impõe-se (…) em obediência aos princípios da legalidade, da igualdade, da justiça e imparcialidade (…).” _ cfr. fls. 588 a 591 do processo administrativo;

G) Em 5 de Janeiro de 2010, por referência à exposição mencionada em F), o Júri do Concurso pronunciou-se como se segue: “(…) III. (…) apesar da omissão de informação no Relatório Preliminar no que respeita à impossibilidade de «desclassificar» os documentos na respetiva plataforma eletrónica de contratação pública e, consequentemente, comunicação de consulta em papel nas instalações da Câmara Municipal (…), consideramos não haver razão para viciar o Relatório Preliminar.” (…) V Concluímos, portanto: Manter o teor do Relatório Preliminar; Disponibilizar as peças do concorrente .....……. - Sociedade de Empreitadas, SA (uma vez que a plataforma eletrónica já permite a colocação de documentos apresentados no domínio Documentos Privados para o domínio Documentos Públicos); fixar um prazo suplementar de 5 (cinco) dias úteis de forma a que todos os concorrentes procedam à análise de todos os documentos que constituem a proposta da concorrente T…… (…)” _ cfr. fls. 592 a 595 do processo administrativo;

H) Em 12 de Janeiro de 2010, o Júri do Concurso deliberou que, “por problemas de natureza técnica da plataforma eletrónica, somos a fixar uma nova data, por forma a proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o conteúdo da proposta da concorrente T….. (…)” _ cfr. fls. 596 do processo administrativo;

I) Em 15 de Janeiro de 2010, de novo, a Autora pronunciou-se ao abrigo do direito de Audiência Prévia, reiterando a argumentação citada em F) _ cfr. fls. 597-598 do processo administrativo;

J) Em 19 de Janeiro de 2010, o Júri do Concurso deliberou, por unanimidade, aprovar o respetivo Relatório Final, no qual propôs “a adjudicação da empreitada de execução do «Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A….» ao concorrente ..…….. - Sociedade de Empreitadas, SA pelo valor de € 769.798,87 (…)” _ cfr. fls. 602 a 604 do processo administrativo e, ainda, Documento n.º 1 junto com a petição inicial;

K) Em 20 de Janeiro de 2010, a Câmara Municipal de Castro Verde homologou a proposta de adjudicação mencionada em J) _ cfr. fls. 604-A do processo administrativo;

L) Em 1 de Março de 2010, foi intentada a presente ação _ cfr. fls. 1 dos autos;

L) Em 25-02-2010, foi intentada a presente ação _ cfr. SITAF. (alterado por este acórdão nos termos artigo 662º-1 do CPC)

M) Em 2 de Março de 2010, entre o Município de Castro Verde e a Contrainteressada, foi outorgado contrato de empreitada denominado “Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A…….” _ cfr. fls. 656 a 657 do processo administrativo;

N) Em 15 de Novembro de 2010, realizou-se a consignação dos trabalhos de empreitada do “Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A…..” _ Cfr. Documento n.º 5 junto com a contestação da Contra-interessada;

O) Em 26 de Janeiro de 2012, entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada, foi outorgado o “Contrato Adicional de Empreitada de Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A……”, relativo a trabalhos a mais, no valor de 168.083,08 € (cento e sessenta e oito mil, oitenta e três euros e oito cêntimos), acrescido do Imposto sobre o Valor Acrescentado à taxa legal em vigor _ cfr. Documento n.º 6 junto com a Contestação da Contrainteressada;

P) Em 23 de Abril de 2012, a obra de empreitada de execução do “Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A.....” foi recebida provisoriamente _ cfr. Documento n.º 7 junto com a Contestação da Contrainteressada;

Q) Em 27 de Abril de 2017, a empreitada de execução do “Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A……” foi recebida definitivamente pelo Município de Castro Verde _ cfr. Documento n.º 8 junto com a Contestação da Contra-interessada;

R) A empreitada de execução do “Caminho Agrícola entre Entradas e São Marcos da A….” encontra-se, integralmente, concluída _ por acordo.

*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

São as seguintes AS QUESTÕES A RESOLVER contra a decisão jurisdicional ora impugnada:

- Erro de direito quanto à tempestividade da ação;

- Erros de julgamento de direito referentes à aplicação dos artigos 62º, 66º e 146º-2-l) do CCP vigente em 2009, do artigo 12º-2 da Portaria nº 701-G/2009 e do artigo 5º do P.P., a propósito da apresentação irregular como confidenciais de documentos não confidenciais da proposta da T……. .

*

Temos presente tudo o que já expusemos, bem como:

(1º) que o Direito – tendo uma dimensão real-social e uma dimensão ideal de justiça - é uma ciência social da decisão que se refere a um conjunto de regras e princípios jurídicos, ordenado em função de um ou mais pontos de vista (sistema), sendo o ordenamento jurídico um sistema social (no sentido do jurista e sociólogo N. Luhmann Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt, Suhrkamp, 1993, ou Law as a Social System, Oxford, Oxford University Press, 2004. Rechtssoziologie, 2ª edição, Opladen, Westdeutscher Verlag, 1983.: um sistema da sociedade moderna, funcionalmente diferenciado, autopoiético, coerente e racional, cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação), mas sistema aberto e alterável, nomeadamente, através de novos objetivos políticos e do acoplamento estrutural entre sistemas sociais; (2º) que o Direito administrativo é Direito constitucional concretizado; (3º) que existe uma correta metodologia jurídica para decidir processos jurisdicionais (cf. artigos 1º a 3º, 9º, 110º-1, 112º, 202º-1-2, 203º e 204º da CRP e artigos 9º, 335º, 342º e 343º do CC); (4º) que são essenciais o princípio estruturante da dignidade da pessoa humana (cf. artigo 1º da CRP), o princípio estruturante do Estado democrático e social de Direito (cf. artigo 2º da CRP), o princípio formal da segurança jurídica (cf. artigos 1º e 2º da CRP), o princípio jurídico geral e máxima metódica da igualdade, sujeita ao dever de fundamentação dos argumento racionais (cf. artigos 13º da CRP e 6º do CPA), e a máxima metódica da proporcionalidade administrativa fora das vinculações jurídicas estritas, também sujeita ao dever de fundamentação dos argumentos racionais (cf. artigos 1º e 2º da CRP e 7º do CPA); destaca-se ainda, nesta Jurisdição, o princípio jurídico geral da prossecução do interesse coletivo (bem comum) por parte de todas as atividades de administração pública (cf. artigos 266º e 268º-3-4 da CRP).

Passemos, agora, à análise do recurso de apelação.

*

1 - Da caducidade do direito de ação

Os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do ato – vd. artigo 101º do CPTA/2002-2003.

A contagem do cit. prazo – de natureza substantiva, e não processual – obedecia em 2010 ao regime aplicável aos prazos para a propositura de ações que se encontram previstos no Código de Processo Civil em 2010 – vd. artigo 58º-3 do CPTA cit.

1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes. 2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte. 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto. 4 - Os prazos para a propositura de ações previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores - artigo 144º do CPC vigente em 2010.

Ora, a presente ação entrou no dia 25-02-2010 e não em 01-03-2010 (vd. SITAF), estando por isso errado o teor do facto L. Em consequência do que, aliás, se altera o mesmo em conformidade ao abrigo do artigo 662º-1 do CPC.

A autora foi notificada do ato administrativo que impugna no dia 26-01-2010.

Portanto, fácil é concluir que a ação entrou dentro do cit. prazo de 30 dias seguidos; entrou no último dia do prazo (hoje, à luz da nova legislação – CPTA/2015, CPC/2013 e artigo 279º-c) do CC-, teria entrado um dia antes do fim do prazo).

Pelo que, nesta questão, o recorrente não tem razão.

*

2 - Dos erros de julgamento de direito referentes à aplicação dos artigos 62º, 66º e 146º-2-l) do CCP vigente em 2009, do artigo 12º-2 da Portaria nº 701-G/2009 e do artigo 5º do P.P.

Preliminarmente, devemos referir que não existe, evidentemente, qualquer oposição ou contradição entre os factos C e H.

2.1.

A situação litigada consiste em que um concorrente, por lapso, submeteu documentos como classificados quando não existia autorização nesse sentido; e ainda que o júri só após o relatório preliminar agiu a esse propósito. Qual a consequência ou as consequências?

Interpretemos enunciados normativos de natureza legislativa aqui pertinentes; depois, porque de hierarquia inferior, veremos enunciados regulamentares aqui pertinentes, gerais (Portaria nº 701-G/2009) e os específicos do procedimento pré-contratual em causa (no P.P.).

Artigo 62º do CCP:

1 - Os documentos que constituem a proposta são apresentados diretamente em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, através de meio de transmissão escrita e eletrónica de dados, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º

2 - Os documentos que constituem as propostas variantes, também apresentados nos termos do disposto no número anterior, são identificados com a expressão «Proposta variante n.º...».

3 - A receção das propostas é registada com referência às respetivas data e hora, sendo entregue aos concorrentes um recibo eletrónico comprovativo dessa receção.

4 - Os termos a que deve obedecer a apresentação e a receção das propostas nos termos do disposto nos n.os 1 a 3 são definidos por diploma próprio.

5 - Quando, pela sua natureza, qualquer documento dos que constituem a proposta não possa ser apresentado nos termos do disposto no n.º 1, deve ser encerrado em invólucro opaco e fechado:

a) No rosto do qual se deve indicar a designação do procedimento e da entidade adjudicante;

b) Que deve ser entregue diretamente ou enviado por correio registado à entidade adjudicante, devendo, em qualquer caso, a respetiva receção ocorrer dentro do prazo fixado para a apresentação das propostas;

c) Cuja receção deve ser registada por referência à respetiva data e hora.

Portanto, o CCP remeteu para uma mera portaria a definição dos termos a que devia obedecer a apresentação e a receção das propostas.

Artigo 66º do CCP:

1 - Por motivos de segredo comercial, industrial, militar ou outro, os interessados podem requerer, até ao termo do primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, a classificação, nos termos da lei, de documentos que constituem a proposta, para efeitos da restrição ou da limitação do acesso aos mesmos na medida do estritamente necessário.

2 - A decisão sobre a classificação de documentos que constituem a proposta deve ser notificada aos interessados, pelo órgão competente para a decisão de contratar, até ao termo do segundo terço do prazo fixado para a apresentação das propostas.

3 - Considera-se não escrita ou não declarada a classificação de um documento que não tenha sido expressamente autorizada nos termos do disposto nos números anteriores.

4 - Se no decurso do procedimento deixarem de se verificar os pressupostos que determinaram a classificação de documentos que constituem as propostas, o órgão competente para a decisão de contratar deve promover, oficiosamente, a respetiva desclassificação, informando do facto todos os interessados.

5 - Quando, por força da classificação de documentos que constituem a proposta, não seja possível apresentá-los nos termos do disposto no artigo 62.º ou no prazo fixado no programa do procedimento, o órgão competente para a decisão de contratar pode estabelecer, oficiosamente ou a pedido do interessado, um modo alternativo de apresentação dos documentos em causa ou a prorrogação daquele prazo na medida do estritamente necessário.

Aquele nº 3 contém a cominação jurídica a aplicar, mecanicamente, aos casos em que são submetidos documentos como classificados (portanto, por causa de um alegado segredo do apresentante) quando não existe uma prévia autorização nesse sentido: o documento “torna-se” apresentado como não classificado, com as devidas e normais consequências.

E o nº 4 cit. (bem como o nº 5) confirma-o: o órgão competente para a decisão de contratar deve promover, oficiosamente, a respetiva desclassificação, informando do facto todos os interessados.

Quer dizer: a consequência prevista nos nºs 3 e 4 também se aplica, por haver evidente semelhança de situações, no caso em que o interessado junta eletronicamente um documento como sendo classificado quando nem o respetivo pedido de classificação foi feito.

Artigo 146º-2-l) do CCP:

No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas: l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º.

O que significa isto?

Significa (cf. artigo 9º do CC) que é fundamento de exclusão das propostas a violação do previsto nos nºs 1, 2 e 5 do artigo 62º.

É que os demais nºs do artigo 62º não se referem a formalidades do modo de apresentação das propostas. (i) Com efeito, o nº 3 cit. refere-se à plataforma e à entidade adjudicante. (ii) E o nº 4 do artigo 62º refere-se a meras questões não técnico-jurídicas, a aspetos meramente exequendos respeitantes à apresentação eletrónica e à receção eletrónica.

Este enquadramento é confirmado plenamente pelo artigo 66º do CCP. O que afasta a aplicabilidade do artigo 146º-2-l) do CCP/2008 às situações irregulares referidas nos nºs 3 e 4 do artigo 62º do mesmo CCP. A irregularidade referente ao cit. nº 4 do artigo 62º pode ser bem resolvida à luz dos cits. nºs 3, 4 e 5 do artigo 66º do CCP/2008.

DL nº 143-A/2008 (princípios e regras gerais a que devem obedecer as comunicações, trocas e arquivo de dados e informações, previstos no Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, em particular, a disponibilização das peças do procedimento, bem como o envio e receção dos documentos que constituem as candidaturas, as propostas e as soluções):

Artigo 2.º - Utilização de meios eletrónicos

1 - As comunicações, trocas e arquivo de dados e informações previstos no Código dos Contratos Públicos processam-se através de plataformas eletrónicas que obedecem aos princípios e regras definidos no presente decreto-lei, bem como às especificações técnicas a regulamentar através da portaria referida nos n.os 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro.

Artigo 7º - Princípio da integridade e segurança:

1 - As plataformas eletrónicas disponibilizam meios de segurança tecnológica adequados a garantir a confidencialidade e integridade dos dados submetidos de forma a que ninguém possa ter acesso aos dados e informações que constem de documentos apresentados pelos candidatos ou pelos concorrentes antes das datas limite para a prática dos atos nos diversos procedimentos de formação do contrato.

2 - Os meios de segurança referidos no número anterior permitem a identificação imediata da eventual violação da proibição de acesso.

Artigo 8.º - Encriptação e classificação de documentos

1 - Os documentos eletrónicos que constituem a proposta, a candidatura ou a solução são encriptados, sendo-lhes aposta assinaturas eletrónicas.

2 - O tipo de assinatura eletrónica exigida bem como o modo e requisitos para a sua disponibilização são definidos na portaria referida nos n.os 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro.

3 - A circunstância de os documentos serem encriptados não dispensa os interessados do requerimento de classificação de documentos a que alude o n.º 1 do artigo 66.º do Código dos Contratos Públicos para efeitos de restrição ou de limitação do acesso aos mesmos para salvaguarda de direitos do interessado.

4 - Nos casos referidos no número anterior, deve a plataforma eletrónica garantir que os documentos cuja classificação tenha sido autorizada pela entidade adjudicante apenas sejam visíveis pelos membros do júri, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 66.º do Código dos Contratos Públicos.

5 - O concorrente, ou candidato, deve apresentar os documentos classificados em separado dos outros documentos da proposta, nos termos a definir na portaria referida nos n.os 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro.

Note-se, aqui neste nº 5, que a lei (DL) não prevê qualquer cominação contra o particular.

Artigo 10.º - Informação aos interessados

1 - A plataforma eletrónica deve disponibilizar, em local de acesso livre a todos os potenciais interessados, as especificações necessárias exigidas para a realização do procedimento de formação do contrato, designadamente aquelas respeitantes a:

a) Requisitos de acesso às peças do procedimento;

b) Modo de apresentação das propostas, candidaturas e soluções;

c) Modo e requisitos a que a encriptação de dados deve obedecer;

d) Assinaturas eletrónicas exigidas e modo de as obter;

e) Requisitos a que os ficheiros que contêm os documentos das propostas, candidaturas e soluções devem obedecer.

Artigo 12º - Envio de propostas, candidaturas e soluções

1 - Os meios eletrónicos utilizados pelas plataformas eletrónicas garantem que as entidades adjudicantes e os restantes concorrentes só tomam conhecimento do conteúdo das propostas, candidaturas e soluções depois de expirado o prazo previsto para a sua apresentação.

2 - A entidade adjudicante deve comunicar à entidade gestora da plataforma eletrónica, que deve publicitar imediatamente na plataforma eletrónica, as datas limite para a apresentação de propostas, candidaturas e soluções, bem como a data e hora de abertura das mesmas.

3 - As comunicações previstas no número anterior devem realizar-se sempre que, por motivos de suspensão ou interrupção do prazo para apresentação de propostas, candidaturas ou soluções, ocorra uma alteração da respetiva data e hora, bem como da data e hora para abertura das mesmas.

4 - As plataformas eletrónicas devem operacionalizar um sistema que permita determinar a origem da transmissão, bem como a entidade ou pessoa singular que a submeteu, de forma que o emissor dos dados não possa negar a autoria da emissão nem a data e hora em que a mesma ocorreu.

5 - As plataformas eletrónicas devem garantir que os dados transmitidos não são alterados durante ou após a sua transmissão.

Passemos agora às normas administrativas.

Artigo 3º da Portaria nº 701-G/2009 (Define os requisitos e condições a que deve obedecer a utilização de plataformas eletrónicas pelas entidades adjudicantes, na fase de formação dos contratos públicos, e estabelece as regras de funcionamento daquelas plataformas; trata-se de um diploma pouco legível e cuja técnica de ciência legística é medíocre):

As plataformas utilizadas pelas entidades adjudicantes nos procedimentos de formação de contratos públicos devem satisfazer os requisitos definidos na presente portaria.

Artigo 12º da Portaria nº 701-G/2009:

1 - No âmbito de cada procedimento de formação de um contrato, a plataforma eletrónica garante o acesso exclusivo dos interessados às peças do procedimento, aos esclarecimentos e às retificações da autoria da entidade adjudicante, às suas decisões de prorrogação do prazo, às listas dos erros e omissões identificados pelos interessados e à lista dos erros e omissões aceites pela entidade adjudicante e às notificações e comunicações na fase prévia à apresentação das propostas.

2 - Após a abertura das propostas pelo júri, as plataformas eletrónicas devem garantir o acesso exclusivo, por parte das entidades incluídas na lista dos concorrentes, a todas as propostas apresentadas, aos esclarecimentos sobre a proposta da autoria dos respetivos concorrentes, aos documentos de habilitação apresentados pelo adjudicatário, bem como a todos os demais atos ou formalidades procedimentais relativos à fase posterior à apresentação das propostas que, nos termos do disposto no CCP, devam ser publicitados na plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante.

3 - No caso de classificação de determinados documentos que constituem a proposta, nos termos do artigo 66.º do CCP, as plataformas eletrónicas devem estar aptas a disponibilizar para consulta dos restantes concorrentes, nos termos do n.º 2 do artigo 138.º do CCP, apenas os documentos não classificados da mesma.

4 - A disponibilização referida no número anterior ocorre de forma automática, tendo por base a sinalização feita pelo interessado durante o carregamento do documento classificado, nos termos do n.º 16 do artigo 18.º, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 66.º do CCP.

5 - A plataforma eletrónica deve ainda permitir a disponibilização, a qualquer momento, de documentos sinalizados pelos concorrentes que o órgão competente para a decisão de contratar considere não classificados, nos termos do n.º 3 do artigo 66.º do CCP, ou desclassifique, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.

6 - A publicitação da lista dos concorrentes, ao abrigo do n.º 1 do artigo 138.º do CCP, não tem qualquer tipo de restrição de acesso.

Assim, (i) confirmando a lógica de um sistema jurídico que distingue bem o CCP de questões a ele externas, (ii) a Portaria não estabelece qualquer requisito dirigido aos concorrentes e suas propostas.

Ao contrário do referido na sentença, da factualidade não resulta o mínimo desrespeito pelo artigo 12º-2 da Portaria. O TAC terá confundido (i) o objeto primeiro da Portaria (as plataformas eletrónicas), bem como (ii) o n.º 3 do artigo 7.º do Programa do Concurso (cfr. alínea D) do probatório), com (iii) o objeto do cit. artigo 66º-3-4-5 do CCP.

Pelo que, ao contrário do que se entendeu na sentença, nem a interessada, nem o júri, violaram o artigo 12º-2 da Portaria, ou as regras de segurança, de integridade, de fidedignidade, de credibilização - não só do funcionamento das plataformas eletrónicas - e da identidade ou conteúdo das propostas. E muito menos da tutela da confiança e da segurança jurídica de todos os operadores do sistema, maxime dos demais concorrentes.

Outra coisa será a eventual violação dos artigos 62º e ou 66º do CCP/2008 e ou do P.P.

Artigo 5º do P.P.:

4 – O acesso total aos documentos constantes da plataforma eletrónica, bem como à apresentação das propostas, será facultado aos concorrentes que, entretanto, se apresentem credenciados/acreditados pela “construlink”.

Nos termos do referido artigo 7.º, n.º 3, do Programa do Concurso, «para efetuar a entrega dos documentos identificados nos números anteriores os concorrentes devem colocar os mesmos na área de Documentos Públicos».

No entanto, a Recorrente incumpriu esta exigência, apresentando alguns documentos da respetiva proposta na área “Documentos Privados”.

Mas, na sequência da interpretação correta do CCP, do DL cit. e da Portaria cit., já indiciada por nós, especialmente por causa do aqui aplicável artigo 66º-3-4-5 do CCP/2008, devemos concluir que o incumprimento pelos concorrentes deste artigo 7º-3 do P.P. é, desde logo, uma mera irregularidade. E não uma ilegalidade, porque o artigo 66º do CCP não o autoriza.

É que o artigo 62º do CCP/2008 só releva para efeitos do artigo 146º-2-l) do CCP naquilo que não é resolvido no artigo 66º.

A correta aplicação do artigo 9º do CC impõe que assim se conclua. Estamos, assim, perante uma formalidade expressamente não essencial, por vontade da lei, relevando apenas a norma jurídica principal retirada do artigo 66º-3-4-5 cit.

Assim, o artigo 12º-2 da Portaria e os artigos 5º e 7º-3 do P.P. não têm âmbitos de aplicação coincidentes com os âmbitos dos artigos 66º-3-4-5 e 146º-2-l) do CCP/2008. o artigo 12º-2 da Portaria e os artigos 5º e 7º-3 do P.P. não são aqui relevantes, ao contrário do que considerou o TAC.

Portanto, a consequência juridicamente correta de tal irregularidade formal imputável a um concorrente é desconsiderar a classificação de confidencial dada ou requerida pelo concorrente perante a entidade adjudicante através da plataforma. A consequência juridicamente correta não é desconsiderar o próprio documento, o qual foi apresentado na plataforma eletrónica no momento procedimentalmente adequado.

Se o documento não é confidencial, sendo, aliás, a confidencialidade prevista no interesse de quem apresenta o documento, mas foi junto como se fosse confidencial, trata-se de uma mera irregularidade formal que em nada prejudica ou pode prejudicar os concorrentes, nem nenhum princípio jurídico-administrativo. Basta, como é imposto pelo sistema jurídico, desclassificar o documento e depois tratá-lo como os demais documentos não confidenciais, sem prejuízo dos outros concorrentes e da própria justiça do procedimento pré-contratual.

Cf.: Mário Esteves de Oliveira/R.E.O., ob. cit., nº 72.3.4.3, nº 94.1.2 e nº 94.3.4.6; hoje Pedro C. Gonçalves, D. dos Contratos Públicos, 2ª ed., 1, pp. 760-763.

Portanto, não houve violação do artigo 62º ou do artigo 146º-2-l) do CCP/2008.

Pelo que, nesta questão, o recorrente tem razão.

Mister é que o júri respeite o que se retira dos cits. nºs 3, 4 e 5 do artigo 66º do CCP/2008, de modo a concretizar os princípios pré-contratuais da legalidade, da transparência e da igualdade de tratamento.

2.2.

Ora, o júri só procedeu como era o seu dever (cf. artigo 66º-3-4-5 do CCP/2008) após o relatório preliminar (artigo 146º do CCP) e antes do relatório final (artigo 148º do CCP).

Falamos em dever do júri. É que o que consta do cit. artigo 66º-3-4-5 do CCP/2008 é a imposição ao júri de uma série de atos procedimentais (i) em favor de todos os concorrentes e (ii) em favor do procedimento. Quem pode violar a letra e o espírito de tais normas é apenas o júri e não os concorrentes; o que significa que, neste ponto, o artigo 70º-2 e o artigo 146º-2 do CCP/2008 não relevam.

O momento (mais) adequado para cumprir os nºs 3 a 5 do artigo 66º do CC é, logicamente, anterior ao relatório preliminar, atendendo ao previsto no nº 1 do artigo 146º.

Assim, o desrespeito de tais deveres constitui invalidade procedimental (omissão de formalidade – em sentido amplo – essencial), uma vez que o júri omite assim condutas que a lei lhe impõe em favor de todos os concorrentes e em favor do procedimento.

Estando em causa princípios fundamentais como os princípios da legalidade, da boa fé, da publicidade e transparência e da igualdade, a violação dos nºs 3 a 5 do artigo 66º cit. pelo júri teria, pois, de implicar a invalidade do que ocorrer na sequência.

Mas, no cit. momento em que, aqui, o júri foi confrontado com o facto de alguns documentos terem sido submetidos de forma irregular, logo diligenciou como a lei obriga: diligenciou no sentido de os tornar integralmente disponíveis, ou seja, não classificados (como impõe o artigo 66º-3-4-5 do CCP), de conceder prazo para todos os concorrentes analisarem a proposta na sua integralidade e, ainda, de conceder uma nova audiência prévia de acordo com o artigo 147º do CCP.

Quer dizer, o júri veio, num momento tardio mas ainda adequado, cumprir o seu dever.

Os concorrentes foram, por isso, colocados, num momento anterior ao relatório final, na situação em que estariam se a referida irregularidade formal-procedimental (a não desclassificação imediata como confidenciais dos documentos da referida proposta e o não contraditório a todos os interessados) nunca tivesse existido.

Na verdade, e na medida em que a referida disponibilização visa que os concorrentes possam apreciar as propostas uns dos outros e daí concluir pela correta ou incorreta aplicação dos critérios de adjudicação pelo júri, o facto de aquele ter garantido objetivamente essa circunstância antes do relatório final, permite concluir, com certeza, que a referida omissão de deveres legalmente impostos ao júri (dever de o júri desclassificar os documentos mal classificados como confidenciais e dever de o júri informar os concorrentes antes do relatório preliminar) se “sanou” ou se degradou em não essencial, no sentido de que o que hoje consta da al. b) do nº 5 do artigo 163º do CPTA abrange tanto formalidades em sentido estrito como trâmites procedimentais – cf. Mário Aroso, T.G.D.A., 5ª ed., pp. 306-307.

O princípio da degradação das formalidades essenciais em não essenciais (ou da sua relevância relativa) assenta no pressuposto de que as finalidades que presidem à formalidade ou ao trâmite procedimental em causa, não obstante o seu desrespeito, se apresentam satisfeitas, por o fim pela qual a mesma foi instituído se mostrar inteiramente cumprido.

Assim, não são essenciais as formalidades ou os trâmites que, embora preteridas, não tenham impedido a consecução do objetivo ou finalidade prevista pela lei ao exigi-las. Ora, com a nova audiência prévia, após a “desclassificação, e tudo antes do relatório final, os concorrentes ficaram informados daquilo a que tinham direito, sobre o que puderam se pronunciar; portanto, sem nenhum direito dos concorrentes ficar, a final, prejudicado pela circunstância de se ter verificado a referida irregularidade imputável ao júri.

Sublinhemos dois pontos essenciais:

(i) já no relatório preliminar o júri havia considerado todos os documentos, embora alguns desconhecidos dos demais concorrentes; e

(ii) a situação “sub judice” não se integra nas previsões do artigo 70º-2 e do artigo 146º-2 do CCP.

Porém, faltava o conhecimento por todos os interessados de alguns documentos da ora C-I, conhecimento que devia ter ocorrido antes do relatório preliminar.

Ora, esse conhecimento ocorreu e podia ocorrer, sem prejuízo irremediável, entre o relatório preliminar e o relatório final; desde que entre um e outro houvesse lugar ao contraditório ou audiência prévia de todos os interessados, o que existiu.

Portanto, o facto de o júri ter dado cumprimento aos princípios obtidos a partir dos nºs 3 a 5 do artigo 66º do CCP (disposições legais que visam proteger os direitos e interesses de todos os concorrentes, incluindo do “faltoso”) apenas após o relatório preliminar e antes do relatório final constituiu uma ilegalidade formal-procedimental “sanável” e depois efetivamente “sanada”, atempadamente “sanada”, no sentido da sua integração no instituto da degradação das formalidades essenciais em meras irregularidades.

É assim, porque, antes do relatório final, o júri ainda podia cumprir plenamente os seus deveres decorrentes do art. 66º-3-4-5 cit. (i) sem violar irremediavelmente os direitos dos concorrentes e (ii) sem incorrer em violação do nº 2 do artigo 70º e do nº 2 do artigo 146º do CCP/2008.

E o facto de, a final, o sentido da proposta do júri, depois homologada pela entidade adjudicante, não se ter alterado só veio evidenciar o que nunca foi colocado em crise: que a proposta adjudicada era objetivamente a melhor proposta.

Pelo que, também nesta questão, o recorrente tem razão.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e, conhecendo em substituição, absolver os demandados dos pedidos.

Custas a cargo da autora em ambas as instâncias.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 19-12-2018

Paulo H. Pereira Gouveia – Relator

Pedro Marchão Marques

J. Gomes Correia




(1)Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt, Suhrkamp, 1993, ou Law as a Social System, Oxford, Oxford University Press, 2004. Rechtssoziologie, 2ª edição, Opladen, Westdeutscher Verlag, 1983.

(2)Ou seja, (1º) “aptidão finalística da medida que consta da decisão administrativa”: é o teste da mera adequação da medida; (2º) “indispensabilidade dessa medida”: é o teste da necessidade da medida; e (3º) “equilíbrio e racionalidade da decisão administrativa” ou “justa medida”: é o teste da proporcionalidade em sentido estrito ou teste do não excesso da medida que consta da decisão administrativa sindicada.

(3) Consideramos, talvez contra a prática (ou mesmo a teoria) comum, que a “fiscalização jurisdicional da proporcionalidade do exercício da função administrativa” é e deve ser de amplitude normal, ou seja, mais intensa do que a “fiscalização jurisdicional da proporcionalidade do exercício da função legislativa”.
Trata-se de, quanto ao “dever de proporcionalidade na função administrativa”, os tribunais administrativos, com referência (1º) ao artigo 7º do CPA e (2º) aos artigos 266º e 268º-4 da CRP, invalidarem todas as decisões administrativas que sejam excessivas ou desproporcionadas, independentemente da sua natureza manifesta ou não manifesta; logicamente sem que o tribunal possa proceder a escolhas administrativas. Cf. Mário Aroso, T.G.D.A., 5ª ed., pp. 87-88 e 92-98.
De menor intensidade, por razões amplamente conhecidas, é a “fiscalização jurisdicional da proporcionalidade (constitucional) das leis”, uma vez que a fiscalização da constitucionalidade à luz da máxima metódica da proporcionalidade se guia apenas pela Constituição e não, como se passa na “fiscalização da atividade de administração pública”, pelo central “princípio da legalidade administrativa” (a lei é o pressuposto, o fundamento e o limite das atividades de administração pública). Com efeito, as normas constitucionais ou legalmente reforçadas que parametrizam a função legislativa são normalmente mais abertas e imprecisas do que as que parametrizam a função administrativa; o autor da decisão legislativa tem legitimidade democrática, mas o autor da decisão administrativa não a tem normalmente.
Haverá desrespeito pelo “princípio da juridicidade administrativa” se a concreta tutela jurisdicional efetiva ficar à porta da desproporcionalidade administrativa não manifesta, isto é, se a tutela jurisdicional efetiva ficar à porta da desproporcionalidade apurada através do exercício regular ou típico da função jurisdicional ante a função administrativa do Estado. O único limite à fiscalização jurisdicional regular da proporcionalidade administrativa é, sublinhe-se, o princípio da divisão das funções do Estado.

(4)Devendo destacar-se (1º) que as Administrações Públicas se encontram impedidas de agir sem lei habilitante e (2º) que todo o agir administrativo se deve guiar pela busca do bem comum, através do respeito (i) pelo princípio fundamental da juridicidade administrativa (ou seja, obediência à lei, ao Direito, à igualdade de tratamento, à imparcialidade administrativa objetiva, à proporcionalidade administrativa, à boa fé e, ainda residualmente como padrões mínimos de conformidade com a razão justa, à justiça e razoabilidade) – artigos 3º e 6º ss do CPA, e (ii) pelo princípio jurídico da eficiência – artigo 5º do CPA.
É que o interesse coletivo a prosseguir, constante ou emanado da lei habilitante, é o fundamento, o limite e o critério do agir de administração pública. Cf. PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, I, p. 70.

(5)Isto, porém, num contexto em que uma pluralidade não harmonizada de preceitos normativos sobre a mesma matéria é cada vez mais frequente, em detrimento da segurança jurídica.

(6) Cf. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/R.E.O., Concursos e Outros…, p. 892.